Apelação Cível Nº 5027767-77.2018.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)
APELADO: PAULO ROBERTO DA CUNHA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença proferida em ação do procedimento comum, na qual se discutiu sobre pedido de aposentadoria especial a servidor público (médico do hospital universitário da UFSC) e recebimento de abono permanência.
A sentença julgou procedente em parte a ação, nos seguintes termos (
):(....)
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto:
1. EXTINGO PARCIALMENTE O FEITO sem resolução de mérito em relação ao pedido que contempla o período compreendido entre 22/12/1994 e 05/03/1997, à luz do artigo 485, VI, CPC.
2. JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos, resolvendo o mérito da ação, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Por conseguinte:
(a) reconheço o tempo especial prestado pela autora no período de 19/11/1986 a 31/01/1994 e de 06/03/1997 até 18/11/2019 (data do laudo); e
(b) condeno a UFSC a pagar à parte autora os valores retroativos a título de abono de permanência a partir de 18/06/2013, inclusive, e enquanto o servidor em questão permanecer em atividade. Deverão, ainda, ser descontados os valores adimplidos administrativamente a igual título. Juros e correção monetária conforme o tópico próprio desta sentença.
(c) Condeno a UFSC a implementar no prazo máximo de 30 dias a aposentadoria por tempo especial da parte autora, em razão da qual antecipo os efeitos da tutela.
3. Em face da sucumbência mínima, condeno a parte ré a ressarcir as custas antecipadas pela parte autora e os honorários periciais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios que, ponderados os critérios previstos nos incisos do § 2º do artigo 85 do CPC, fixo nos percentuais mínimos previstos em cada uma das faixas dos incisos do §3º do artigo 85 do CPC. A apuração do montante de honorários concretamente devido deverá ser feita em cumprimento de sentença, quando será possível saber a quantos salários-mínimos corresponderá o valor atualizado do benefício econômico obtido, nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do CPC.
4. Sem reexame necessário, nos termos do artigo 496, § 3º, I, do CPC. Interposto recurso voluntário, intime-se a parte apelada para contrarrazões e, oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos do artigo 1.010, §§ 1º e 3º, do CPC.
5. A Secretaria oportunamente arquive.
6. P.R.I.
Apela a parte ré (
), alegando que:(a) O tempo de serviço prestado perante a iniciativa privada, ainda que tenha sua especialidade devidamente comprovada – o que não é o caso dos autos – não pode ser considerado para obtenção de aposentadoria especial no serviço público;
(b) A caracterização do tempo de serviço especial obedece a legislação vigente à época da prestação do serviço. No caso dos autos, o recorrido não se desincumbiu do ônus de demonstrar a especialidade do labor trabalhado na iniciativa privada;
(c) Não pode o Judiciário determinar a “averbação nos assentos funcional do período exercido em condições especiais, somente para fins de aposentadoria especial”, mas a análise deve ser pela Administração Pública.
Pede, assim, a concessão de efeito suspensivo ao recurso e o provimento da apelação para reformar a sentença.
Foram apresentadas contrarrazões (
).O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
Examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de procedência proferida pelo juiz federal Leonardo Cacau Santos La Bradbury, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:
(...)
Mérito
Conforme relatado, a parte autora busca, na qualidade de servidor público federal (médico do hospital universitário da UFSC), o reconhecimento de seu direito à aposentadoria especial e a implantação imediata do benefício em questão, com direito ao recebimento do abono de permanência retroativo a 18/06/2013.
Para tanto, o pleito autoral mira a realização de contagem recíproca de tempo especial, por contemplar tanto o período em que era vinculado ao RGPS pela iniciativa privada (de 19/11/1986 a 13/01/1994), quanto aquele que se inicia com o seu ingresso nos quadros da UFSC, em 22/12/1994, até a data de seu requerimento administrativo, em 18/06/2018.
No tocante ao período em que passou para o regime próprio, diante da ausência de interesse processual reconhecido de ofício em relação ao período compreendido entre 22/12/1994 e 05/03/1997, remanesce passível de análise apenas o período entre 06/03/1997 e 18/06/2018, o que passo a fazer.
Tempo especial
A possibilidade de adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria ao servidor público que tenha trabalhado exposto a agentes insalubres encontrava-se prevista no § 4º do artigo 40 da Constituição Federal:
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Diante da ausência de regulamentação do referido dispositivo, e tratando-se de período anterior à Emenda Constitucional 103/2019, foi editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula Vinculante 33, com o seguinte teor:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Possível, portanto, a concessão de aposentadoria especial ao servidor público, inclusive com a utilização de tempo especial trabalhado após a promulgação da Lei 8.112/90.
Tempo especial - caso concreto
A respeito do tempo de atividade prestado em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física da parte autora, para fins de concessão de aposentadoria especial, a Coordenadoria de Aposentadorias, Pensões e Exonerações da UFSC (CAPE/DAP) emitiu parecer médico-pericial reconhecendo o enquadramento dos períodos de: (a) 22/12/1994 a 31/10/1996, na Divisão de Tocoginecologia do HU; e (b) de 01/11/1996 a 05/03/1997, no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HU.
Deixou de ser enquadrado pela UFSC como tempo especial na via administrativa: [i] os período anteriores ao ingresso da parte autora nos quadros da universidade, ou seja, de 19/11/1986 a 25/10/1993 (Interclínicas Serviços Médico-Hospitalares Ltda.) e de 22/07/1992 a 13/01/1994 (Fundação de Amparo e Pesquisa e Extensão Universitária); [ii] de 06/03/1997 a 06/05/1999, no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HU; [iii] de 07/05/1999 a 07/05/2003, no Serviço de Tocoginecologia do HU; e [iv] de 08/05/2003 a 20/07/2018, no Serviço de Atenção a Saúde do Campus do HU.
Os vínculos junto ao RGPS encontra-se comprovados na Certidão de Tempo de Contribuição disponível nos autos [ev1, PROCADM5, p. 31].
Por conta disso, o período laboral não enquadrado como prestado sob condições especiais no Hospital Universitário, e discutido nestes autos, refere-se ao intervalo de tempo compreendido entre 06/03/1997 e 18/06/2018, no total de 21 anos, 3 meses e 13 dias.
O perito judicial não elaborou o laudo conforme o período acima, tendo-o divido em vários outros períodos de menor duração cada, alterando-os de acordo com as mudanças de lotações da parte autora no âmbito do HU da UFSC, ocorridas no decorrer dos anos.
Em relação ao período de 22/12/1994 a 02/03/2014, o perito assim se manifestou acerca das condições de trabalho na Enfermaria da Ginecologia e Centro Obstétrico do HU, conforme passagem extraída do item 11.1 do Laudo Técnico a seguir transcrita [ev65, LAUDO1, p. 18]:
[...] as atividades foram enquadradas com insalubres em Grau Máximo (20%), com exposição habitual e permanente, conforme entendimento deste Perito, por analogia, de acordo com o previsto no Anexo Nº 14 – Agentes Biológicos, da NR 15, da Portaria Nº 3.214, de 08/06/1978
O período entre 03/03/2014 e 02/03/2015 deixou de ser analisado pelo perito, em razão de a parte autora se encontrar afastada justificadamente do serviço público por motivo de acidente de trabalho à época. Assim, sua análise pulou para 03/03/2015, estendendo-se até a data de expedição do laudo, o que cobre todo o período remanescente não reconhecido pela UFSC e relativo ao regime próprio.
A respeito, o perito se manifestou no sentido de que as atividades desenvolvidas pela parte autora no Serviço de Atendimento à Saúde da Comunidade continuavam a lhe submeter a uma exposição habitual e permanente a agentes biológicos, conforme passagem do item 11.3 do mesmo laudo [ev65, LAUDO1, p. 18]:
Logo, entende este perito, que neste período as atividades desenvolvidas pelo autor são enquadradas como Insalubre em Grau Médio (10%), 'atividades em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana', de acordo com a Norma Regulamentadora (NR) 15 - Atividades e Operações Insalubres, Anexo Nº 14 – Agentes Biológicos, com de exposição habitual e permanente.
Conforme se observa, restou comprovada a exposição habitual e permanente a agentes biológicos durante todo o período de trabalho junto ao HU, não havendo a ré se contrapondo especificamente às afirmações e conclusões do laudo, ainda que o perito tenha se insurgindo pontualmente contra o grau de insalubridade nele declarado para períodos isolados.
Tal questão, aliás, não tem qualquer relevância para a solução do caso, uma vez que o enquadramento ocorre pela exposição a agentes qualitativos, e não quantitativos, e pelo fato de o tempo de exposição perseguido pela parte autora ser de 25 anos.
Necessário constar que a assistente técnica da UFSC, em sua manifestação, alinhou-se ao laudo pericial, reconhecendo a necessidade de enquadramento pela comprovação da exposição para os períodos posteriores a 06/03/1997 e 18/11/2003. [ev70, OUT2]
É de conhecimento deste juízo que o STF, por ocasião do julgamento do RE 664.33/SC, sob o regime do § 3º do artigo 543-B do CPC, sedimentou o entendimento de que, caso o Equipamento de Proteção Individual (EPI) seja realmente capaz de neutralizar a nocividade do agente, não haveria respaldo constitucional ao reconhecimento da atividade especial, sendo desnecessária a análise da eficácia do EPI tão somente em relação à exposição ao agente ruído.
Diante de tal entendimento, há que se ponderar acerca da possibilidade de afastamento da especialidade em razão da utilização de Equipamento de Proteção Individual - EPI pela parte autora.
Quanto ao ponto, o perito judicial apenas descreveu os EPI utilizados (luva de procedimentos não cirúrgicos sem pó, luvas cirúrgicas de látex estéril lubrificada com pó, máscara cirúrgica e óculos de proteção), sem atribuir a estes a capacidade ou não de neutralizar a nocividade dos agentes biológicos a que a parte autora estava continua e permanentemente exposto.
Com relação aos agentes considerados especiais por critério qualitativo, caso dos autos, não há se conceber a eficácia do EPI. O mero risco decorrente da exposição permanente do segurado a seus efeitos é suficiente ao reconhecimento das condições especiais de trabalho. E assim o é porque a função do EPI, conforme se extrai do artigo 58, §2º, da LBPS, é diminuir a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância, o que, por definição, não se compatibiliza com o conceito qualitativo de nocividade.
No que toca ao critério quantitativo, para fins de mero registro (já que não é esta a hipótese dos autos), não se considera o afastamento da insalubridade pelo uso de EPI até 02/12/1998 ante a ausência de previsão legal. Somente após tal marco temporal, decorrente da edição da MP 1.729/1998, precisa haver prova efetiva da eliminação da nocividade pelo EPI.
Não só. Ao julgar em definitivo o IRDR n. 15 (autos 5054341-77.2016.4.04.0000), a corte de superposição desta Quarta Região estabeleceu um "roteiro resumido" definindo o passo a passo obrigatório para aferição da (in)salubridade do ambiente laboral. Esse "roteiro" previu hipóteses de dispensa de perícia para apuração de eficácia do EPI em casos em que sua ineficácia é reconhecida - vale dizer, em casos de análise qualitativa do agente nocivo, nos quais a mera exposição do trabalhador já traz riscos à sua saúde, sabidamente não afastados pela utilização do equipamento de proteção.
Dentre as hipóteses taxativas estão: [i] ruído; [ii] agentes biológicos; [iii] agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, tais como asbesto (amianto) e benzeno; [iv] periculosidade, tal qual a eletricidade e risco de confronto iminente (vigilante); [v] calor; [vi] radiações ionizantes; e [vii] trabalhos sob condições hiperbáricas ou sob ar comprimido.
Assim, basta a prova da efetiva exposição a tais agentes a fim de que se possa reconhecer a insalubridade, afigurando-se despicienda a discussão relativa ao EPI. Portanto, apesar de seu uso, a parte autora continuou sujeita a atividades especiais, nocivas à saúde e integridade física, a autorizar o enquadramento de todo o período.
No tocante aos períodos em que a autora eventualmente esteve em afastamento em razão de acidente de trabalho, entendo que não impede o cômputo do tempo especial, em observância ao decidido pela 3ª Seção do TRF4 no julgamento do Tema 8 do IRDR, que versava justamente sobre períodos de auxílio-doença e tempo especial:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 8. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação doa moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.
(TRF4, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Seção) Nº 5017896-60.2016.404.0000, 3ª Seção, Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 26/10/2017)
Destaco que o referido IRDR 8 foi confirmado pelo STJ no Tema 998 originando a seguinte tese, a qual entendo que também possui aplicação no âmbito do RPPS em períodos anteriores à EC 103/19:
O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.
Logo, possível o enquadramento como tempo especial do período de 06/03/1997 a 18/06/2018, no total de 21 anos, 3 meses e 13 dias que, somados àquele período já reconhecido na via administrativa, totaliza um tempo de exposição de 23 anos, 5 meses e 27 dias (de 22/12/1994 a 18/06/2018).
Assim, passo a analisar a parcela do pedido relativa à contagem recíproca.
Contagem recíproca
No âmbito privado, a aposentadoria especial foi inserida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS), que previu como fato gerador a atividade profissional considerada penosa, insalubre ou perigosa, conforme decreto do Poder Executivo.
Em regulamentação à norma acima, foram editados os Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, que previam as categorias profissionais com funções especiais. Assim, até a edição da Lei 9.032/1995, para que o tempo de serviço especial seja incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, mostra-se suficiente o enquadramento a uma das categorias profissionais previstas em tais decretos ou, ainda, a comprovação da exposição habitual (Súmula 49 da TNU) aos agentes nocivos ali relacionados, por meio de formulários SB-40 e DSS-8030, sendo exigido laudo técnico quanto aos agentes quantitativos (que dependam de medição técnica), a exemplo do ruído e calor.
Nessa conformação inicial, a profissão de médico se enquadrava como atividade especial independentemente da efetiva exposição a agentes nocivos, já que arrolada nos quadros insertos nos Decretos 53.831/64 ou 83.080/79, o que perdurou até o advento da Lei 9.032/95, sendo prescindível, desse modo, a produção de prova acerca das condições efetivas em que exercidas as atividades pela parte autora até 28/04/1995.
Ademais, não foi por outra razão que a própria assistente técnica da UFSC consignou que, até 28/04/1995, caberia ao setor administrativo da universidade avaliar o enquadramento por atividade, que assim não o fez. [ev70]
Como o tempo na iniciativa privada da parte autora como médico é anterior ao advento da Lei 9.032/95, compreendendo o período de 19/11/1986 a 13/01/1994, desnecessária a prova da sua exposição permanente, não ocasional ou intermitente, às condições especiais, legalmente presumida.
Logo, possível o enquadramento do tempo especial de 19/11/1986 a 13/01/1994, no total de 07 anos, 1 meses e 25 dias. Superada a marca de 25 anos de atividade insalubre, considerados todos os períodos até aqui enquadrados, o pedido de aposentadoria especial é procedente.
No ponto, incide o disposto no artigo 99 da Lei 8.213/1991:
Art. 99. O benefício resultante de contagem de tempo de serviço na forma desta Seção será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.
Com efeito, tratando-se de servidor público federal vinculado à UFSC, sujeito ao Regime Próprio de Previdência Social por ocasião do requerimento de aposentação, a pretensão deve ser direcionada à universidade, o que a posiciona como legítima ocupante do polo passivo da demanda.
Nesse sentido, os seguintes precedentes do TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONTAGEM RECÍPROCA. SEGURADO NÃO VINCULADO AO RGPS NA DER. ART. 99 DA LEI 8.213/91. CONTAGEM RECÍPROCA.
1. O benefício de aposentadoria deve ser requerido pelo segurado junto ao regime a que estiver então vinculado, não podendo optar aleatoriamente pelo regime de aposentação.
2. É possível a contagem recíproca de tempo de serviço exercido com vínculo a regime próprio, mediante a indenização dos sistemas de previdência. Não obstante, o seu aproveitamento não pode ser efetivado para a obtenção de benefício no Regime Geral se não houver retorno a este após o exercício de labor junto ao outro sistema, consoante art. 99 da LBPS.
(TRF4, AC 5015226-77.2016.4.04.7201, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 16/12/2019)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO RESULTANTE DE CONTAGEM RECÍPROCA. REQUERIMENTO PERANTE O REGIME AO QUAL O INTERESSADO ESTIVER VINCULADO NA DER. ART. 99, LEI Nº 8.213/91. OBRIGAÇÕES SUCUMBENCIAIS.
1. O benefício resultante da contagem recíproca de tempo de serviço será concedido e pago pelo sistema ao qual o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação, consoante prevê o art. 99 da Lei nº 8.213/91.
2. Mantidas as obrigações sucumbenciais fixadas na sentença. Exigibilidade suspensa em face do deferimento do benefício da Assistência Judiciária Gratuita à parte autora.
(TRF4, AC 5001105-09.2015.4.04.7127, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 07/05/2020)
Cabe esclarecer que, embora a parte autora almeje o reconhecimento de tempo especial pelo exercício da profissão de médico em regimes diferentes, o faz sem a necessidade de conversão do período celetista em tempo comum, pelo fator 1,4.
Quanto a isso, a jurisprudência do STJ, por meio do julgamento do EREsp 524.267/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 24.3.2014, havia sedimentado o entendimento de que, no âmbito da contagem recíproca de tempo de serviço, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão da expressa vedação legal (artigos 4º, I, da Lei n. 6.226/1975 e 96, I, da Lei n. 8.213/1991).
Ocorre que por ocasião do julgamento do RE 1.014.286, apreciando o tema 942 de repercussão geral, no qual se discutia a possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada, o Plenário do STF fixou a seguinte tese, em sentido contrário àquela firmada pelo STJ, a pouco mencionada:
"Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República"
O Plenário do STF possibilitou a conversão do tempo especial em comum por ocasião do julgamento de mérito do RE 1.014.286, ocorrido em 31/08/2020 e publicado no DJE n. 228, de 14/9/2020, inaugurando uma virada jurisprudencial sobre o tema, ao menos para as situações anteriores à edição da EC 103/2019.
Apesar de autorizada, desnecessária a conversão de tempo especial em comum no presente, uma vez que a parte autora possui mais de 30 anos de tempo especial na mesma atividade e a conversão só faz sentido quando não preenchido o requisito para a concessão da aposentadoria especial.
Abono de permanência
O abono de permanência encontrava-se previsto no § 19 do artigo 40 da CF, conforme a redação conferida pela Emenda Constitucional 41/03:
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.
O abono de permanência é devido desde a data em que foram cumpridos os requisitos, independentemente de formalização de requerimento administrativo, e de acordo com a lei regente à época. Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. TEMPO ESPECIAL. ABONO DE PERMANÊNCIA. DIREITO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE.
1. A partir da publicação da Súmula Vinculante 33, a administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, deve aplicar a seus servidores, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre a aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4º, III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
2. Implementados os requisitos para a aposentadoria especial e permanecendo o servidor em atividade, faz jus ao recebimento do abono de permanência (art. 40, § 19, da CF/88) desde então, independente de requerimento administrativo.
3. Em relação ao termo inicial do abono permanência, a jurisprudência é firme no sentido de considerá-lo como a data em que estiverem presentes os requisitos para a aposentação, sendo desnecessário o requerimento.
(TRF4, Apelação/Remessa Necessária 5002455-88.2016.4.04.7000, Terceira Turma, Relator Rogério Favreto, julgada em 25/02/19)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ABONO DE PERMANÊNCIA. PSS. ATRASADOS. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO.
- Acerca da prescrição, com base no princípio da actio nata, somente a partir do ato administrativo que reconheceu a aposentadoria do autor com proventos integrais, com base na conversão de tempo efetivada pela ON SRH/MP 10, de 5-11-2010, é que se tornou possível contar o prazo qüinqüenal de prescrição para a pretensão posta em juízo. Com efeito, não é razoável supor que o autor devesse pleitear antes um direito que sequer sabia ser integrante de seu patrimônio jurídico.
- Sobre o prévio requerimento administrativo, esta Corte tem decidido por desnecessária a prévia e expressa opção do servidor em receber o abono de permanência, "na medida em que a opção do servidor em permanecer em serviço se depreende da própria inexistência de requerimento de aposentadoria, esta sim condicionada ao pedido do servidor. Na ausência deste, o servidor automaticamente faz jus ao abono de permanência." (AC 5014137-07.2011.404.7100 - Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria).
- Reconhecido, no âmbito administrativo, o direito do autor ao abono de permanência, tem ele direito ao pagamento dos valores correspondentes. Não pode a Administração Pública recusar o mencionado pagamento, quando já transcorreu tempo suficiente para a sua inclusão no orçamento, não sendo cabível que o servidor aguarde, indefinidamente, o pagamento de verba a que tem direito.
- Relegada para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de atualização monetária e juros a serem aplicados no período posterior à entrada em vigor da Lei 11.960/2009 (período a partir de julho de 2009, inclusive), quando provavelmente a questão já terá sido dirimida pelos tribunais superiores.
(TRF4, Apelação/Remessa Necessária 5001888-50.2013.4.04.7101, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgada em 17/08/16)
Com o reconhecimento do tempo especial, nos itens precedente desta sentença, a parte autora reuniu os requisitos para a concessão da aposentadoria especial em 26/10/2012, o que implica reconhecer que foram perdidos pela prescrição as parcelas anteriores a 18/06/2013.
Permanência em atividade especial após a aposentação
Cabe fazer uma breve consideração acerca da incompatibilidade com a eventual permanência da parte autora no exercício de atividade insalubre após o recebimento de aposentadoria especial, que aqui se pleiteia.
O Plenário do STF ao apreciar o Tema 709 de Repercussão Geral, no julgamento do RE 791.961, decidiu pela constitucionalidade do artigo 57, §8º, da LBPS, firmando a seguinte tese:
I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.
Assim, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, o benefício previdenciário em questão deverá ser cessado.
Dos juros e da atualização monetária
O Plenário do STF, concluindo o julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810), definiu que, no tocante às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, os juros de mora serão aplicados com base nos índices aplicados à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, pela redação dada pela Lei 11.960/2009, e a correção monetária consoante o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), a todas as condenações impostas à Fazenda Pública. Já em relação ao indébito tributário, os respectivos valores deverão ser corrigidos e atualizados pela taxa SELIC.
O STF não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/09, no que tange à atualização monetária, sendo aplicável o IPCA-E para fins de correção monetária a partir de janeiro de 2001, nos termos do Tema 810.
Portanto, estabeleço, no caso em questão, como consectários legais: a) juros moratórios de forma equivalente ao índice de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, nos termos do estabelecido no manual de cálculo, item 4.3.2; b) correção monetária com base no IPCA-E.
Da antecipação dos efeitos da tutela
Nos termos da redação do artigo 300 do Código de Processo Civil e de seus parágrafos, o juiz poderá conceder a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciam a "probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo". De outro lado, a "tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (§ 3º).
Firmada a probabilidade do direito nas considerações acima, o perigo de dano milita em favor do impetrante, porquanto a pretensão aqui vertida busca aparelhar pedido de aposentadoria, cuja eventual demora em seu reconhecimento, além de obrigar o servidor a continuar a trabalhar contra a própria vontade em condições insalubres, retira deste um ativo que é insubstituível a todos: o tempo.
(...)
O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença, pois foi devidamente analisado o caso e foram implementados os requisitos legais para a concessão da aposentadoria à parte autora.
Superados os 25 anos de atividade insalubre, considerados todos os períodos enquadrados, de acordo com a legislação em vigor à época em que efetivamente exercidas as atividades, o pedido de aposentadoria especial deve ser procedente.
Oportuno ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula Vinculante nº 33, pacificou a questão referente à concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos vinculados a Regime Próprio, ao determinar a aplicação das regras do Regime Geral Previdência Social até a edição de lei complementar específica.
Ademais, implementados os requisitos para a aposentadoria e permanecendo o servidor em atividade, faz jus ao recebimento do abono de permanência desde então (art. 40, § 19, da CF/88).
Inexiste empecilho à extensão do direito à percepção do abono permanência aos servidores públicos beneficiados pela aposentadoria especial, tendo em vista que a Constituição Federal não restringe a concessão da referida vantagem apenas aos servidores que preenchem os requisitos necessários para a aposentadoria voluntária comum. A matéria já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Tema 888 de Repercussão Geral, reafirmando a jurisprudência para reconhecer o direito de servidores públicos abrangidos pela aposentadoria especial ao pagamento do abono de permanência previsto no art. 40, §19, da Constituição.
Assim, voto por manter a sentença e negar provimento à apelação.
Honorários advocatícios relativos à sucumbência recursal
A majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, conforme preconizado pelo STJ, depende da presença dos seguintes requisitos: (a) que o recurso seja regulado pelo CPC de 2015; (b) que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido; (c) que a parte recorrente tenha sido condenada em honorários no primeiro grau, de forma a poder a verba honorária ser majorada pelo Tribunal. Atendidos esses requisitos, a majoração dos honorários é cabível, independentemente da apresentação de contrarrazões pela parte recorrida.
No caso dos autos, estão presentes os requisitos exigidos pela jurisprudência, impondo-se a majoração em desfavor do apelante. Com base no art. 85, §11, do CPC de 2015, majoro os honorários advocatícios em 10%, percentual incidente sobre a verba honorária fixada na sentença.
Prequestionamento
Para evitar futuros embargos, dou expressamente por prequestionados todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais indicados pelas partes no processo. A repetição de todos os dispositivos é desnecessária, para evitar tautologia.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5027767-77.2018.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)
APELADO: PAULO ROBERTO DA CUNHA (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA. SERVIDOR PÚBLICO. TRABALHO PRESTADO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. RECONHECIMENTO. Súmula Vinculante 33. ABONO DE PERMANÊNCIA.
1. Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. Possível, portanto, a concessão de aposentadoria especial ao servidor público, inclusive com a utilização de tempo especial trabalhado após a promulgação da Lei 8.112/90.
2. Completado o tempo necessário para a aposentadoria, o autor tem direito ao abono de permanência.
3. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004289464v5 e do código CRC 8810d23b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 22/02/2024 A 29/02/2024
Apelação Cível Nº 5027767-77.2018.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)
APELADO: PAULO ROBERTO DA CUNHA (AUTOR)
ADVOGADO(A): LUIZ GONZAGA DA CUNHA (OAB SC007386)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/02/2024, às 00:00, a 29/02/2024, às 16:00, na sequência 319, disponibilizada no DE de 08/02/2024.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Juiz Federal GERSON GODINHO DA COSTA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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