APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005533-73.2015.4.04.7114/RS
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAGALI KREUTZ |
ADVOGADO | : | CARLA FERNANDA DAL MOLIN |
INTERESSADO | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CIVIL. CEF. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO REALIZADO POR TERCEIRO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INSS. RESTITUIÇÃO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA.
1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003.
2. Os pressupostos da reparação civil são o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. No caso concreto, estão demonstrados os requisitos para a configuração do dever de indenizar, a saber: a) o fato (descontos indevidos no benefício previdenciário); b) a omissão estatal revelada na falha de serviço; c) o dano (descontos indevidos); d) o nexo de causalidade; e) a inexistência de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior.
3. Há dano indenizável a partir da falha na prestação do serviço bancário e previdenciário quando é descontado valor indevido na conta do cliente/beneficiário, gerando estresse desnecessário à parte autora.
4. Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável aos réus, exsurge o dever de indenizar, mediante compensação pecuniária compatível com a dor moral.
5. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de agosto de 2017.
Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9079583v4 e, se solicitado, do código CRC 358AF3CA. | |
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Signatário (a): | Loraci Flores de Lima |
Data e Hora: | 17/08/2017 13:22 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005533-73.2015.4.04.7114/RS
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAGALI KREUTZ |
ADVOGADO | : | CARLA FERNANDA DAL MOLIN |
INTERESSADO | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que, nos autos de ação ordinária de inexigibilidade de dívida realizada por terceiro mediante fraude na contratação de empréstimo consignado e indenização por danos morais decorrentes de indevido desconto na folha de pagamento, julgou o feito nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos, resolvendo o mérito, forte no art. 487, inciso I, do CPC/2015, para o efeito de:
a) declarar a inexistência do débito oriundo do contrato nº 180530110006709182, no valor de R$ 35.000,000, a ser repetido em 72 parcelas de R$ 1.102,31, vinculado ao benefício previdenciário nº 172.158.102-0;
b) condenar as rés a restituir, em dobro, à parte autora, os valores descontados do benefício previdenciário de sua titularidade, montante que deverá ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo, mediante a aplicação do IPCA-e (Súmula 43 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ);
c) condenar as rés ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção e juros nos termos da fundamentação.
Outrossim, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela (tutela antecipada), para determinar a imediata suspensão dos descontos, se ainda não tiver realizada, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de fixação de multa diária.
Condeno os réus ao pagamento das custas processuais proporcionalmente.
Isento o INSS.
No que tange aos honorários advocatícios, fixo-os em 10% sobre o valor total da condenação, atualizáveis pelo IPCA-E a contar desta data, forte no art. 85, § 2º e § 3º, inciso I, ambos do CPC/2015.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Apela o INSS, requerendo seja reformada a sentença, para declaração de improcedência do feito. Preliminarmente, postula a extinção do feito sem julgamento do mérito, com base no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, por ilegitimidade passiva. No mérito, alega que a conduta da CEF não pode ter repercussões sobre a esfera do INSS, não cabendo ao ente previdenciário a responsabilidade por eventual fraude ou equívoco na contratação de mútuo consignado em benefício previdenciário realizada pela instituição bancária. Defende que o INSS agiu regularmente, mormente porque não há comprovação de que a parte autora tivesse procurado este órgão para reclamar dos fatos que estavam ocorrendo. Por fim, sustenta a inexistência de dano moral.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da legitimidade passiva do INSS
O INSS requer que seja reconhecida a sua ilegitimidade passiva, com a consequente extinção do feito, com base no art. 485, VI, do CPC.
Sustenta sua ilegitimidade passiva por ser responsável apenas por operacionalizar o desconto e transferir os valores ao credor, ou seja, à Caixa Econômica Federal. Imputa apenas à CEF a responsabilidade pelos descontos indevidos do benefício previdenciário do autor.
Observa-se a Lei n.º 10.953/2004:
'Art. 1º O art. 6º da Lei nº 10820, de dezembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - inss a proceder aos descontos referidos no art. 1º desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato nas condições estabelecidas em regulamento, observadas aos normas editadas pelo INSS.
§ 2º Em qualquer circunstância, a responsabilidade do INSS em relação às operações referidas no caput deste artigo restringe-se à:
I- retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatória nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e
II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado.
§ 3º É vedado ao titular do benefício que realizar qualquer das operações referidas nesta Lei solicitar a alteração da instituição financeira pagadora, enquanto houver saldo devedor em amortização.
(...)'
A Instrução Normativa nº 121/2005, que estabelece os critérios para as consignações nos benefícios previdenciários, dispõe:
Art. 1º. Podem ser consignados e/ou retidos descontos na renda mensal dos benefícios de aposentadoria e pensão por morte, para pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, somente após efetiva contratação pelo titular do benefício em favor da instituição financeira pagadora ou não do benefício, desde que:
I- o desconto, seu valor e o respectivo número de prestações a consignar sejam expressamente autorizados pelo próprio titular do benefício;
II- a operação financeira tenha sido realizada pela própria instituição financeira ou pela sociedade de arrendamento mercantil a ela vinculada;
III- a instituição financeira tenha celebrado convênio com o INSS para esse fim;
IV- o somatório dos descontos e/ou retenções consignados para pagamento de empréstimo, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil não exceda, no momento da efetiva contratação, a vinte por cento do valor do benefício, deduzidas as consignações obrigatórias, excluindo-se o Complemento Positivo-CP, o Pagamento Alternativo de Benefício-PAB , e o Décimo Terceiro salário, correspondente à última competência emitida, constante no Histórico de Créditos-HISCRE/Sistema de Benefícios-SISBEN/Internet, observado o disposto no § 2º Alterado pela IN INSS/PRES Nº 1, DE 7/1/2008;
V- a taxa de juros aplicada ás operações de empréstimos, financiamentos e arrendamento mercantil não seja superior a 2,64% (dois vírgula sessenta e quatro por cento) ao mês.
VI- Poderá ser concedido o limite de até dez por cento do valor do benefício, para utilização em operações com cartão de crédito, como Reserva de Margem Consignável-RMC, exclusivamente para pagamento das transações dos contratos observado quanto à apuração da margem, o disposto no inciso IV incluído pela IN INSS/PRES/ Nº 1, DE 7/1/2008.
Art. 8º. As reclamações, quanto às operações previstas nesta Instrução Normativa, deverão ser formalizadas na Ouvidoria-Geral da Previdência Social - OGPS, por meio eletrônico ou PREVFone, observados os seguintes procedimentos:
I- e quanto tratar-se de reclamações que envolvam fraudes ou descontos indevidos em benefício:
a) o segurado/beneficiário formalizará a reclamação, informando todos os elementos necessários para viabilizar, quando for o caso, o ressarcimento dos valores descontados indevidamente;
b) se não possuir conta-corrente, o segurado/beneficiário deverá informar à agência bancária onde recebe o benefício;
c) formalizada a reclamação, a OGPS deverá remetê-la à Diretoria de Benefícios-DIRBEN, que cientificará a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil concessora do empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil do registro e teor da reclamação, solicitando o envio da comprovação das informações pertinentes e da autorização prévia e expressa da consignação/retenção/constituição de Reserva de Margem Consignável-RMC, no prazo de dez dias úteis, devendo ser observado o disposto nos §§ 3º, 6º e 7º do art. 1º;
d) caso a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil, no prazo de até dez dias úteis, não apresente a autorização do beneficiário/segurado para o desconto, não se manifeste ou o faça de forma não conclusiva, deverá a DIRBEN adotar os procedimentos de aplicação das sanções previstas no art. 16 desta Instrução Normativa;
e) no caso da alínea anterior, deverá a DIRBEN adotar os procedimentos de cancelamento da consignação;
f) a DIRBEN, após a análise das respostas encaminhadas pelas instituições financeiras ou sociedades de arrendamento mercantil, cientificará a OGPS do cancelamento, para que informe ao segurado das providências efetivamente adotadas.
Assim, os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social podem autorizar o INSS a proceder aos descontos em seus benefícios dos valores referentes a pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, quando previstos no contrato, nas condições estabelecidas, observadas as normas editadas pelo INSS, dispostas acima.
Analisando-se, portanto, a legitimidade passiva do INSS, há de se ressaltar o disposto no artigo 1º da Lei 10.953/2044, o qual torna imprescindível, para o desconto de prestações decorrentes de contrato entre o segurado e a instituição financeira, a autorização do segurado tanto para o INSS proceder aos descontos, como para a instituição financeira, no caso em tela a CEF, em que recebe o seu benefício, reter os valores referentes aos pagamentos mensais. Esta autorização é, por força de lei, irretratável e irrevogável.
Neste sentido, incabível o reconhecimento de ilegitimidade do INSS, porquanto responsável pela retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição financeira nas operações de desconto de empréstimos consignados, financiamentos e operações de arrendamento mercantil.
Refiro, a respeito, jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. DESCONTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO BANCÁRIO FRAUDADO. RESPONSABILIDADE DA CEF E DO INSS. REPARAÇÃO DO DANO MORAL COMPROVADO. VALOR FIXADO EM R$ 5.000,00 A TÍTULO DE DANOS MORAIS, QUE SE MOSTRA COMPATÍVEL COM OS FATOS DA CAUSA E PROVAS DOS AUTOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS ADEQUADAMENTE ESTIPULADOS. Sentença de parcial procedência mantida. Remessa necessária e apelações improvidas. (TRF4 5022198-51.2011.404.7100, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 24/04/2017)
ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS. INSS. FALHA NOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. - Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. - Há dano moral indenizável decorrente da falha na prestação do serviço previdenciário na hipótese de descontado de valor indevido em benefício previdenciário. (TRF4, AC 5005750-55.2015.404.7005, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 14/07/2016)
ADMINISTRATIVO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INSS. RESTITUIÇÃO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. 1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003. 2. Os pressupostos da reparação civil são o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. No caso concreto, estão demonstrados os requisitos para a configuração do dever de indenizar, a saber: a) o fato (descontos indevidos no benefício previdenciário); b) a omissão estatal revelada na falha de serviço; c) o dano (descontos indevido); d) o nexo de causalidade; e) a inexistência de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior. 3. Há dano indenizável a partir da falha na prestação do serviço bancário e previdenciário quando é descontado valor indevido na conta do cliente/beneficiário, gerando estresse desnecessário à parte autora. 4. Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável aos réus, exsurge o dever de indenizar, mediante compensação pecuniária compatível com a dor moral. (TRF4, AC 5016319-97.2010.404.7100, TERCEIRA TURMA, Relator GUILHERME BELTRAMI, juntado aos autos em 29/01/2016)
PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS NO BENEFÍCIO DO SEGURADO. PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO. LEI Nº 10.820, DE 2003, ART. 6º. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. SUSPENSÃO DO DESCONTO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS DESCONTADAS.
1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003.
2. Tendo ocorrido fraude em relação de consumo, é inválido o contrato firmado com instituição financeira autorizando a consignação de descontos no benefício do segurado. (AC 2008.71.99.004687-7; TRF4, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle; D.E. 15.10.2008)
Do dano moral
A responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável -, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.
O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)".
No Código Civil/2002, está definida a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo."
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Logo, se comprovado o nexo de causalidade entre a conduta de um e o dano causado a outro, cabível o dever de indenizar.
Veja-se que meros transtornos na rotina não são o bastante para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, no plano social, objetivo, externo, de modo a que se configurem situações de constrangimento, humilhação ou degradação e não apenas dissabor decorrente de intercorrências do cotidiano.
No caso em exame, a Caixa Econômica Federal e o INSS não lograram demonstrar que os empréstimos foram contraídos validamente pela autora, ao contrário, as provas juntadas aos autos são favoráveis à tese da autora de que uma terceira pessoa, de posse de seus documentos, de forma fraudulenta efetuou empréstimo em nome do requerente. E, por tal razão, passou a sofrer descontos indevidos em sua folha de pagamento.
A fim de evitar tautologia, adoto os fundamentos exarados na bem lançada sentença recorrida, verbis:
Da análise concatenada dos dispositivos supra mencionados, depreende-se que da prática do ato ilícito decorre a responsabilidade do agente, entendida esta como a obrigação de reparar mediante indenização do dano que o ato praticado com desvio de conduta causou a outrem.
Em decorrência disso, para haver responsabilidade civil, é necessária a coexistência de três elementos essenciais: a) a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; b) um dano; e c) o nexo de causalidade entre um e outro.
Não assumem relevância, pois, indagações pertinentes à presença de comportamento culposo, sendo imprescindível, tão somente, uma atividade e, em consequência, um dano.
Quanto à conduta, restou patente que a Caixa Econômica Federal e o INSS não se desincumbiram do mister que lhes recaía à luz do CDC, do CC e da própria CF/88, uma vez que não lograram demonstrar que os empréstimos foram contraídos validamente pela autora, ao revés.
De fato, os documentos juntados aos E1, E6, E23 e E34, são amplamente favoráveis à tese da autora, no sentido de que seus dados pessoais foram utilizados para assunção de dívidas junto à ré instituição financeira e consignação em seu benefício previdenciário junto à Autarquia Ancilar. E é daí que exsurge o ato ilícito na conduta das rés, que não foram diligentes quanto à conferência dos dados e documentos para entabular negócio com terceiros, restando patente a omissão.
Demais disso, frise-se que às rés foram conferidas diversas oportunidades para juntada de documentos no sentido de corroborar sua teoria e/ou resolução administrativa da celeuma, o que não restou colmatado. Nesse sentido, dispõe o art. 400 do Novo Código de Processo Civil:
Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:
I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;
II - a recusa for havida por ilegítima.
No que concerne especificamente ao dano, tem-se que somente deve ser reputado o dano de cunho moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar (FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 83). Deste modo, o mero dissabor, o aborrecimento, a mágoa, a irritação ou a sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, eis que se encontram na esfera de normalidade do cotidiano de qualquer indivíduo inserido na sociedade.
No caso, resta patente que o financiamento irregular em nome da autora, com a consequente cobrança e pagamento dos valores, lhe causou dano moral hábil a ser reparado. Tal sequer precisaria ser demonstrado amiúde, tendo em vista estar-se diante da figura do dano in re ipsa.
Deste modo, verifica-se a presença de todos os requisitos constitutivos da responsabilidade civil, notadamente a conduta culposa da ré, o dano causado à parte autora, bem como o nexo de causalidade entre ambos, razão porque procedem os pedidos ventilados na exordial.
Da declaração de inexistência do débito
À luz dos argumentos lançados no item anterior, deve ser declarada a inexistência do débito oriundo do contrato nº 180530110006709182, no valor de R$ 35.000,000, a ser repetido em 72 parcelas de R$ 1.102,31, vinculado ao benefício previdenciário nº 172.158.102-0.
Da repetição de valores
O pedido de repetição do indébito em dobro encontra previsão no art. 42 do CDC:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
O CDC (art. 42, parágrafo único) exige como requisitos para a condenação ao pagamento em dos valores cobrados (1) a demonstração da cobrança extrajudicial, (2) o efetivo pagamento do indébito de consumo, bem como (3) a inexistência de erro justificável.
Vejamos a lição de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 336):
Observe-se que, no sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina do Judiciário injustificadamente.
Não é esse o caso do Código de Defesa do Consumidor. Usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, a quantia indevida.
O Código de Defesa do Consumidor enxerga o problema em um estágio anterior àquele do Código Civil. Por isso mesmo, impõe requisito inexistente neste. Note-se que, diversamente do que sucede com o regime civil, há necessidade de que o consumidor tenha, efetivamente, pago indevidamente. Não basta a simples cobrança. No art. 1.531, é suficiente a simples demanda.
Entendo que, no caso, não se trata de mero engano, mas de total falha no serviço prestado pelas rés, não havendo prova de erro justificável, de modo que é cabível a repetição em dobro.
Sendo assim, o valor pago indevidamente deve ser repetido em dobro.
Assim, à vista da consideração da ilegalidade das cobranças e dos pagamentos, deve ser restituída a quantia paga, em dobro.
Considerando a ausência de elementos acerca das parcelas efetivamente descontadas, relego a apuração do montante para a fase de liquidação de sentença.
Destaco que sobre este valor: (a) incide correção monetária, a partir da data do efetivo prejuízo, mediante a aplicação do IPCA-e (Súmula 43 do STJ); (b) fluem juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ), no percentual de 1% ao mês.
Dos danos morais
Implementados os requisitos da responsabilidade civil e, considerando estar-se diante de hipótese de dano presumível (in re ipsa), cumpre verificar o quantum a ser fixado a título de indenização por dano moral.
A respeito do assunto, é importante atentar ao fato de que o arbitramento do dano moral deve levar em conta o caráter compensatório da reparação, sem perder seu caráter punitivo e preventivo de novas práticas ilícitas. Por outro lado, também deve representar um valor significativo para o autor da infração, embora não possa dar causa a enriquecimento da vítima.
Sobre o tema, assim decidiu o TRF da 4ª Região recentemente: "Observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a fixação do valor arbitrado deve guardar dupla função: uma primeira de ressarcir a parte afetada dos danos sofridos, e uma segunda, pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos semelhantes venham a ocorrer novamente. Mister, ainda, definir a quantia de tal forma que seu arbitramento não cause enriquecimento sem causa à parte lesada." (AC 5011793-96.2010.404.7000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 08/08/2012)
Tendo em vista as razões acima alinhadas, fixo a indenização pelo dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Em relação ao valor da indenização ora fixada: (a) incide correção monetária, desde a data dessa sentença, mediante aplicação do IPCA-e (Súmula 362 do STJ e TNU 2004.50.50.005232-4); (b) fluem juros de mora, no percentual de 1% ao mês, a contar, também, da presente sentença (REsp 903258/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 17/11/2011).
Oportuno destacar que a não fixação do valor nos termos pretendidos pela parte autora não acarreta na sucumbência, nos termos da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.
Diante da prova dos autos, conclui-se pelo cabimento de indenização.
Da quantificação do dano moral
Sobre o "quantum" indenizatório, a jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade." (Resp 666698/RN)
Nesta linha tem se manifestado este Tribunal:
ADMINSTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS.
1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral.
2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (TRF4, AC 5000038-54.2010.404.7104, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012)
Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.
Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, bem como considerando os parâmetros adotados pelo Superior Tribunal de Justiça e por esta Turma em casos semelhantes, deve ser mantido o montante indenizatório de R$ 10.000,00, atualizados a contar da sentença (Súmula 362 do STJ).
Ônus sucumbenciais nos termos da sentença recorrida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/08/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005533-73.2015.4.04.7114/RS
ORIGEM: RS 50055337320154047114
RELATOR | : | Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAGALI KREUTZ |
ADVOGADO | : | CARLA FERNANDA DAL MOLIN |
INTERESSADO | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/08/2017, na seqüência 204, disponibilizada no DE de 17/07/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR | |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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