Apelação Cível Nº 5004680-42.2020.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: DIONE DO ROSARIO SCHREINER (AUTOR)
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado em ação que objetiva indenização por danos morais.
Em suas razões, a parte apelante pretende o reconhecimento de culpa exclusiva da ré e indenização por danos morais em valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Oportunizado o oferecimento de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o breve relatório.
VOTO
Preliminar - Dialeticidade
A apelada sustenta que o recurso se limita a reproduzir a petição inicial. Sem razão. A apelação impugna especificamente a sentença, razão pela qual deve ser conhecida.
Do caso concreto
Analisando o feito, o juízo a quo proferiu a seguinte decisão:
Narra a autora que procurou a Caixa Econômica para solicitar transferência do valor de R$100.000,00 (cem mil reais), sendo que a autora “aparentava ter muita pressa”, não quis esperar sua vez no atendimento, estava muito insistente, sendo que sacou o valor de “livre espontânea vontade”. Aduz ainda de forma genérica, que a requerida seria parte ilegítima para configurar no polo passivo da ação, mas não indica quem seria o verdadeiro réu no caso dos autos. Não obstante, menciona que o fato de a autora requerer a devolução do valor material de R$100.000,00 (cem mil reais), não faria jus a justiça gratuita, contudo, não apresenta qualquer fato novo de mudança nas condições econômicas da requerente.
No mérito, alega culpa exclusiva da autora, sob o argumento de que a requerente não teria adotado nenhum tipo de precaução, não estando configurada a responsabilidade objetiva, tampouco subjetiva da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, alegando que a situação da autora não preenche os requisitos básicos para imputação de culpa e que configure a responsabilidade, porquanto o fato de a autora supostamente não ter tomado os devidos cuidados, seria somente mero aborrecimento, mero dissabor, e a procedência dos pedidos configuraria banalização do instituto, já que nenhum ato ilícito foi praticado pelo Caixa.
Não convergindo as partes em conciliação, contestou a CAIXA alegando ilegitimidade passiva e no mérito a ausência de elementos de responsabilidade civil, vez que atendeu a vontade livre e consciente da parte autora, pedindo a improcedência, evento 16.
Réplica apresentada.
Nenhuma das partes pretendeu a produção de provas.
Registrados os autos para sentença.
É o Relatório,
DECIDO.
Preliminar - Ilegitimidade de parte
O pleito da parte autora é de dano moral frente ao agente financeiro, não sendo caso de se afastar o réu por ilegitimidade, vez que, na ótica da parte autora, a culpa pelo dano psíquico da parte autora é do réu, sendo que afasto a preliminar de ilegitimidade de parte.
Mérito.
A parte autora confessa que foi enganada por terceiro para transferir seu dinheiro para uma conta também de terceiro, no valor de cem mil reais.
A Caixa Econômica Federal concordou com a vontade da autora, maior e capaz, não sendo sua obrigação a orientação da parte autora quanto a melhor administração de seu dinheiro.
Evidentemente o valor de cem mil reais necessita de concordância da gerência, sendo que efetivamente ocorreu, diante da vontade livre e soberana da parte autora.
Deste modo, não existe ilegalidade alguma na conduta da parte ré.
Inexistem os elementos próprios da responsabilidade civil: ato ilícito, nexo de causalidade e dano.
Não ocorreu ato ilícito, nem o nexo de causalidade e principalmente dano, no caso moral - dano psíquico quanto ao sofrimento causado por terceiro.
Com efeito, o dano moral não decorre pura e simplesmente do desconforto, da dor, do sofrimento ou de qualquer outra pertubação do bem-estar que aflija o indivíduo em sua subjetividade. Exige, mais do que isso, projeção objetiva que se traduza, de modo concreto, em constrangimento, vexame, humilhação ou qualquer outra situação que implique a degradação do indivíduo no meio social.
No caso em comento, o atendimento da vontade livre e soberana da titular da conta, não implicou em degradação da pessoa no meio social não é capaz de ensejar o reconhecimento do dano moral pretendido.
Assim sendo, o caso vertente com toda a certeza não caracteriza dano moral.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é nesse sentido:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. FALHA. DANO MORAL INEXISTENTE. VERBA INDENIZATÓRIA AFASTADA.
O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial conhecido e provido, para restabelecer a r. sentença."
Na mesma linha, transcrevo decisão ementada pelo TRF da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. AUXILIAR DE COZINHA. BENEFÍCIO SUSPENSO POR LIMITE MÉDICO FIXADO. NÃO-REALIZAÇÃO DE PERÍCIA SOLICITADA. GREVE DE PERITOS MÉDICOS. INCAPACIDADE MANTIDA NA ÉPOCA DA SUSPENSÃO ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO INDEVIDA. DANOS MORAIS. NÃO-CABIMENTO.
(...)
2. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da autora, bem como do ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral (...)
(TRF4, AC 2005.72.00.013801-4, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, D.E. 17/01/2008) (destaquei)
APELAÇÃO CÍVEL.MANDADO DE SEGURANÇA.
1 Writ preventivo - Ameaça de inscrição no CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais) - Viabilidade - Cadastro meramente informativo de inadimplementos que não viola direitos e garantias individuais - Registro que não representa impedimento ao livre exercício da atividade empresarial lícita, mas apenas a proibição de realizar qualquer tipo de contrato com os órgãos e entidades da administração estadual - Observância dos princípios da moralidade e da eficiência - Precedentes - Denegação da ordem.
2. Recurso não provido.
(APL 1049571-70.2014.8.26.0053 SP, TJ\SP, pub. 09.10.2015)
Quanto a este tópico, portanto, não merece acolhida o pedido da parte autora.
Ante o exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização por dano moral em face da CEF.
Condeno a parte autora no pagamento de custas processuais e em honorários advocatícios ao causídico do réu que fixo em 10% (dez por cento) do valor pretendido como dano moral, reajustado pelo IPCAE desde a petição inicial, suspensa a execução enquanto perdurar a miserabilidade da parte autora.
(...)
Em síntese, a parte autora, que sustenta ser economicamente hipossuficiente (ev. 1.4) e receber benefício previdenciário de um salário mínimo (ev. 1.5), compareceu a uma agência da ré para solicitar o saque e a transferência para terceiro de R$ 100.000,00 (cem mil reais). O saldo da conta poupança da autora após a transferência era de R$ 349.336,57 (trezentos e quarenta e nove mil trezentos e trinta e seis reais e cinquenta e sete centavos, ev. 1.7).
À Polícia Civil do Estado do Paraná, a autora afirmou ter sido vítima do "golpe do bilhete premiado". Trata-se de expediente ardiloso no qual o criminoso afirma possuir um bilhete de loteria com um prêmio de alto valor, mas o qual, por algum motivo, não poderia resgatar. Assim, solicita que a vítima saque ou transfira certa quantia em dinheiro para que ela possa receber o bilhete e o prêmio. De acordo com informações da autora, o valor solicitado no caso concreto corresponde a metade do valor do suposto prêmio.
Para que o golpe seja efetivo, é necessário que a vítima se abstenha de adotar cautelas básicas. Não é função das instituições bancárias evitar que seus clientes maiores e capazes sejam vítimas desses crimes. A jurisprudência deste Tribunal é unânime em excluir a responsabilidade do banco:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE DO "BILHETE PREMIADO". CLIENTE IDENTIFICADO E MUNIDO DOS CARTÕES DAS CONTAS BANCÁRIAS QUE INFORMA AOS PREPOSTOS DO BANCO QUE ESTÁ A COMPRAR UM TERRENO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DENOTEM A OCORRÊNCIA DO GOLPE. 1. Responde objetivamente o banco pelos danos causados por simples falta do serviço em razão do risco inerente à atividade que exerce (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor), o que significa dizer que não importa se a instituição bancária agiu com ou sem culpa. Basta a existência de um defeito do serviço bancário aliada à ocorrência de um dano, interligados por um nexo de causalidade. 2. O caso do golpe do "bilhete premiado" excepciona a regra da responsabilização objetiva, pois configura culpa exclusiva do consumidor, notadamente se o cliente, uma vez identificado e munido dos cartões das contas bancárias, realiza as transferências dizendo que está a comprar um terreno, sem que nada denote que se trata de um golpe. Precedente deste Tribunal Regional Federal. (TRF4, AC 5002929-06.2019.4.04.7113, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 05/05/2020)
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAiS. GOLPE DO "BILHETE PREMIADO". CEF. CONSUMIDOR. Responsabilidade objetiva. exceção do artigo 14, parágrafo 3º do cdc. inversão do ônus probatório. impossibilidade por AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. ARTIGO 6º DO CDC. 1. Releva anotar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porquanto relação de consumo, consubstanciada em prestação de serviço pela CEF. Resta assente a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva no caso em apreço, nos termos do artigo 14 do CDC. 3. Na hipótese vertente, contudo, está excepcionada a regra da responsabilização objetiva, uma vez que houve culpa exclusiva do consumidor. Regra do artigo 14, parágrafo 3º, do CDC 4. Convém destacar que a inversão do ônus da prova somente é admitida quando há verossimilhança nas alegações da parte requerente, nos termos do artigo 6º, VIII do CDC, o que não é o caso dos autos. (TRF4, AC 5003255-38.2015.4.04.7102, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 21/02/2018)
RESPONSABILIDADE CIVIL. SAQUE DE VALORES. GOLPE. PROVAS. ÔNUS. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Admite-se a inversão do ônus da prova para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, a critério do juiz, quando demonstrada a verossimilhança ou a hipossuficiência do postulante, o que não ocorreu no presente caso. O autor foi vítima de golpe relacionado a bilhete premiado, tendo sacado valores de sua conta para entregar a estranhos, sem as devidas cautelas. Ausência de provas de que o assalto tenha ocorrido nas dependências da agência bancária da ré. Descaracterizada a hipótese legal de reparação civil. Manutenção da sentença. (TRF4, AC 2006.71.08.002168-8, QUARTA TURMA, Relator EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, D.E. 03/02/2009)
Com efeito, a sentença foi proferida em conformidade com o entendimento consolidado deste Tribunal sobre a matéria objeto do recurso, razão pela qual não merece reforma.
Da sucumbência recursal
Em atenção ao disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em favor da parte recorrida em 1% sobre o valor fixado pelo juízo, observada a concessão de Assistência Judiciária Gratuita.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5004680-42.2020.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: DIONE DO ROSARIO SCHREINER (AUTOR)
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. Consumidor. responsabilidade civil. ausência de responsabilidade objetiva do banco. ausência de dano moral. "Golpe do bilhete premiado". culpa exclusiva do cliente.
- Não se aplica a responsabilidade objetiva da instituição bancária pelos danos decorrentes de "golpe do bilhete premiado", pois a situação caracteriza culpa exclusiva do consumidor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de abril de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 28/04/2021
Apelação Cível Nº 5004680-42.2020.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: DIONE DO ROSARIO SCHREINER (AUTOR)
ADVOGADO: DILMA MARIA DEZIDERIO (OAB PR049514)
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Telepresencial do dia 28/04/2021, na sequência 597, disponibilizada no DE de 15/04/2021.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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