Apelação Cível Nº 5000336-72.2017.4.04.7113/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ARLETE TERESINHA MEZZOMO (AUTOR)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face da sentença que julgou improcedente a demanda na qual a autora busca a condenação da União ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais em face do óbito de seu filho, quando servia ao Exército no 6º Batalhão de Engenharia de Combate, em 07/01/2015, bem como ao pagamento de pensão por morte. Sucumbente, a parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, os quais foram fixados em 10% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do art. 85, §§ 3º e 4º, do NCPC, observada a AJG. Sem custas.
Inconformada a autora apelou. Em suma, aduz que houve omissão do Exército ao não verificar o quadro depressivo que se encontrava o seu filho; refere que o militar sofria de problemas crônicos de enxaqueca e de fotofobia, bem assim que sofreu lesão de torção de seu joelho em acidente em serviço, fatos que teriam contribuído para o ato de suicídio; alega que o manuscrito deixado pelo militar aponta a sua preocupação com a sua 2ª baixa em serviço, evidenciando a sua fixação com o fato; sustenta que o referido acidente sofrido em serviço foi o marco inicial para o quadro patológico de depressão, pois ficou afastado por ordem médica, ainda mais isolado dos demais; relata que testemunhas afirmaram que o militar reclamava que gastava seu soldo todo em remédios, o que denota o seu estado depressivo.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório
VOTO
Do Dano e da Responsabilidade da União
A responsabilidade civil do Estado rege-se pelo disposto no art. 37, § 6°, da Constituição Federal, que preceitua o seguinte:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(...)
Pelo dispositivo acima, verifica-se que foi adotada no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior.
De acordo com esta teoria, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a culpa na conduta do Poder Público, bastando o nexo de causalidade entre ato e dano. A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta praticada pelo Poder Público e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração. No entanto, frisa-se, a conduta do poder público deve ser ilícita.
No caso em tela, a autora pretende ver reconhecida a existência de responsabilidade da União pelos danos morais por ela suportados em face do suicídio (por asfixia mecânica) de seu filho enquanto prestava serviço militar, o que entende ter relação direta com acidente sofrido em serviço.
Ocorre que, como bem delineado na sentença, não restou comprovada a existência de nexo causal entre o ato de suicídio e o acidente sofrido pelo militar, no qual torceu o joelho, tampouco havia qualquer indicação em seus assentamentos de que sofresse de problemas psíquicos, como afirma a parte autora em apelação. Ao contrário, o autor, dentro da Caserna, não tinha qualquer alteração de saúde capaz de chamar a atenção para eventual desejo de tirar a própria vida, não se podendo presumir que eventual problema crônico de enxaqueca e fotofobia fossem determinantes ao referido ato.
Nessa toada, destaco os fundamentos da bem lançada sentença:
II.2. Da responsabilidade civil do Estado
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos causados por seus agentes é disciplinada nos seguintes termos pelo art. 37, §6º, da Constituição da República:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A responsabilidade é, pois, objetiva com base na teoria do risco administrativo.
Noutras palavras, a responsabilização independe da presença de culpa, manifestada no agir imprudente, imperito ou negligente em relação a um dever objetivo de cuidado, sendo suficiente a constatação (i) da ação administrativa, (ii) do nexo de causalidade e (iii) do dano.
Contudo, na hipótese de uma omissão por parte da administração, a despeito de notórias divergências no âmbito doutrinário, a jurisprudência, a partir da interpretação da teoria francesa da faute du service, se consolidou no sentido de que a responsabilidade é subjetiva.
Nesta hipótese, além daqueles elementos, a responsabilização da administração exigirá, ainda, o reconhecimento do agir negligente.
Neste sentido, precedentes das Turmas integrantes da 1ª Seção do E. Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 131, 165 e 458, II, DO CPC CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE DE FUNCIONÁRIO EM HOSPITAL PÚBLICO. FATO PRESUMÍVEL. ONUS PROBANDI. 1.É cediço no Tribunal que: "ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO - MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO ESTADO. 1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto. 2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima. 3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto. 4. Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio posterior do paciente. 5. Incidência de indenização por danos morais. 6. Recurso especial provido. (REsp 602102/RS; Relatora Ministra ELIANA CALMON DJ 21.02.2005 ); "RECURSO ESPECIAL. ASSALTO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MORTE DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR. PREVISIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Cuida-se de recurso especial (fls. 351/357) interposto por FÁTIMA TERESINHA SEMELER e OUTROS com fulcro no art. 105, III, alínea "c", da Constituição Federal de 1988, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em sede de apelação, por unanimidade de votos, restou assim ementado (fl. 337): "Apelação cível. Reexame necessário. Responsabilidade civil. Ação indenizatória por dano moral. Assalto à mão armada. Agência bancária. Falecimento do esposo/pai dos autores. Primeiro apelo. Ausência de nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta do réu, considerando que o roubo à mão armada corresponde à força maior, excludente de responsabilidade. Ao exame do caso concreto, verifica-se que não houve falha de segurança, sendo questão de fato que não restou comprovada, sendo esse ônus dos autores, que alegaram o fato. Segundo apelo, para majorar o valor da indenização, que resta prejudicado, em face da improcedência do pedido. Primeiro apelo provido. Segundo apelo prejudicado. sentença modificada em reexame necessário." 2. Em sede de recurso especial alega-se a necessidade de reforma do acórdão e restabelecimento da sentença, pois, conforme o entendimento deste STJ, é obrigação da instituição bancária no caso de morte por assalto, devendo ser afastada a afirmativa de caso fortuito e de força maior. 3. Restando incontroverso nos autos a ocorrência de assalto em agência bancária, que resultou na morte do genitor dos autores da ação indenizatória e, evidente a total ausência de oferecimento, pela instituição Financeira, das mínimas condições de segurança aos seus clientes, afigura-se inafastável o dever de indenizar pelo Estado do Rio Grande do Sul (sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual). In casu, o único guarda armado omitiu-se no cumprimento do dever que lhe era afeto, correndo a esconder-se no banheiro enquanto que o Gerente fugia pela porta dos fundos, deixando seus subordinados e os clientes completamente entregues à própria sorte. 4. Descabido, ainda, o argumento de que houve força maior a ensejar a exclusão da responsabilidade do recorrente. Em diversos precedentes deste Pretório, restou assentada a orientação de que, em razão da previsibilidade, o roubo não caracteriza hipótese de força maior,capaz de elidir o nexo de causalidade, indispensável à configuração do dever indenizatório. 5. Recurso especial provido."(REsp 787124 / RS ; Relator Ministro JOSÉ DELGADO DJ 22.05.2006 ). 2. In casu, restou incontroverso que o referido estabelecimento hospitalar restou invadido em outras ocasiões com morte de 7 (sete)pessoas, caracterizando-se a culpa ensejadora da responsabilidade por omissão. 3. Recurso provido para acolher o pedido inicial. (STJ. Resp. 738833/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Luiz Fux. DJ 08/08/2006).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 501507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 02/06/2014)
Importa, ainda, analisar a responsabilidade civil do Estado perante os seus servidores nos casos de acidente em serviço, se seria ela objetiva ou subjetiva.
Entendo que a melhor interpretação é a de que não há razão para excluir a responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º) nas hipóteses de acidente de trabalho, para reparação do dano sofrido por servidor público estatutário, da mesma forma que ela é aplicada aos danos sofridos por terceiros, mesmo que aquele esteja garantido pelo regime previdenciário próprio nas questões relativas ao afastamento remunerado e aposentadoria por invalidez, devendo ser indenizados os danos extrapatrimonais e aqueles não abarcados na cobertura previdenciária.
Tal interpretação encontra guarida em precedente do Supremo Tribunal Federal, que expressamente aplica o art. 37, § 6º, da Constituição também aos danos sofridos por servidores:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AGENTE E VÍTIMA: SERVIDORES PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: CF, art. 37, § 6º. I. - O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo "terceiro" contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não. Precedente. II. - Agravo não provido.
(AI 473381 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 20/09/2005, DJ 28-10-2005 PP-00051 EMENT VOL-02211-04 PP-00741) (grifei)
A nossa Corte Regional também já decidiu nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. INCRA. ACIDENTE EM SERVIÇO SOFRIDO POR SERVIDOR PÚBLICO. DANOS MORAIS E MATERIAIS INDENIZÁVEIS. - A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra os pressupostos dar responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. - Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano. - Não cabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo "terceiro" contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não. Precedente do STF. - Hipótese na qual estão presentes todos os pressupostos necessários para imputar ao INCRA a responsabilidade civil objetiva pela reparação dos danos - materiais e morais - causados ao autor. - No que toca à indenização por danos morais, o quantum indenizatório deve ser definido atendendo critérios de moderação, prudência e às peculiaridades do caso, inclusive à repercussão econômica da indenização, que deve apenas reparar o dano e não representar enriquecimento sem causa ao lesado. (TRF4, APELREEX 5039366-95.2013.404.7100, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 16/10/2015) (grifei)
Portanto, o caso presente deve ser examinado sob o enfoque da responsabilidade objetiva do Estado.
Não obstante, faz-se necessário que a responsabilidade, mesmo objetivada, tenha como pressuposto um dano que seja consequência direta e imediata da ação ou omissão administrativa, conforme a teoria do dano direto e imediato, adotada no art. 403 do CC/02.
No caso, não tenho como presente provas de que uma ação ou omissão da União que tenha sido causa determinante do dano experimentado pela parte autora.
O filho da autora, Bruno Mezzomo Pieta, faleceu no dia 07/01/2015, em decorrência de asfixia mecânica atribuída a suicídio cometido nas instalações da unidade militar em que servia (6º Batalhão de Engenharia de Combate), como se verifica do teor do inquérito militar que se sucedeu ao fato (evento 6, INQ2).
Não há, contudo, qualquer elemento probatório indicando que eventual ação ou omissão da União, presentada por seus oficiais militares, tenha causado, de modo direto e imediato, o suicídio do filho da demandante.
Durante o período em que prestou serviço militar, o filho da autora não foi punido disciplinarmente, tampouco encaminhado para tratamento psicológico, como concluiu o relator do inquérito policial militar:
"7. As motivações particulares que levaram o Sd MEZZOMO ao suicídio são difíceis de aferir, pois, durante o período de serviço militar pretado nesta Organização Militar, não foi punido disciplinarmente (fl 63), não foi registrado na sua Ficha Médica nenhum encaminhamento para tratamento psicológico (fls 33 a 45) e no relato das testemunhas inquiridas nos autos (fls 22 a 30 e 91 a 98), não foi apontado algum indício, que se pudesse concluir que o Sd MEZZOMO apresentava perfil suicida, todos os relatos sobre a personalidade do Sd MEZZOMO, apresentavam-no como uma pessoa muito discreta, introvertida e muito calado" (evento 6, INQ2, fls. 125).
Também a Promotoria Militar, ao promover o arquivamento do inquérito, dada a ausência de indício de crime militar, assim asseverou:
"Durante a fase inquisitiva, todos os depoimentos foram uníssonos ao relatar que não foi identificada previamente a ideia do ex-militar de atentar contra a sua própria vida, somente foram destacados traços de sua personalidade, ressaltando ser ele uma pessoa quieta e introvertida" (evento 6, INQ2, fls. 135).
A testemunha Bruno Roberto Xavier Supriano, colega do falecido, ouvido no inquérito policial militar, declarou que ele "era muito fechado, não se abria muito, só com o pessoal da serra, mas sabia que tinha problemas com a família e com a namorada" (evento 6, INQ2, fls. 23/24).
O 2º Ten Guilherme Brum Severo salientou que "no caso específico do Sd MEZZOMO, ele nunca apresentou alteração, pois apesar de muito quieto, era um bom soldado" (evento 6, INQU2, fls. 29). O mesmo oficial relatou ter conversado com familiares do soldado falecido em suas exéquias, ocasião em que teriam lhe relatado que ele já havia tentado o suicídio outras vezes:
"Perguntado se o Sr ouviu ou conversou com algum familiar ou amigo do Sd MEZZOMO, se o militar já tinha apresentado indícios ou atitude que pudesse levá-lo a cometer suicídio, respondeu que: sim, conversei com o padastro, com a tia-avó, e com a mãe do Sd MEZZOMO. O padastro me disse que o MEZZOMO já havia tentado duas vezes o suicídio por enforcamento e na segunda vez ele conseguiu impedir a tempo o suicídio, quando tentou se enforcar em uma caixa d'água. Após isso, o Sd MEZZOMO avisou ao padastro que na próxima vez ele não conseguiria impedir." (evento 6, INQ2, fls. 30).
Não dissente, as conclusões do Juiz Auditor:
"Pelo teor das investigações, conclui-se que o jovem apresentava um histórico de tentativas de suicídio antes de ingressar no serviço militar, o que demonstra que as causas que o motivaram não possuem, necessariamente, relação com eventual falta de adaptação ou problemas de convivência na unidade" (evento 6, INQ2, fls. 24).
Todas as testemunhas ouvidas no curso de tal inquérito foram convergentes ao negar terem detectado eventual propensão do filho da autora, exposta durante a prestação do serviço militar, em atentar contra a sua própria vida.
O soldado falecido, de fato, registrou acidente de serviço em 08/10/2014, ocasião em que "ao transportar um meio flutuador prensou a perna direita em um outro meio flutuador que se encontrava na água e ao tentar tirar a perna veio a torcer o joelho direito". Em decorrência de tal acidente, teve lesão no menisco e no ligamento cruzado do joelho direito (evento 6, INQ2, fls. 38).
Tal acidente, contudo, além de não poder ser atribuído à organização militar - decorrendo, ao que parece, de imperícia da própria vítima -, não tem qualquer relação evidente, demonstrada nestes autos, com o posterior suicídio. Ao contrário, verifica-se que o próprio soldado, em suposta carta de despedida, salientou que "não foi por causa da 2ª baixa que decidi tirar a própria vida" (evento 6, INQ2, fls. 48).
A circunstância do militar sofrer com enxaquecas e fotofobia, como arguido em réplica (evento 14), tampouco tem qualquer relação clara com o atentado à própria vida cometido. Não há, outrossim, o apontamento de qualquer equívoco cometido pela unidade médica da organização militar no tratamento de tal enfermidade.
Sem desconhecer que o ambiente militar possa ter exercido alguma influência no quadro psicológico do soldado, não há qualquer elemento de prova consistente no sentido de que eventual ação ou omissão relevante de parte da União tenha sido a causa direta e imediata do dano sofrido pela parte autora.
Ao revés, há indícios, colhidos no curso do inquérito policial militar, de que o suicídio cometido pelo filho da demandante teve concausas - como problemas de relacionamento familiar, perfil psicológico propício -, já possuindo ele ideação suicida ao ingressar no Exército.
Nesse contexto, conquanto não se duvide o efetivo abalo moral da autora - com o qual se sensibiliza este Juízo -, não há elementos para atribuir à União a responsabilidade pelo dano presumido, não procedendo o pedido neste particular.
II.3. Do direito ao recebimento de pensão militar
O benefício de pensão por morte pretendido é disciplinado pelos arts. 71 e 72 da Lei nº 6.880/80, bem como pela Lei nº 3.765/60, com a redação dada pela Medida Provisória nº. 2.215-10, de 31/08/01, vigente na data do óbito, verbis:
Lei nº 6.880/80
Art. 71. A pensão militar destina-se a amparar os beneficiários do militar falecido ou extraviado e será paga conforme o disposto em legislação específica.
§ 1º Para fins de aplicação da legislação específica, será considerado como posto ou graduação do militar o correspondente ao soldo sobre o qual forem calculadas as suas contribuições.
§ 2º Todos os militares são contribuintes obrigatórios da pensão militar correspondente ao seu posto ou graduação, com as exceções previstas em legislação específica.
§ 3º Todo militar é obrigado a fazer sua declaração de beneficiários que, salvo prova em contrário, prevalecerá para a habilitação dos mesmos à pensão militar.
Art. 72. A pensão militar defere-se nas prioridades e condições estabelecidas em legislação específica.
Lei nº 3.765/60
Art. 1º São contribuintes obrigatórios da pensão militar, mediante desconto mensal em folha de pagamento, todos os militares das Forças Armadas.
Parágrafo único. Excluem-se do disposto no caput deste artigo:
I - o aspirante da Marinha, o cadete do Exército e da Aeronáutica e o aluno das escolas, centros ou núcleos de formação de oficiais e de praças e das escolas preparatórias e congêneres; e
II - cabos, soldados, marinheiros e taifeiros, com menos de dois anos de efetivo serviço.
(...)
Art. 15. A pensão militar será igual ao valor da remuneração ou dos proventos do militar.
Parágrafo único. A pensão do militar não contribuinte da pensão militar que vier a falecer na atividade em conseqüência de acidente ocorrido em serviço ou de moléstia nele adquirida não poderá ser inferior:
I - à de aspirante a oficial ou guarda-marinha, para os cadetes do Exército e da Aeronáutica, aspirantes de marinha e alunos dos Centros ou Núcleos de Preparação de Oficiais da reserva; ou
II - à de terceiro-sargento, para as demais praças e os alunos das escolas de formação de sargentos.
Da leitura dos dispositivos acima reproduzidos, conclui-se que a autora faria jus à percepção da pensão por morte somente se preenchidos os seguintes requisitos: (a) que o instituidor fosse contribuinte à pensão militar ou, acaso não-contribuinte, que o falecimento tenha ocorrido por acidente em serviço ou moléstia adquirida na atividade militar; (b) que a genitora requerente da pensão comprove a dependência econômica em relação ao de cujus; e (c) inexistência de beneficiários prioritários à autora.
No caso, o militar falecido não tinha 2 (dois) anos de prestação de serviço militar, não tendo falecido em decorrência de acidente de serviço ou moléstia no Exército adquirida, como concluiu a Justiça Militar.
Da mesma forma, sequer houve a comprovação inequívoca, nos autos, de efetiva dependência econômica da autora em relação ao seu filho, em ônus que é constitutivo do seu direito à pensão (art. 373, inciso I do CPC), do qual a parte demandante não se desincumbiu.
Logo, a improcedência da pretensão autoral é medida que se impõe também nesse particular."
Logo, ainda que se reconheça que a situação gerou danos irreparáveis à autora, não há nos autos qualquer comprovação de que o óbito do seu filho tenha sido motivado por ação ou omissão dos membros da organização militar ou pela natureza do próprio serviço.
Assim, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Verificada a sucumbência recursal da apelante, nos termos do art. 85, §11, CPC/2015, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa atualizado, observada a AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000577698v9 e do código CRC 4eeae002.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5000336-72.2017.4.04.7113/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: ARLETE TERESINHA MEZZOMO (AUTOR)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CIVIL. UNIÃO. militar. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUICÍDIO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ATO E AS ATIVIDADES MILITARES. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À REPARAÇÃO.
1. Foi adotada no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior. A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta ilícita praticada pelo poder público e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração.
2. Não havendo nos autos comprovação de que o óbito do seu filho tenha sido motivado por ação ou omissão dos membros da organização militar ou pela natureza do próprio serviço, a manutenção da sentença de improcedência é medida impositiva.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2018.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000577699v3 e do código CRC 92c2c029.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/09/2018
Apelação Cível Nº 5000336-72.2017.4.04.7113/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: ARLETE TERESINHA MEZZOMO (AUTOR)
ADVOGADO: ANDRIO PORTUGUEZ FONSECA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/09/2018, na seqüência 468, disponibilizada no DE de 07/08/2018.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:38:54.