Apelação Cível Nº 5000607-83.2018.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: YASSER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELANTE: SAMMER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELANTE: LAILA ABDEL KHALEQ ISMAIR (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
SAMMER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES, YASSER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES e a SUCESSÃO DE LAILA ABDEL KHALEQ ISMAIRajuizaram a presente ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais ao espólio da falecida, Laila, em decorrência da indevida cessação de seu benefício de auxílio-doença, bem como para seus filhos Sammer e Yasser, em razão do precoce falecimento da genitora.
Disseram que, na data de 28.05.2017, Laila teve morte encefálica, no Hospital de Cardiologia da Santa Casa do Rio Grande/RS, aos 46 anos de idade, deixando os filhos Yasser (absolutamente incapaz à época) e Sammer. Referiram que Laila apresentava, há anos, um grave quadro depressivo e sentia fortes dores de cabeça, razão pela qual fazia acompanhamento médico continuamente, com medicações de uso controlado, e estava há muitos anos afastada das atividades laborativas, em gozo do benefício de auxílio-doença. Mencionaram que na perícia médica realizada em 24.05.2017 a perita do INSS não reconheceu a doença de Laila, acarretando a perda do benefício previdenciário que recebia há anos.
Alegaram que a cessação do benefício afetou muito a de cujus, pois ela, com 46 anos de idade e dois filhos adolescentes, um de 15 anos e outro de 19, tinha gastos contínuos com medicamentos, não estando em condições de retornar para o mercado de trabalho. Aduziram que Laila, desesperada com a situação, após ter cefaléia e apresentar parada cardíaca, foi internada no hospital, onde restou diagnosticado acidente vascular cerebral, que acabou evoluindo para morte encefálica. Defenderam que, tendo Laila falecido somente quatro dias após receber a notícia do indeferimento/cessação de seu benefício, resta claro que o seu quadro de saúde somente se agravou a tal ponto, culminando com o seu óbito, em decorrência de tal notícia. Argumentaram que o INSS agiu sem a mínima cautela, permitindo que a segurada, que já sofria de constantes abalos emocionais devido às doenças que lhe acometiam, fosse exposta a episódio angustiante, vindo a falecer quatro dias depois, o que demonstra o dever de indenização aos sucessores. Salientaram que, de acordo com o histórico de laudos médicos da falecida junto ao INSS (sistema SAB), o seu quadro de saúde por ocasião da alta previdenciária remanescia o mesmo, não sendo registrada nenhuma alteração substancial que sugerisse a referida alta.
Discorreram sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado e sobre o direito à indenização por danos morais, defendendo que, ainda que se reconheça que o óbito de Laila não foi diretamente causado pela cessação do benefício, resta patente que foi, no mínimo, concausa para o falecimento, remanescendo o dever de indenização. Subsidiariamente, arguiram a responsabilidade subjetiva do Estado.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença proferida com o seguinte dispositivo:
"ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.
Condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios à parte adversa, verba que, em atenção aos referenciais do art. 85, §2º, do Código de Processo civil, fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa, atualizado desde o ajuizamento pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-E).
Uma vez que os autores litigam sob o pálio da gratuidade de justiça, as obrigações decorrentes da sucumbência de sua responsabilidade ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, na forma do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil.
Transitada em julgado, arquive-se com baixa.
Interposto recurso, intime-se a parte apelada para, querendo, no prazo legal, apresentar contrarrazões e, após, não sendo suscitadas as questões referidas no art. 1009, §1º, do Código de Processo Civil, encaminhe-se ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 1.010, §§1º e 3º, do Código de Processo Civil).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
A parte autora apelou (evento 67). Primeiramente, alega que houve cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal. No mérito, sustenta, em suma, que o benefício foi cancelado de forma indevida, motivo pelo qual necessária a reparação pelo dano moral. Aduz que, ainda que a incapacidade laborativa não seja uma questão óbvia, existindo opiniões divergentes, conforme fundamentação da decisão a quo, é possível identificar que todos os documentos médicos juntados no momento da perícia administrativa, assim como na presente demanda, os quais foram emitidos por médicos especialistas, de modo a evidenciar a incapacidade laboral da segurada.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Cerceamento de defesa
O pedido de produção de prova testemunhal foi indeferido na decisão do evento 41 dos autos originários, de acordo com o artigo 370 do Código de Processo Civil.
Outrossim, h á que se afastar a alegação de cerceamento de defesa, eis que houve preclusão temporal, não tendo a parte insurgido-se a tempo.
Mérito
Adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior.
De acordo com esta teoria, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a culpa na conduta do agente, bastando o nexo de causalidade entre fato e dano. Veja-se a redação do referido artigo:
§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação de três elementos, quais seja, o (1) nexo causal entre a (2) conduta praticada pelo agente e o (3) dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração.
No que concerne ao dever de indenizar a autora em razão dos prejuízos morais supostamente experimentados pelo indeferimento do benefício assistencial no âmbito administrativo, o indeferimento de benefício por parte do INSS, de acordo com os dispositivos legais de regência, não gera direito à indenização por dano moral. Isso porque não se cogita de dano moral se não há procedimento flagrantemente abusivo por parte da Administração, "já que a tomada de decisões é inerente à sua atuação" (APELREEX 2006.71.02.002352-8, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. de 16/11/2009).
Nesses termos:
ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO PELO INSS DE AUXÍLIO-DOENÇA. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. 1. O indeferimento de benefício por parte do INSS, de acordo com os dispositivos legais de regência, não gera direito à indenização por dano moral, se não há procedimento flagrantemente abusivo por parte da Administração. 2. Quanto aos danos materiais, também, o indeferimento administrativo do benefício, por si só, não gera direito a indenização, mormente quando proveniente de ato administrativo revestido de legitimidade e que é passível de correção pelos meios legais cabíveis, tanto na própria administração, como perante o Judiciário. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5070630-04.2011.404.7100, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 08/10/2015)
Nesse aspecto, o indeferimento do pedido de benefício na fase administrativa não constitui ato ilícito tão somente porque o pleito foi concedido, subsequentemente, na esfera judicial.
Como bem salientado pelo magistrado sentenciante, ainda que tivesse sido demonstrado que o cancelamento do benefício previdenciário, no caso em tela, foi indevido, tal fato, por si só, não seria o suficiente para configurar ilícito indenizável. Para tanto, necessária seria a comprovação de que o INSS tenha cometido erro grave, agido de má-fé ou abusado de sua autoridade ao indeferir a prorrogação postulada, o que não ocorreu no caso concreto.
Assim, a conduta do INSS não é ilícita. O seu agir na esfera administrativa, indeferindo o benefício, está dentro da legalidade. Inexistindo conduta ilícita, não se caracteriza o dever de indenizar. Outrossim, não há provas que comprovem o nexo de causalidade entre a conduta do réu - indeferimento da prorrogação do benefício - e o dano ocorrido - óbito da segurada, inexistindo qualquer elemento que permita correlacionar ainda que remotamente os problemas médicos diagnosticados como causa mortis com a conduta pretérita do INSS.
Com a interposição de recurso, forte no artigo 85, parágrafo 11, do CPC, majoro os honorários fixados em sentença em 2%. Suspensa a exigibilidade da verba, face à concessão de AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5000607-83.2018.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: YASSER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELANTE: SAMMER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELANTE: LAILA ABDEL KHALEQ ISMAIR (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO previdenciário NA VIA ADMINISTRATIVA. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. O indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, de acordo com os dispositivos legais de regência, não se prestam para caracterizar dano moral. É inerente à Administração a tomada de decisões, e somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou equivocado por parte da Administração, o que não é o caso.
2. Outrossim, não há provas que comprovem o nexo de causalidade entre a conduta do réu - indeferimento da prorrogação do benefício - e o dano ocorrido - óbito da segurada, inexistindo qualquer elemento que permita correlacionar ainda que remotamente os problemas médicos diagnosticados como causa mortis com a conduta pretérita do INSS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de maio de 2019.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001052105v3 e do código CRC b9d529b5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/05/2019
Apelação Cível Nº 5000607-83.2018.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: YASSER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS (OAB RS084380)
APELANTE: SAMMER ABDEL KHALEQ ISMAIR PERES (Sucessor) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS (OAB RS084380)
APELANTE: LAILA ABDEL KHALEQ ISMAIR (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: BENITO CANUSO BARROS (OAB RS084380)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído no 3º Aditamento do dia 21/05/2019, na sequência 1151, disponibilizada no DE de 03/05/2019.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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