Apelação Cível Nº 5003328-84.2013.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (OAB RS006650)
APELADO: GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Porto Alegre (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em mandado de segurança que discutiu sobre o direito à paridade, prevista da Lei nº 10.559/2002, à Aposentadoria Excepcional de Anistiado Político recebida pelo impetrante.
A sentença julgou improcedente a ação (evento 86).
Apela a parte impetrante (evento 142), pedindo a reforma da sentença e o deferimento de seus pedidos. Alega que tem direito líquido e certo, prescrito nos dispositivos legais expressos no artigo 8º do ADCT, regulado pela Lei nº 10.559/2002.
Houve contrarrazões.
Opinou o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
Examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de improcedência, proferida pelo juiz federal Carlos Felipe Komorowski, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:
(...)
3. Mérito
3.1 Aposentadoria excepcional de anistiado político
O impetrante é titular da aposentadoria excepcional NB 58/76.417.630-7, deferida administrativamente em 08/1983 (processo administrativo no Evento 21), tendo por fundamento a Lei de Anistia - Lei n° 6.683/1979 e a Portaria MP AS n° 2.472/1981, com data de início do benefício - DIB em 26/10/1982 e renda mensal inicial - RMI equivalente a 25/35, em virtude do seu tempo de serviço (Evento 21, PROCADM3, pp. 2/4; carta de concessão no Evento 21, PROCADM6, p. 3), tendo sido revista para a proporção de 22/35, em 19/10/1987, em virtude da Emenda Constitucional n° 26/1985 (Evento 21, PROCADM8, p. 15).
Segundo a declaração da Petrobras de 30/11/1982, o favorecido exerceu o cargo de assistente administrativo de 01/03/1962 a 05/05/1964 (Evento 21, PROCADM2, p. 3). Nos anos seguintes, a Petrobras encaminhou declarações ao INSS com a remuneração que o beneficiário estaria recebendo se continuasse em atividade (Evento 21, PROCADM12, p. 8, 10, 12, 14, ..., PROCADM15, p. 11; PROCADM20, p. 10).
Contudo, o beneficiário moveu a Ação Ordinária n° 89.00.13001-3, na qual, inclusive pelo acórdão do TRF da 4ª Região (91.04.13510-5/RS), de 05/08/1993, no Evento 1, DEC3, foi fixada a DIB de 08/07/1987 e a RMI de 90,3% da remuneração do cargo equivalente na Petrobras, além do acréscimo decorrente do tempo especial. Quanto aos reajustes das prestações, estabeleceu o pagamento das diferenças com a revisão do Plano de Cargos da Petrobras a partir de 01/08/1988.
O título judicial deu origem à execução de sentença com o mesmo número (apenas atualizado para 15 dígitos, 1989.71.00.013001-7), processada na 17ª VF de Porto Alegre e aos respectivos embargos de n° 96.00.04780-4.
Pois bem, em sede de embargos à execução, restou definido que o credor tinha direito a 100% da remuneração do cargo equivalente, diante da conversão do tempo especial para comum, fazendo com que atingisse mais de 35 anos de tempo de serviço - confira-se a sentença e o acórdão da apelação no Evento 85.
Tem-se, assim, que o autor é beneficiário de aposentadoria excepcional de anistiado político, deferida ainda nos termos da Lei n° 6.683/1979 e revisada em conformidade à Emenda Constitucional n° 26/1985.
No que toca à anistia e respectivos benefícios, sobreveio o artigo 8° do ADCT/1988, regulado pelo artigo 150 da Lei n° 8.213/1991, que autorizava a substituição dos benefícios já deferidos aos anistiados pelos benefícios previstos nesses dois diplomas, remetendo ao regulamento a respectiva disciplina, in verbis:
Art. 150. Os segurados da Previdência Social, anistiados pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, ou pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, ou ainda pelo art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal terão direito à aposentadoria em regime excepcional, observado o disposto no Regulamento.
Parágrafo único. O segurado anistiado já aposentado por invalidez, por tempo de serviço ou por idade, bem como seus dependentes em gozo de pensão por morte, podem requerer a revisão do seu benefício para transformação em aposentadoria excepcional ou pensão por morte de anistiado, se mais vantajosa.
Desse dispositivo infere-se que a lei não contemplou a forma de reajuste dos benefícios, sendo que o decreto regulamentador (Decreto n° 611/1992) estabeleceu a paridade com a remuneração que o beneficiário estaria recebendo se permanecesse em atividade:
Art. 136. A aposentadoria excepcional será reajustada sempre que ocorrer alteração para maior no salário que o segurado estaria recebendo se permanecesse em atividade, observados os percentuais de cálculo previstos para cada caso.
§ 1º Nos casos do § 2º do art. 133, quando inexistir empresa ou sindicato para informar os valores que deveriam ser pagos, os reajustamentos far-se-ão pelo mesmo índice e bases dos demais benefícios de prestação continuada da Previdência Social.
§ 2º A pensão por morte de segurado anistiado será reajustada, observando-se a aposentadoria-base calculada na forma dos arts. 133 e 134.
Contudo, o Decreto n° 2.172/1997 revogou o Decreto n° 611/1992 e extinguiu a paridade, passando a prever o reajuste pelos mesmos índices aplicáveis aos benefícios da previdência social:
Art. 128. A aposentadoria excepcional e a pensão por morte de segurado anistiado serão reajustadas com base nos mesmos índices aplicáveis aos benefícios de prestação continuada da previdência social.
Por sua vez, o Decreto n° 3.048/1999 determinou a aplicação à aposentadoria excepcional do anistiado da mesma regulamentação dos demais benefícios:
Art. 181. Todo e qualquer benefício concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, ainda que à conta do Tesouro Nacional, submete-se ao limite a que se refere o § 5º do art. 214.
Parágrafo único. Aos beneficiários de que trata o art. 150 da Lei nº 8.213, de 1991, aplicam-se as disposições previstas neste Regulamento, vedada a adoção de critérios diferenciados para a concessão de benefícios.
Essa inovação legislativa motivou a propositura de ações, sendo que, no âmbito do TRF da 4a Região, declarou-se a ilegalidade do citado dispositivo do Decreto n° 2.172/1997, pois não conferiria tratamento favorecido aos anistiados, por conseguinte, foi mantido o reajuste pela paridade com os trabalhadores em atividade. Veja-se a ementa:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA EXCEPCIONAL DO ANISTIADO. REQUISITOS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DA RMI E DE REAJUSTAMENTO. 1. O instituto da anistia tem origem na Lei nº 6.683, de 28/08/1979 (denominada "Lei da Anistia"), a qual contemplou todos aqueles que no período compreendido entre 02/09/1961 e 15/08/1979 foram atingidos, em decorrência de motivação política e eleitoral, por atos de exceção, institucionais e complementares. A Emenda Constitucional nº 26/1985 também tratou do assunto. 2. O artigo 8º do ADCT ampliou o instituto da anistia, abarcando todos os perseguidos políticos no período de 18 de setembro de 1946 até a Constituição de 1988, aplicando-se não só aos trabalhadores do setor público, como também do privado, incluindo os dirigentes e representantes sindicais. 3. A Lei 8.213/91 disciplinou a matéria no âmbito do regime geral, prevendo em seu artigo 150 a concessão da chamada "aposentadoria excepcional de anistiado", tendo sido referido dispositivo regulamentado pelo Decreto 357/91 e, na seqüência, pelo Decreto 611/92, os quais asseguraram a concessão de benefício calculado com base no valor que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, com reajustamento permanente e continuado, observada a data de alteração da remuneração que o anistiado político estaria recebendo se estivesse em serviço ativo. 4. As modificações promovidas pelos Decretos 2.172/97 e 3.048/99, as quais trouxeram regras menos benéficas quanto ao reajustamento e ao cálculo da RMI dos benefícios de anistiados, são ilegais, pois contrariaram a Lei 8.213/91. O tratamento diferenciado dos anistiados é garantido pela Constituição e pela legislação ordinária porque eles experimentaram sofrimentos físicos, econômicos e/ou psicológicos em razão de atos de exceção, com o afastamento compulsório de suas atividades profissionais, de modo que não pode a ação regulamentar equipará-los aos outros segurados. Ademais, as alterações implicaram igualmente a adoção de disciplinas diversas para os (i) anistiados que se aposentaram sob a vigência dos Decretos 357/91 e 611/92, e para os (ii) anistiados que se aposentaram sob a vigência do Decreto 2.172/92 (e, sucessivamente, do Decreto 3.048/99), não se justificando o tratamento diferenciado para pessoas que estavam na mesma condição (a de anistiados) sem que tenha havido modificação legislativa. 5. A matéria ganhou nova disciplina com o advento da Medida Provisória 2.151, de 31/05/01 (reeditada duas vezes) e, posteriormente, da Medida Provisória 65, de 28/08/02, a qual foi convertida na Lei 10.559, de 13/11/02, (a qual inclusive revogou o artigo 150 da lei 8.213/91), tendo a nova legislação de regência disposto no mesmo sentido dos dois primeiros decretos regulamentadores da Lei 8.213/91. 6. Tem, pois, o anistiado, independentemente da data de concessão de seu benefício, direito à aposentadoria com renda mensal inicial calculada com base em valor igual ao que receberia se na ativa estivesse, com reajustamento permanente e continuado, observada a data de alteração da remuneração que estaria recebendo se estivesse em serviço ativo, respeitado o limite do teto estabelecido no art. 37, inciso XI, e § 9º da Constituição. 7. (...). (TRF4, APELREEX 5028673-23.2011.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 16/12/2011)
No mesmo sentido: APELREEX 2003.04.01.032741-2, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 03/05/2010 e APELREEX 2003.04.01.032741-2, Sexta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 09/12/2008.
Data venia, penso que não há ilegalidade na alteração do critério de reajuste da aposentadoria excepcional de anistiado, isso com fundamento na clássica lição da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, o que abarca a disciplina de reajustamento de benefícios, bem como que o tratamento favorecido aos anistiados já foi contemplado pela própria previsão do benefício excepcional, não sendo a paridade remuneratória inerente a ele, inclusive porque jamais prevista nas Constituições. Esse foi o entendimento no TRF da 1a Região:
ADMINISTRATIVO. EX-EMPREGADOS ANISTIADOS DA PETROBRÁS. LEI 6.683/79, ART. 8º DO ADCT DA CF/88 E ART. 150 DA LEI 8.213/91. APOSENTADORIA EXCEPCIONAL. GRATIFICAÇÃO DE FÉRIAS. 14º SALÁRIO. INATIVOS. NÃO CABIMENTO. ART. 8º DO ADCT DA CF/88. DECRETO 611/92. 1. O art. 8º do ADCT da CF/88, ao conceder a anistia às pessoas enquadradas nas situações nele contempladas, não tratou da questão relativa à concessão de aposentadoria aos anistiados, assegurando-lhes apenas a recomposição da situação funcional para que, no momento da aposentação, não sofressem as consequências do afastamento do cargo ou emprego. 2. O art. 150 da Lei 8.213/91, ao criar o benefício de aposentadoria excepcional para os anistiados, previu expressamente que a sua disciplina seria estabelecida em regulamento, o que ocorreu com a edição do Decreto 611/92. 3. Inexistência de ilegalidade no Decreto 2.172/97, que modificou a forma de reajuste da aposentadoria excepcional dos anistiados, quer do ponto de vista formal - pois alterou norma anterior de igual hierarquia -, quer do ponto de vista material - uma vez que a norma regulamentada não tratou da forma de reajustamento do benefício que criou. 4. (...) (AC 305198420004013300, JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONCALVES DE CARVALHO, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:05/02/2013 PAGINA:497)
ADMINISTRATIVO. EX-EMPREGADO ANISTIADO DA PETROBRÁS. LEI 6.683/79. ART. 8º DO ADCT DA CF/88. ART. 150 DA LEI 8.213/91. APOSENTADORIA EXCEPCIONAL. DECRETO 611/92. PARIDADE COM O EMPREGADO DA ATIVA. 14º SALÁRIO. INATIVOS. NÃO CABIMENTO. 1. O art. 8º do ADCT da CF/88, ao conceder a anistia às pessoas enquadradas nas situações nele contempladas, não tratou da questão relativa à concessão de aposentadoria aos anistiados, assegurando-lhes apenas a recomposição da situação funcional para que, no momento da aposentação, não sofressem as conseqüências do afastamento do cargo ou emprego. 2. O art. 150 da Lei nº 8.213/91, ao criar o benefício de aposentadoria excepcional para os anistiados, previu expressamente que a sua disciplina seria estabelecida em regulamento, o que ocorreu com a edição do Decreto nº 611/92. Precedentes da Corte. 3. Ausência de ilegalidade no Decreto nº 2.172/97, que modificou a forma de reajuste da aposentadoria excepcional do anistiado, quer do ponto de vista formal, vez que alterou norma anterior de igual hierarquia, quer do ponto de vista material, pois a aludida norma regulamentadora não inovou na ordem jurídica, é dizer, não suprimiu qualquer direito garantido por lei. Precedentes da Corte. 4. (...). (AC 21666819994013300, JUÍZA FEDERAL ADVERCI RATES MENDES DE ABREU, 3ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:30/11/2012 PAGINA:1331)
Outrossim, os mencionados acórdãos do TRF da 4a Região também estão fundamentados na nova regulação dos benefícios dos anistiados políticos contida da Lei n° 10.559/2002, decorrente da MP n° 2.151/2001, a qual passou a prever a paridade do reajustamento da prestação mensal com a remuneração que o anistiado estaria recebendo se em atividade:
Art. 8° O reajustamento do valor da prestação mensal, permanente e continuada, será feito quando ocorrer alteração na remuneração que o anistiado político estaria recebendo se estivesse em serviço ativo, observadas as disposições do art. 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Entretanto, o benefício dessa lei, chamado de reparação econômica, que pode ser em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada não substituiu automaticamente os benefícios pagos anteriormente, conferindo-se ao titular a prerrogativa de requerer a substituição da aposentadoria excepcional paga pelo INSS:
Art. 11. Todos os processos de anistia política, deferidos ou não, inclusive os que estão arquivados, bem como os respectivos atos informatizados que se encontram em outros Ministérios, ou em outros órgãos da Administração Pública direta ou indireta, serão transferidos para o Ministério da Justiça, no prazo de noventa dias contados da publicação desta Lei.
Parágrafo único. O anistiado político ou seu dependente poderá solicitar, a qualquer tempo, a revisão do valor da correspondente prestação mensal, permanente e continuada, toda vez que esta não esteja de acordo com os arts. 6°, 7°, 8° e 9° desta Lei. (negritou-se)
Art. 19. O pagamento de aposentadoria ou pensão excepcional relativa aos já anistiados políticos, que vem sendo efetuado pelo INSS e demais entidades públicas, bem como por empresas, mediante convênio com o referido instituto, será mantido, sem solução de continuidade, até a sua substituição pelo regime de prestação mensal, permanente e continuada, instituído por esta Lei, obedecido o que determina o art. 11. (negritou-se)
É necessária a análise caso a caso da substituição da aposentadoria excepcional pela reparação de prestação mensal porque ela pode ser desfavorável ao anistiado, segundo registrado em auditoria do Tribunal de Contas da União - TCU (TC‑026.846/2006-7, Relator Min. Augusto Sherman Cavalcanti, sessão de 09/02/2011, sem negritos no original):
42. Assim, ao apreciar os pedidos de anistia ou substituição de regime referentes aos aeronautas em questão, a Comissão de Anistia decidiu pelo deferimento da reparação econômica em prestação continuada no valor de R$ 18.488,85 para os que, segundo relação fornecida pela VASP, estariam no cargo de Comandante (em regra, para os que exerciam a função de copiloto no momento da demissão), e no valor de R$ 6.926,47 para os que estariam no cargo do Comissário Chefe de Equipe.
43. Nos casos em que foi concedida a substituição de regime, o anistiado deixou de receber a aposentadoria excepcional a partir do momento em que a reparação econômica passou a ser paga e, ao calcular os valores retroativos, a Comissão de Anistia abateu os valores já recebidos pelo requerente, a título de aposentadoria excepcional de anistiado.
(...).
É entendimento pacificado desta Comissão de Anistia que a reintegração do servidor uma vez demitido por motivação política, de per si, já configura um perdão, inclusive no que se refere aos efeitos financeiros.
50. A Comissão de Anistia/MJ, entretanto, ao definir o valor da reparação econômica do referido aeronauta, não levou em consideração que a readmissão fora anteriormente facultada ao requerente, estabelecendo a prestação mensal equivalente ao valor integral da remuneração de um Comandante de Aeronave, como se a punição política que fundamentou a concessão da anistia continuasse impedindo sua carreira na VASP até o presente.
(...)
68. Consideramos irrelevante a afirmação de que a readmissão ocorre por meio de um novo contrato de trabalho. Se esse ‘novo’ contrato de trabalho foi decorrência de anistia concedida aos requerentes, sob mesmo fundamento, é um benefício inacumulável com os direitos previstos na Lei 10.559/2002, sendo devida apenas a reparação pelos eventuais prejuízos nas promoções ou vantagens a que teria direito caso não fosse afetado.
(...)
73. Dessa forma, caberia à Comissão de Anistia/MJ verificar os direitos previstos no artigo 8º do ADCT que não foram compreendidos no instrumento que possibilitou a readmissão, na forma explicada nos itens 55 e 56 deste relatório. Quando se observasse que tais direitos implicariam uma reparação maior que a aposentadoria excepcional de anistiado, faria sentido proceder à substituição de regime. Caso contrário, seria mantida a aposentadoria por mostrar-se mais benéfica. De toda sorte, os efeitos da readmissão não poderiam ser desconsiderados.
(...)
77. De fato, tanto a aposentadoria excepcional, quanto a oferta de readmissão, são benefícios que não podem ser acumulados com a reparação econômica prevista na Lei 10.559/2002, de modo que ambos, independentemente, deveriam ser levados em consideração quando da definição do valor da indenização pela Comissão de Anistia/MJ.
(...)
99. Além disso, a maioria das reparações econômicas questionadas neste achado foram concedidas em substituição à aposentadoria excepcional de anistiado político. Portanto, caso o Tribunal venha a decidir pela revisão dos atos de concessão das referidas reparações, deve ser observado que, quando o valor recalculado da reparação econômica for menor que o benefício previdenciário, será necessário restaurar o status quo anterior, providenciando-se a retomada do pagamento do referido provento.
(...)
129. Ao proceder à substituição do regime da aposentadoria excepcional para a prestação mensal, permanente e continuada, a Comissão de Anistia/MJ deveria, necessariamente, ter abatido, do valor da prestação mensal, os benefícios proporcionados pela oferta de readmissão a fim de não incorrer em bis in idem vedado pelo citado art. 16 da Lei 10.559/2002.
130. Caso a prestação mensal, permanente e continuada, ao final dos cálculos levando em consideração os efeitos da oferta de readmissão, restasse inferior ao benefício previdenciário excepcional já percebido pelo anistiado, não seria realizada a substituição de regime, pois a Lei 10.559/2002 faculta a opção mais favorável.
131. Nesse caso, como já mencionamos, estaria evidenciado que a aposentadoria excepcional já fora suficiente para reparar os danos decorrentes da punição política. Assim, seriam preservados os direitos adquiridos pelos anistiados, sem solução de continuidade, e a segurança jurídica.
(...)
165. Ocorre que os valores abatidos da reparação econômica retroativa correspondem estritamente ao valor recebido a título de aposentadoria excepcional do INSS, o que pode ser verificado em qualquer planilha de cálculo dos valores retroativos ou mesmo nos votos dos relatores na Comissão de Anistia/MJ. Isso, inclusive, já havia sido apontado por esta unidade técnica desde o relatório de auditoria. Não houve compensação alguma dos efeitos da readmissão, fato admitido pela própria Comissão de Anistia/MJ quando promovida oitiva na ocasião da suspensão cautelar. Foi mencionado no relatório de auditoria que os efeitos da readmissão e da aposentadoria excepcional deveriam ser ambos considerados, e de forma independente, no cálculo da reparação econômica, a fim de evitar a acumulação de benefícios vedada no art. 16 da Lei 10.559/2002.
(...)
193. Como as aposentadorias excepcionais não foram objeto de análise na auditoria, propôs-se, também na instrução precedente, que, caso após a revisão dos atos de substituição de regime, com o expurgo das remunerações possibilitadas pelas ofertas de retorno ao cargo ou emprego, não subsistisse reparação econômica em prestação mensal, ou restasse em valor inferior à aposentadoria excepcional que o anistiado percebia antes da substituição de regime, fossem adotadas medidas para restabelecer o benefício previdenciário.
194. Tal medida foi proposta levando em conta que a anulação da substituição de regime enseja, a princípio, a restauração do estado anterior, com o restabelecimento do benefício previdenciário excepcional que fora substituído, visto que o ato nulo não produz efeitos e a Lei 10.559/2002 faculta a opção mais favorável. A restauração da referida aposentadoria poderia ser negada, se confirmada a existência de ilegalidade em sua concessão, o que não foi aventado na auditoria deste Tribunal.
Ademais, a substituição também implica alteração do órgão responsável pelo pagamento do benefício, que passa a ser o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com referência às anistias concedidas a civis, e o Ministério da Defesa, tratando-se de anistias concedidas aos militares, em ambos os casos após comunicação do Ministério da Justiça (Lei n° 10.559/2002, art. 18).
Estabelecido esse panorama, tem-se que, no presente writ, a pretensão do impetrante está fundada, num primeiro argumento, na paridade prevista na Lei n° 10.559/2002, que é devida para o benefício de reparação econômica em prestação mensal, ao passo que o requerente ainda recebe a aposentadoria excepcional, pois não há decisão definitiva do seu requerimento administrativo de substituição para o novo regime.
Com efeito, em 01/03/2002, o ora impetrante requereu a substituição da sua aposentadoria para a preconizada na MP 2.151/2001, segundo a cópia do processo administrativo anexada pela União no Evento 113.
Vale registrar que o mandado de injunção impetrado pelo ora autor no STJ a fim de ser determinado o julgamento do seu recurso administrativo (MI 209), com fundamento na razoável duração do processo, foi extinto sem resolução do mérito pela inadequação procedimental, segundo os registros na consulta processual daquela Corte.
Portanto, somente após a análise do caso pela Comissão de Anistia e eventual deferimento da substituição, se mais favorável ao anistiado, é que haverá direito ao reajuste do benefício em paridade à remuneração como se estivesse em serviço ativo.
Quanto ao segundo argumento, da coisa julgada, a sentença na ação ordinária foi prolatada em 20/11/1990 e o acórdão na apelação em 17/06/1993, ambos, portanto, anteriores à alteração do regime jurídico pela legislação superveniente. Nessa hipótese, a coisa julgada não impede a aplicação da nova lei, pois, tendo o processo disciplinado relação jurídica continuada, vigora a cláusula rebus sic stantibus, como decidiu o STJ em casos análogos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. COISA JULGADA. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Corte e do Supremo Tribunal Federal, não há falar em direito adquirido a regime jurídico, desde que observada a proteção constitucional à irredutibilidade de vencimentos. 2. Assim, a lei nova pode regular as relações jurídicas com a Administração Pública, extingüindo, reduzindo ou criando vantagens, bem como determinando reenquadramentos, transformações ou reclassificações. 3. As sentenças judiciais, notadamente as que tratam de relações jurídicas com efeitos prospectivos, têm sua eficácia temporal vinculada à cláusula rebus sic stantibus. 4. Vale dizer, a força vinculativa das decisões judiciais apenas permanece enquanto se mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes no momento de sua prolação. 5. A superveniente alteração do estado de direito decorrente da atividade normativa do Poder Legislativo quanto a fatos futuros não implica em ofensa à coisa julgada. 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS 24.926/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 29/04/2011)
PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE TARIFA PROGRESSIVA DE FORNECIMENTO DE ÁGUA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI N. 11.445/07. NOVA SITUAÇÃO JURÍDICA. NÃO OFENSA À COISA JULGADA. 1. Noticiam os autos que o agravante - Condomínio Santa Mônica - ajuizou ação ordinária contra a CEDAE, com vistas a afastar a cobrança de água pela tarifa progressiva, sob o fundamento de ilegalidade. O pedido foi julgado procedente, transitando em julgado em 2006. Em 2007, entrou em vigor a Lei n. 11.445, que chancelou expressamente essa modalidade de cobrança progressiva. 2. Cinge-se a controvérsia ao momento em que a tarifa progressiva instituída pela Lei n. 11.445/07 poderia ser cobrada do Condomínio, no caso de haver sentença transitada em julgado em sentido contrário. 3. O art. 471, inciso I, do CPC reconhece a categoria das chamadas sentenças determinativas. Essas sentenças transitam em julgado como quaisquer outras, mas, pelo fato de veicularem relações jurídicas continuativas, a imutabilidade de seus efeitos só persiste enquanto não suceder modificações no estado de fato ou de direito, tais quais as sentenças proferidas em processos de guarda de menor, direito de visita ou de acidente de trabalho. 4. Assentadas essas considerações, conclui-se que a eficácia da coisa julgada tem uma condição implícita, a da cláusula rebus sic stantibus, norteadora da Teoria da Imprevisão, visto que ela atua enquanto se mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença. 5. Com base nos ensinamentos de Liebman, Cândido Rangel Dinamarco, é contundente asseverar que "a autoridade da coisa julgada material sujeita-se sempre à regra rebus sic stantibus, de modo que, sobrevindo fato novo 'o juiz, na nova decisão, não altera o julgado anterior, mas, exatamente, para atender a ele, adapta-o ao estado de fatos superveniente'." 6. Forçoso concluir que a CEDAE pode cobrar de forma escalonada pelo fornecimento de água a partir da vigência da Lei n. 11.445/2007 sem ostentar violação da coisa julgada. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1193456/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 21/10/2010)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO ASSEGURADA POR DECISÃO JUDICIAL. SUPERVENIÊNCIA DE LEI FIXANDO NOVOS VENCIMENTOS. ABSORÇÃO DAS VANTAGENS ANTERIORES, ASSEGURADA A IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. EFICÁCIA TEMPORAL DA COISA JULGADA, OBSERVADA A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. PRECEDENTES (MS 11.145, CE, MIN. JOÃO OTÁVIO, DJE 03/11/08). 1. Ao pronunciar juízos de certeza sobre a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito que se apresentam no momento da sua prolação. Tratando-se de relação jurídica de trato continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte (cláusula rebus sic stantibus). Assim, não atenta contra a coisa julgada a superveniente alteração do estado de direito, em que a nova norma jurídica tem eficácia ex nunc, sem efeitos retroativos. Precedentes da CE e de Turmas do STJ. 2. No caso, a superveniente Lei 10.475/02, dispondo sobre os vencimentos de servidores públicos, operou a absorção dos valores anteriores, inclusive o das vantagens asseguradas por sentença, mas preservou a irredutibilidade mediante o pagamento de eventuais diferenças como direito individual (art. 6º). Legitimidade da norma, conforme decisão do STF, adotada como fundamento do ato atacado. 3. Mandado de segurança denegado. (MS 11.045/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/02/2010, DJe 25/02/2010)
Por esses fundamentos, a autoridade impetrada não praticou ato violando direito líquido e certo do impetrante, merecendo ser denegada a segurança.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, indefiro as preliminares e resolvo o mérito do processo, julgando improcedentes os pedidos (CPC, art. 487, I) e denegando a segurança.
Não são devidos honorários advocatícios no mandado de segurança (Lei n° 12.016/2009, art. 25; Súmulas 512 do STF e 105 do STJ).
Custas pelo impetrante.
Publique-se e intimem-se.
O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5003328-84.2013.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (OAB RS006650)
APELADO: GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Porto Alegre (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. aposentadoria excepcional de anistiado político. paridade. Lei nº 10.559/2002.
1. O impetrante visa paridade, prevista da Lei nº 10.559/2002, à sua Aposentadoria Excepcional de Anistiado Político. Contudo, o impetrante requereu a substituição da sua aposentadoria para a preconizada na MP 2.151/2001, e ainda não obteve resposta. Portanto, somente após a análise do caso pela Comissão de Anistia e eventual deferimento da substituição, se mais favorável ao anistiado, é que haverá direito ao reajuste do benefício em paridade à remuneração como se estivesse em serviço ativo.
2. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de julho de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 03/07/2019
Apelação Cível Nº 5003328-84.2013.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOSE ANTONIO RODRIGUES DO CANTO (OAB RS006650)
APELADO: GERENTE EXECUTIVO - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Porto Alegre (IMPETRADO)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 03/07/2019, na sequência 97, disponibilizada no DE de 07/06/2019.
Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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