APELAÇÃO CÍVEL Nº 5032576-61.2014.4.04.7100/RS
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | FERNANDA MARTINS THOMPSON |
ADVOGADO | : | Jaqueline de Lima Uez |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO-DESEMPREGO. INDEVIDA. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANOS MORAIS. CONFIGURADOS. QUANTIFICAÇÃO. HONORÁRIOS.
1. Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior.
2. Cabendo à União a responsabilidade pela gestão e fiscalização do benefício de seguro-desemprego, esta responde por prejuízo causado à segurado que teve a indevida negativa de pagamento das parcelas de benefício. O fato de ter havido culpa de terceiro, o qual utilizou-se de fraude para conseguir o recebimento do benefício da autora, não exime de responsabilidade a União, uma vez que o dano não decorreu de ato praticado exclusivamente por pessoa estranha à administração pública, mas sim, de conduta aliada ao ato administrativo concessivo do requerimento fraudulento, realizado por um agente público.
3. No caso dos autos, o dano moral decorre da angústia vivenciada pela autora ao se deparar com a privação de renda alimentar a que fazia jus, com repercussão negativa no seu bem-estar e comprometendo seu sustento, causando-lhe abalo e dissabor que refogem ao usual do cotidiano, mormente porque teve que tomar inúmeras providências para conseguir retornar ao status quo ante.
4. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano.
5. Mantida verba honorária fixada na sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de dezembro de 2015.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8007350v5 e, se solicitado, do código CRC 8B1EACC6. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle |
Data e Hora: | 10/12/2015 17:48 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5032576-61.2014.4.04.7100/RS
RELATOR | : | LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
APELANTE | : | FERNANDA MARTINS THOMPSON |
ADVOGADO | : | Jaqueline de Lima Uez |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença, proferida nos autos de ação ordinária objetivando o pagamento das parcelas de seguro-desemprego, bem como de indenização a título de danos morais, em decorrência do não recebimento do benefício previdenciário em face de fraude perpetrada por terceiros.
A sentença julgou o feito nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, resolvendo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para o fim de confirmar a liminar e condenar a União no pagamento de danos morais em favor da autora, que fixo no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), atualizados a partir do arbitramento e acrescidos de juros de mora, a contar do evento danoso (Súmulas 54 e 362, STJ).
Demanda isenta de custas, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Condeno ainda a parte ré no pagamento de honorários advocatícios em favor da autora, fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), a teor do disposto no artigo 20, §4º, do diploma processual civil, atualizados até o efetivo pagamento pelo IPCA-e.
Apela a parte autora, requerendo: a majoração da verba indenizatória, sugerindo o montante de 30% do valor da causa; e o redimentsionamento da sucumbência. Prequestiona a matéria.
A União apela, postulando o afastamento da condenação, sob o argumento de que a autora não comprovou a existência de abalo moral indenizável, sendo que o dano não é presumível, cabendo ao requerente a prova de que sofreu ofensa à sua honra e dignidade. Aduz que os fatos narrados consubstanciam-se em meros aborrecimentos da vida cotidiana, os quais não dão ensejo à indenização por dano moral. Assim não sendo entendido, postula a redução da verba indenizatória e dos honorários advocatícios. Prequestiona a matéria.
Apresentadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Responsabilidade Civil do Estado
A Constituição estabelece a responsabilidade objetiva da Administração Pública: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6° - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior.
A responsabilidade da União prescinde da comprovação de dolo ou culpa na conduta do seu agente, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta estatal. Neste sentido:
ACIDENTE DE TRÂNSITO. VEÍCULO DA UNIÃO CONDUZIDO POR POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COMPROVADA A RESPONSABILIDADE DO POLICIAL PELO ACIDENTE. DESCABIMENTO DA DENUNCIAÇÃO DA EMPREITEIRA QUE FAZIA CONSERVAÇÃO DA RODOVIA E DO DNIT. SENTENÇA ULTRA PETITA - REDUÇÃO AO PEDIDO. LEGITIMIDADE DA UNIÃO POR ATO DE SEU AGENTE. INOCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA. Desnecessária para a garantia da lide de regresso a admissão da empreiteira que faz a manutenção da rodovia, além do que, evidenciada a responsabilidade do Policial que conduzia a viatura e não do estado da rodovia, afastada, também a responsabilidade do DNIT. Não estando contemplado na prefacial o pedido de indenização por danos estéticos, é de ser reduzida a condenação ao pedido, não caracterizando a nulidade da sentença. A teor do previsto no art. 37, § 6º da CF, responde a União civilmente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, venham a causar a terceiros. Inocorrente o cerceamento de defesa pela não realização em perícia na viatura da PRF, pois pois a prova pericial foi pedida muito tempo depois do acidente, sendo impossível sua realização, além do que, as demais provas colhidas nos autos são suficientes para determinar as responsabilidades. (TRF4, APELREEX 2004.72.05.000737-3, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 12/11/2010)
Contudo, quando o dano ocorre em decorrência de omissão do Estado aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Ora, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano; não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o evento lesivo. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).
Convém salientar que o documento público faz prova dos fatos que o funcionário declara que ocorreram na sua presença (art. 364 do CPC).
No caso dos autos, está sobejamente comprovada a existência da fraude praticada por terceiros, de modo que indevida a negativa na concessão e pagamento do seguro-desemprego da autora.
a perícia concluiu que há divergência entre as assinaturas dos autores constantes no contrato social da empresa SILPER BENEFICIAMENTO E COMÉRCIO DE ARROZ LTDA, onde figuram como sócios, e as carteiras de identidade então em vigor (expedidas no ano 2000).
Oportuno transcrever trechos da sentença recorrida, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:
1. Da ocorrência de fraude
Relata a autora a ocorrência de fraude no saque de seu benefício de seguro-desemprego (ev. 1 - INIC1):
Em 01 de outubro de 2012 a Autora foi regularmente empregada pela empresa Fundação Médica do Rio Grande do Sul, inscrita no CNPJ sob o nº 94.391.901/0001-03, localizada na Rua Ramiro Barcelos, n º 2350, sala 177, bairro Bom Fim, 90035-003, Porto Alegre/RS, para o cargo de recepcionista.
Na data de 21 de fevereiro de 2014, a Autora recebeu aviso prévio do empregador e foi definitivamente afastada do emprego, conforme se infere pela Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS e Termo de Rescisão doContrato de Trabalho- TRCT, em anexo.
Diante disto, após os tramites exigidos, na data de 10 de março de 2014, dirigiu-se até a agência do SINE em sua cidade, para encaminhar o recebimento do seguro-desemprego, eis que desempregada e possuía os requisitos para recebimento do benefício. Na mencionada data a autora entregou toda a documentação no SINE, sendo que a atendente, de nome Laura, lhe informou na ocasião que o seguro-desemprego já havia sido sacado (...).
Trata-se de um benefício de integração social pertencente ao programa do Seguro-Desemprego, instituído por intermédio da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Como resultado finalístico, visa proporcionar assistência financeira temporária aos trabalhadores desempregados em virtude de dispensa sem justa causa, bem como o auxílio dos mesmos na busca ou preservação do emprego, a partir de ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional (art. 2º, caput, Lei nº 7.998/90).
Por seu caráter social, sua proteção está constitucionalmente garantida, em seu art. 7º, inciso II, abaixo transcrito:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de sua condição social: (...)
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário.
A assistência financeira é promovida a partir da concessão de, no máximo, cinco parcelas do benefício, de forma contínua ou alternada, ao trabalhador sem justa causa que comprove os requisitos do art. 3º do mencionado diploma legal, recentemente alterado pela Medida Provisória nº 665, de 2014.
Não obstante a nova redação das regras que regulam o seguro-desemprego, publicadas em dezembro de 2014, evidente estar a autora ainda submetida ao antigo regramento, que estabelecia os seguintes requisitos para a concessão do benefício:
Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;
II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
No caso dos autos, não pairam dúvidas acerca do cumprimento pela requerente dos requisitos suso mencionados, já que não houve qualquer negativa do MTE neste sentido. A discussão cinge-se, entretanto, na alegação de que duas das cinco parcelas devidas teriam sido pagas a um teceiro, em agências bancárias localizadas na cidade de Araguaína, Estado do Tocantins, em 31/01/2014 e 13/12/2014.
Em sua defesa, a ré limitou-se a alegar que não foi provada a fraude, nem qualquer ação ou omissão da União que estivesse direta ou indiretamente relacionada a sua ocorrência:
Ainda que divirjam as informações constantes nos requerimentos n.1217607743 e 1306792437 quanto ao endereço da parte autora e a data de demissão do empregador de CNPJ 94.391.901/0001-03 (Fundação Médica do Rio Grande do Sul), não há com segurança condições de afirmar, não obstante a negativa da inicial, que não houve requerimento por parte da parte autora. As cópias dos requerimentos permanecem no local onde foram encaminhados, impossibilitando, de pronto, sua conferência. Os recibos de pagamento do benefício, por seu turno, permanecem com a agência da CEF onde houve o saque.
A Administração, no aspecto, deve se cercar de todos os cuidados quanto a eventuais fraudes, e no ponto o sistema, ao que parece, cumpriu o seu desiderato, evitando pagamento em duplicidade. A presunção, no caso, milita em favor das informações administrativas no sentido de que houve pagamento à autora, devendo ser produzida pela demandante, que as contesta, a prova em sentido contrário.
Do cotejo fático-probatório, verificaram-se alguns pontos que sinalizam com maior evidência a ocorrência da fraude apontada.
Conforme informações prestadas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul, o pagamento do benefício foi autorizado a partir do Requerimento 1306792437, sendo que a primeira parcela em nome de Fernanda Martins Thompson foi paga em Sala de Conveniência da Agência Araguaína, localizada na Av. Primeiro de Janeiro, nº 902, cidade de Araguaína/TO, mediante cartão e senha pessoal, no dia 31/01/2014.
A segunda parcela, de forma semelhante, foi paga em Sala de Conveniência da Agência São João, localizada na Av. João de Souza Lima, Q101, cidade de Araguaína/TO, mediante cartão e senha pessoal, no dia 13/02/2014 (ev. 33 - PROCADM2, pág. 16).
É de fato incoerente que uma pessoa residente e domiciliada na cidade de Porto Alegre/RS, desempregada, tenha se dirigido até o Estado do Tocantins somente com o fito de sacar o seu auxílio. A distância entre os Estados, por si só, já evidencia uma situação deveras atípica, suficiente para dar crédito aos indícios da fraude. No entanto, há outras incongruências nas informações que possibilitam um posicionamento mais seguro.
Não suficiente o pagamento ter sido feito em Araguaína/TO, no requerimento administrativo para concessão do seguro-desemprego constou a informação de que a autora teria residência no Município de Goiânia/GO, ao passo que os demais documentos colacionados com a inicial fazem prova de que a peticionária reside na Travessa Escobar, nº 504, apto. 410, bairro Camaquã, em Porto Alegre/RS (ev. 1 - OUT11 e OUT12).
De arremate, destaca-se que na data do Requerimento 1306792437 - 04/12/2013 (ev. 1 - OUT1), a autora encontrava-se efetivamente na cidade de Porto Alegre, visto que o espelho de ponto colacionado no ev. 27 - OUT8 faz prova inconteste de que a mesma estava trabalhando, tendo iniciado suas atividades às 08:01 e se retirado da empresa às 17:03, com apenas um intervalo de uma hora para almoço.
Outra inconsistência de dados se verifica quanto aos valores inverossímeis atribuídos a título de salário (R$ 1.900,00) e quanto à data de admissão e demissão pela empregadora Fundação Médica do Rio Grande do Sul. Enquanto no requerimento administrativo fraudulento consta o período laboral compreendido entre 01/10/2012 e 10/11/2013, o termo de rescisão do contrato de trabalho confirma que a data de afastamento ocorreu de fato em 21/02/2014 (ev. 1 - OUT12).
Agrega-se ainda a pertinentemente a reportagem que dá conta de fraudes contra o seguro-desemprego, justamente envolvendo a cidade de Goiânia, referida como endereço no requerimento fraudado:
O Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal investigam um golpe de R$ 50 milhões. Com documentos falsos, uma quadrilha recebia o seguro desemprego, inclusive em nome de pessoas que ainda estavam trabalhando.
Edmara Apolinário de Queiroz estava há um ano e três meses na mesma empresa em Sorocaba, no interior de São Paulo. Em março foi demitida. Com os documentos da rescisão em mãos foi dar entrada no seguro-desemprego.
Quando a atendente acessou os dados no computador, veio a surpresa: 'Ela viu que eu não tinha direito a pegar meu seguro-desemprego. Ainda perguntei para ela, ela puxou direito no computador e viu que eu caí em uma fraude', conta.
O dinheiro de Edmara já havia sido sacado em Goiânia. No endereço apresentado pelo fraudador a rua existe, mas o imóvel e o número apresentado não. Com o número do PIS da auxiliar de produção alguém recebeu três parcelas do seguro-desemprego enquanto ela estava empregada.
'Me surpreendeu a facilidade que tiveram de conseguir os meus dados e conseguir sacar um direito meu', lamenta.
As fraudes contra o seguro-desemprego estão na mira do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal. Nos últimos dois anos foram feitas em conjunto 11 operações de combate a esse tipo de crime em vários estados do país.
As ações resultaram no desmantelamento de quadrilhas de estelionatários. Ao todo, 88 pessoas foram presas e também na descoberta de um prejuízo de mais de R$ 50 milhões aos cofres da União.
Só em Sorocaba, município com cerca de 600 mil habitantes, existem hoje 70 casos registrados de fraude no benefício. 'A vítima pode ser daqui de Sorocaba, mas a quadrilha está sacando em outro local. Então a investigação vai ser feita pelo local onde a quadrilha está efetuando os saques', afirma a delegada da PF Erika Tatiana Coppini.
Edlaine Santos de Oliveira foi outra vítima. Ela teve três parcelas sacadas no estado do Pará. No caso dela, foi um homem quem utilizou o PIS. 'O que mais me surpreendeu, porque o número do pis é vinculado a carteira de trabalho onde tem foto, assinatura. Como uma pessoa consegue receber em meu nome e sexo masculino ainda, quem recebeu', afirma a desempregada.
O Ministério do Trabalho diz que vai adotar o sistema biométrico para combater esse tipo de fraude. Segundo o ministério, as vítimas do golpe devem abrir um processo para receber normalmente o seguro.
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/05/quadrilha-rouba-r-50-mi-recebendo-seguro-desemprego-de-terceiros.html
Destarte, considerando que a União não mostrou qualquer outra contra-prova que justificasse ou desconstituísse as irregularidades apontadas, resta provada a ocorrência de fraude no saque do seguro-desemprego concedido em nome da autora.
2. Da responsabilidade civil
Defende-se a União sob o argumento de que não houve ação ou omissão da União que possa indicar nexo de causalidade entre os alegados danos causados. Dessa forma, não seria possível a responsabilização da União, tanto de forma objetiva quanto subjetiva, eis que se tratou de exercício regular de um direito. Acrescenta que não houve dano moral a ser indenizado, requerendo ainda, a adoção da teoria do dano direito e imediato (teoria da interrupção do nexo causal) para a configuração do nexo de causalidade (ev. 22).
A teoria do órgão público, denominada pela doutrina de teoria da imputação, estabelece que a pessoa jurídica pública manifesta sua vontade por meio de órgãos, na pessoa de agentes públicos.
Para imputação de responsabilidade ao Estado, impõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal o dever de reparação dos danos causados aos terceiros pelos agentes públicos no exercício de suas funções, nos seguintes termos:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Por sua vez, o art. 43 do Código Civel estabelece:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Nota-se que a Constituição Federal adotou como regra a teoria objetiva de responsabilidade civil, baseada na modalidade do risco administrativo. Conforme leciona Alexandre Mazza1:
O direito positivo brasileiro adota a responsabilidade objetiva na variação da teoria do risco administrativo. Menos vantajosa para a vítima do que a do risco integral, a teoria do risco administrativo reconhece excludentes da responsabilidade estatal. Excludentes são circunstâncias que, ocorrendo, afastam o dever de indenizar. São três: a) culpa exclusiva da vítima: ocorre culpa exclusiva da vítima quando o prejuízo é consequência da intenção deliberada do próprio prejudicado; (...) b) força maior: é um acontecimento involuntário, imprevisível e incontrolável que rompe o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular; (...) c) culpa de terceiro: ocorre quando o prejuízo pode ser atribuído a pessoa estranha aos quadros da Administração Pública (grifei).
Neste sentido, colaciono precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO INDEVIDA DE SEGURO DESEMPREGO. DANOS MORAIS DEVIDOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDENAÇÃO DOS RÉUS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. 1. Preliminar de sentença extra-petita rejeitada uma vez que a sentença decidiu nos limites do pedido inicial, especialmente no que se refere à condenação por danos morais.2. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88).3. Caracterizada a ocorrência de dano moral pela existência de nexo causal entre os prejuízos sofridos e a prática pelas rés de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável - na produção do evento danoso. 4. Sobre o valor da indenização deve incidir correção monetária, com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, porém a apuração deve se dar conforme a sistemática prevista no Manual anterior à Lei nº 11.960/09 (inteligência do ERESP 1.207.197/RS), e os juros de mora, a partir da vigência da Lei n. 11.960/2009, devem ser calculados com base nos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (REsp 1.270.439/PR, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação conferida pela Lei 11.960/2009). 5. Honorários advocatícios reduzidos, fixados na esteira do entendimento da Turma. (TRF4, AC 5011870-04.2012.404.7108, Segunda Seção, Relatora p/ Acórdão Loraci Flores de Lima, juntado aos autos em 25/02/2015)
Assim, característico da responsabilidade objetiva, para a imputação do dever de indenizar faz-se necessária a comprovação apenas da conduta (ação ou omissão), dano e nexo de causalidade, sendo irrelevante a prova de ato culposo ou doloso do agente público. Eventualmente comprovada a culpa ou dolo, haverá direito de regresso em favor da União, e somente neste momento resultará imprescindível a prova do elemento subjetivo.
Sustenta a demandada que a União, na pessoa de seus agentes, não incorreu em ilicitude, haja vista que todos os atos administrativos foram realizados no exercício regular de um direito.
Para configuração da responsabilidade estatal, no entanto, verifica-se irrelevante a licitude ou ilicitude do ato lesivo. Existindo prejuízo decorrente de ação ou omissão de um agente público, haverá o dever de indenizar.
Na hipótese dos autos, o Requerimento 1306792437, tido por fraudulento, pode ter sido efetuado em um dos seguintes locais: (a) Delegacia Regional do Trabalho (DRT); (b) Postos de Atendimento ao Trabalhador; (c) PoupaTempo; (d) Postos do Ministério do Trabalho e Emprego; (e) Superintendência Regional do Trabalho e Emprego; (f) Gerência Regional do Trabalho e Emprego; (g) Agências Regionais; (h) Postos Estaduais e Municipais do SINE - Sistema Nacional de Emprego; e (i) Nas agências credenciadas da CAIXA, no caso de trabalhador formal.
Não obstante, independentemente de quem tenha recebido o formulário, juntamente com os documentos apresentados pelo requerente, cabe efetivamente ao Ministério do Trabalho a análise do preenchimento dos requisitos para fins de concessão do seguro-desemprego, nos termos da Lei nº 7.998/90. Incumbe ainda à União a responsabilidade pela gestão e fiscalização do benefício, de forma que se não foram adotados os cuidados necessários no ato de recebimento dos documentos, deve o Estado ser responsabilizado pela sua falta de fiscalização.
Evidente ainda a ausência de qualquer excludente de responsabilidade, já que inconcebível a hipótese de que houve intenção deliberada da própria prejudicada na ocorrência da fraude. Ademais, refutável a ocorrência de qualquer força maior ou de culpa de terceiro, uma vez que o prejuízo não decorreu de ato praticado exclusivamente por pessoa estranha à administração pública, mas sim, de conduta aliada ao ato administrativo concessivo do requerimento fraudulento, realizado por um agente público.
Portanto, reputo configurada a responsabilidade objetiva da União no caso sub judice.
Logo, configurada a responsabilidade objetiva da União no caso sub judice.
Dos danos morais
A responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável -, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.
O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)".
No Código Civil/2002, está definida a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo."
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Por outro lado, a responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes está consagrada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que determina:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.'
Logo, se comprovado o nexo de causalidade entre a conduta de um e o dano causado a outro, cabível o dever de indenizar.
Veja-se que meros transtornos na rotina não são o bastante para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, no plano social, objetivo, externo, de modo a que se configurem situações de constrangimento, humilhação ou degradação e não apenas dissabor decorrente de intercorrências do cotidiano.
No caso dos autos, o dano moral decorre da angústia vivenciada pela autora ao se deparar com a privação de renda alimentar a que fazia jus, com repercussão negativa no seu bem-estar e comprometendo seu sustento, causando-lhe abalo e dissabor que refogem ao usual do cotidiano, mormente porque teve que tomar inúmeras providências para conseguir retornar ao status quo ante.
Da quantificação do dano moral
Acerca do valor indenizatório, a jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade." (Resp 666698/RN)
Nesta linha tem se manifestado este Tribunal:
ADMINSTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS.
1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral.
2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (TRF4, AC 5000038-54.2010.404.7104, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012)
Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.
Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, tenho que o valor a título de danos morais deve se adequar às quantias que vem sendo fixadas em casos semelhantes pela Turma. Nesse contexto, tenho que deve ser mantido o valor da condenação em R$ 3.000,00, atualizados a contar da sentença (Súmula 362 do STJ), com juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 398 do novo Código Civil).
Dos honorários advocatícios
Conforme o entendimento manifestado por esta Turma, a verba honorária deve ser arbitrada em 10% sobre o valor da causa ou da condenação, somente afastando-se desse critério quando tal valor for excessivo ou constituir em valor ínfimo e muito aquém daquilo que efetivamente deveria receber o advogado.
No caso dos autos, o valor fixado a título de honorários na sentença, R$ 1.500,00, não destoa do que vem sendo aplicado pela Turma, de modo que não merece alteração a decisão recorrida.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8007348v10 e, se solicitado, do código CRC 39591FB7. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle |
Data e Hora: | 10/12/2015 17:48 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/12/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5032576-61.2014.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50325766120144047100
RELATOR | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
PRESIDENTE | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | FERNANDA MARTINS THOMPSON |
ADVOGADO | : | Jaqueline de Lima Uez |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/12/2015, na seqüência 420, disponibilizada no DE de 01/12/2015, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR | |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8038088v1 e, se solicitado, do código CRC 6BAE9201. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Luiz Felipe Oliveira dos Santos |
Data e Hora: | 10/12/2015 14:49 |