
Apelação Cível Nº 5021023-87.2023.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por BANCO C6 CONSIGNADO S.A. contra sentença proferida nos autos do Procedimento Comum nº 50210238720234047201, a qual julgou procedente, em parte, o pedido do autor de reconhecimento de nulidade de empréstimo consignado, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedentes em parte os pedidos para:
a) deferindo a tutela de urgência, determinar ao INSS que realize a cessação dos descontos do contrato nº 010112429000 , registrado em 17/12/2021, no benefício da parte autora, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa; e
b) condenar o Banco C6 Consignado S.A., a pagar ao autor compensação em pecúnia pelos danos morais sofridos no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), bem como a restituir os valores descontados do benefício previdenciário da parte autora em razão do contrato em lide, ambos atualizados nos termos da fundamentação.
Em suas razões, a parte apelante argumenta, em síntese, que a contratação do empréstimo consignado n. 010112429000 foi legítima, sendo assim, incabível a decisão pela cessação dos descontos. Acresce que a contratação digital é válida, tendo sido respeitadas diversas etapas de segurança, como a captura da biometria facial. Afirma que eventual dano causado à parte autora não possui nexo causal com o serviço prestado. Aduz que a parte recorrida buscou o cancelamento do serviço por canal não oficial do banco, o que facilitou a atuação de golpistas. Pugna pela reforma da sentença, inclusive afastando-se a condenação por danos morais ou reduzindo-se o quantum fixado.
Alternativamente, mantida a anulação do contrato, pugna pela compensação dos valores depositados na conta da parte autora (
).A parte apelada apresentou contrarrazões (
), tendo sido os autos, na sequência, remetidos a este Tribunal.É o relatório.
VOTO
A sentença ora recorrida foi redigida nas seguintes linhas (
):L. H. propôs a presente ação, que tramita pelo procedimento comum, em face de Banco C6 Consignado S.A. e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) visando ao reconhecimento da nulidade do contrato de empréstimo consignado 10112429000, à cessação de descontos mensais em benefício previdenciário, à restituição em dobro dos valores descontados, à restituição do valor referente ao pagamento de IOF e à condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00.
Narrou que: é aposentado pelo INSS e percebeu um crédito em sua conta corrente no valor de R$ 60.000,00; descobriu que se tratava de um empréstimo consignado registrado pelo Banco C6 a ser pago mediante desconto de 84 parcelas de R$ 1.788,00 no benefício previdenciário; desconhece a contratação, portanto entrou em contato com o banco réu e devolveu o valor; não houve suspensão dos descontos; não autorizou a utilização de seus dados para contratar empréstimo.
Sustentou que: o INSS tem responsabilidade diante do previsto na Lei 10.820/2003, art. 6º; há litisconsórcio necessário; aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor (CDC); de acordo com o Código Civil (CC), art. 166, incisos IV e V e art. 111, é nula a contratação com a qual o consumidor não anuiu; o banco réu deve cancelar os descontos sob pena de multa por descumprimento; a atuação do banco réu representa quebra da boa-fé objetiva; houve falha intencional na prestação do serviço; os valores descontados devem ser devolvidos em dobro; a apropriação de verba alimentar fere a dignidade humana; os fatos causaram abalo à sua honra por não ter condições de prover adequadamente a subsistência de sua família; seu direito à indenização pelos danos morais está amparado pela Constituição Federal, art. 5º, inciso X, pelo CC, art. 186, e pelo CDC, art. 14; a indenização deve ser capaz de inibir o comportamento ilícito do banco réu; estão presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência.
Foram indeferidas a gratuidade judiciária, a tutela de urgência e a petição inicial, por ilegitimidade passiva do INSS, em relação aos pedidos de reconhecimento de nulidade contratual e restituição de valores descontados (
).O INSS contestou (
) aduzindo que: a instituição financeira é a única responsável pela veracidade das informações de empréstimos consignados inseridas nos sistemas informatizados; a responsabilidade do INSS é de habilitar as instituições financeiras que preencherem os requisitos legais e operacionalizar os descontos das parcelas a partir do consentimento do beneficiário junto ao banco; todo o procedimento é automatizado conforme regulamentação vigente; não é competência do INSS fiscalizar a regularidade de contratações bancárias; atribuir responsabilidade solidária ao INSS iria de encontro ao interesse público e ao princípio da razoabilidade diante dos milhões de benefícios que mantém ativos e que são elegíveis para operações de crédito consignado; a taxa média de juros nas operações de crédito consignado são inferiores à do crédito pessoal em geral; alegação de omissões genéricas não devem ensejar a responsabilidade de entes públicos; a autarquia disponibiliza aos seus beneficiários ferramenta que permite a suspensão de descontos irregulares, mediante simples reclamação; não há relação de consumo entre o INSS e o autor; cabe ao banco réu o ônus da prova quanto à autenticidade do contrato; se confirmada fraude, não cabe responsabilizar o INSS sequer de forma subsidiária; não cabe indenização por mero dissabor.O Banco C6 Consignado S.A. contestou (
) argumentando que: o autor emitiu a cédula de crédito bancário 10112429000 no valor de R$ 60.000,00 em favor do banco réu; a contratação ocorreu por meio digital, em 14/12/2021, mediante captura de biometria facial, exigência de prova de vida e envio de documentos pessoais pelo autor; houve transferência bancária para conta corrente de titularidade do autor em 17/12/2021; o banco réu informa ostensivamente aos clientes que não solicita transferências de nenhuma natureza; após receber os valores, o autor os transferiu a um terceiro que não possui relação com o banco; segundo dados constantes no comprovante da transferência efetuada pelo autor, o destino foi conta bancária de titularidade da pessoa jurídica inscrita no CNPJ 44530926/0001-64, que corresponde no cadastro da Receita Federal à "Patricia Rodrigues da Silva 42473105855", nome fantasia "Devolução e C"; o autor não adotou os cuidados de um homem médio e aparentemente contribuiu para a concretização de um golpe; deve ser reduzido o valor da causa para R$ 60.000,00, para coincidir com o valor do empréstimo; o dano alegado pelo requerente não tem nexo de causalidade com o serviço prestado pelo banco réu; o banco não pode ser responsabilizado por fortuito externo; deve ser afastada a aplicação do enunciado 479 de súmula da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (SJD/STJ), pois não houve falha na prestação do serviço bancário; caso não haja convencimento acerca da improcedência dos pedidos do autor, necessário seu depoimento pessoal para melhor esclarecimento dos fatos; desconhece por que meio o autor obteve os dados para a suposta tentativa devolução dos valores; a culpa pelos danos é de terceiros e do próprio autor; a contratação do empréstimo consignado foi regular e seguiu diversas etapas para confirmação da identidade e da localização do contratante; o empréstimo não está quitado e o banco réu não recebeu os valores da TED efetuada pelo autor; a condenação à repetição em dobro pressupõe verificação de má-fé por parte do banco; não há dano moral e não pode ser presumido.Houve réplica (
e ).Após saneador (
), as partes se manifestaram ( , e ) e os autos vieram conclusos para julgamento.Os autos foram convertidos em diligência para realização de audiência de instrução, onde foram colhidos os depoimentos pessoais do autor e do preposto do banco réu.
Foi anexado o boletim de ocorrência (
).Após a apresentação de alegações finais, os autos vieram novamente conclusos para sentença.
FUNDAMENTOS DA DECISÃO
O núcleo da demanda versa sobre a validade jurídica na contratação de empréstimo consignado em nome do autor, bem como sobre a possibilidade de se obter indenização por danos materiais e morais em razão do ocorrido.
Como dito alhures (
), não serão tratadas questões relativas aos pedidos de reconhecimento da nulidade da contratação, inexistência de débito e restituição de valores em dobro, eis que a petição inicial foi indeferida, por ilegitimidade passiva do INSS, em relação aos pedidos de reconhecimento de nulidade contratual e restituição em dobro de valores descontados ( ).No caso, já está assente na jurisprudência que a relação travada entre consumidor de serviços bancários e a instituição bancária é subsumida ao regime do CDC, de modo que o regime jurídico aplicável ao dano ora apurado é o previsto no art. 14 do referido código, que dispõe:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Quanto à responsabilidade civil do INSS por danos patrimoniais ou morais decorrentes de empréstimo consignado não autorizado (PEDILEF nº 0500796-67.2017.405.8307), a Turma Nacional de Uniformização fixou o tema nº 183, sendo firmada a seguinte tese:
I - O INSS não tem responsabilidade civil pelos danos patrimoniais ou extrapatrimoniais decorrentes de “empréstimo consignado”, concedido mediante fraude, se a instituição financeira credora é a mesma responsável pelo pagamento do benefício previdenciário, nos termos do art. 6º, da Lei n. 10.820/03;
II – O INSS pode ser civilmente responsabilizado por danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, se demonstrada negligência, por omissão injustificada no desempenho do dever de fiscalização, se os “empréstimos consignados” forem concedidos, de forma fraudulenta, por instituições financeiras distintas daquelas responsáveis pelo pagamento dos benefícios previdenciários. A responsabilidade do INSS, nessa hipótese, é subsidiária em relação à responsabilidade civil da instituição financeira. (Processo nº 0500796-67.2017.4.05.8307/PE; Relator Juiz Federal Fábio Cesar Oliveira; Julgado em 12/09/2018).
Do caso concreto:
Controverte-se no caso acerca de regularidade do empréstimo consignado contrato nº 010112429000, firmado com o Banco C6 Consignado S/A, registrado pelo INSS em 17/12/2021, com início do desconto no benefício previdenciário do autor em 05/2022 e fim em 04/2029, valor liberado de R$ 60.000,00, com quitação em 84 parcelas de R$ 1.788,00.
A relação mantida com Banco C/6, ainda que subsumível ao conceito de relação de consumo, deve ser analisada à luz do contexto probatório apresentado. A responsabilidade é, de fato, objetiva quando constatada falha do produto ou da prestação serviço.
Neste ínterim, cabia à instituição financeira comprovar que efetivamente foi emitida Cédula de Crédito Bancário (CCB) 10112429000 com o consentimento do autor, ônus do qual se desincumbiu ao apresentar o dossiê probatório (
), que nada mais é do que um extrato de banco de dados cujo valor como prova foi dado pelo CPC, art. 425, inciso V. Com efeito, referido documento mostra a celebração de contrato que, em cada etapa do processo de adesão, foi requerido o aceite do autor, sendo esse aceite confirmado por meio do registro de data e hora, identificador do usuário, endereço de internet, fotografia "selfie" obtida quando da celebração e geolocalização. Quanto a esse último ponto, os lançamentos das coordenadas do contrato (-26.3519796, -48.8139493) no aplicativo de mapa Google Maps apontam para o endereço à Rua Quinze de Outubro, 1562, Rio Bonito (Piraberaba), Joinville - SC, 89239-700, endereço próximo à residência do autor, que fica localizada na Rua Gustavo Nass, 52, Rio Bonito (Piraberaba), Joinville - SC, 89239-605 ( e ).Foi anexado também pelo banco o comprovante de TED a favor do autor no valor de R$ 60.000,00, no qual fora depositado em 17/12/2021 (
).Embora o autor tenha dito que não efetuou tal contratação, os dados acima não comprovam tais alegações. Em um contexto tal, a alegação do autor no sentido de que desconhece a contratação não foi comprovada, além do que não foi produzida nenhuma prova de que o referido contrato não tenha sido efetivamente celebrado entre as partes.
Contudo, as alegações de que foi vítima de fraude na contratação e no posterior estorno do valor, para a qual teriam concorrido ambos os réus, merece atenção especial em sua análise.
Com efeito, segundo o depoimento pessoal do autor, o mesmo não quis o empréstimo e informou tais circunstâncias ao suposto gerente do banco réu através de contato telefônico. Por sua vez, tal gerente forneceu os dados bancários para estorno do valor ao próprio Banco C6. Após tais fatos, narra o autor que compareceu presencialmente na agência do Banco Itaú, na qual mantém relacionamento e, através do caixa físico, fez o TED de devolução/estorno ao C6 no valor de R$ 60.000,00. Somente após cerca de seis meses que o autor afirma que se deu conta de que tais valores estavam sendo consignados de seu benefício previdenciário.
Os fatos narrados pelo autor em audiência são corroborados pelo Boletim de Ocorrência registrado em 20/12/2021 (
) e pelo comprovante de TED de estorno realizado em 20/12/2021 ( ), vejamos:Pela análise do comprovante da TED acima, verifica-se que o nome do favorecido consta como BANCO C6 S/A, cujo destino dos valores foi conta corrente existente no próprio BCO C6 S.A, na agência 0336.
Ainda que o CNPJ (44.530.926/0001-64) da empresa que recebeu a TED seja de terceiro, em nome de Patrícia Rodrigues da Silva, tal dado não é visível aos olhos do indivíduo no momento da realização do TED, eis que está expressa a descrição que o beneficiário/favorecido pelo depósito é o próprio BANCO C6 SA e não outra outra pessoa jurídica.
Resta saber se a instituição financeira ré e o INSS concorreram para com os fatos, nos quais resultaram em claros prejuízos ao requerente.
Conforme depoimento pessoal do preposto do Banco C6 S/A, o mesmo não soube dizer acerca da informação técnica sobre a existência de normas internas do banco quanto a possibilidade de registro de beneficiários de depósitos; que geralmente é o titular da conta que aparece como favorecido; não soube dizer quem realiza o cadastro do nome do favorecido como Banco C6; narrou que, quando se realiza uma transferência bancária, geralmente aparecem as informações inseridas pelo próprio titular da conta; não soube informar se existe algum sistema de segurança do banco a fim de impedir o registro dos nomes de favorecidos diversos dos nomes dos titulares da conta, acha que é provável que exista, mas não tem certeza de qual.
Dessa forma, verifica-se que houve sim defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos por parte do Banco C6 S/A, na medida em que o mesmo possibilitou que terceiro cadastrasse o nome do próprio banco como beneficiário de transferência bancária de valores, induzindo assim o autor em erro, sendo necessária a reparação pelos danos materiais sofridos.
Pela inexistência de mecanismos de seguranças aptos a barrarem a ocorrência de golpe como o presente é que existe defeito na prestação de serviços do banco réu, ainda mais considerando que o mesmo é uma instituição financeira que atua essencialmente de forma digital.
Por outro lado, não se demonstrou, quanto à autarquia previdenciária, quer dolo, quer culpa grave ou a existência de ato danoso, não havendo, portanto, obrigação de o INSS em pagar indenização mesmo que comprovada alguma conduta ilícita do banco réu no caso, notadamente em razão da presunção de boa-fé que devem reger as relações entre a autarquia previdenciária e as pessoas jurídicas que utilizam o serviço de implantação de descontos diretos em favor dos segurados. Tendo sido apresentada ordem de desconto, informando haver autorização do segurado para tanto, deve-se presumir a correção e a veracidade da informação, não cabendo ao INSS criar serviço próprio de conferência e autenticidade das informações, máxime por inexistir qualquer fonte de custeio para tanto.
Ainda que não haja responsabilidade do INSS por danos causados pela alegada contratação, compete ao mesmo cessar os descontos mensais no benefício previdenciário do autor.
O dano moral encontra-se configurado em razão da privação involuntária de parte de verba de natureza alimentar e da angústia causada por tal situação. Nesse ponto, não há necessidade de demonstração clara do padecimento por quem teve que conviver com a indisponibilidade de parte dos recursos necessários à sua subsistência. Quando muito, a existência dessa demonstração serviria como guia de quantificação para a condenação. Portanto, no que tange à caracterização dos descontos indevidos como geradores de dano moral, é desnecessário que se demonstrem efeitos práticos danosos sobre a pessoa indevidamente cobrada e privada de sua renda.
Considerando que o valor co contrato em lide é de R$ 60.000,00, que foram descontadas parcelas de R$ 1.788,00 desde a competência de 05/2022, arbitro o valor a ser pago a título de danos morais pelo banco réu à parte autora em R$ 15.000,00, quantia que, apesar de certamente não compensar toda a angústia ou o tempo que o autor teve que dispensar para evitar a cobrança, serve como inibidor da repetição do comportamento irresponsável demonstrado pela entidade.
O valor foi arbitrado já considerando o interregno de tempo entre a emergência do contrato e o dano, assim como os efeitos de eventuais juros, motivo por que a correção monetária e os juros deverão ser aplicados a partir do mês de prolação desta sentença até o do pagamento. A correção monetária deverá ser o IPCA-e e os juros o índice equivalente à diferença, quando positiva, entre a taxa aplicada para correção de tributos federais (atualmente, o SELIC) e o índice de correção retro (CC, art. 406).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedentes em parte os pedidos para:
a) deferindo a tutela de urgência, determinar ao INSS que realize a cessação dos descontos do contrato nº 010112429000 , registrado em 17/12/2021, no benefício da parte autora, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa; e
b) condenar o Banco C6 Consignado S.A., a pagar ao autor compensação em pecúnia pelos danos morais sofridos no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), bem como a restituir os valores descontados do benefício previdenciário da parte autora em razão do contrato em lide, ambos atualizados nos termos da fundamentação.
Condeno o banco réu a pagar metade das custas judiciais e honorários advocatícios, estes no importe de 10% sobre o valor da condenação atualizado pelo IPCA-e.
Considerando a sucumbência recíproca, condeno o autor a pagar honorários advocatícios ao INSS, estes no importe de 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo IPCA-e.
Intimem-se.
Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para apresentar suas contrarrazões, ficando as partes cientes que a eficácia da presente decisão é a ordinária aplicável para o presente procedimento e remetendo-se os autos, oportunamente, à instância de revisão.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso interposto e passo à análise do apelo.
I - Mérito
Da validade do contrato de empréstimo consignado
Trata-se, na origem, de ação ajuizada em face do Banco C6 Consignado e INSS, com o fim de que fosse declarada a nulidade do contrato de empréstimo consignado n.10112429000, com a consequente devolução em dobro dos valores cobrados e condenação dos réus ao pagamento de danos morais (
).Em resumo, defende a parte autora que recebeu um depósito no valor de R$ 60.000,00 decorrente de empréstimo consignado firmado com a instituição financeira ré, sem ter firmado qualquer contrato. Afirmou, ainda, ter entrado em contato com o banco e devolvido os valores, mas mesmo assim os descontos do seu benefício previdenciário não foram cessados.
Cinge-se a controvérsia à análise da regularidade do empréstimo consignado contrato n. 010112429000, firmado com o Banco C6 Consignado S/A, registrado pelo INSS em 17-12-2021, com a liberação de R$ 60.000,00, com quitação em 84 parcelas de R$ 1.788,00 (
).Nesse contexto, o magistrado singular, nos termos abaixo, reconheceu a legitimidade da contratação:
Neste ínterim, cabia à instituição financeira comprovar que efetivamente foi emitida Cédula de Crédito Bancário (CCB) 10112429000 com o consentimento do autor, ônus do qual se desincumbiu ao apresentar o dossiê probatório (
), que nada mais é do que um extrato de banco de dados cujo valor como prova foi dado pelo CPC, art. 425, inciso V. Com efeito, referido documento mostra a celebração de contrato que, em cada etapa do processo de adesão, foi requerido o aceite do autor, sendo esse aceite confirmado por meio do registro de data e hora, identificador do usuário, endereço de internet, fotografia "selfie" obtida quando da celebração e geolocalização. Quanto a esse último ponto, os lançamentos das coordenadas do contrato (-26.3519796, -48.8139493) no aplicativo de mapa Google Maps apontam para o endereço à Rua Quinze de Outubro, 1562, Rio Bonito (Piraberaba), Joinville - SC, 89239-700, endereço próximo à residência do autor, que fica localizada na Rua Gustavo Nass, 52, Rio Bonito (Piraberaba), Joinville - SC, 89239-605 ( e ).Foi anexado também pelo banco o comprovante de TED a favor do autor no valor de R$ 60.000,00, no qual fora depositado em 17/12/2021 (
).Embora o autor tenha dito que não efetuou tal contratação, os dados acima não comprovam tais alegações. Em um contexto tal, a alegação do autor no sentido de que desconhece a contratação não foi comprovada, além do que não foi produzida nenhuma prova de que o referido contrato não tenha sido efetivamente celebrado entre as partes.
Destaco que a foto registrada no momento da contratação (
) permite reconhecer o autor quando comparada com a foto da sua CNH ( ).Ao lado disso, as coordenadas capturadas no momento, como bem destacadas no trecho acima, remetem a endereço muito próximo da residência oficial do autor.
Logo, não há dúvidas de que o autor fez a contratação do empréstimo, em 14-12-2021, ao aceitar todas as etapas de segurança (
).No ponto, cumpre esclarecer que o fortuito interno consiste em fato imprevisível relacionado à organização da empresa e aos riscos de sua atividade, ao passo que o fortuito externo caracteriza-se como fato imprevisível alheio à estrutura do negócio (ou seja, um evento estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço), que afasta o nexo de causalidade entre os riscos da atividade e eventuais danos causados por terceiros (artigo 393 do Código Civil).
Posto isso, conforme relatado pelo próprio autor em suas contrarrazões, no dia 17 de dezembro, recebeu uma ligação que seria da representante do Banco réu comunicando o depósito do valor, ocasião em que manifestou seu desinteresse no contrato e foi informado de que o gerente do banco entraria em contato. Na sequência, teria recebido nova ligação, do suposto gerente chamado Klaus, que informou a conta bancária para devolução dos valores.
Ora, parece-me que o autor, após eventual arrependimento, com o valor em conta, acabou sendo vítima da ação maliciosa de terceiros. Com efeito, por mais lamentável que seja o infortúnio sofrido pelo autor, não há como impor aos réus a responsabilização pelas operações regularmente realizadas.
Ao lado disso, chamo atenção que o autor não buscou o antedimento pelos canais oficiais do Banco réu, tendo apenas confiado em ligações recebidas de terceiros.
Em que pese o entendimento do magistrado singular, não reconheço que tenha ocorrido alguma falha capaz de ensejar a nulidade do contrato firmado ou, ainda, a responsabilização dos réus.
Nesse sentido, em situações semelhantes, tem-se decidido pela validade do contrato firmado, como segue:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE. INOCORRÊNCIA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. As disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990) são aplicáveis às instituições financeiras em relação aos serviços prestados aos seus clientes, na esteira do enunciado da súmula n.º 297 do Superior Tribunal de Justiça ("O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras"). Como corolário lógico, a responsabilidade civil das instituições financeiras é objetiva (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor) e está adstrita aos "danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" (súmula n.º 479 do Superior Tribunal de Justiça). 2. O fortuito interno consiste em fato imprevisível relacionado à organização da empresa e aos riscos de sua atividade, ao passo que o fortuito externo caracteriza-se como fato imprevisível alheio à estrutura do negócio (ou seja, um evento estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço), que afasta o nexo de causalidade entre os riscos da atividade e eventuais danos causados por terceiros (artigo 393 do Código Civil). 3. Não restando demonstrada a ocorrência de ato ilícito ou falha no serviço por parte da instituição financeira, descabe a sua responsabilização por operações regularmente realizadas, ainda que o titular alegue ter sido vítima de golpe perpetrado por terceiros. (TRF4, AC 5003786-28.2023.4.04.7205, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 18-7-2024)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS INDEVIDOS. INOCORRÊNCIA. 1. Compete às instituições financeiras e ao INSS verificar a veracidade e autenticidade dos contratos de empréstimo. A forma como eles verificam a licitude ou não dos empréstimos não pode acarretar prejuízo ao segurado. A experiência forense revela que essa forma não se mostra segura e eficaz. Assim, os danos decorrentes da falha na conferência de licitude dos empréstimos devem ser suportados pelos bancos e pelo INSS. 2. Hipótese em que restou comprovada a regular contratação dos empréstimos impugnados. (TRF4, AC 5009780-46.2023.4.04.7202, TERCEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 10-9-2024)
Com efeito, provido o apelo para se reconhecer a validade do contrato de empréstimo consignado n. 010112429000, bem como dos descontos realizados no benefício previdenciário da parte autora e afastar a condenação imposta na sentença.
II - Honorários Advocatícios
Reformada a sentença, invertem-se os ônus sucumbenciais. Condeno a parte apelada ao pagamento de custas e de honorários advocatícios à parte apelante, os quais vão fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme o disposto no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada eventual gratuidade de justiça.
III - Conclusões
1. O fortuito interno consiste em fato imprevisível relacionado à organização da empresa e aos riscos de sua atividade, ao passo que o fortuito externo caracteriza-se como fato imprevisível alheio à estrutura do negócio (ou seja, um evento estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço), que afasta o nexo de causalidade entre os riscos da atividade e eventuais danos causados por terceiros (artigo 393 do Código Civil).
2. Demonstrado de modo satisfatório que o empréstimo consignado fora devidamente contratado pelo autor, não há que se falar em nulidade do contrato e, consequentemente, dos descontos no seu benefício previdenciário.
IV - Prequestionamento
Em face do disposto nas Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal e 98 do Superior Tribunal de Justiça, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a presente decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
V - Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004760345v21 e do código CRC 96a5a99c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Data e Hora: 12/12/2024, às 8:51:21
Conferência de autenticidade emitida em 19/12/2024 04:22:37.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5021023-87.2023.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
EMENTA
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. DANO MORAL. REPETIÇÃO EM DOBRO. recurso provido.
1. O fortuito interno consiste em fato imprevisível relacionado à organização da empresa e aos riscos de sua atividade, ao passo que o fortuito externo caracteriza-se como fato imprevisível alheio à estrutura do negócio (ou seja, um evento estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço), que afasta o nexo de causalidade entre os riscos da atividade e eventuais danos causados por terceiros (artigo 393 do Código Civil).
2. Demonstrado de modo satisfatório que o empréstimo consignado fora devidamente contratado pelo autor, não há que se falar em nulidade do contrato e, consequentemente, dos descontos no seu benefício previdenciário.
3. Não restando demonstrada a ocorrência de ato ilícito ou falha no serviço por parte da instituição financeira, descabe a sua responsabilização por operações regularmente realizadas, ainda que o titular alegue ter sido vítima de golpe perpetrado por terceiros.
4. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de dezembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004760346v4 e do código CRC 37babfba.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Data e Hora: 12/12/2024, às 8:51:21
Conferência de autenticidade emitida em 19/12/2024 04:22:37.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/12/2024 A 11/12/2024
Apelação Cível Nº 5021023-87.2023.4.04.7201/SC
RELATOR: Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/12/2024, às 00:00, a 11/12/2024, às 16:00, na sequência 68, disponibilizada no DE de 25/11/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante: Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 19/12/2024 04:22:37.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas