Apelação Cível Nº 5009378-53.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: SULINA COMERCIO DE OLEOS LTDA (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito comum ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra a SULINA COMERCIO DE OLEOS LTDA, postulando o ressarcimento do erário das verbas despendidas com o pagamento de benefício de auxílio-doença e de pensão por morte decorrentes de acidente de trabalho sofrido pelo segurado Joedes Souza de Freitas, em 31 de outubro de 2016.
O INSS relatou que, em 31/10/2016, Joedes Souza de Freitas sofreu acidente de trabalho no estabelecimento onde funciona a planta industrial de fabricação e processamento de óleo vegetal, causando graves ferimentos no trabalhador, que vieram a ocasionar o seu falecimento depois de longo período de hospitalização. Afirmou que a responsabilidade do acidente é da empresa empregadora, em razão de inexistirem procedimentos de segurança para a operação da máquina que gerou o acidente. Asseverou que o principal risco da operação diz respeito à perda de controle sobre a reação química, resultando num superaquecimento do óleo, aumento de volume e geração de pressão excessiva, havendo assim possibilidade de perda de estanqueidade do reator e decorrente de vazamento de óleo em alta temperatura. Constou na AFT que, à época do acidente, nenhuma das medidas de segurança necessárias. Afirmou que na época do acidente, o acesso ao setor de reatores era livre.
Apresentada a contestação e devidamente processado o efeito, a sentença foi proferida com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, a fim de condenar a parte ré ao ressarcimento de todas as despesas com prestações decorrentes do pagamento dos benefícios previdenciários NB 616.515.340-6 e NB 178.424.421-7 que o INSS pagou ou ainda vier a pagar em decorrência do acidente laboral ocorrido com o segurado Joedes Souza de Freitas e que resultou no seu falecimento, até a data da liquidação ou após a liquidação.
O índice de correção monetária incidente é o INPC e a taxa de juros moratórios é de 1% ao mês, incidente desde o pagamento de cada parcela do benefício pelo INSS.
Nos termos do art. 85, §3º e § 4º, II, do CPC, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios sobre o valor da condenação, em percentual a ser definido por ocasião da liquidação do julgado. Ainda, condeno a parte ré ao pagamento de custas processuais.
Em apelação, a empresa ré alega: a) a ilegalidade na inversão do ônus processual da prova e a necessidade de manutenção da ordem legal; b) a nulidade da sentença diante do cerceamento de defesa decorrente da inversão do ônus da prova (vedação à decisão surpresa); c) que foi equivocado o recebimento de laudo produzido unilateralmente pelo Ministério do Trabalho como prova emprestada à luz do art. 372 do CPC; d) a inexistência de culpa da ré pelo Acidente de Trabalho; e) a inexistência de nexo causal direto do evento morte com o Acidente de Trabalho; f) que a sentença foi ultra petita em relação à condenação da apelante ao pagamento de correção monetária pelo INPC e juros de mora, devendo ser aplicada a SELIC em substituição.
Com contrarrazões do INSS, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Ônus da prova e alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa
Quanto ao ônus da prova, segue a regra geral de que incumbe ao autor a prova do fato constitutivo de seu pretenso direito, conforme art. 373, I, do CPC. Enfim, cabe ao INSS comprovar que a ré agiu com culpa ou dolo no acidente descrito na inicial.
Sobre a necessidade de prova da culpa do empregador, trago os precedentes que seguem:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. CULPA DO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADA.Consoante prescreve o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".Para a caracterização do dever de indenizar, é preciso que se comprove a presença de ação ou omissão do empregador, resultado danoso, nexo causal e, ainda, negligência em relação às normas de higiene e segurança do trabalho (art. 120 da LBPS). Hipótese em que não se verificou culpa do empregador. (TRF4, APELREEX 5017139-53.2014.404.7108, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 21/10/2015)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACIDENTE DE TRABALHO. ÔNUS DA PROVA. CULPA EXCLUSIVA DO EMPREGADO. NEXO CAUSAL. 1. Em se tratando de ação regressiva por acidente do trabalho, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social comprovar a ocorrência do evento lesivo que vitimou o segurado e o nexo causal entre esse fato e a conduta (omissiva ou comissiva) do empregador, e a este, o regular cumprimento de todas as normas de segurança, com a diligência necessária à eliminação ou redução dos riscos do trabalho, pois é quem dispõe dos elementos necessários para corroborar tal defesa. 2. Incumbe à ré comprovar a culpa exclusiva/concorrente do trabalhador no evento lesivo (art. 373, inciso II, do CPC), por se tratar de fator que interfere/rompe o nexo de causalidade que a autarquia previdenciária pretende demonstrar com os documentos acostados à inicial. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5043951-77.2018.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/05/2019)
Neste ponto, tem razão a apelante, devendo a valoração do acervo probatório disponível ser examinanda por esta ótica, o que aqui será feito. Esta circunstância, todavia, não induz o parcial provimento do apelo e tampouco acarreta a nulidade da sentença, conforme se verá a seguir.
De fato, a empresa recorrente aponta a nulidade da sentença pelo descumprimento da determinação constante dos artigos 11 e 373, §1º, do CPC, devendo ser determinada a reabertura da instrução processual, então com nova redistribuição dos ônus probatórios.
Ocorre que, examinando as fases do processo, verifico que no evento 52 o juiz assim determinou:
Trata-se de ação regressiva movida pelo INSS, postulando o ressarcimento do erário das verbas despendidas com o pagamento de benefício de auxílio-doença e pensão por morte, decorrentes de acidente de trabalho sofrido pelo ex-funcionário Joedes Souza de Freitas, em 31 de outubro de 2016.
A parte autora afirmou que não pretende produzir mais provas além das constantes dos autos, podendo o feito ser julgado no estado em que se encontra (evento 50).
Intime-se a parte ré para que diga se pretende produzir novas provas, apontando os fatos objeto da prova desejada e indicando a necessidade da prova, fundamentadamente, sob pena de indeferimento. Prazo: 15 dias.
Com a manifestação da parte ré ou decorrido o prazo, voltem conclusos.
(grifei)
A parte ré/apelante, então, veio aos autos, na petição do evento 55, manifestar-se, apenas aduzindo que realizou acordo trabalhista, no qual restou reconhecida a ausência de sua culpa no acidente de trabalho, sem requerer a produção de mais provas:
(...)
Deste modo, e outra vez ratificando todos os elementos de defesa já apresentados e que sequer foram contrapostos pela autora, requer seja dado prosseguimento ao feito, com o julgamento de integral improcedência da demanda, ante a inexistência de prova de responsabilidade da autora pela suscitado acidente acometido pelo segurado.
(...) grifei
Assim, não há que se falar em prova unilateral ou cerceamento de defesa no que se refere à adoção das conclusões do Laudo produzido pelo perito do Ministério do Trabalho, porque que à parte recorrente foi oportunizada, em ampla defesa, o acesso a todos os documentos dos autos, bem como manifestação acerca da necessidade de produção de outras provas, tendo ela pedido expressamente o prosseguimento da demanda.
Por outro lado, aqui cabe fazer importante distinção no que tange às conclusões do acordo trabalhista. Reproduzo os termos da Súmula nº 736 do STF:
"Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores".
Deste modo, na presente seara, não cabe indagar acerca do descumprimento das normas do trabalhistas; discute-se apenas a responsabilidade civil da empresa, calcada nas regras do Código Civil Brasileiro. Portanto, ainda que se possa admitir a prova ou elementos fáticos do processo trabalhista (que tenha sido ajuizado pelo segurado ou seus sucessores), trata-se apenas de aproveitamento de prova (prova emprestada) e não de exame da culpabilidade.
Assim, no caso dos autos, embora distribuído equivocadamente o ônus da prova, tal circunstância não acarretou prejuízo à parte apelante, restando afastadas as alegações de cerceamento de defesa e de nulidade da sentença.
Mérito
Considerações sobre a ação regressiva
A questão em debate refere-se à ação de regresso proposta pelo INSS com fundamento no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que preceitua:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Trata-se, assim, de responsabilidade civil subjetiva, na qual, além dos pressupostos (a) da ação ou omissão do agente, (b) do dano experimentado pela vítima e (c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano, deve ficar comprovada também (d) a culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Logo, torna-se necessária a verificação de conduta negligente no evento que ocasionou o acidente do segurado, para que se proceda à restituição pleiteada pelo INSS.
Atento que a ação regressiva está condicionada à prova inequívoca, por parte do INSS, do dano (consubstanciado no pagamento efetivo do benefício previdenciário) e da culpa do empregador em relação às regras inerentes a saúde e segurança no trabalho.
A controvérsia, portanto, circunscreve-se em verificar se houve de fato negligência por parte da empresa ré quanto às normas de segurança do trabalho, a influenciar para a ocorrência do sinistro.
Descrição do acidente laboral
Segundo o Laudo do Acidente, elaborado pelo MPT, assim foi descrito o infortúnio (Evento 1, LAUDO3):
De acordo com o relatado no referido Laudo, o segurado Joedes Souza de Freitas sofreu acidente de trabalho no estabelecimento onde funciona a planta industrial de fabricação e processamento de óleo vegetal. O óleo, em alta temperatura, atingiu-lhe o corpo, causando-lhe graves queimaduras.
Examinando as causas adicionais do acidente, relatadas no mesmo citado Laudo, não há controvérsia quanto ao acidente, tampouco quanto ao fato do óbito. A questão está em saber se houve culpa da ré para a sua ocorrência do sinistro e se o óbito do trabalhador decorreu do acidente sofrido.
Segundo o multicitado Laudo (Ev. 1, LAUDO3), esta era a atividade do trabalhador falecido:
Descrição da atividade:
A atividade envolvida no acidente diz respeito ao uso dos reatores de óleo vegetal. Tratam-se de tanques industriais de grande porte, interligados a sistemas de tubulação, onde o óleo vegetal é armazenado e sujeito a processo químico. Tal processamento gera aquecimento do óleo e de corrente expansão de volume e aumento de pressão sobre as paredes do tanque e válvulas do reator. O principal risco da operação diz respeito a perda de controle sobre a reação química, resultando em superaquecimento do óleo, aumento de volume e geração de pressão excessiva, havendo assim possibilidade de perda de estanqueidade do reator e decorrente vazamento de óleo em alta temperatura. Para evitar tal risco, são necessários dispositivos de monitoramento e controle das condições do óleo no interior do tanque, especialmente temperatura (para manter a reação quimica monitorada e sob controle), medidas de garantia de estanqueidade dos tanques e de alivio de eventual acúmulo de pressão excessiva caso eventualmente aja perda do controle da reação. Á época do acidente, nada disso havia. O acesso ao setor de reatores é livre.
A parte apelante alegou que, diferente do que constou no relatório do Ministério do Trabalho, o tanque de nº 06 não é enquadrado como Vasos de Pressão, pois não possui pressão interna ou externa que seja diferente da pressão atmosférica. Disse que o tanque misturador (Tanque 06) possui abertura na parte superior como tubulação de respiro, porta de inspeção e porta de entrada para a alimentação do produto, razão porque, diferentemente do relatado pela ação fiscal do MTE, e nos termos da NR13 não se faz necessário a instalação de válvula de alívio de pressão, pelo singelo fato de inexistir aplicação de pressão no equipamento.
A empresa recorrente também anexou, com a contestação, relatos dos demais funcionários que presenciaram o acidente (Ev. 18, ATA14, pág. 2), dentre os quais se relata a do funcionário Fagner L. Colares, que foi quem amparou o segurado no momento do acidente:
"Aproximadamente as 20h:10min o funcionário Joedes, me avisou que iria limpar o filtro da bomba de engrenagem em um local próximo ao tanque 06. Enquanto isto dentro do reator, o produto já estava aquecido acima de 100º C, mas não estava sendo agitado. Avisei o funcionário Joedes que iria testar o produto, agitando o tanque 06, o qual se encontrava próximo ao local que se encontrava o funcionário Joedes. Após o início do teste, escutei um ruído semelhante a uma panela de pressão e observei o produto sendo expelido de dentro do tanque, a uma altura superior a 2 metros. Após escutei o funcionário Joedes gritando, e saindo de onde estava, com o corpo coberto de óleo. Desliguei o agitador fui amparar o funcionário Joedes, retirando suas roupas e o levando até a frente da empresa".
A sentença recorrida, neste ponto, examinou bem a prova produzida nos autos, no sentido de reconhecer a responsabilidade exclusiva da empresa, em razão das ausência de condições seguras de trabalho, conforme o trecho a seguir, que acolho, como fundamento para decidir (evento 61):
(...)
Resta claro que a classificação do tanque 06 como sendo do tipo Vasos de Pressão, ou não, não é a questão central a ser discutida.
Não há dúvida de que o reator possuía abertura na parte superior, o que a empresa ré declarou em sua contestação, fato confirmado pelos funcionários que descreveram o momento do acidente (Ev. 18, ATA14, pag. 2).
Também está comprovado que o óleo quente saltou por essa abertura superior do reator, atingindo o funcionário vítima do acidente de trabalho. Assim também foi o relato do funcionário Bruno Barboza (Ev. 18, ATA14, pág.2):
"Estava próximo ao refeitório, esperando liberar a rampa para limpar o caminhão, quando observei, que o tanque 06 da empresa, estava expelindo óleo. Neste momento observei que o funcionário Fagner estava se direcionando para desligar o misturador. Poucos minutos depois, escutei os gritos do funcionário Joedes, solicitando socorro". O funcionário Bruno, relatou que foi ao encontro do acidentado para fazer o atendimento, retirando suas roupas e logo em seguida ligou paraa emergência (Bombeiros e SAMU) e não foi atendido.
Assim, o acidente do trabalho ocorreu em razão de óleo, a temperatura superior a 100ºC, ter sido expelido pela abertura superior do reator 06, atingindo o funcionário Joedes, que passava ou se encontrava próximo ao aquele tanque.
Tal circunstância corrobora o que posteriormente foi constatado no Relatório de Análise de Acidente de Trabalho, produzido pelo Ministério do Trabalho, Seção de Segurança e Saúde no Trabalho - SEGUR (Ev. 1, LAUDO3), quando o auditor-fiscal do trabalho menciona que o acidente foi provocado por más condições de segurança dos reatores. Houvesse sistema de controle de temperatura e volume, a reação química deveria ter sido suspensa ao serem atingidos os limites de segurançao pertinentes. E, mesmo que numa eventualidade viesse a ocorrer uma perda de controle da reação química e decorrente ocorrência de acúmulo de temperatura, pressão e volume em excesso, o reator deveria possuir dispositivos que garantissem sua estanqueidade, em especial sistemas de garantia de integridade de paredes e válvulas e sistema de alívio de pressão. (grifo nosso)
Com base na prova dos autos, resta comprovada as más condições de operação do tanque 06, que não foi capaz de estancar o óleo quente, o qual foi lançado e vitimou o funcionário Joedes.
O acidente ocorreu em 31/10/2016. O funcionário foi inicialmente atendido em Guaíba e encaminhado ao Hospital Cristo Redentor em 01/11/2016 para tratamento de grandes queimados, consoante documento do Evento 34, OFIC2, pág. 11.
Os prontuários médicos foram anexados nos Eventos 34 e 42 dos autos.
No Evento 34, OFIC2, pág. 56 consta que o Sr. Joedes teve choque séptico em 06/11/2016, choque hemorrágico em 11/11/2016, novo choque séptico em 28/11/2016, choque hemorrágico em 05/11/2016, choque hemorrágico grave em 05/12/2016 (Ev. 34, OFIC2, pág. 115),
Em exame de imagem realizado no Hospital Cristo Redentor em 18/01/2017 (Ev. 34, OFIC3, pág. 89) constou no sumário:
Sumário:
1. Pequenas hipodensidades no parênquima hepático. No contexto clínico, a hipótese de disseminação hematogênica de infecção deve ser incluída no diagnóstico diferencial, destacando-se a possibilidade de infecção fúngica.
2.Espessamento parietal do cólon ascendente, com as características acima descritas, inespecífico, que pode estar relacionado a processo inflamatório/infeccionso.
3. Derrame pleural bilateral, com áreas de atelectasia adjacentes.
No documento do Evento 34, OFIC2, pág. 44 consta a relação dos procedimentos realizados no Hospital Cristo Redentor. O documento é a nota de alta do Hospital Cristo Redentor e refere que a alta daquela instituição médica ocorrera em 19/01/2017 para encaminhamento ao Hospital Ernesto Dorneles. Na parte final da página 45 do documento mencionado (Ev. 34, OFIC2, pág. 45) constou:
Serviço de Controle de Infecção Hospitalar:
Informamos que esse paciente é portador de micro-organismo multiresistente (disponível no prontuário eletrônico). As medidas recomendadas para o paciente em ambiente de assistência à saúde são as precauções de contato (uso de avental e luvas na assistência ao paciente), em ambiente domiciliar nenhuma medida adicional será necessária. (grifo nosso)
O documento de entrada no Hospital Ernesto Dorneles faz menção à existência de infecção (Ev. 42, OFIC1, pág. 11):
Paciente transferido da UTI do hospital Cristo Redentor, após contado com Dra. Juliana.
Exames recentes apresentando melhora laboratorial, função renal preservada, eletrólitos ok. PCR muito elevada 172. HB 8,0 7.000 Leuc 14% bastões.
Foi retirada canula de traqueostomia ontem. Apresenta tosse produtiva com escarro sendo eliminado pelo orifício da TQT.
Segundo nota de transferência, vem apresentando vômitos, motivo pelo qual vem com SNG aberta em frasco e NPT que foi iniciada hoje.
Acesso central em subclávia direita, sem hipertermia.
TC de abdome de 18/01/2017 com pequenas hipodensidades no parenquima hepáticos, sugestivas de abcessos, espessamento colon ascendente sugestivo de processo inflamatório, derrame pleural bilateral.
Acordado, colaborativo, nega dor, refere tosse produtiva escarro pelo orifício da TQT, nega dispneia.
Chega SAT 88% em ar ambiente, com O2 SAT 92%.
PA: Taquicardico 117 bpm (grifo nosso)
O prontuário do Hospital Ernesto Dorneles evidencia que em 24/01/2017 o Sr. Joedes foi submetido à punção de abscesso hepático (Ev. 42, OFIC2, pág. 59), constatando-se sepse (Ev. 42, OFIC2, pág. 61) e que ao final do dia a sua situação de saúde passou a exigir ventilação com oxigenoterapia por máscara (Ev. 42, OFIC2, pág. 27),
Consta que no dia 26/01/2017 o choque séptico persistia no Sr. Joedes, consoante ecocardiograma transesofágico (Ev. 42, OFIC5, pág. 223 ou 3 de 80), anotando-se o óbito em 02/02/2017, às 16h54min (Ev. 42, OFIC7, pág. 423 ou 33 de 90).
A prova dos autos evidencia, portanto, que o óbito do Sr. Joedes não decorreu da transferência de hospital, mas de processo infeccioso decorrente do acidente sofrido e que já se encontrava presente no Hospital Cristo Redentor, não tendo sido revertido, mesmo com a transferência da unidade hospitalar.
A prova constante dos autos evidencia que a empresa demandada não cumpriu normas específicas de segurança do trabalho capazes de evitar o acidente ocorrido, configurando-se a sua negligência.
Nesse diapasão, vislumbra-se a ocorrência do óbito do funcionário da empresa ré em razão do acidente de trabalho sofrido.
(...)
Portanto, a prova produzida nos autos foi conclusiva no sentido da culpa da ré, em razão das más condições de segurança do reator de óleo vegetal. O reator que expeliu o óleo fervente no empregado deveria possuir dispositivos que garantissem sua estanqueidade, em especial sistemas de garantia de integridade de paredes e válvulas e sistema de alívio de pressão. O tanque 06 não foi capaz de estancar o óleo quente, o qual foi lançado e vitimou o funcionário Joedes.
Além disto, os prontuários médicos evidenciam que o óbito do Sr. Joedes não decorreu da transferência de Hospitais, mas de processo infeccioso decorrente do acidente sofrido e que já se encontrava presente no Hospital Cristo Redentor, situação que foi constatado na chegada ao Hospital Ernesto Dornelles.
Logo, quanto aos fatores causais do acidente, ficou comprovada a culpa exclusiva da empresa, assim como o nexo causal, situação que é corroborada por outro ponto do laudo técnico do Auditor Fiscal do Trabalho, que elencou os principais fatores que contribuíram para a ocorrência do acidente, relacionando medidas gerais de segurança que deixaram de ser adotadas pela ré (Evento 1, LAUDO3, fl. 3):
• Falha na concepção: reatores mal concebidos e impróprios para armazenamento de óleo sob reação química que provocou aumento de temperatura e volume. Não foi identificado projeto original dos mesmos.
• Sistemas de proteção ausentes em máquinas, equipamentos, ferramentas: Inexistência de dispositivos de monitoramento de temperatura e volume e sistema de alívio de pressão e de garantia de estanqueidade
Assim, resta inteiramente desprovida a pretensão recursal, devendo a recorrente ressarcir ao INSS os valores gastos com o pagamento de prestações e benefício previdenciários elencados na inicial.
Do Critério de Correção Monetária e dos Juros de Mora
A sentença determinou o seguinte:
O índice de correção monetária incidente é o INPC e a taxa de juros moratórios é de 1% ao mês, incidente desde o pagamento de cada parcela do benefício pelo INSS.
A correção monetária aplicada às condenações em ação regressiva promovida pelo INSS deve ser a mesma utilizada por essa autarquia para corrigir os pagamentos administrativos dos benefícios previdenciários, qual seja, o INPC, conforme se verifica pelos precedentes desta E. Corte:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. NEGLIGÊNCIA DO EMPREGADOR. 1. O nexo causal foi configurado diante da negligência da empresa empregadora, que deixou de aplicar procedimentos suficientes a proteger a integridade física dos seus trabalhadores. 2. O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas àquela destinada ao seguro de acidente de trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. 3. Aplica-se às condenações em ação regressiva promovida pelo INSS o mesmo índice utilizado por essa autarquia para corrigir os pagamentos administrativos dos benefícios previdenciários, qual seja, o INPC, conforme precedentes dessa Corte. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005722-69.2010.404.7100, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/08/2015)"
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. ACIDENTE DO TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. NEXO DE CAUSALIDADE. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO.1. Demonstrada a negligência da empresa quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91.2. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o segurado não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia.3. A atualização monetária das parcelas vencidas até junho/2009, desde a data de vencimento de cada uma, deverá ser feita pelo INPC, uma vez que se trata de benefício previdenciário (Resolução nº 134/2010, do CJF). São devidos juros moratórios à taxa de 1% ao mês, contados da citação, conforme mais recente posicionamento do STJ que enfatiza o caráter alimentar do benefício previdenciário. Entretanto, a partir de 29/06/2009, os juros moratórios e a atualização monetária deverão ser calculados na forma do disposto no art. 1°-F da Lei n° 9.494/97, consoante redação dada pela Lei n° 11.960/09.4. Com relação à condenação ao pagamento de honorários, considero devido o que fora determinado na sentença a quo, afastando-se a possibilidade de majoração da verba.5. Apelações desprovidas. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011442-25.2012.404.7107, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/08/2013)
Em relação ao termo inicial dos juros, sendo o presente caso de responsabilidade extracontratual decorrente de ato ilícito, os juros de mora devem incidir a partir da lesão sofrida e a razão de 1% ao mês (um por cento). Dessa forma, os juros de mora são devidos desde o evento danoso, de conformidade com a Súmula nº 54 do STJ.
Anoto que tal entendimento é amparado por recente julgamento desta Turma realizado na forma ampliada prevista no art. 942 do CPC/15.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. JUROS NA RAZÃO DE 1%. TERMO INICIAL DOS JUROS. EVENTO DANOSO. EFETIVO PAGAMENTO DE CADA PARCELA DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC. CAUÇÃO FIDEJUSSÓRIA (CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL). INAPLICABILIDADE. RECURSO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. A correção monetária aplicada às condenações em ação regressiva promovida pelo INSS deve ser a mesma utilizada por essa autarquia para corrigir os pagamentos administrativos dos benefícios previdenciários, qual seja, o INPC. 2. Os juros de mora devem corresponder à razão de 1% ao mês, e são devidos desde o evento danoso, de conformidade com enunciado da súmula nº 54 do STJ. Na espécie, o evento danoso coincide com a data em que a autora efetuou o pagamento de cada parcela do benefício previdenciário para o beneficiário. 3. A constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer outra obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001011-69.2016.404.7113, 3ª Turma, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/11/2017)
Portanto, a correção monetária deve ser feita pelo INPC e os juros de mora incidam a partir da lesão sofrida, à razão de 1% ao mês. Dessa forma, correta a sentença ao determinar a utilização do INPC, e não a SELIC, para fins de correção monetária.
Por fim, ainda que o INSS tenha requerido, na inicial, a aplicação da SELIC, o que se se verifica é que o a ação foi parcialmente procedente, e não procedente, o que constitui mero erro material, não havendo que se falar em sentença ultra petita.
Prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Embargos de declaração interpostos apenas para rediscutir a matéria são passíveis de condenação em multa, ante o seu caráter procrastinatório (§ 2º do art. 1.026 do CPC).
Honorários Advocatícios Recursais
Tendo em vista o trabalho adicional em grau recursal, acrescento 2% aos honorários advocatícios que serão fixados na liquidação de sentença consoante disposto no art. 85, §11 do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002712444v46 e do código CRC 375b18e0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 29/9/2021, às 17:21:44
Conferência de autenticidade emitida em 07/10/2021 04:01:00.
Apelação Cível Nº 5009378-53.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: SULINA COMERCIO DE OLEOS LTDA (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. apelação. AÇÃO REGRESSIVA. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. ACIDENTE DE TRABALHO. reator de Óleo vegetal. queimadura. falecimento de segurado. ônus da prova. descumprimento de NORMAS DE SEGURANÇA. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. COMPROVAÇÃO. correção monetária. INPC.
1. O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é claro ao vincular o direito de regresso da autarquia previdenciária à comprovação da negligência por parte do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva.
2. Quanto ao ônus da prova, segue a regra geral de que incumbe ao autor a prova do fato constitutivo de seu pretenso direito, conforme art. 373, I, do CPC. Enfim, cabe ao INSS comprovar que a ré agiu com culpa ou dolo no acidente descrito na inicial.
3. Caso em que a prova produzida nos autos foi conclusiva no sentido da culpa da ré, em razão das más condições de segurança do reator de óleo vegetal. O reator que expeliu o óleo fervente no empregado deveria possuir dispositivos que garantissem sua estanqueidade, em especial sistemas de garantia de integridade de paredes e válvulas e sistema de alívio de pressão.
4. Aplica-se às condenações em ação regressiva promovida pelo INSS o mesmo índice utilizado por essa autarquia para corrigir os pagamentos administrativos dos benefícios previdenciários, qual seja, o INPC, conforme precedentes dessa Corte.
5. Apelo desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002712445v7 e do código CRC b02e0a9f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 29/9/2021, às 17:21:44
Conferência de autenticidade emitida em 07/10/2021 04:01:00.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 28/09/2021
Apelação Cível Nº 5009378-53.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: MARINA CÂMARA ALBUQUERQUE por INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: SULINA COMERCIO DE OLEOS LTDA (RÉU)
ADVOGADO: LUCIANO DILLI (OAB RS058793)
ADVOGADO: ANAXIMENES RAMOS FAZENDA (OAB RS046202)
ADVOGADO: FABIANO DILLI (OAB RS069743)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 28/09/2021, na sequência 7, disponibilizada no DE de 15/09/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 07/10/2021 04:01:00.