Apelação Cível Nº 5000888-54.2014.4.04.7109/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000888-54.2014.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: ELIANE SIMOES PIRES PACHECO (RÉU)
ADVOGADO(A): LUIS CARLOS PRESTES GIRIBONE (OAB RS071694)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
INTERESSADO: JOAO CARLOS ROCHA FRANCO - REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO (RÉU)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente ação de manutenção de posse, nos seguintes termos:
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito as preliminares, e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos vertidos na inicial, resolvendo o mérito da causa e concluindo a fase cognitiva do processo, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
a) declarar o direito ao autor Ourique Pires Ribeiro a ser mantido na posse, área 41, 929 ha, localizada na localidade de Palmas no Município de Bagé, nos termos da fundamentação.
b) Determinar a retirada de animais de propriedade da Sra. Eliane Simões Pires Pacheco e do Sr. João Carlos da Rocha Franco se porventura existentes na área declarada.
Sem custas processuais e honorários advocatícios, tendo em vista ser incabíveis honorários advocatícios na espécie, frente a vedação da percepção desses numerários pelo MPF (CF, art. 128, §5º, II, a).
Interposta apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões, e remetam-se os autos ao Tribunal. Transitada em julgado esta decisão, certifique a Secretaria tal circunstância, e, depois, intime-se a parte interessada para que dê prosseguimento à fase executiva.
Publicação e registro autuados eletronicamente. Intimem-se.
Em suas razões, a ré Eliane Simões Pires Pacheco alegou que: (1) o Ministério Público Federal é parte ilegítima para figurar no polo ativo da demanda, porquanto (1.1) consoante disposto no art. 129, inciso II, da Constituição Federal, o órgão ministerial possui legitimidade para ajuizamento de ação civil pública na defesa de interesses coletivos e difusos coletivos homogêneos, mas, no caso em análise, trata-se de direito divisível de titularidade determinada, ou seja, direito individual disponível, e (1.2) o art. 127, CF, legitima o MPF para ajuizar ação civil pública, mas somente para defender interesses sociais e direitos individuais indisponíveis; (2) a sentença encontra-se desconexa com o conteúdo probatório carreado aos autos e está alicerçada, tão somente, em depoimentos das testemunhas da parte autora, desprezando todas as declarações acostadas pela apelante, inclusive com oitiva em juízo; (3) como se não bastassem os depoimentos de moradores daquela localidade para comprovar as inverdades trazidas na exordial, o próprio Sr. Ourique, através de escritura pública declaratória, narrou que seu pai sempre utilizou, aproximadamente, uma área de 3,5 hectares (evento 20 dos autos originários); (4) o debate acerca da área é objeto do procedimento administrativo n.º 54220.000397/2005-97, o qual irá originar, caso necessário, demanda autônoma que seguirá a legislação disciplinadora da matéria, não podendo ser discutida área de forma fracionada e nos moldes aqui postos; (5) a ação a ser desenvolvida passaria pela identificação dos proprietários e o procedimento de desapropriação, entre outras medidas cabíveis, de modo que a via eleita não tem o condão de alcançar sentença de procedência do pedido.
Apresentadas contrarrazões recursais, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal exarou parecer, manifestando-se pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na petição inicial, o juízo a quo manifestou-se, nos seguintes termos:
I - RELATÓRIO
Trata-se de ação de manutenção de posse e interdito proibitório com pedido de liminar, ajuizada pelo MPF em face de ELIANE SIMÕES PIRES PACHECO e JOÃO CARLOS ROCHA FRANCO.
Nos dizeres da inicial, os demandados, proprietários rurais, estariam colocando animais (aproximadamente 18 animais) em área que integra a Comunidade Quilombola de Palmas, onde atualmente reside o Sr. José Ourique Pires Ribeiro (conhecido como 'Seu/Sr. Ourique'), membro daquela Comunidade e morador da área há mais de 70 (setenta) anos. A demandada Eliane Simões Pires Pacheco relatou ao MPF que a área em discussão pertence a cinco herdeiros, dos quais um já é falecido, sendo tais herdeiros proprietários do imóvel rural sob análise. Em reunião ocorrida na sede da Procuradoria da República em Bagé, o demandado João Carlos referiu que mantém parceria com a demandada Eliane, e coloca animais em aproximadamente 46ha, sendo que, segundo ele, o Sr. Ourique tem a posse apenas de 4ha.
O MPF (autor) afirma que a turbação da posse ocorreu a partir de 26/09/2013, portanto a menos de 'ano e dia' em relação ao ajuizamento desta ação. Esclarece que tramita na Procuradoria da República em Bagé/RS o Inquérito Civil nº 1.29.001.000052/2007-87, o qual tem por objeto acompanhar o processo de regularização das terras da Comunidade Quilombola da localidade de Palmas, localizada em Bagé/RS, já existindo, inclusive, procedimento instaurado perante o INCRA nesse sentido, com o fito de definir a posse e domínio das terras. Ressalta, todavia, que a presente demanda judicial versa especificamente sobre a posse (e não domínio) da fração de terra denominada 'Campo do Sr. Ourique'.
Afirma que pretende "tutelar os interesses indisponíveis da sociedade e da Comunidade Quilombola de Palmas como um todo (de forma mediata/indireta), bem como os interesses do Sr. José Ourique Pires Ribeiro/Sr. Ourique (de forma imediata/direta), membro da Comunidade Quilombola de Palmas, o qual está sofrendo, em área por ele ocupada há mais de 70 (setenta) anos (área denominada como 'Campo do Sr. Ourique', com aproximadamente 40 ha.), atos de turbação à sua posse, os quais estão sendo levados a efeito por parte dos demandados".
Requer: a) a concessão de liminar possessória, consoante o disposto no art. 928 do Código de Processo Civil, para fins de se determinar a manutenção da posse do Sr. José Ourique Pires Ribeiro (Sr. Ourique) em relação à área objeto da demanda, com a expedição de ordem judicial em face dos demandados para a retirada dos animais de sua propriedade que lá se encontram; b) a expedição de ordem de interdito proibitório em face dos demandados, nos termos dos arts. 932 e 933 do Código de Processo Civil, de forma a prevenir a futura execução de atos de turbação ou esbulho, garantindo-se, dessa forma, a manutenção da proteção possessória ao membro da Comunidade Quilombola de Palmas, Sr. Ourique;(...).
A liminar foi deferida, ev. 3.
Citada a ré Eliane Simões Pires Pacheco contestou o feito. Alegou em preliminar a ilegitimidade ativa do MPF e no Mérito sustenta que o Sr. Ourique nunca exerceu a posse integral da área, objeto da demanda. Aduz que incumbe ao autor comprovar, nos termos do art. 927 do CPC a sua posse, a turbação por parte dos réus e a perda da posse circunstâncias que não se mostraram presentes no caso em tela. Requereu a improcedência da demanda.
Da decisão que deferiu a liminar foi interposto Agravo de Instrumento n.5004682-70.2014.4.04.0000 ao qual foi dado provimento.
O INCRA peticionou informando seu interesse na causa e requerendo o ingresso no feito na condição de assistente simples da parte autora.
A ré juntou Escritura declaratória de exercício de posse de área de imóvel rural, supostamente feita pelo Sr. Ourique.
Uma vez Citada e não tendo apresentado Contestação, foi decretada a revelia do corréu João Carlos Rocha Franco.
A parte autora apresentou Réplica e rol de testemunhas.
A ré apresentou rol de testemunhas.
Foi designada audiência para tomada de depoimento pessoal e oitiva das testemunhas arroladas pelas partes.
Após a realização das audiências foram juntados Memoriais finais.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relatório.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARMENTE
Da ilegitimidade ativa
A preliminar de ilegitimidade ativa do MPF arguida na contestação cinge-se à caracterização do objeto da presente ação como direito individual homogêneo.
Consoante se infere dos julgados colacionados abaixo, o traço distintivo da homogeneidade do direito individual exsurge da própria missão institucional do Ministério Público, como guardião do interesse social, pelo que o direito individual perseguido deve ostentar relevância social.
"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA. 1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e entidades indicados pelo sistema normativo, entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CF art. 129, III). 2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular determinado ou determinável e em geral são de natureza disponível. Sua tutela jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de qualquer dos órgãos ou entidades para tanto legitimados pelo sistema normativo. 3. Segundo o procedimento estabelecido nos artigos 91 a 100 da Lei 8.078/90, aplicável subsidiariamente aos direitos individuais homogêneos de um modo geral, a tutela coletiva desses direitos se dá em duas distintas fases: uma, a da ação coletiva propriamente dita, destinada a obter sentença genérica a respeito dos elementos que compõem o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados (an debeatur, quid debeatur e quis debeat); e outra, caso procedente o pedido na primeira fase, a da ação de cumprimento da sentença genérica, destinada (a) a complementar a atividade cognitiva mediante juízo específico sobre as situações individuais de cada um dos lesados (= a margem de heterogeneidade dos direitos homogêneos, que compreende o cui debeatur e o quantum debeatur), bem como (b) a efetivar os correspondentes atos executórios. 4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender “interesses sociais”. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127). 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). 7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT – Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei 11.482/07 e Lei 11.945/09) -, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais - e não obstante sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determinável -, o Supremo Tribunal Federal considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a iniciativa do Ministério Público de, com base no art. 127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação coletiva (RE 163.231/SP, AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP e RE 514.023 AgR/RJ). 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento." (RE 631111, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
No caso dos autos, é evidente o interesse social envolvido porquanto se trata de proteção do interesse coletivo dos remanescentes de quilombolas residentes nas proximidades da área objeto da demanda..
Nesse sentido a seguinte jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA CUJA POSSE FORA ASSEGURADA À COMUNIDADE QUILOMBOLA MATA CAVALO.LAUDOS TÉCNICOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COGNIÇÃO SUMÁRIA. I - É cristalina a legitimidade do Ministério Público Federal para postular ação civil pública para proteção dos direitos de comunidades denominadas Quilombolas. II - Existentes laudos técnicos administrativos pelo reconhecimento da comunidade como remanescente de Quilombos, não merece reparo a decisão judicial na qual, examinados os fatos de forma particular, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela. III - Agravo improvido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO - Relator: Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos - TRF1 - Data da publicação: 01/09/2011)
Pelo exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do MPF.
MÉRITO
Quanto à temática dos autos, tem-se que o art. 68 do ADCT estabelece que, "aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".
Com vistas a regulamentar tal garantia fundamental, foi editado o Decreto nº 4.887/2003, que disciplinou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e transferiu ao INCRA a competência para a sua efetivação.
Nos termos da IN INCRA nº 57/2009, a finalização e concreção da titulação do território quilombola depende da superação de 21 etapas, assim detalhadas:
a) declaração de autodefinição;
b) inscrição da autodefinição;
c) abertura do processo a requerimento da parte ou “de ofício”, pelo INCRA;
d) elaboração do relatório antropológico;
e) elaboração das demais peças constitutivas do relatório técnico de identificação de delimitação – RTID, pelo INCRA, e sua conclusão;
f) publicidade do RTID;
g) notificação dos ocupantes e confinantes;
h) prazo para apresentação de contestação do relatório;
i) consulta às entidades mencionadas no art. 8º;
j) apreciação das contestações e das manifestações pelas áreas técnica e jurídica da Superintendência Regional;
l) julgamento das contestações e apreciação das manifestações pelo Comitê de Decisão Regional – CDR;
m) notificação dos interessados do resultado do julgamento;
n) prazo para apresentação de recursos ao Conselho Diretor-CD;
o) análise dos recursos pela DFQ e pela PFE-Incra-Sede;
p) julgamento pelo CD;
q) notificação dos interessados do resultado do julgamento;
r) análise da situação fundiária o imóvel, nos termos dos arts. 10 a 12;
s) procedimento desapropriatório, quando incidir sobre imóvel particular, nos termos do art. 13;
t) procedimento de reassentamento de ocupantes não-quilombolas, com “indenização das benfeitorias realizadas de boa-fé”, nos termos do art. 14;
u) outorga de título coletivo, na forma do art. 17;
v) registro cadastral do imóvel em favor da comunidade, nos termos do art. 22, com a consequente averbação no Registro de Imóveis, na forma da Lei nº 6015/73.
Assim, a primeira parte dos trabalhos do INCRA consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), seguido de ampla divulgação.
Após, inaugura-se a fase de recepção, análise e julgamento de eventuais contestações. Aprovado em definitivo o RTID, o INCRA publica uma portaria de reconhecimento, que declara os limites do território quilombola.
A etapa seguinte envolve a regularização fundiária, com desintrusão (medida legal tomada para concretizar a posse efetiva da terra a um povo, depois da etapa final do processo. É um instrumento jurídico para garantir a efetivação plena dos direitos territoriais, por meio da retirada de eventuais ocupantes não quilombolas) de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território.
O processo administrativo culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada.
Dos Fatos
Trata-se de ação de manutenção de posse ajuizada pelo MPF objetivando, em síntese, o reconhecimento da posse do Sr. José Ourique Pires Ribeiro (membro da comunidade Quilombola) sobre área rural de, aproximadamente, 46 ha.
Defende que o Sr. José Eurique Pires Ribeiro está sofrendo, em área por ele ocupada, atos de turbação à sua posse, os quais estão sendo levados a efeito pelos demandados.
De outro norte, a ré Eliane aduz que o Sr. Ourique nunca exerceu a posse da área objeto da demanda. Alega que foi doado por seus avós aos pais do Sr. Ourique uma fração de terra de aproximadamente 02 ha. Que o Sr. Ourique nasceu nas terras e quando casou foi residir no local denominado Rincão do Inferno (distante da área litigiosa), mudando-se, posteriomente, para uma fração de campo de propriedade da Sra. Marzi Santana Ribeiro, sua cunhada e viúva de seu irmão, sendo que somente no ano de 2000 foi residir na casa de seu pai Assunção, pouco antes deste falecer, lá permanecendo e utilizando somente uma área de aproximadamente 02 hectares. Sustenta que a área restante sempre foi utilizada pelo Sr. Helen Simões Pires (Lelen) e Sr. Jerônimo Pacheco (Tota) e após a sua morte a posse passou a ser exercida pela filha Eliane Simões Pires Pacheco até os dias atuais.
Outrossim, intimado, o INCRA ingressou no presente feito na qualidade de assistente simples do MPF e informou que instaurou o processo administrativo nº 54220.000397/2005-97, com vistas ao reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes de Comunidade de Quilombo - Quilombo Palmas, localizada no município de Bagé - RS, de acordo com o disposto no Art. 68 do ADCT da CF/88, Decreto nº 4.887/2003 e IN/INCRA/Nº 57/2009.
Verifico que o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi juntado aos autos pelo INCRA, ev. 160.
Impende referir que o MPF em Bagé/RS instaurou, em 30/05/2007, o Inquérito Civil nº 1.29.001.000052/2007-87, tendo por objeto "acompanhar o processo de regularização das terras das comunidade quilombolas da localidade de Palmas/Bagé- RS", expediente ainda em tramitação.
Feita esta pequena resenha fática, passo a análise do pedido veiculado na presente ação.
Do pedido de manutenção de posse
Nos termos dos art. 560 do Código de Processo Civil, "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho", incumbindo aos autores provar:
Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.
A documentação juntada pela parte autora dá conta da situação fática que existe quanto ao imóvel rural discutido nesta ação.
Nesse sentido a parte autora comprova nos autos, de forma inequívoca, a posse legítima e constitucionalmente reconhecida primeiramente do Sr. Assunção (pai do Sr. Ourique) e, posteriomente, do Sr. José Ourique Pires Ribeiro, membro da Comunidade Quilombola.
Entende esse Juízo que essa posse está comprovada a partir dos documentos e depoimentos que constam dos autos:
Documentos:
(a) Cópia do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da Comunidade Remanescente de Quilombo Palma, realizado pelo INCRA;(b) Publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da Comunidade Remanescente de Quilombo Palma, nos Diários Oficiais da União e do Estado, onde consta como Memorial Descritivo: Campo do Sr. Ourique (ev.1 - ANEXO2); (c) Cópia do Inquérito Civil nº 1.29.001.000052/2007-87 instaurado pelo MPF tendo por objeto "acompanhar o processo de regularização das terras das comunidades quilombolas da localidade de Palma/Bagé-RS"; (d) Documentos, encaminhados pelo INCRA, produzidos no bojo do processo administrativo nº 54220.000397/2005-97, o qual tem por objeto a regularização fundiária de área reivindicada pela Comunidade Remanescente do Quilombo de Palmas em Bagé/RS, onde resta informado que os pais do Sr. Ourique há cerca de 65 anos receberam autorização para ocupar os fundos da fazenda então pertencente ao casal Maria do Carmos e Antenor Simões Pires (ev. 1 - ANEXO4); (e) cópia de Escritura declaratória de exercício de posse de área de imóel rural que faz o Senhor Ourique Pires Ribeiro (ev.20 - ESCRITURA2).
O Depoimento de Ourique Pires Ribeiro (ev. 95 ÁUDIO2 - ev.96 ÁUDIO1) esclarece assim a situação:
Que tem 76 anos; Que nasceu em Bagé na localidade de Palmas; Que na casa onde está agora foi com 03 anos; Que ainda está lá; Que quando casou fez um acampamento no Rincão do Inferno; Que casou em 1976; Que até casar ficou na casa e depois foi para a casa do sogro, onde ficou por 12 anos; Que ajudava o pai e cuidava dele; Que trabalhava no campo; Que chegou a trabalhar na safra em um frigorífico; Que terminava a safra voltava a trabalhar com o pai; Que voltou para a casa onde está agora em 1999, perto do ano 2000; Que nos 46 hectares o seu pai criava vaca, cavalo, ovelhas (umas 30); Que quando foi morar tinha umas 08 vacas; Que tem umas 06 vacas e 10 ovelhas; Que o campo está sujo; Que quando seu pai morava lá o campo era aberto; Que os pais da Sra. Eliane colocavam animais na área por um período de 03 meses; Que ficavam junto com os aniamis dos seus pais; Que a partir de 2000, algumas vezes, tinha animais da Sra. Eliane no período de inverno; Que fizeram isso por mais de 03 anos seguidos; Que seus animais ficam soltos no campo na área maior; Que o seu pai tinha toda a área para trabalhar, nãoe ra somente 04 ha; Que agora que querem que seja 04 ha; Que não pode aceitar porque não tem água nesses 04 ha; Que não era impedido de pegar a água; Que não reclamou para a Sra. Eliane e nem para o Sr. João carlos dos seus animais, porque não podia fazer isso, era "pequeneninho" menor que eles; Que não tinha o campo em seu nome, como irira reclamar?; Que cuidava os animais deles tambem; Que procurou o MPF através do Quilombo e do INCRA; Que alguém lhe disse que tinha que ir no MPF; Que faz parte da Associação Quilombola; Que às vezes vai nas reuniões, não é sempre; Que Sábado nunca vai; Que não saiu da Associação; Que não tinha problema dos animais da Sra. Eliane e do Sr. João Carlos colocarem os animais no campo; Que a Eliane lhe pegou em casa e lhe levou no Advogado dela e depois foi no Cartório; Que eles mandaram bater a folha e que assinou; Que não conversou com a Tabeliã; Que foi o Advogado quem falou com ela; Que não disse no Cartório que desde meados de 77 residia no local Rincão do Inferno; Que em 85 se mudou para uma propriedade de seu irmão; Que em janeiro de 2000 foi residir na casa de seu pai Assunção antes de ele falecer (que não disse isso para a Tabeliã); Que seu pai utilizou sempre toda a fração de terra, ou seja, 46 ha; Que Jerônimo Pahceco e Elen colocavam gado por tres meses no inverno; Que utilizavam toda a área sempre; Que o que está escrito é equívoco; Que, ATUALMENTe, não tem gado da Eliane; Que eles tiraram o gado; Que já teve gado; Que no momento não tem; Que antes de ir no Tabelionato foi no escritório do Advogado; Que o advogado leu o que estava escrito; Que dizia que o pai utilizava 04 ha mas na verdade ele utilizava toda área; Que o campo era aberto, em comum com os 42 ha; Que no escritório do Advogado combinaram que ele ia assinar o papel; Que a escrivã leu o papel; Que assinou; Que sabia que tinha coisa que não estava certa, mas mesmo assim assinou; Que falou para a Tabeliã, mas não sabe se ela entendeu; Que o pai faleceu depois que voltou para a casa dele; Que o pai sempre morou no local; Que cuidava das 42 ha; Que quando o Sr. João Carlos colocou gado no campo não reclamou porque não tinha um documento que provava que o campo era seu; Que o INCRA mediu toda a área do campo; Que assinou a declaração porque tinha medo de ficar na estrada, no corredor como fazem com muitos; Que quando o pai era vivo ficavam os animais dele e mais os da Eliane juntos; Que a Eliane não pedia para colocar os animais porque a propriedade era do avô da Eliane; Que sempre stave com seus animais no campo; Que a cerca que fez é uma linha de arame, um potreiro; Que não mediu; Que tem acesso aos outros 42 ha; Que nunca recebeu nenhum valor da Sra. Eliane; Que trabalhou com os tios da Sra. Eliane; Que esquilava com a Sra. Eliane; Que não pagou as despesas do cartório; Que não sabe quem pagou; Que não viu; Que a água não está dentro do potreiro e sim dentro dos 42 ha; Que fez um bebedouro no potreiro; Que quando chovia tinha água; Que a água dos animais vem dos 42 ha;
Cumpre referir que nos autos do processo administrativo/INCRA nº 54220.000397/2005-97 houve a publicação de EDITAL do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da Comunidade Remanescente de Quilomba Palmas, no Diário Oficial, quando assim restou declarado:
I - Denominação do Imóvel: Quilombo de Palmas PROCESSO INCRA/SR-11/RS/ Nº 54220.000397/2005-97
II - Localização: Município Bagé. Estado do Rio Grande do Sul.
III - Memorial Descritivo:
ÁREA III: Campo do Sr. Ourique
Na ÁREA III, o Memorial Descritivo publicado no diário oficial da União, nas datas de 27 de maio de 2011, Seção 3, páginas 132 a 135 e 30 de maio de 2011. Seção 3, página 104, fica pelo presente Edital retificado, passando a ter a seguinte redação:
Posseiro: José Ourique Pires Ribeiro
Local: Bagé UF - RS
Perímetro: 2.694,61 m Área: 41.929 ha Comarca: Bagé grifei
(...)
Desta feita, em face na natureza do imóvel objeto da presente lide, reputo necessário transcrever algumas informações exaradas pelo INCRA nos autos do processo administrativo/INCRA nº 54220.000397/2005-97, in verbis (ev. 1 - ANEXO4 p.6):
1. Em atendimento ao OF.SP/PRM/BAGÉ/Nº 628/2013, informamos o que segue:
(...)
Campo do Sr. Ourique
1. Em relação a área delimitada como Campo do Sr. Ourique (José Ourique Pires Ribeiro), seguem os seguintes documentos: planta da área, informações do Relatório Sócio, Histórico e Antropológico da Comunidade e Levantamento Fundiário;
2. O relatório antropológico aponta a autorização para o Sr. Ourique ocupar a área. Esta área provavelmente esteja sob o domínio de Antônia Maria Pire da Silva e/ou Eliane Simões Pires Pacheco;
3. Por ocasião da delimitação do território, conforme relato dos técnicos, foi constatada a presença de gado.
Presente situação é bastante complexa e será efetivamente equacionada por ocasião da desintrusão do território.
A ação a ser desenvolvida no presente momento passaria pela identificação dos proprietários dos animais, com respectiva comprovação de propriedade das áreas ocupadas, para então analisar medidas cabíveis.
2.3 - O campo do Seu Ourique:
A ocupação da região conhecida como o campo do Seu Ourique está relacionada com a trajetória de seus pais Assunção Ribeiro e Dona Tila. De forma semelhante a muitos descendentes de escravos que não possuíam terras, este casal passou muitos anos trabalhando em fazendas, estâncias e chácaras após o término da escravidão. Há cerca de 65 anos receberam autorização para ocupar o fundo de fazenda então pertencente ao casal Maria do Carmo e Antenor Simões Pires.
Antes de se fixarem nas atuais terras ocupadas po Ourique, seus pais já possuíam vínculos com a família de Maria do Carmo e Antenor Simões Pires.Assunção Ribeiro prestava serviços para este casal, alé de ter arrendado por um tempo terras dos mesmos:
(...)
Esta ocupação do Sr. Ourique caracteriza-se pela ausêcia de legalização, tenta da questão fundiária como das relações de trabalho prestadas para a família proprietária ao longo dos anos.
Nesse sentido, conforme a Portaria nº 106 de 16 de fevereiro de 2017, ev. 160 PROCADM22 p.61, consequência do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID, verifico que a propriedade do Sr. Ourique restou reconhecida da seguinte forma:
(...)
Reconhecer e declarar como terras da Comunidade Remanescente de Quilombo Palmas o território totalizando 837,984 ha, composto pelas áreas abaixo transcritas, todas situadas no Município de Bagé, no Estado do Rio Grande do Sul:
(...)
Área 2 - Campo do Sr. Ourique - 41,929 ha - Os limites e confrontações ao norte com Antonio Flores da Cunha; a leste com Joel Barreto e José Monteiro; ao sul com José Monteiro e oeste também com Joel Barreto.
(...)
Cumpre referir depoimentos dos servidores do INCRA, os quais corroboram as conclusões apresentadas pelo Relatório acima referido:
Janaína Campos Lobo, antropóloga do Setor de política Quilombola (ev. 138 - VÍDEO5)
"Que o Relatório é muito claro em relação a essa posse que é bastante antiga do campo do Sr, Ourique. Que os pais do Sr. Ourique há mais de 70 anos receberam essa terra de maneira informal. É muito comum no Rio Grande do Sul os fazendeiros cederem parte de suas terras para os trabalhadores. Especialmente no pós-abolição, que essas cessões informais aconteciam com muita frequencia. Que os pais do Seu Ourique que é o Assunção Ribeiro e a Dona Tila recebem do Antenor e da Maria do Carmo essa fatia de terra. Que o seu Ourique desde os dois ou tres anos morava nessa terra; Que no Relatório Antropológico e, também no levantamento fundiário diz que esse campo configurava quase 42 ha de uso do Sr. Ourique e de seus pais, um uso muito antigo; Que eles não tem a posse formal disso; Que eram cessões de terra informais; Que com o falecimento da Maria do Carmo e seu Antenor eles deixam isso para os filhos; Que me parece são tres herdeiros; Que a Sra Eliane Pacheco é sobrinha de um dos herdeiros; Que o uso desse campo é muito antigo pelo Sr. Ourique e é isso que eu posso afirmar pelas minhas relações de campo e, também, pelo Relatório Antropológico".
José Rui Tagliapietra (ev. 138 - VÍDEO 2)
"Que não conhece a área do Ourique; Que conhece a comunidade Quilombola de Palmas; Que com base no relatório antropológico no ano de 2007 indicava que o Sr. Ourique ocupava uma área de 41 ha".
Assis Ferreira Henriques Teixeira (ev. 138 - VÍDEO 3)
"Que conhece o campo do Sr. Ourique; Que esteve na casa do Sr. Ourique; Que não viu se ele criava gado; Que foi na casa dele com outra finalidade; Que foram fazer notificações e verificar o perímetro da área; Que estava acompanhando o engenheiro agrônomo; Que estavam verificando o perímetro por onde ia ser demarcada a área quilombola; Que não recorda o tamanho da área do Sr. Ourique".
Rubem Marcos Oliveira Brizola (ev. 138 - VÍDEO 4)
"QUE foi no local no dia 25.11.2010 e fez um levantamento topográfico da área; Que seguiu as orientações do Relatório antropológico; Que era uma área de 41,92 ha; Que conversou com o Sr Ourique; Que ele disse que nasceu no local; Que viu algumas cabeças de gado; Que parece que tinham cerca em volta dos 41 ha".
Ressalto que, em ações possessórias, não se discute a propriedade, o que importa comprovar, isso sim, é a existência de posse.
Por sua vez, de acordo com o art. 1.196 do Código Civil, "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade."
Portanto, a posse é a manifestação externa do possuidor em relação à coisa, como se proprietário fosse, exercendo algum dos atos inerentes ao domínio (uso, fruição, disposição ou reivindicação).
No caso dos autos, observo que a posse do Sr. Ourique Pires Ribeiro, restou devidamente demonstrada não somente pelo Relatório Sócio, Histórico e Antropólogico realizado pelo INCRA, mas também, pela prova testemunhal colhida.
Em contrapartida os depoimentos dos réus, apesar de não confirmarem a posse da área total, não negam a ocupação da terra, primeiro pelos pais do Sr. Ourique e após pelo mesmo. Também confirmam a utilização do campo por animais de sua propriedade.
Nesse sentido os seguinte depoimentos:
Eliane Simões Pires Pacheco (ev. 97 ÁUDIO2)
"Que a propriedade era do seu avô; Que comprou há mais de 70 anos; Que a sua avó quando casou era comadre da mãe do Sr. Ourique; Que doou uma área de terra para o pai do Sr. Ourique (menos de 01 ha); Que o Sr. Ourique casou e foi morar no Rincão do Inferno; Que quando seu irmão faleceu Oziel, o Sr. Ourique veio a morar em sua propriedade; Que depois seu pai adoeceu e ele cuidava dele, até que acabou ficando e morando no local; Que eles não sabiam disso; Que isso foi depois de 1996; Que eles ficaram em 04 ha e o resto da propriedade era utilizado pela familia da Sra. Eliana; Que no inverno utilizavam o campo com 20 cabeças de gado; Que utilizavam outono, inverno até final de setembro; Que quando não tinham gado era cavalo; Que o local tem muita pedra; Que tem uma parceria com o Sr. João Carlos; Que é desde 2008; Que o gado é dos dois; Que é gado para cria; Que o Sr. Ourique nunca reclamou desse gado; Que no MPF disseram que ela tinha 15 dias para tirar o gado porque a terra era de Quilombolas; Que desde 1984 começou a trabalhar na propriedade até agora; Que a declaração prestada em cartório foi do Sr Ourique; Que a Declaração foi prestada para assegurar que os 04 ha eram dele; Que foi ele quem fez a declaração em cartório; Que o Sr. Ourique utiliza a agua do campo; Que a área que ele ocupa é dividida por cercado; Que a saída dele é pela pedreira; Que não entra pela pedreira; Que são entradas diferentes; Que não tem porteira; Que a sanga fica dentro dos 46 ha; Que a água é comum; Que esteve junto no Cartório com o Sr. Ourique; Que foi ele quem pediu; Que não o procurou para que fizesse a declaração; Que não pagou a declaração; Que foi para um sala no cartório sozinho";
João Carlos da Rocha Franco (ev. 97 ÁUDIO3)
"Que tem umas vacas com parceria com a Sra. Eliane em duas áreas; Que isso faz 01 ano e 04 meses; Que são parentes; Que antes da parceria eles colocavam gado nessa área; Que é um campo sujo; Que nasceu no local; Que a família do Sr, Ourique há muito tempo tem casa nessa propriedade; Que o Sr, Ourique faz uns 15 anos que está no local; Que morou no Rincão do Inferno; Que depois em uma tapera de seu irmão; Que tinha o gado do Sr. Ourique umas 18 ovelhas, na frente da casa em um potreiro; Que o Sr. Ourique nunca reclamou de seu gado; Que usa o gado na propriedade da Sra. Eliane; Que não há conflitos; Que o pai do Sr. Ourique plantava alguma área, mas não sabe bem; Que os seus animais não se misturavam com os animais do Sr. Ourique que ficavam em um piquete na frente da casa; Que tem uma porteira entre o piquete e o campo onde coloca o gado; Que não entra com o gao pela propriedade do Sr. Ourique; Que no verão não sabe se o Sr. Ourique colocava o gado no campo; Que tem vaca de leite e umas 8 ovelhas; Que nunca viu as ovelhas no campo".
As Testemunhas ouvidas ratificam a permanencia do Sr. Ourique por muito tempo na área, objeto de discussão.
Getulio Pires Franco ( ev. 95 ÁUDIO1 - testemunha )
"Que pertence a comunidade de Palmas; Que conhece o Sr. Ourique desde guri; Que conheceu o pai dele muito pouco; Que não sabe quem ocupava a terra; Que quem usava a terra eram os donos, Sra. Eliane Pacheco; Que trabalhou com ela e com o pai dela; Que utilizavam a área, colocavam gado.
Romário Alves de Alves (ev. 96 - ÁUDIO2)
"Que foi ao MPF sozinho; Que foi a Associação Quilombola que pediu; Que conhece o Sr. Ourique há muito tempo; Que mora onde os pais dele moraram; Que trabalha com a família, plantando e criando animais; Que ele se queixou para a Associação que apareceu gado de fora na propriedade; Que nasceu na comunidade; que conheceu o Sr. Assunção; Que ele trabalhava como posteiro da fazenda; Que prestava serviços e deram o lugar para ele morar; Que plantava lavoura, fazia carvão; Que ocupava uma área de mais de 15 hectares; Que a terra, segundo comentário, era da família da Sra. Eliane; Que não sabe se a Sra. Eliane ocupava a área com gado; Que é membro da comunidade de Palmas; Que houve estudo do INCRA; Que conhece José Rui do INCRA.
Vandereli Alves de Alves (ev. 97 - ÁUDIO 1)
"Que foi no MPF com o Sr. Ourique para informar a presença de animais no campo; Que é presidente da Associação Quilombola; Que faz 42 anos que mora no local; Que conheceu o pai do Sr. Ourique seu Assunção; Que ele plantava e os filhos ajudavam; Que ainda tem resquícios; Que o campo era usado pela família do Sr. Assunção; Que raramente os donos da fazenda colocavam animais; Que o Sr. Ourique que contou que estavam colocando animais na sua fração de terra; Que o Sr. Ourique sabia que essa área estava sendo objeto de estudo pelo INCRA. Que tem conhecimento da declaração que o Sr. Ourique fez; Que ele se queixou de ter assinado tal declaração; Que no local muitas pessoas fazem a declaração por pressão; Que foi depois que começou o trabalho do INCRA é que se colocaram os animais no campo; Que o relatório do INCRA da a posse dos 46 ha ao Sr. Ourique".
Ainda que as testemunhas dos réus Daniel Ribeiro Franco (sobrinho do Sr. Ourique) e Joel Barreto afirmem que o pai do Sr. Ourique nunca ocupou mais de que aproximadamente 03 ha da área e que o restante era de propriedade do pai e tio da Sra. Eliane Simões Pires Pacheco, entendo que no contexto geral a prova trazida aos autos é favorável a ocupação do Sr. Ourique em toda a área reinvindicada.
Cumpre ressaltar que a Escritura Pública juntada aos autos no ev. 20 e supostamente realizada pelo Sr. Ourique, onde ele declara a posse de somente 3,5 ha, é de procedência duvidosa, uma vez que não restou esclarecido de quem teria sido efetivamente a iniciativa de tal documento se dele ou da ré Eliane Simões Pires Pacheco.
Nesse passo, elucido que a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID, bem como toda a prova trazida aos autos tanto documental como testemunhal, comprovam que a posse anteriormente titulada pelo pai do autor Sr. Assunção foi transferida ao Sr. Ourique, da área de 41, 929 ha (reconhecida no Relatório) motivo pelo qual, entendo que o pedido deve ser parcialmente acolhido devendo receber a proteção possessória de manutenção, eis que cumpridos os requisitos do art. 561 do Código de Processo Civil.
Do pedido de ordem de interdito proibitório
De outro norte, a turbação é doutrinariamente definida como o ato que impede ou atenta contra o exercício da posse por seu legítimo possuidor, cerceando o seu exercício.
Ocorre que não verifico atos atentatórios a posse do Sr. Ourique, uma vez que restou evidente, pela prova testemunhal trazida aos autos, que não havia resistência em que os réus colocassem seus animais na área ocupada, não se configurando turbação ou esbulho.
Do pedido de fixação de multa
Com efeito, entendo desnecessária a fixação de multa para cumprimento da ordem de manutenção de posse, pois não se presume descumprimento de ordem judicial. Também o pedido de cominação de pena diária se mostra precipitado, porquanto não há qualquer indício que, mantido o Sr. Ourique na posse do lote, a ré venha promover qualquer ato de turbação ou esbulho.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito as preliminares, e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos vertidos na inicial, resolvendo o mérito da causa e concluindo a fase cognitiva do processo, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
a) declarar o direito ao autor Ourique Pires Ribeiro a ser mantido na posse, área 41, 929 ha, localizada na localidade de Palmas no Município de Bagé, nos termos da fundamentação.
b) Determinar a retirada de animais de propriedade da Sra. Eliane Simões Pires Pacheco e do Sr. João Carlos da Rocha Franco se porventura existentes na área declarada.
Sem custas processuais e honorários advocatícios, tendo em vista ser incabíveis honorários advocatícios na espécie, frente a vedação da percepção desses numerários pelo MPF (CF, art. 128, §5º, II, a).
Interposta apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões, e remetam-se os autos ao Tribunal. Transitada em julgado esta decisão, certifique a Secretaria tal circunstância, e, depois, intime-se a parte interessada para que dê prosseguimento à fase executiva.
Publicação e registro autuados eletronicamente. Intimem-se.
A tais fundamentos não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador.
Trata-se de ação de manutenção de posse, cumulada com interdito proibitório, ajuizada pelo Ministério Público Federal, em face de Eliane Simões Pires Pacheco e João Carlos da Rocha Franco, tendo em vista a alegada prática de ato de turbação por parte dos réus, consistente na colocação de animais em área que integra a Comunidade Quilombola de Palmas, onde atualmente reside o Sr. José Ourique Pires Ribeiros (mais conhecido como Sr. Ourique), membro de referida comunidade e morador da área há mais de 70 (setenta) anos.
Dessa forma, com a presente demanda objetiva-se a tutela dos interesses indisponíveis da sociedade e da Comunidade Quilombola de Palmas, consistente na cessação da prática de atos de turbação em área tradicionalmente ocupada por remanescentes de quilombolas e consequente proteção do patrimônio cultural nacional decorrente da existência desse grupo étnico.
Contrariamente ao alegado pela apelante, a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da presente ação possessória exsurge do fato de que, inobstante o pleito veiculado na inicial seja direcionado, de forma direta/imediata, à proteção possessória a que faz jus o Sr. Ouriques, membro da comunidade quilombola, almeja-se, de maneira mediata/indireta, a proteção do interesse coletivo dos remanescente de quilombolas residentes nas proximidades da área objeto da demanda, bem como a preservação da cultura quilombola, qualificada como interesse difuso de todos os brasileiros.
Nesse sentido é o parecer ministerial:
Tal como exposto na inicial, muito embora o pleito veiculado na presente demanda seja direcionado, de forma direta/imediata, à proteção possessória a que faz jus José Ourique Pires Ribeiro, membro da Comunidade Quilombola de Palmas, pretende-se, de maneira mediata/indireta – sem prejuízo de outras questões de cunho coletivo, relacionadas à Comunidade Quilombola de Palmas como um todo – a proteção do interesse coletivo dos remanescentes de quilombolas residentes nas proximidades da área objeto da demanda, bem como a preservação da cultura quilombola, a qual se qualifica como interesse difuso de todos os brasileiros.
Trata-se de preservar o patrimônio cultural do país, que abrange os "modos de criar, fazer e viver" dos grupos formadores da sociedade brasileira, dentre os quais figuram os remanescentes de quilombo, nos termos do art. 216, inciso II, da Constituição Federal de 1988.
Dessa forma, não se trata da defesa de interesse individual disponível, como alega a apelante, tendo o Ministério Público Federal legitimidade para propor a presente ação possessória (artigos 127 e 129, III, da Constituição Federal).
Ademais, a jurisprudência pacificou entendimento no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito de sujeitos individualizados quando estiver presente o relevante interesse social:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTE DO STJ. 1. O Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor Ação Civil Pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando a presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação. 2. Recurso especial provido. (REsp 945.785/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 11/06/2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. INTERESSES INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO. 1. O Ministério Público Federal possui legitimidade para defender, por meio de ação civil pública, interesses individuais homogêneos, quando evidenciado interesse social relevante. 2. Tratando-se da tutela de interesses indígenas, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal decorre diretamente do art. 129 da Constituição. 3. A jurisprudência há muito é uníssona em flexibilizar o referido limite etário para os segurados especiais do meio rural, ainda com mais razão não pode servir de óbice à percepção de benefício em tela pelas adolescentes indígenas. 4. Presentes os requisitos autorizadores da medida antecipatória, quais sejam a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano, traduzido pelo caráter alimentar do benefício previdenciário almejado. (TRF4, AG 5001214-30.2016.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 20/04/2016)
No presente caso, o MPF possui legitimidade ad causam, uma vez que o seu objeto diz respeito a relevante interesse social, relacionado com a proteção dos direitos de minorias étnicas (alínea "c" do inciso VII do art. 6º, da LC n. 75/93).
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. EXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE TERRAS OCUPADAS POR COMUNIDADES QUILOMBOLAS. DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. CONTROLE JURISDICIONAL. LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Ação civil pública proposta em desfavor da União e do INCRA objetivando a conclusão do processo administrativo que visa a regularização fundiária de terras onde está assentada a comunidade quilombola "Povoado do Prata", localizada no município de São Félix do Tocantins/TO. 2. O Ministério Público Federal é parte legítima para figurar no polo ativo da ação, uma vez que possui legitimidade para propor ação civil pública que tem por escopo a proteção de direitos e interesses coletivos de minorias étnicas, como a comunidade quilombola que busca a regularização de terras tradicionalmente ocupadas no interior do país (Lei Complementar 75/93, art. 6º, inciso VII, letra "c"). . [...]. (TRF1, AC 00158086620094014300, Rel. Des. Fed. NÉVITON GUEDES, e-DJF1 DATA: 30/07/2015, p. 1.086)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA CUJA POSSE FORA ASSEGURADA À COMUNIDADE QUILOMBOLA MATA CAVALO. LAUDOS TÉCNICOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COGNIÇÃO SUMÁRIA. I - É cristalina a legitimidade do Ministério Público Federal para postular ação civil pública para proteção dos direitos de comunidades denominadas Quilombolas. II - Existentes laudos técnicos administrativos pelo reconhecimento da comunidade como remanescente de Quilombos, não merece reparo a decisão judicial na qual, examinados os fatos de forma particular, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela. III - Agravo improvido. (TRF1, AG 00181185420034010000, Rel. Juiz Convocado GRIGÓRIO CARLOS DOS SANTOS, e-DJF1 DATA: 01/09/2011, p. 263)
Assim, correta a rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa.
No mérito, a proteção e a inclusão dos variados grupos étnicos que compõem a comunhão nacional, os quais, por uma série de circunstâncias da história, encontram-se em uma posição social extremamente fragilizada, reveste-se em uma das preocupações fundamentais da Constituição Federal de 1988. Assim, o art. 68 do ADCT estabelece:
Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Trata-se de dispositivo constitucional autoaplicável, prescindindo de regulamentação para surtir seus efeitos, já que o ato do Poder Público que reconhece uma comunidade como remanescente de quilombo e lhe confere o título de propriedade sobre as terras ocupadas ostenta natureza declaratória e não constitutiva. Ou seja, a propriedade preexiste a tais atos oficiais.
No mesmo ano da promulgação da nova Carta Constitucional, a Lei n.º 7.668/88 previu em seu art. 2º, III, que cabe à FCP realizar a identificação dos remanescentes de comunidades de quilombos. Especificamente os procedimentos subsequentes à concretização da titulação foram previstos no Decreto n.º 4.887/2003, que disciplinou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e transferiu ao INCRA a competência para a sua efetivação.
Outrossim, é reconhecida a importância especial da terra para as comunidades tradicionais, sendo assegurados aos remanescentes de quilombos desenvolverem seu modo de vida, seus costumes e tradições, considerados patrimônio cultural do Brasil, nos termos dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal.
No caso dos autos, a área objeto da demanda integra a área em processo de demarcação pelo INCRA, que, por meio da Portaria n.º 106, de 16 de fevereiro de 2017, reconheceu e declarou como terras da Comunidade Remanescente de Quilombo de Palmas o território totalizando 837,984 ha (oitocentos e trinta e sete hectares, noventa e oito centiares e quatro ares) composto pelas áreas Rincão da Pedreira e Rincão dos Alves, Campo do Seu Ourique e Rincão do Inferno, todas situadas no Município de Bagé, no Estado do Rio Grande do Sul.
Nesse contexto, a apelante quer fazer crer que a sentença teria considerado apenas os depoimentos das testemunhas da parte autora, o que não confere com a realidade dos autos.
Inicialmente, registro que a produção de provas visa à formação do juízo de convicção do juiz, a quem caberá, nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Da mesma forma, prevalece o princípio do livre convencimento motivado, conforme o art. 371 do Código, segundo o qual o juiz aprecia as provas e dirime as controvérsias de fato fundamentadamente.
Em princípio, pois, compete ao julgador a quo decidir acerca da necessidade de produção da prova, porquanto é o destinatário e a ele cabe decidir sobre os elementos necessários à formação do próprio convencimento.
Nesse sentido, colho jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça e deste TRF da 4ª Região:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. LAUDO PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. APRECIAÇÃO DE PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA DA LIDE. SÚMULA 7/STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser afastada a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973. 2. Como destinatário final da prova, cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, a interpretação da produção probatória, necessária à formação do seu convencimento. 3. Inviável o recurso especial cuja análise impõe reexame do contexto fático-probatório da lide (Súmula 7 do STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 829.231/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 21/09/2016 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ENGENHEIRO E DA EMPRESA CONTRATADA. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - Examinados suficientemente todos os pontos controvertidos, não há falar-se em negativa de prestação jurisdicional. II ? Se, diante da prova dos autos, as instâncias ordinárias concluem pela culpa do agravante e pelo nexo de causalidade, entender diversamente esbarra na Súmula/STJ. III - O Juiz é o destinatário da prova e a ele cabe decidir sobre o necessário à formação do próprio convencimento. Assim, a apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram o julgamento antecipado da lide e/ou o indeferimento de prova oral demanda reexame provas, providência vedada em sede de recurso especial. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 771.335/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 23/09/2008 - grifei)
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. . É lícito ao juiz indeferir as provas que julgar irrelevantes para a formação de seu convencimento, mormente aquelas que considerar meramente protelatórias, de modo que não há que se interferir no entendimento do juízo de origem quanto aos elementos que entende necessários ao seu convencimento. (TRF4, AC 5001979-81.2020.4.04.7009, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 29/11/2020)
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. INADIMPLÊNCIA. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. REVISÃO. CDC. APLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL - CES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PRECEDENTES. . Não há falar em cerceamento de defesa por ausência de prova pericial, haja vista que o conjunto probatório que instruiu o presente feito é suficiente para a formação da convicção do julgado; . O Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1124552/RS que em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (REsp 1124552/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/12/2014, DJe 02/02/2015); . No caso dos autos, a capitalização de juros é constatada pela análise da planilha de evolução contratual, onde consta a ocorrência de amortizações negativas durante toda a contratualidade. A realização da prova técnica pericial é, portanto, descenessária; . A aplicação do CDC não dispensa a parte de provar eventual abuso do agente financeiro. Impossibilidade de anular de plano as cláusulas as quais se reputam abusivas. Não obstante ser o caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe em seu art. 6º, VIII, que é requisito para a inversão do ônus da prova a hipossuficiência do consumidor, no caso, não restou evidenciada a hipossuficiência do embargante em relação à produção da prova; . Nem a simples utilização do Sistema Francês de Amortização - Tabela Price, nem a dicotomia de taxas de juros - nominal e efetiva - são suficientes a caracterização do anatocismo alegado; . A existência de previsão contratual de duas taxas de juros, uma nominal, e outra efetiva, não determina a ocorrência de anatocismo. Na realidade, estas taxas se equivalem, apenas são referidas para períodos de incidência diversos. Assim, a taxa nominal anual é aquela aplicada no ano, enquanto a efetiva, apesar de anual, é aplicada mensalmente. Os juros são pagos mês a mês à taxa contratada, incidindo sobre o saldo devedor; . A capitalização mensal de juros fica caracterizada apenas quando ocorrem amortizações negativas. A amortização negativa ocorre quando o valor da prestação não é suficiente para pagar a parcela mensal dos juros, sendo que a diferença encontrada é incorporada ao saldo devedor, fazendo incidir os juros do mês posterior sobre os juros não pagos. Havendo a comprovação de amortização negativa, essa deve ser afastada, sob pena de se estar autorizando o enriquecimento ilícito por parte da instituição financeira, vedado pelo nosso ordenamento; . É entendimento pacífico desta Corte que a incidência do CES, em contratos anteriores à vigência da Lei nº 8.692/93, somente é possível quando expressamente prevista no contrato de mútuo; . Improcedentes os pedidos revisionais, não há falar em repetição de valores. Não obstante isso, em matéria de devolução das importâncias eventualmente cobradas a maior dos mutuários, incide a norma específica do artigo 23 da Lei nº 8.004/90 e não o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Destarte, não há falar em repetição em dobro; . Não há qualquer nulidade a ser declarada no procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade se o agente financeiro providenciou a notificação pessoal do devedor para a purgação da mora através do Registro de Títulos e Documentos, nos termos do artigo 26 da Lei nº 9.514/97; . O simples ajuizamento de ação revisional não possui o condão de eximir os autores do pagamento das parcelas mensais vincendas durante o seu curso. E mesmo que houvesse o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período de inadimplência, tal fato não é suficiente para descaracterizar a mora. (TRF4, AC 5012649-46.2013.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 17/03/2017 - grifei)
No caso em análise, o juízo a quo reconheceu a posse de José Ourique Pires Ribeiro, membro da Comunidade Quilombola de Palmas, a partir dos documentos e depoimentos que constam dos autos:
No caso dos autos, observo que a posse do Sr. Ourique Pires Ribeiro, restou devidamente demonstrada não somente pelo Relatório Sócio, Histórico e Antropológico realizado pelo INCRA, mas também, pela prova testemunhal colhida.
Em contrapartida os depoimentos dos réus, apesar de não confirmarem a posse da área total, não negam a ocupação da terra, primeiro pelos pais do Sr. Ourique e após pelo mesmo. Também confirmam a utilização do campo por animais de sua propriedade.
Segundo o Relatório Sócio, Histórico e Antropológico da Comunidade Quilombola de Palmas, que compõe o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), a ocupação da área atualmente denominada Campo de Seu Ourique foi autorizada pelos então proprietários aos pais do atual posseiro, José Ourique Pires Ribeiro (PROCADM7, p. 10, do evento 160 dos autos originários):
A ocupação da região conhecida como o campo do Seu Ourique está relacionada com a trajetória de seus pais Assunção Ribeiro e Dona Tila. De forma semelhante a muitos descendentes de escravos, que não possuíam terras, este casal passou muitos anos trabalhando em fazendas, estâncias e chácaras após o término da escravidão. Há cerca de 65 anos receberam autorização para ocupar o fundo de fazenda então pertencente ao casal Maria do Carmo e Antenor Simões Pires. Antes de se fixarem nas atuais terras ocupadas por Ourique, seus pais já possuíam vínculos com a família de Maria do Carmo e Antenor Simões Pires. Assunção Ribeiro prestava serviços para este casal, além de ter arrendado por um tempo terra dos mesmos (…)
Ainda, os depoimentos dos servidores do INCRA corroboraram as conclusões apresentadas pelo referido Relatório.
Também merece atenção o quanto mencionado pelo Ministério Público Federal em suas contrarrazões, que refuta a alegação da apelante no sentido de que o Sr. Ourique ocuparia uma área de apenas 04 hectares (evento 173 dos autos originários):
No depoimento do Sr. Ourique (evento 95-96), percebe-se que a área menor (aprox. 4 hectares) não é abastecida por água, salvo por uma ínfima barragem feita por ele utilizando-se de pá e enxada, apenas para represar água da chuva, que seca totalmente em períodos de estiagem, fato corriqueiro dessa região do estado. Disso decorre o raciocínio lógico que não é possível a criação de animais – aproximadamente 10 vacas e 30 ovelhas em períodos de maior produção – nesta área menor, concluindo-se que tanto ele próprio quanto seu pai utilizavam-se da área maior, de aproximadamente 40 hectares, que dá acesso a uma sanga, única forma de dar água para a criação. Considerando que tanto o Sr. Ourique quanto seu finado pai tiravam seu sustento da criação de animais, seria impossível se manterem sem acesso à água. Sem esquecer que é uma região de campo ruim (segundo a própria apelante, o campo só sustenta 15 a 20 cabeças de gado, e no inverno – evento 97), ou seja, não oferece condições de criar um único animal por hectare, o que impossibilitaria totalmente a criação de 10 reses e 30 ovelhas, que o Sr. Ourique já possuiu, num campo de menos de 04 hectares.
Transcreve-se, ainda, depoimentos das testemunhas destacadas na sentença, que ratificam a permanência de José Ourique Pires Ribeiro por muito tempo na área:
As Testemunhas ouvidas ratificam a permanência do Sr. Ourique por muito tempo na área, objeto de discussão.
Getulio Pires Franco ( ev. 95 ÁUDIO1 - testemunha )
"Que pertence a comunidade de Palmas; Que conhece o Sr. Ourique desde guri; Que conheceu o pai dele muito pouco; Que não sabe quem ocupava a terra; Que quem usava a terra eram os donos, Sra. Eliane Pacheco; Que trabalhou com ela e com o pai dela; Que utilizavam a área, colocavam gado.
Romário Alves de Alves (ev. 96 - ÁUDIO2)
"Que foi ao MPF sozinho; Que foi a Associação Quilombola que pediu; Que conhece o Sr. Ourique há muito tempo; Que mora onde os pais dele moraram; Que trabalha com a família, plantando e criando animais; Que ele se queixou para a Associação que apareceu gado de fora na propriedade; Que nasceu na comunidade; que conheceu o Sr. Assunção; Que ele trabalhava como posteiro da fazenda; Que prestava serviços e deram o lugar para ele morar; Que plantava lavoura, fazia carvão; Que ocupava uma área de mais de 15 hectares; Que a terra, segundo comentário, era da família da Sra. Eliane; Que não sabe se a Sra. Eliane ocupava a área com gado; Que é membro da comunidade de Palmas; Que houve estudo do INCRA; Que conhece José Rui do INCRA.
Vandereli Alves de Alves (ev. 97 - ÁUDIO 1)
"Que foi no MPF com o Sr. Ourique para informar a presença de animais no campo; Que é presidente da Associação Quilombola; Que faz 42 anos que mora no local; Que conheceu o pai do Sr. Ourique seu Assunção; Que ele plantava e os filhos ajudavam; Que ainda tem resquícios; Que o campo era usado pela família do Sr. Assunção; Que raramente os donos da fazenda colocavam animais; Que o Sr. Ourique que contou que estavam colocando animais na sua fração de terra; Que o Sr. Ourique sabia que essa área estava sendo objeto de estudo pelo INCRA. Que tem conhecimento da declaração que o Sr. Ourique fez; Que ele se queixou de ter assinado tal declaração; Que no local muitas pessoas fazem a declaração por pressão; Que foi depois que começou o trabalho do INCRA é que se colocaram os animais no campo; Que o relatório do INCRA da a posse dos 46 ha ao Sr. Ourique".
Ainda que as testemunhas dos réus Daniel Ribeiro Franco (sobrinho do Sr. Ourique) e Joel Barreto afirmem que o pai do Sr. Ourique nunca ocupou mais de que aproximadamente 03 ha da área e que o restante era de propriedade do pai e tio da Sra. Eliane Simões Pires Pacheco, entendo que no contexto geral a prova trazida aos autos é favorável a ocupação do Sr. Ourique em toda a área reivindicada.
No tocante à escritura pública na qual o Sr. Ourique teria narrado que seu pai sempre utilizara, aproximadamente, uma área de 3,5 hectares (evento 20 dos autos originários), partilho do entendimento exarado pelo juízo a quo no sentido de que a Escritura Pública juntada aos autos no ev. 20 e supostamente realizada pelo Sr. Ourique, onde ele declara a posse de somente 3,5 ha, é de procedência duvidosa, uma vez que não restou esclarecido de quem teria sido efetivamente a iniciativa de tal documento se dele ou da ré Eliane Simões Pires Pacheco.
Outrossim, é razoável a afirmação do Ministério Público Federal em suas contrarrazões no sentido de que se deve levar em consideração o contexto fático em que a escritura pública teria sido assinada, in verbis:
Aliás, como bem salientado pelo magistrado a quo, a própria Escritura Pública juntada aos autos no evento 20 e supostamente realizada pelo Sr. Ourique, em que ele declara a posse de somente 3,5 ha, é de procedência duvidosa, pois fica muito nítido em seu depoimento (evento 95_áudio 2) que esse cidadão, de origem modesta, com pouco estudo e recursos financeiros limitadíssimos, fora pressionado a firmar tal documento sob o temor de ser expulso do local onde vive.
Sua fragilidade frente a situação fica evidente quando afirma que temia “ter que montar acampamento na beira da estrada”, pois era o que acontecia com quem era expulso pelos senhores de terra. Corrobora esse entendimento ao declarar que os réus “são maiores que ele” e as terras “não estão em seu nome”.
Ademais, no ponto, deve-se considerar o contexto fático, de que se trata de um descendente de escravos, com pouco contato com a cidade, e que cresceu em um mundo em que o “dono da terra” pode tudo.
Por fim, cabe referir que, segundo levantamento fundiário realizado pelo INCRA, a área do Campo de Seu Ourique possui um perímetro aproximado de 2.694,61 metros, perfazendo cerca de 41,929 hectares, e pertence à Comunidade Quilombola de Palmas, tendo sido apontada no respectivo Relatório Antropológico autorização para o Sr. Ourique ocupar a área (PROCADM10, p. 14, do evento 160 dos autos originários).
A corroborar tais informações, Janaína Campos Lobo, antropóloga do Setor de Política Quilombola, prestou os seguintes esclarecimentos (VIDEO5 do evento 138 dos autos originários):
"Que o Relatório é muito claro em relação a essa posse que é bastante antiga do campo do Sr, Ourique. Que os pais do Sr. Ourique há mais de 70 anos receberam essa terra de maneira informal. É muito comum no Rio Grande do Sul os fazendeiros cederem parte de suas terras para os trabalhadores. Especialmente no pós-abolição, que essas cessões informais aconteciam com muita frequencia. Que os pais do Seu Ourique que é o Assunção Ribeiro e a Dona Tila recebem do Antenor e da Maria do Carmo essa fatia de terra. Que o seu Ourique desde os dois ou tres anos morava nessa terra; Que no Relatório Antropológico e, também no levantamento fundiário diz que esse campo configurava quase 42 ha de uso do Sr. Ourique e de seus pais, um uso muito antigo; Que eles não tem a posse formal disso; Que eram cessões de terra informais; Que com o falecimento da Maria do Carmo e seu Antenor eles deixam isso para os filhos; Que me parece são tres herdeiros; Que a Sra Eliane Pacheco é sobrinha de um dos herdeiros; Que o uso desse campo é muito antigo pelo Sr. Ourique e é isso que eu posso afirmar pelas minhas relações de campo e, também, pelo Relatório Antropológico".
Não é demais relembrar, conforme anteriormente mencionado, que a área em questão está abrangida naquela que foi objeto do Processo Administrativo INCRA n.º 54220.000397/2005-97, cujo objetivo consiste na regularização fundiária de área reivindicada pela Comunidade Remanescente do Quilombo de Palmas, em Bagé/RS, e deu origem à Portaria n.º 106, de 16/02/2017 (PROCADM22, p. 71, do evento 160 dos autos originários), que reconheceu e declarou 837,984 ha como terras da Comunidade Quilombola, in verbis (grifei):
Considerando, por fim, tudo o quanto mais consta dos autos dos Processos Administrativos INCRA/SR-11/RS n°. 54220.00039712005-97; resolve:
Art. 1° Reconhecer e declarar como terras da Comunidade Remanescente de Quilombo Palmas, o território totalizando 837,984 ha (oitocentos e trinta e sete hectares, noventa e oito centiares e quatro ares). composto pelas áreas abaixo descritas, todas situadas no Município de Bagé. no Estado do Rio Grande do Sul:
Área I – Rincão da Pedreira e Rincão dos Alves – 751,57 ha (setecentos e cinquenta e um hectares, cinquenta e sete centiares. Os limites e confrontações: ao norte com Favorino Soares e Eres Gonçalves Dias; ao leste com Corredor da Pedreira, Sucessão Lauri Monteiro Pires, Marcos Danilo Edon Franco, Almir Sarmento e Edgar Sholant; ao sul com Edgar Sholant e Ivone Rodrigues; ao oeste com o arroio das Palmas.
Área 2 – Campo do Sr, Ourique – 41,929 ha (quarenta e um hectares, noventa e dois ares e 9 centiares) - Os limites e confrontações: ao norte com Antonio Flores da Cunha; a leste com Joel Barreto e José Monteiro: ao sul com José Monteiro; a oeste também com Joel Barreto.
Assim, ainda que não tenha sido conferida a titulação definitiva do imóvel, sua extensão já restou reconhecida como área quilombola, pendendo apenas a promoção de desapropriações devidas pela União.
Consoante bem apontado pelo órgão ministerial em suas contrarrazões, Ainda que o presente feito discuta apenas a posse da referida área, tal informação se faz importante frente a iminência de expedição de decreto presidencial para desocupação/desapropriação por parte dos produtores residentes no local, na medida em que será reconhecido todo o território do Quilombo de Palmas como de interesse social, visto o reconhecimento da histórica ocupação por descendentes de escravos. Ou seja, um longo processo administrativo, com acesso ao contraditório e ampla defesa a todos os interessados – em que a apelante, inclusive nem sequer contestou a posse do Sr. Ourique (evento 138_vídeo 5) – concluiu de forma inequívoca que a área do “Campo do Ourique” foi historicamente ocupada pelos quilombolas, servindo como prova da posse também no presente feito, ao contrário de alguns depoimentos um tanto quanto tendenciosos.
Nesse diapasão, a sentença proferida não merece qualquer reproche, devendo ser mantida em sua integralidade.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003692479v17 e do código CRC 3d5aace6.
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Apelação Cível Nº 5000888-54.2014.4.04.7109/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000888-54.2014.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: ELIANE SIMOES PIRES PACHECO (RÉU)
ADVOGADO(A): LUIS CARLOS PRESTES GIRIBONE (OAB RS071694)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
INTERESSADO: JOAO CARLOS ROCHA FRANCO - REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO (RÉU)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA (INTERESSADO)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POSSESSÓRIA. DIREITOS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RELATÓRIO TÉCNICO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO (RTID) E PROVA TESTEMUNHAL.
1. A jurisprudência pacificou entendimento no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito de sujeitos individualizados quando estiver presente o relevante interesse social.
2. A conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID, bem como toda a prova trazida aos autos tanto documental como testemunhal, comprovam que a posse anteriormente titulada pelo pai do autor Sr. Assunção foi transferida ao Sr. Ourique, da área de 41, 929 ha (reconhecida no Relatório) motivo pelo qual o pedido deve receber a proteção possessória de manutenção.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2023.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003692480v4 e do código CRC 4a8f571a.
Conferência de autenticidade emitida em 25/02/2023 04:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 15/02/2023
Apelação Cível Nº 5000888-54.2014.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: ELIANE SIMOES PIRES PACHECO (RÉU)
ADVOGADO(A): LUIS CARLOS PRESTES GIRIBONE (OAB RS071694)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 15/02/2023, na sequência 647, disponibilizada no DE de 03/02/2023.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 25/02/2023 04:00:58.