APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005097-55.2012.4.04.7200/SC
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | BANCO DAYCOVAL |
ADVOGADO | : | FABIANE BIGOLIN WEIRICH |
APELANTE | : | JOCELINA DE SA CHICHORRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
ADVOGADO | : | ALEXANDRO SERRATINE DA PAIXÃO |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A |
ADVOGADO | : | José Maria Zilli da Silva |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CIVIL. CONTRATUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE DA UNIÃO. INCAPACIDADE DA CONTRATANTE. INTERDIÇÃO. NULIDADE DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. HIPÓTESE DE RESSARCIMENTO LIMITADO À COMPENSAÇÃO DE VALORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. Na condição de agente responsável pela operacionalização das consignações facultativas, a União é parte legítima para figurar no polo passivo da ação em que a autora reclama a restituição de valores descontados, ilegalmente, de seus proventos de pensão.
2. De regra, a sentença de interdição não tem eficácia retroativa, porém, havendo prova robusta de que os atos foram praticados sem que a pessoa estivesse no pleno domínio de suas faculdades mentais, podem ser anulados.
3. Comprovada cabalmente a incapacidade da autora ao firmar os contratos de empréstimos consignados, devem ser anulados os respectivos instrumentos contratuais, e, por conseqüência, são indevidas as consignações na folha de pagamento da autora.
4. Caso em que, ainda que a autora não estivesse com capacidade para firmar ditos empréstimos, recebeu os valores respectivos, de modo que eventual ressarcimento deve observar a compensação dos valores depositados na conta da autora com aqueles descontados via consignação.
5. Para que se caracterize a ocorrência de dano moral, deve a parte autora demonstrar a existência de nexo causal entre os prejuízos sofridos e a prática pela ré de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável - na produção do evento danoso.
6. Ainda que não se vislumbre prejuízo econômico para a autora (eis que deferida compensação por eventuais danos materiais) e que não tenha sido privada de suas necessidades básicas, mesmo não tendo atualmente capacidade de compreensão - em vista da doença demencial que lhe acometeu - há dano de caráter subjetivo, afetando sua honra objetiva e sua dignidade, pois foram-lhe atribuídos atos, com consequências patrimoniais e morais, dos quais jamais participou.
7. "A indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade." (Resp 666698/RN)
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, dar parcial provimento os apelos dos réus Banco Daycoval S/A e Banco Cruzeiro do Sul S/A e dar provimento à apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de agosto de 2015.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7672007v6 e, se solicitado, do código CRC 6CEDEB54. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle |
| Data e Hora: | 05/08/2015 13:04 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005097-55.2012.4.04.7200/SC
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | BANCO DAYCOVAL |
ADVOGADO | : | FABIANE BIGOLIN WEIRICH |
APELANTE | : | JOCELINA DE SA CHICHORRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
ADVOGADO | : | ALEXANDRO SERRATINE DA PAIXÃO |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A |
ADVOGADO | : | José Maria Zilli da Silva |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que, nos autos de ação ordinária de declaração de desconstituição de empréstimo consignado à pensão militar c/c indenização por danos materiais e morais decorrentes da consignação indevida, julgou o feito nos seguintes termos:
Em face do que foi dito, julgo procedentes os pedidos para:
(a) declarar a inexistência do contrato n. 20-1233854/08 (evento 9, CONTR5) firmado pelo Banco Daycoval S/A, que gerou descontos de R$ 225,69 (duzentos e vinte e cinco reais e sessenta e nove centavos) na folha de pagamento da autora entre setembro de 2008 e junho de 2010;
(b) declarar a inexistência do contrato celebrado em 10 de dezembro de 2009 (evento 34, CONTR4), que gerou descontos no contracheque da autora no valor de R$ 5.598,12 (cinco mil quinhentos e noventa e oito reais e doze centavos), entre janeiro de 2010 e agosto de 2011, bem como da relação contratual que tenha originado descontos de R$ 497,60 (quatrocentos e noventa e sete reais e sessenta centavos), entre outubro de 2006 e dezembro de 2009, ambos celebrados perante o Banco Cruzeiro do Sul S/A;
(b) condenar o Banco Daycoval S/A e o Banco Cruzeiro do Sul S/A a restituir à autora os valores descontados indevidamente com base nos contratos mencionados nos itens 'a' e 'b', atualizados monetariamente; e
(c) condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais à autora, no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Condeno os réus ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Custas ex lege.
E, acolhendo em parte os embargos de declaração de Jocelina de Sá Chichôrro, incluiu o seguinte parágrafo à parte dispositiva da sentença embargada:
Como índice de correção monetária e de juros de mora, a um só tempo, tem aplicação a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC (STJ; EREsp 727842/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julg. em 8.9.2008, publ. em 20.11.2008), a partir do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça), que corresponde à data do primeiro desconto indevido.
Dever-se-á, ainda, observar a Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a 'correção monetária da condenação por danos morais só incide a partir da data do arbitramento'. Assim, o valor fixado deverá ser deflacionado até a data do evento danoso, a partir de quando a taxa SELIC incidirá.
Apela a União, alegando ilegitimidade passiva. Sucessivamente, sustenta que a responsabilidade sobre as consignações operadas na pensão da autora é exclusivamente dos corréus, os quais firmaram os empréstimos ora questionados. Por este prisma, alega inexistir nexo causal ou culpa em sua conduta. Sucessivamente, pugna pelo afastamento da solidariedade, devendo apenas ser condenada em caráter subsidiário.
Apela o Banco DAYCOVAL S/A, requerendo a reforma da sentença, nos seguintes termos:
ISTO POSTO, requer o recebimento do presente recurso, tempestivamente, para dar-lhe provimento, reformando a sentença para afastar a condenação de devolução dos valores descontados indevidamente, em como considerar improcedente a condenação em dano moral eis que a Apelante agiu em absoluta conformidade com Princípio Contratual da Boa Fé.
Requer, alternativamente, caso o Eminente Relator entenda nulo o contrato, mesmo que findo e quitado, requer como conseqüência natural do seu desfazimento, apenas a devolução pura e simples do valor correspondente aos juros contratuais, afastando a condenação em danos morais, eis que inexistentes no caso destes autos.
Apela a parte autora, requerendo:
a) o recebimento do presente Recurso de Apelação com o benefício da Justiça Gratuita já deferido, para que seja proferido novo julgamento pela Corte, a fim de seja o mesmo conhecido e provido integralmente;
b) que, como houve o requerimento da parte apelante de repetição dos valores pagos, ou seja, houve pedido, que sejam os bancos condenados a repetirem em dobro os valores pagos pela recorrente;
c) que seja reformada a decisão recorrida para que se fixe o quantum indenizatório por dano moral, consoante balizamento doutrinário e jurisprudencial, no montante que entender mais adequado V. Exa., porém, data venia, em valor bem superior ao arbitramento traçado em 1º grau, a fim de minimizar os danos sofridos pela autora, bem como, para que efetivamente se desestimule a parte demandada a praticar novos atos atentatórios;
d) que, ante o reconhecimento pela decisão de que a recorrente foi vítima de ato ilícito, que sejam condenados os bancos à devolução dos valores pagos indevidamente, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso, ou seja, desde os descontos indevidos;
e) que, ante o reconhecimento pela decisão de que a recorrente foi vítima de ato ilícito, que sejam condenados os apelados a indenizar à autora pelos danos morais, com juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso, ou seja, desde o primeiro desconto indevido, e com atualização monetária desde o arbitramento judicial;
f) que seja reformada a decisão de 1° grau, para que a parte recorrida seja condenada ao pagamento de honorários sucumbenciais no equivalente a 20% sobre o total da condenação, sendo este o parâmetro mais pertinente, a vista do trabalho e da dedicação exigida no presente caso.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo desprovimento das apelações da União, do Banco Daycoval S/A e pelo parcial provimento da apelação da autora, apenas no que diz respeito aos consectários legais e majoração de honorários.
Convertido o julgamento em diligência, foi realizada perícia grafotécnica a fim de determinar se as assinaturas dos contratos de empréstimo consignados partiram do punho da autora.
Em face da conexão, julgar simultaneamente os seguintes processos: AC 5005097-55.2012.4.04.7200; AC 50045553720124047200; AC 50015890420124047200; AC 50021806320124047200; AC 50050100220124047200 e AI 50181592920154040000.
É o relatório.
VOTO
A parte autora requereu na inicial: a) a declaração de inexistência ou nulidade dos contratos de empréstimo consignado que geraram os descontos em sua folha de pagamento; b) a condenação do Banco Cruzeiro do Sul S/A e do Banco Daycoval S/A a restituírem o valor de R$ 131.368,80 (cento e trinta e um mil trezentos e sessenta e oito reais e oitenta centavos) e de R$ 4.965,18 (quatro mil novecentos e sessenta e cinco reais e dezoito centavos), respectivamente, que foram descontados de seu contracheque; c) a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.
Da legitimidade passiva da União
A responsabilidade civil da Administração Pública se encontra consagrada no artigo 37, § 6º, da atual Constituição Federal, que assim dispõe: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Este dispositivo não limitou a natureza da ação estatal quanto a gerar a responsabilização do Estado, se decorrente de ato lícito ou ilícito. Desse modo, o dever de indenizar surge toda vez que um agente estatal, nesta qualidade, causar dano a terceiro.
Nesse contexto, a responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos essenciais à sua configuração, quais sejam: a) a comprovação, pelo demandante, da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público prestado ou incorretamente prestado; b) a prova do dano por ele sofrido; e c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido.
No caso, a União é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, já que uma das pretensões da autora é a cessação dos descontos realizados em seu contracheque, bem como a indenização por danos morais. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSIONISTA DE MILITAR. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA. DEVER DE FISCALIZAR DESCONTOS EFETUADOS EM CONTRACHEQUES. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. NEXO CAUSAL COMPROVADO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte que é no sentido de que a pessoa jurídica de Direito Público é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se discute a legalidade dos descontos realizados na folha de pagamento dos seus servidores, por ser a responsável pela inclusão de tais débitos. Precedentes: REsp 1289416/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/08/2012; REsp 1113576/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 23/11/2009.
2. A Corte de origem, após ampla análise do conjunto fático probatório dos autos, concluiu pelo reconhecimento do nexo causal entre a conduta da Marinha e o dano sofrido pela recorrida. Assim, tem-se que a revisão da conclusão a que chegou o Tribunal a quo sobre a questão demanda o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 257963/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., unân., julg. em 7.3.2013, publ. em 13.3.2013 - destacou-se).
ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR. CONSIGNAÇÃO FACULTATIVA. DESCONTOS ILEGAIS. FRAUDE. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. QUESTIONAMENTOS GENÉRICOS. RESPONSABILIDADE. COMPENSAÇÃO DOS VALORES JÁ RECEBIDOS. ADMISSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NÃO CONFIGURADA.1. Na condição de agente responsável pela operacionalização das consignações facultativas, a União é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação em que a autora reclama a restituição de valores descontados, ilegalmente, de seus proventos de pensão. Conquanto não participe diretamente do contrato de empréstimo/seguro firmado pela pensionista, estando adstrita sua atuação à disponibilização dos meios físicos necessários à efetivação dos descontos, ela reconheceu a existência de falha na sua implementação, ao afirmar que foram incluídos em folha de pagamento, antes mesmo de a Sabemi providenciar o arquivamento de cópia dos contratos sub judice, em descumprimento à previsão contida na cláusula sétima, inciso I, do contrato de credenciamento nº 0030/2005 (Ofício nº 354 - Sec Jur/CPEX, de 1º.03.2006).
(...)
(APELREEX 2005.72.05.005103-2/SC, Rel. Des. Vivian Josete Pantaleão Caminha, 4ª T., unân., julg. em 27.1.2010, publ. em 8.3.2010).
Logo, tratando a lide de suposto dano causado a autora em face de equivocada prestação do serviço por parte do Exército e demais réus, caracterizada a legitimidade da União.
Da indevida consignação
Peço vênia para transcrever trechos do relatório da sentença recorrida:
Segundo os dizeres da petição inicial, tramita na Justiça Estadual ação de interdição da autora, que é viúva e pensionista de militar do Exército desde 22 de dezembro de 2002. Alegou a autora que foi nomeada como sua curadora provisória, nos autos da ação de interdição, a filha que a representa nestes autos. Assim, em diligência à fonte pagadora da pensão militar, a fim de verificar o motivo da falta de saldo para a quitação de certas dívidas da autora, a representante constatou a existência de descontos autorizados e obrigatórios que representavam quase 70% (setenta por cento) dos seus proventos. Contudo, a demandante destacou que não realizou quaisquer dos empréstimos consignados que constam em sua folha de pagamento.
Em seguida, sustentou ser pessoa de idade avançada e sofrer de Síndrome Demencial (CID-10 G30.9), doença irreversível que causou a sua incapacidade absoluta, possuindo vida restrita ao leito e totalmente dependente de ajuda alheia para suas necessidades básicas. Tendo em vista que essa condição surgiu há anos e causa-lhe limitações físicas, mentais e motoras, afirmou que não poderia ter firmado os instrumentos contratuais que geraram os descontos em sua folha de pagamento.
Por ser absolutamente incapaz há muitos anos, destacou que a prescrição não corre contra sua pretensão de obter a devolução dos descontos indevidos.
Assim, com base nas fichas financeiras fornecidas pelo Exército, listou os três contratos em discussão, com os respectivos valores descontados. Segundo mencionou, os descontos em sua folha de pagamento decorrentes de dois contratos firmados perante o Banco Cruzeiro do Sul S/A totalizam a quantia de R$ 131.368,80 (cento e trinta e um mil trezentos e sessenta e oito reais e oitenta centavos), e os referentes ao contrato celebrado perante o Banco Daycoval S/A somam R$ 4.965,18 (quatro mil novecentos e sessenta e cinco reais e dezoito centavos).
Posteriormente, a autora salientou que a legitimidade passiva da União decorre de sua atribuição para autorizar e fiscalizar os empréstimos consignados em folha de pagamento dos oficiais e pensionistas, conforme Portarias n. 371/2005, n. 46/2005 e n. 008/2008. Assim, em razão da falha na prestação do serviço, entende que o ente federativo deve ser responsabilizado pelos danos morais por ela sofridos.
Com relação à responsabilidade das instituições financeiras, ressaltou ser ela objetiva tanto pelos danos morais quanto pelos materiais, havendo a necessidade de inversão do ônus da prova em virtude da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Do conjunto probatório dos autos, restou cabalmente demonstrado que a autora não poderia ter celebrado os contratos de empréstimo consignado em razão de seu grave estado de saúde. Veja-se que o laudo pericial atestou que a autora é pessoa idosa restrita ao leito, alimenta-se por gastrostomia desde 6 de maio de 2010 e depende totalmente de ajuda alheia para satisfação de suas necessidades mais básicas. Afirma que ela já tinha sintomas de demência desde, pelo menos, 1998, e "já estava possivelmente totalmente dependente, em 2000-2001" (evento 56, LAUDPERÍ1).
Saliente-se que, de regra, a sentença de interdição não tem eficácia retroativa, porém havendo prova robusta de que os atos foram praticados sem que a pessoa estivesse no pleno domínio de suas faculdades mentais, podem ser anulados. Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE DE NEGÓCIOS JURÍDICOS. Em regra, a sentença de interdição não tem eficácia retroativa, sendo válidos os negócios jurídicos praticados até o seu proferimento, nos termos do art. 1.773 do Código Civil. No entanto, havendo prova robusta de que foram praticados sem que a pessoa estivesse no pleno domínio de suas faculdades mentais, podem ser anulados, o que não é o caso dos autos. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70028002566, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 12/05/2010)
Adoto os bem lançados argumentos da sentença recorrida no ponto, verbis:
Em resposta aos quesitos da autora, o perito afirmou que ela sofre de um quadro demencial grave, compatível com Mal de Alzheimer de início tardio (CID G30.1), em estágio avançado. Ressaltou, ainda, que a autora padece da enfermidade há cerca de 15 (quinze) anos e se tornou absolutamente incapaz 'desde, pelo menos, o ano de 2000' (evento 56, LAUDPERÍ1).
Ainda que a sentença de interdição haja sido proferida em data posterior à do decurso do prazo prescricional, a suspensão desse prazo ocorreu no momento em que a incapacidade mental se manifestou. O Superior Tribunal de Justiça possui orientação pacífica nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MILITAR - REFORMA EM RAZÃO DE INCAPACIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA - PRESCRIÇÃO - PRAZO SUSPENSO A PARTIR DA INCAPACIDADE - REQUISITOS PARA A REFORMA - SÚMULA 7/STJ - RECONHECIMENTO DO DIREITO AO PAGAMENTO DAS PARCELAS PRETÉRITAS - CORREÇÃO MONETÁRIA - JUROS DE MORA - ART. 1º-F DA LEI 9.494/97, INCLUÍDO PELA MP 2.180-35/2001 - APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - LIMITES À REVISÃO DO QUANTUM PELO STJ.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. A suspensão do prazo prescricional aos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (CC, 198, I; CC/16, art. 169, I) ocorre no momento em que se manifesta a incapacidade do indivíduo, sendo a sentença de interdição, para esse fim específico, meramente declaratória.
(...)
(REsp 1241486/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., unân., julg. em 18.10.2012, publ. em 29.10.2012 - destacou-se).
Desse modo, a pretensão da autora não foi atingida pela prescrição, que não corre contra os absolutamente incapazes, à vista do que dispõe o art. 198, inciso I, do Código Civil.
Considerando que os contratos não poderiam ter sido celebrados pela autora, conforme atestou o laudo pericial, o diploma consumerista se aplica à hipótese por força do que dispõe o seu art. 17, já que a autora foi vítima de falha na prestação de serviço pelas instituições financeiras, sendo considerada consumidora por equiparação.
Por outro lado, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor ocorrerá quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (art. 6º, VIII, do CDC).
Kazuo Watanabe (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, pp. 712-13) adverte que, para efeito de inversão do ônus da prova, a hipossuficiência não deve ser entendida simplesmente como vulnerabilidade no aspecto econômico, e sim como a impossibilidade ou grave dificuldade de o consumidor produzir sua defesa por motivos outros.
No caso dos autos, a própria condição de incapacidade da autora inferida do laudo pericial demonstra a verossimilhança da alegação de que não celebrou os contratos, bem como a sua dificuldade em produzir outros meios de prova.
Os dois contratos de empréstimo impugnados são o do evento 9 CONTRATO 5, firmado com Banco Daycoval S/A, no valor de R$ 7.434,72 em 02/10/2008, com parcelas até 02/09/2012, e o do evento 34 CONTRATO 4, firmado com o Banco Cruzeiro do Sul, no valor de R$ 181.934,35 em 10/12/2009, com parcelas até 02/01/2015.
Assim, diante da inequívoca incapacidade da autora ao firmar os contratos de empréstimos consignados, em face de um quadro demencial grave, devem ser anulados os respectivos instrumentos contratuais.
Por conseqüência, são indevidas as consignações na folha de pagamento da autora, devendo ser mantida a sentença no ponto.
Contudo, importa referir que está devidamente comprovado que o valor de cada empréstimo em análise foi, efetivamente, depositado na conta corrente da autora, no Banco do Brasil, agência 01386, conta n. 151750.
Por outro lado, a perícia grafotécnica concluiu que as assinaturas dos contratos não partiram do punho da autora (evento 234), com isso verifica-se ter havido fraude nas contratações. E, neste caso, fica caracterizada responsabilidade das instituições bancárias, pois agiram com negligência, eis que faltaram com o cuidado de verificar a documentação apresentada na hora da assinatura, permitindo assim que terceira pessoa se passasse pela autora.
Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. CIVIL. CONTRATUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SEGURADO DO INSS. CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. BANCOS. INSS. QUANTIFICAÇÃO. CONSECTÁRIOS. 1. O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras, nos termos da Súmula 297 do STJ. 2. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp 1199782/PR, julgado pelo rito dos recursos repetitivos). 3. A responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos essenciais à sua configuração, quais sejam: a) a comprovação, pelo demandante, da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público prestado ou incorretamente prestado; b) a prova do dano por ele sofrido; e c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido. 4. Responde o INSS por desconto indevido do benefício previdenciário (aposentadoria) de valores referentes a empréstimo em consignação, pois se deu sem autorização do beneficiário, já que o contrato bancário foi realizado sem a sua participação, por meios fraudulentos empregados por terceiros. 5. Se a instituição bancária, ao dar seguimento a contrato de empréstimo consignado fraudulento, apossou-se indevidamente de parcelas descontadas do benefício previdenciário do autor, deve ressarcir, incidindo a correção monetária e os juros moratórios desde os descontos indevidos, pois estes definem a data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ). 6. Para que se caracterize a ocorrência de dano moral, deve a parte autora demonstrar a existência de nexo causal entre os prejuízos sofridos e a prática pela ré de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável - na produção do evento danoso. 7. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. 8. A partir da vigência da Lei nº 11.960/09, devem ser empregados os índices oficiais de atualização, remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (REsp 1.270.439/PR, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação conferida pela Lei 11.960/2009). (TRF4, AC 5040039-88.2013.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 11/12/2014)
ADMINISTRATIVO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE DE FORMA FRAUDULENTA. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. 1. É de ser mantida a condenação ao pagamento de indenização por dano material e moral pela instituição financeira, que permitiu a contratação fraudulenta de abertura de conta corrente, realizada com documentos falsificados, e assim permitiu o resultado danoso material e moral - de modo que deverá repará-lo. 2. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 12/09/2011). 3. O quantum debeatur a ser pago a título de indenização deve observar o caráter punitivo e ressarcitório da reparação do dano moral. De outra banda, deve também evitar o enriquecimento ilícito, observadas as circunstâncias do caso e atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (TRF4, AC 5001627-72.2010.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Nicolau Konkel Júnior, juntado aos autos em 09/08/2013)
Saliente-se que as contratações ocorreram entre 2008 e 2009, época em que, segundo infere-se dos laudos, era visível a incapacidade da autora. Muito provavelmente ela sequer tinha condições de assinar já em 26/03/2003 quando apôs sua digital no requerimento de pensão, da mesma forma verifica-se terem sido feitas com a digital as assinaturas na ficha do exército de "apresentação anual" para atestar a condição de "viva" de maio/2006 em diante (evento 1).
Porém, ainda que a autora não estivesse com capacidade para firmar ditos empréstimos, nem tampouco que os tenha assinado, acabou por receber os valores respectivos (os quais somam o total de R$ 189.369,07). Uma vez depositado em sua conta bancária, pouco importa ao deslinde do feito de que modo os familiares responsáveis por ela gerenciaram suas finanças. Certo é que a autora teve acesso a estes valores.
De acordo com a inicial, a filha Sueli Terezinha Chichorro Schutz era a responsável pelas finanças da mãe, com a anuência dos irmãos. Eventual má versação do benefício da autora pelos seus familiares é questão que deve ser discutida em ação própria entre os interessados. Diante da incapacidade da autora, desde o ano de 2000, deveriam os familiares responsáveis ter, então, providenciado sua interdição. Ademais, considerando que a pensão alcançava quase R$ 13.000,00, bem como que os demais familiares apenas perceberam a existência dos descontos na folha de pagamento poucas semanas antes do ajuizamento (07/02/2012), supõe-se que as necessidades básicas da autora vinham sendo atendidas.
Veja-se que no laudo do evento 19 LAUDO2 está consignado que a autora contava com cuidadoras ao longo das 24 horas do dia e que "a estrutura de cuidados é bem montada, estando assistida de forma necessária".
Frise-se que a conta bancária em que a autora recebia seus rendimentos (pensão instituída em 22/12/2002) foi aberta no Banco do Brasil, em 27/12/2002, pela filha Sueli Terezinha Chichorro Schutz, conjuntamente com a autora, onde constam duas assinaturas idênticas. Conclui-se, portanto, que, na ocasião, a filha assinou o contrato pela mãe. Não veio aos autos cópia de eventual procuração para este fim, no entanto, tal questão refoge ao objeto do presente feito.
Convém referir que na 3ª Vara Criminal da Capital da Justiça Estadual de Santa Catarina, em 25/04/2014, foi recebida a denúncia de apropriação indébita contra Sueli (autos 0029863-35.2013.8.24.0023).
No entanto, ainda que tenha havido fraude na assinatura dos contratos, certo é que os valores financiados foram efetivamente creditados em favor da autora e administrados por sua filha Sueli (autorizada pelas demais filhas a cuidar das finanças da mãe) que detinha a conta conjunta. Assim, independente de onde tenham sido aplicadas tais quantias, inexistem nesses autos provas de que não tenham sido empregadas em prol da autora, de modo que a autorização da devolução integral dos valores consignados seria equivalente a chancelar o enriquecimento indevido da demandante.
Ou seja, mesmo comprovada a responsabilidade dos réus Banco Cruzeiro do Sul S/A e o Banco Daycoval S/A. na contratação, em face das fraudes, não cabe exigir que devolvam à autora valores que não lhe tomaram, pois efetivamente os creditaram em seu favor.
Importa, então, apurar a compensação dos valores depositados na conta da autora com aqueles descontados via consignação. Considerando a nulidade dos contratos de empréstimo em exame não cabe utilizar os parâmetros das cláusulas contratuais relativas aos juros, correção, etc. Assim, tenho que o ressarcimento à autora deve ocorrer apenas no caso de os valores descontados em consignação ultrapassarem o valor nominal de cada empréstimo, acrescido de correção monetária, desde a data do depósito na conta bancária da autora, pelo IPCA-E. Neste caso, deverá ser apurada em sede de cumprimento de sentença a compensação entre o que foi emprestado e o que foi pago, nos termos acima, incidindo no cálculo não as cláusulas contratuais, mas apenas a correção monetária pelo IPCA-E, a contar de cada pagamento.
Da responsabilidade da União
Quanto à responsabilidade da União, exige a sua falta de diligência para impedir a realização dos descontos indevidos.
A matéria acerca da margem consignatória em folha de pagamento de servidor militar está regulamentada na MP nº 2.215-10/2001 em seu art. 14, c/c o art. 8º da Portaria nº 371/2005 do Gabinete do Comando do Exército, não havendo submissão a qualquer outra norma que regulamente a matéria no âmbito restrito da Administração Pública Federal, ou mesmo na iniciativa privada, verbis:
"Art. 14. Descontos são os abatimentos que podem sofrer a remuneração ou os proventos do militar para cumprimento de obrigações assumidas ou impostas em virtude de disposição de lei ou de regulamento.
§ 1o Os descontos podem ser obrigatórios ou autorizados.
§ 2o Os descontos obrigatórios têm prioridade sobre os autorizados.
§ 3o Na aplicação dos descontos, o militar não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos.
"Art.8°. Margem Consignável (MC) é o valor máximo que pode atingir o somatório dos descontos autorizados num determinado mês, cujo valor será limitado a setenta por cento da remuneração ou proventos do militar, abatidos, primeiramente os descontos obrigatórios e a reserva de dez por cento do soldo destinada ás despesas médico-hospitalares do Fundo de Saúde do Exército (FUSEx)"
Assim, inarredável que os descontos, obrigatórios ou autorizados, não podem exceder a 70% do valor da renda bruta percebida pelo militar. Veja-se que o limite de 30% mencionado no dispositivo legal aplica-se não aos descontos, mas sim à remuneração mínima.
Neste caso, importa verificar se houve consignação superior a 70% da remuneração.
Analisando o contracheque da autora referente ao mês de dezembro de 2011, bem como as fichas financeiras (evento 1, anexos 14, 19 e 20),verifica-se que a mesma recebe dentro do limite estabelecido em lei e pelas normas que regulam os descontos consignados no âmbito do Comando do Exército.
Logo, não resta configurada a responsabilidade da União.
Do dano moral
A responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável -, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.
O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)".
No Código Civil/2002, está definida a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo."
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11/9/1990) atribuiu, objetivamente, ao fornecedor de produto ou serviço, a responsabilidade "pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos." (art. 14)
Logo, se comprovado o nexo de causalidade entre a conduta de um e o dano causado a outro, cabível o dever de indenizar.
Veja-se que meros transtornos na rotina não são o bastante para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, no plano social, objetivo, externo, de modo a que se configurem situações de constrangimento, humilhação ou degradação e não apenas dissabor decorrente de intercorrências do cotidiano.
No caso dos autos, restou comprovada a fraude quando das contratações dos financiamentos, e, por consequência, a responsabilidade dos réus Banco Cruzeiro do Sul S/A e o Banco Daycoval S/A, pois, por negligência (ao deixarem de verificar a assinatura atribuída à uma senhora idosa, a qual sofria de demência), possibilitaram, juntamente com terceiro (fraudador), a existência dos contratos fraudulentos.
Como bem salientou o julgador "a quo": entendo não ser imprescindível que a vítima compreenda a ilicitude e a violação ao seu bem jurídico para que sejam tutelados seus direitos da personalidade; seja com base na reparação civil, seja em razão da necessidade de imposição de uma sanção ao ofensor, como forma de censura à sua conduta. (...) Ainda que se parta do pressuposto de que o doente mental seria incapaz de sofrer humilhação, angústia, vexame ou abalo emocional, deve-se ter presente que a honra objetiva, a dignidade e a reputação são valores inerentes à sua própria condição de ser humano. Havendo ofensa a esses bens jurídicos, surge o dever de indenização por aquele que deu causa.
Nesse contexto, ainda que não se vislumbre prejuízo econômico para a autora (eis que deferida compensação por eventuais danos materiais) e que não tenha sido privada de suas necessidades básicas, mesmo não tendo atualmente capacidade de compreensão - em vista da doença demencial que lhe acometeu - há dano de caráter subjetivo, afetando sua honra objetiva e sua dignidade, pois foram-lhe atribuídos atos, com consequências patrimoniais e morais, dos quais jamais participou.
Nesse contexto, diante do nexo causal entre a conduta dos réus Banco Cruzeiro do Sul S/A e o Banco Daycoval S/A e o dano causado à autora, cabível a indenização por danos morais.
Da quantificação do dano moral
Acerca do valor indenizatório, a jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade." (Resp 666698/RN)
Nesta linha tem se manifestado este Tribunal:
ADMINSTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS.
1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral.
2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (TRF4, AC 5000038-54.2010.404.7104, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012)
Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.
Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, tenho por manter o montante indenizatório (sem olvidar que a situação de fraude foi perpetrada por terceira pessoa, mas com anuência das instituições bancárias), a ser arcado exclusivamente pelos réus Banco Cruzeiro do Sul S/A e o Banco Daycoval S/A., solidariamente, fixado em R$ 10.000,00, atualizados a contar da sentença (Súmula 362 do STJ), com juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 398 do novo Código Civil), no caso, desde o primeiro desconto indevido. Mantido o índice fixado na sentença, eis que a taxa SELIC está prevista no Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Dos honorários
Diante da presente modificação do julgado, tenho que a sucumbência é recíproca, na proporção de 20% a cargo da parte autora (suspensa a exigibilidade em face da AJG,) e 80% a cargo dos réus Banco Daycoval S/A e Banco Cruzeiro do Sul S/A, em rateio.
Tendo em vista a complexidade do feito, a verba honorária deve ser fixada em 20% do valor condenação, consoante os ditames do art. 20 do CPC e o entendimento da Turma em casos semelhantes.
Por outro lado, deve o autor arcar com o pagamento de honorários advocatícios em favor da União, no valor de R$ 5.000,00, suspensa a exigibilidade em face da AJG.
Conclusão
Merecem parcial provimento os apelos dos réus, para restringir a condenação a título de danos materiais à eventual compensação dos valores depositados na conta da autora com aqueles descontados via consignação, bem como para readequar a distribuição do ônus sucumbencial.
Merece provimento o apelo da União, para afastar sua responsabilidade.
Mantido o juízo de procedência o que tange à anulação dos contratos de empréstimos ora impugnados; suspensão dos descontos na folha de pagamento da autora; e condenação em danos morais.
Alterada a sucumbência, deve o autor arcar com o pagamento de honorários advocatícios em favor da União, no valor de R$ 5.000,00, suspensa a exigibilidade em face da AJG.
Quanto aos réus Banco Daycoval S/A e Banco Cruzeiro do Sul S/A, devem arcar com 80% da verba honorária, ficando os 20% restantes a cargo da parte autora, suspensa a exigibilidade desta em face da AJG. Fica a verba honorária fixada em 20% do valor da condenação, consoante os ditames do art. 20 do CPC e o entendimento da Turma em casos semelhantes.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora, dar parcial provimento os apelos dos réus Banco Daycoval S/A e Banco Cruzeiro do Sul S/A e dar provimento à apelação da União.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/08/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005097-55.2012.4.04.7200/SC
ORIGEM: SC 50050975520124047200
RELATOR | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinicius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | BANCO DAYCOVAL |
ADVOGADO | : | FABIANE BIGOLIN WEIRICH |
APELANTE | : | JOCELINA DE SA CHICHORRO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
ADVOGADO | : | ALEXANDRO SERRATINE DA PAIXÃO |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A |
ADVOGADO | : | José Maria Zilli da Silva |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/08/2015, na seqüência 314, disponibilizada no DE de 24/07/2015, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DAR PARCIAL PROVIMENTO OS APELOS DOS RÉUS BANCO DAYCOVAL S/A E BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
: | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA | |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7740194v1 e, se solicitado, do código CRC 2E731655. | |
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