Apelação/Remessa Necessária Nº 5006274-50.2018.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (INTERESSADO)
APELADO: IZOLDA DA SILVEIRA PIRES (IMPETRANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para determinar que a autoridade impetrada emita certidão de tempo de contribuição em favor da impetrante, em relação ao período compreendido entre 14.07.2003 e 25.07.2018, sem erigir como óbice a tanto o fato de a demandante continuar vinculada como servidora pública da ativa.
Em suas razões recursais, pede, em preliminar, o efeito suspensivo. Afirma que não há direito à Certidão de Tempo de Contribuição postulada, haja vista o disposto na Portaria nº 158/2008. A sentença, alega, representaria ofensa ao princípio a legalidade.
Com contrarrazões, e tendo o MPF manifestado-se pela regularidade processual, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
A sentença, de lavra do juízo a quo, bem apreciou a controvérsia, razão pela qual a adoto como fundamentos para decidir, in verbis:
(...)
II) Fundamentação
A controvérsia estabelecida neste processo está centrada na possibilidade de expedição de certidão de tempo de contribuição objeto de vínculo de servidor público com o Regime Jurídico Único previsto na Lei nº 8.112/90 (RPPS), para utilização junto ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sem que haja a exoneração ou demissão do servidor público.
Resumidamente, a impetrante manteve durante certo período vínculo com o RGPS, sendo que, em 14.07.2003, ingressou em cargo público, passando a ficar vinculada a RPPS. Agora, pretende seja expedida certidão de tempo de contribuição do RPPS para averbação e obtenção de aposentadoria junto ao RGPS, sem prejuízo da manutenção do seu vínculo como servidora pública.
Conforme se depreende do indeferimento administrativo, a autoridade impetrada sustenta, com base em portaria do Ministério da Previdência Social, que a certidão de tempo de contribuição deve indicar a data de exoneração/demissão do servidor e somente pode ser emitida para ex-servidor, de modo que, como a demandante pretende se manter na ativa, seria inviável a expedição do documento.
Nos termos do art. 201, §9º, da Constituição Federal, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Logo, aquele que trabalhou determinado período vinculado ao RGPS e outro interregno com vinculação a RPPS possui o direito ao cômputo do trabalho desenvolvido em ambos os regimes para a obtenção da aposentadoria.
A concretização do direito à contagem recíproca ocorre por meio da expedição da certidão de tempo de contribuição por parte do regime distinto daquele no qual será postulado o benefício previdenciário, viabilizando a correspondente averbação e cômputo do lapso trabalhado.
Trazendo-se tais premissas para o caso em exame, como, de acordo com a prova documental, a demandante tem períodos de vinculação ao RGPS e ao RPPS e pretende postular a aposentadoria junto àquele, faz jus a que a autoridade administrativa responsável pelo seu atual vínculo emita a certidão de tempo de contribuição respectiva, permitindo, com isso, a contagem recíproca assegura constitucionalmente.
Cumpre referir, em atenção aos termos da manifestação da autoridade impetrada, que inexiste previsão legal que condicione a expedição da certidão de tempo de contribuição ao término do vínculo do interessado com o serviço público, o que, por si só, diante da ausência de força normativa autônoma das portarias, as quais possuem natureza meramente regulamentar, já repele a negativa administrativa.
Além da ausência de previsão legal restringindo o direito à contagem recíproca, não se identifica o motivo pelo qual seria inviável a emissão da certidão de tempo de contribuição em favor do servidor público que permanece em atividade. Isso porque, afora haver previsão inclusive constitucional acerca da viabilidade da contagem recíproca nos termos acima expostos, o período que vier a ser retratado na certidão de tempo de contribuição para averbação junto ao RGPS não poderá ser posteriormente utilizado para obtenção de benefício previdenciário junto ao RPPS, de modo que inexiste qualquer prejuízo ou risco à Administração Pública.
Não por outro motivo, aliás, é que restou expressamente consignada no art. 130, §10, do Decreto nº 3.048/99, com a redação conferida pelo Decreto nº 3.668/00, a possibilidade, em relação ao RGPS, da expedição de certidão de tempo de contribuição para período fracionado, isto é, a certificação de apenas determinado interregno para utilização em outro regime de previdência, como aqui ocorre com a impetrante ao pretender a emissão do certificado do RPPS até determinada data e a manutenção de seu vínculo como servidora pública.
Sinale-se, ainda, que inexiste impedimento legal à ocupação de cargo público de forma cumulada com a percepção de aposentadoria pelo RGPS, de modo que também por esse viés não há causa jurídica que ampare o condicionamento da emissão da certidão de tempo de contribuição à exoneração/demissão do servidor público.
Assim, identificada irregularidade no indeferimento administrativo, merece trânsito o pedido formulado na inicial.
(...)
A tais fundamentos, não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador.
Como bem assinalado pelo juízo a quo, as portarias apontadas pela impetrada não possuem força normativa. Trata-se de atos administrativos que não podem inovar na ordem jurídica, muito menos para restringir direitos.
O art. 201, §9º, da Constituição Federal, assegura a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Não se ignora que a Medida Provisória 871, de 18.01.2019, depois convertida na Lei 13.846 de 18.06.2019, modificou a redação do inciso VI da Lei 89.213/91, o qual tem agora a seguinte redação:
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
...
VI - a CTC somente poderá ser emitida por regime próprio de previdência social para ex-servidor;
...
Ocorre que a situação jurídica analisada no presente feito é anterior à modificação legislativa, e, sabido é, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, consoante preconiza o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal.
A obediência ao princípio da legalidade (artigo 37 da CF), assim, ao contrário do que alega a apelante, antes ampara do que se opõe à pretensão do autor, pois ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. E vedação à pretensão manifestada pela parte autora certamente não havia à data do requerimento.
Assim, inexistem razões para alterar o entendimento inicial, cuja fundamentação integra-se ao voto.
Sem honorários, conforme o art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Destaco ser descabida a fixação de honorários recursais, no âmbito do Mandado de Segurança, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC/15, na medida em que tal dispositivo não incide nas hipóteses em que o pagamento da verba, na ação originária, não é devido por ausência de previsão legal, de acordo com os precedentes do STJ (AgInt no REsp 1507973/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 24/05/2016) e pelo STF (ARE 948578 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 03-08-2016 PUBLIC 04-08-2016).
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa necessária.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5006274-50.2018.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (INTERESSADO)
APELADO: IZOLDA DA SILVEIRA PIRES (IMPETRANTE)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. servidor público federal submetido ao regime próprio. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - CTC fracionada. DESNECESSIDADE DE EXONERAÇÃO OU DEMISSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO.
- O art. 201, §9º, da Constituição Federal, assegura a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
- Tratando-se de situação anterior ao advento da MP 871, de 18.01.2019 (depois convertida na Lei 13.846 de 18.06.2019), que inseriu o inciso VI no artigo 96 da Lei 8.213/91), não se cogita de óbice a que o servidor público com vínculo anterior junto ao RGPS postule a expedição de certidão de tempo de contribuição - CTC fracionada, sem prejuízo da manutenção do vínculo com a administração pública.
- Ato administrativo normativo (Portaria MPS 154, de 15.05.2008) não pode inovar na ordem jurídica, muito menos para restringir direitos.
- A obediência ao princípio da legalidade (artigo 37 da CF), antes ampara do que se opõe à pretensão, pois ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ademais, vedação à pretensão manifestada pela parte autora à data do requerimento certamente não havia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de fevereiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001569244v10 e do código CRC adb138b7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 19/02/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5006274-50.2018.4.04.7101/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG (INTERESSADO)
APELADO: IZOLDA DA SILVEIRA PIRES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CLÁUDIA SOCOOWSKI DE ANELLO E SILVA (OAB RS036257)
ADVOGADO: ANTÔNIO PAULO CUNHA E SILVA (OAB RS030608)
ADVOGADO: CAROLINA VENTURA ALVES RODRIGUES (OAB RS107826)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 19/02/2020, na sequência 152, disponibilizada no DE de 30/01/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Juiz Federal MARCOS JOSEGREI DA SILVA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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