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ADMINISTRATIVO E CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. ANIMAL NA PISTA. FATO DE TERCEIRO. TRF4. 5011467-40.2018.4.0...

Data da publicação: 15/04/2021, 11:02:16

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. ANIMAL NA PISTA. FATO DE TERCEIRO. A responsabilidade da União prescinde da comprovação de dolo ou culpa na conduta do seu agente, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta estatal. Contudo, quando o dano ocorre em decorrência de omissão do Estado aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Ora, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano; não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o evento lesivo. Não restou configurado, no caso concreto, um defeito do serviço a ensejar a responsabilidade estatal, dado que a presença do animal na pista, fator determinante para a eclosão do acidente objeto do litígio, configura-se como fato de terceiro e não ostenta suficiente liame de causalidade com uma conduta omissiva que se pudesse razoavelmente imputar aos réus. (TRF4 5011467-40.2018.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 08/04/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5011467-40.2018.4.04.7200/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: MARIELA APARECIDA KROTH GIL CARDOSO (Pais) (AUTOR)

APELANTE: VALENTINA KROTH GIL CARDOSO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença com dispositivo exarado nos seguintes termos:

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos e extingo o processo com exame de mérito (CPC, art. 487, I).

Condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais fixo no percentual mínimo aplicável à faixa correspondente dentre aquelas estipuladas pelo art. 85, § 3º, I a V, do CPC/2015, em que se enquadre o valor da causa, suspensa a exigibilidade pela concessão da AJG.

Custas na forma da lei.

Interposto recurso voluntário, intime-se a parte apelada para contrarrazões e, oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos do art. 1.010, §§1º e 3º do CPC/2015.

Dou por prequestionados os dispositivos legais e/ou constitucionais apontados pela parte ré em sua contestação, que tenham expressa ou implicitamente pertinência com as questões examinadas nesta sentença.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa.

Em suas razões de apelação, a parte autora alegou que: (1) o STF ao julgar o RE 841526 em regime de recurso repetitivo estipulou que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa; (2) o E. TRF4 vem seguindo tal entendimento em casos de acidentes em estradas federais envolvendo animais na pista; (3) aplica-se ao caso dos autos o Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade civil objetiva. Nesses termos, requereu o provimento do apelo e a reforma da sentença.

Com contrarrazões, vieram os autos.

O MPF manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Em que pesem ponderáveis os argumentos deduzidos pelo(s) apelante(s), não há reparos à sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, in verbis:

I – RELATÓRIO

VALENTINA KROTH GIL CARDOSO e MARIELA APARECIDA KROTH GIL CARDOSO ajuizaram "AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS" em face de UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT, CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A e AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT pedindo, em resumo: "d.1) ao pagamento de uma indenização pelos danos morais sofridos pela Autora no valor sugerido de R$ 200.000,00 ou outro valor a ser arbitrado por Vossa Excelência em observância ao caso concreto, suas enormes conseqüências danosas, o elevado grau de culpabilidade das Requeridas e o gigante porte econômico destas, do condição social do falecido (engenheiro agrônomo, ex-empresário) a ser atualizado pelo INPC a partir do arbitramento, com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, na forma da Súmula 54 do STJ. d.2) ao pagamento de pensão alimentícia no valor equivalente a dois terços do valor que percebia na data do seu óbito (R$ 2.800,00 por mês), desde a sua instituição até que a Autora complete 25 anos, e também, a título de atrasados, desde o óbito até a efetiva instituição da pensão. d.3) que o pensionamento seja pago de uma vez só, forte no art. 950 do CC/2002. d.4) ao pagamento de todas as despesas médicas, hospitalares, farmacêuticas, e com psicólogo, que se fizeram e se fizerem necessárias até a sua hipotética, eventual e total convalescença, a ser calculada através de liquidação de sentença".

Narram:

- o pai da Autora havia recém passado pelo posto do pedágio da Guarda do Embaú, gerido pela Autopista Litoral Sul S/A, ora Ré, detentora da concessão da via, dirigindo seu veículo Gol Prata, Placas DUF 2556, quando foi surpreendido por um bovino que estava sobre o leito carroçável. Sem tempo algum para reação, eis que era noite e num trecho sem iluminação, fatos corroborados no BOAT no qual consta que não havia sinais de freada, Mateus veio a colidir com o bovino, capotar e, por estes motivos, veio imediatamente a óbito [...] Constou no BOAT que no local havia uma pessoa de nome Afonso Domingos Cardoso, que disse aos policiais que achava que o bovino seria de propriedade de seu patrão, proprietário de terras próximas ao local do acidente, o suplente de vereador de São José/SC, Sr. Anderson Artur Albanaes, devidamente qualificado no BOAT. Referido cidadão apresentou-se no dia seguinte na PRF de Palhoça para prestar declarações (termo anexo ao BOAT), ocasião em que assumiu a propriedade do bovino, até mesmo porque não teria como negar diante do fato de que o brinco identificador do bovino foi encontrado no local, conforme se observa numa fotografia do brinco constante no BOAT. Em conversas informais com policiais rodoviários federais, a família de Mateus obteve a informação de que são constantes (mais de uma por semana) as reclamações de motoristas, via 151, acerca da presença de animais naquele trecho da via e que tais reclamações são comunicadas pela PRF à Autopista Litoral Sul, que tem a concessão da via, sendo que em várias oportunidades os próprios policiais vão ao local para efetuar a remoção do animal, apesar deste ônus ser da Autopista. Ou seja, mesmo ciente destas reclamações constantes que lhe eram repassadas pela PRF, e, certamente, também por populares, a Autopista, a ANTT, o DNIT e a União quedaram inertes em proporcionar meios para que tal invasão de pista tornasse a acontecer no local, mormente através da colocação de cercas nos limites da via. Agiram assim com omissão culposa que causou o acidente e, consequentemente, os danos morais e materiais sofridos pela Autora.

Sustentam, em síntese a responsabilidade objetiva das rés.

A autora emendou a inicial para substituir o pedido [d.1] por:

d.1) ao pagamento de uma indenização pelos danos morais sofridos pela Autora no valor sugerido de R$ 400.000,00 ou outro valor a ser arbitrado por Vossa Excelência em observância ao caso concreto, suas enormes conseqüências danosas, o elevado grau de culpabilidade das Requeridas e o gigante porte econômico destas, do condição social do falecido (engenheiro agrônomo, ex- empresário) a ser atualizado pelo INPC a partir do arbitramento com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, na forma da Súmula 54 do STJ"

(evento 3).

Citados, contestaram:

- CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A, alegando, preliminarmente; denunciação da lide ao proprietário do animal, Sr. Anderson Albanaes; e, no mérito, [a] inexistência de ato ilícito, pois cumpriu a escala de 90 minutos de inspeção no trecho da rodovia e não havia, naquele momento, animais na pista, e, por isso, não houve descumprimento do dever; [b] ausência de nexo causal, por culpa exclusiva de terceiro, e/ou, culpa concorrente da vítima pela ausência dos cuidados para tráfego normal e condução em velocidade acima dos determinados pela legislação de trânsito; [c] a concessionária responde de forma subjetiva, e não objetiva; [d] absorção dos prejuízos pelo DPVAT e aposentadoria por invalidez pelo RGPS (evento 15).

- AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT, alegando, preliminarmente; ilegitimidade passiva, porque [i] o trecho da rodovia federal foi concedido à iniciativa privada pelo Contrato de Concessão nº 003/2007 (BR – 101 SC) e [ii] o responsável é o dono do animal ou coisa ou da União, pelo dever de fiscalização da PRF; denunciação da lide ao proprietário do animal, Sr. Anderson Albanaes; e, no mérito, [a] no caso de ato omissivo, vigora a responsabilidade subjetiva do Estado, exigindo-se a prova da suposta omissão ou falta; [b] culpa exclusiva de terceiro ou da vítima; [c] ausência de prova da renda requerida para pensionamento civil; [d] compensação com os danos já indenizados pelo DPVAT (evento 17).

- DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT, alegando, preliminarmente; ilegitimidade passiva, porque se trata de rodovia federal sob o regime de concessão (Lei n. 8.987/95), cuja responsabilidade é da concessionária e a responsabilidade é é o dono do animal ou coisa ou da União, pelo dever de fiscalização da PRF; denunciação da lide ao proprietário do animal, Sr. Anderson Albanaes; e, no mérito, repete as teses citadas pela ANTT (evento 18).

- UNIÃO, alegando, preliminarmente; ilegitimidade passiva, porque a administração e fiscalização das rodovias federais é atribuição definida por lei para o DNIT (Lei 10233/2001) e não há pedido formulado em face da União e nem da PRF (órgão daquela); inépcia da inicial, pois não apresenta causa de pedir com relação à União, mas apenas em relação ao DNIT; e, no mérito, [a] a responsabilidade civil do Estado é subjetiva nos casos de atos omissivos; [b] exclusão de responsabilidade por ausência de nexo causal de conduta da União em relação ao evento; [c] ausência de prova do dano moral sofrido; [d] fixação de indenização em valor moderado pela ausência de ofensa a direitos de personalidade diretos (evento 19).

Réplica pela autora (evento 24).

Saneador indeferindo a a denunciação da lide, rejeitando as demais preliminares e deferindo a prova testemunhal (evento 25).

Realizada audiência de instrução (evento 109).

Ofertadas alegações finais (eventos 112, 118, 122, 123 e 124)

Vieram-me conclusos.

Relatado, decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de demanda que objetiva responsabilização por ato ilícito para condenação às obrigações de pagar indenização por danos materiais e morais.

Responsabilidade Civil

O objetivo do Direito é proteger o lícito e reprimir o ilícito, sendo regra geral que a ninguém é dado prejudicar outrem ("neminem laedere").

Isso gera um dever jurídico originário de não ofensa a terceiros cuja violação implica o dever jurídico sucessivo de prestar a reparação do dano causado. Ou seja, da violação ao dever jurídico originário surge o dever jurídico sucessivo de reparação.

A responsabilidade civil ou administrativa exige a clara configuração dos seguintes elementos: [a] ação ou omissão normativamente imputável; [b] dano; [c] nexo causal; [d] nexo de imputação jurídica por [d.1] dolo, [d.2] culpa ou, [d.3] nos casos de responsabilidade objetiva, previsão legal específica ou decorrente da teoria do risco.

De fato, prevê o Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. [...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Porém, com relação à Administração Pública, a Constituição Federal de 1988 consagrou a responsabilidade objetiva daquela, fundamentada no risco administrativo, e condicionou a obrigação de indenizar do Estado à comprovação do nexo causal entre a sua atividade e o dano efetivamente ocorrido e à inexistência de causas de exclusão da responsabilidade (caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima).

Na hipótese de [1] conduta comissiva do Estado (isto é: ação), para a responsabilização basta a existência do dano e que este seja causado por seus agentes. Os requisitos constitucionais fundamentam a responsabilidade objetiva do Estado.

Contudo, nos casos de [2] ato omissivo do Estado (isto é: omissão) a responsabilidade assume caráter subjetivo, exigindo-se a presença de dolo ou culpa. A culpa não é atribuída a um indivíduo, mas ao serviço estatal genericamente. Há a necessidade de investigar a existência de culpa por negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo de dolo. Porém, não é necessário que a culpa seja individualizada, desde que seja possível atribuí-la ao serviço público, de maneira genérica, por meio da aplicação da teoria do“faute du service”, ou culpa anônima, que decorre do não-funcionamento ou do funcionamento insuficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público deve prestar.

Como bem leciona Celso Antonio Bandeira de Mello:

De outra parte, há largo campo para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando-se, então, a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria funcionar normalmente, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente [...] A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados [...] O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha, reveladora de insuficiência em relação ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva (Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, RJ: Malheiros, 2000, 813/814).

Neste sentido é farta a jurisprudência:

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. REGISTRO. ESPECIALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. OMISSÃO. 1. O § 6º do art. 37 da Constituição Federal define a responsabilidade do Estado como sendo independente de culpa - objetiva, portanto - quando "seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". 2. Discussão de grandes proporções instaurou-se na doutrina e na jurisprudência, no que se refere à possibilidade de imputar ao Estado a responsabilidade tida como objetiva, para os casos em que não há ação, mas omissão da Administração Pública. 3. Prevalece, atualmente, que nos casos em que há omissão do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva - tal como a regra geral estipulada no Código Civil - diante da ordem constitucional que exige um "fazer" do agente público. [...]. (TRF4, AC 5003868-80.2014.404.7203, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 14/06/2017).

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSS. FRAUDE NA ALTERAÇÃO DA AGÊNCIA BANCÁRIA DE RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CARACTERIZADOS. - A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. - Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano. [...] (TRF4 5016010-71.2013.404.7003, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 17/05/2017).

O caso dos autos, referente à acidente rodoviário em via concedida, tem-se típico caso de responsabilidade civil do Estado por suposta omissão, em que deve ser demonstrada a culpa dos entes responsáveis pela manutenção das condições técnicas de trânsito.

Vale apontar que, mesmo se se tratasse de responsabilidade objetiva (o que não é caso), o Estado não é segurador universal, sendo-lhe exigível apenas a indenização das condutas que estão inerentes ao risco administrativo, e não ao risco integral.

Nesse sentido, diz o TRF4:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO. 1. Adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, no artigo 37 da CF/88, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior. De acordo com esta teoria, para que haja o dever de indenizar é irrelevante a culpa na conduta do agente, bastando o nexo de causalidade entre fato e dano. A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta praticada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração. 2. De ser referido, ademais, que, nos termos do art. 373, I e II, do CPC de 2015, recai sobre o autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, e sobre o réu, o de comprovar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor. (TRF4, AC 5049051-09.2011.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 30/01/2019)

ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. ALEGADA FALTA DE SINALIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, todavia, adotar a posição extremada dos adeptos da teoria do risco integral, em que o ente público responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e o caso fortuito e a força maior. A configuração da responsabilidade do Estado, portanto, em regra, exige apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta praticada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, prescindindo de demonstração da culpa da Administração. Contudo, nos casos de ato omissivo da Administração, doutrina e jurisprudência têm defendido que a responsabilidade civil do Estado passa a ser subjetiva, sendo necessária, assim, a presença também do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para sua caracterização, em uma de suas três vertentes - a negligência, a imperícia ou a imprudência - não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. Assim, a responsabilidade do Estado por condutas omissivas encontra fundamento na teoria da falta do serviço (faute du service), segundo a qual o ente estatal só deve ser responsabilizado, em casos de omissão, quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. A responsabilização do Estado, seja por atos comissivos, seja por atos omissivos, não dispensa a verificação do nexo de causalidade, que deve ser comprovado, existindo, ainda, situações que excluem este nexo: caso fortuito ou força maior, ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Negado provimento ao apelo e mantida a sentença que julgou improcedentes os pedidos. (TRF4, AC 5072385-24.2015.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 06/04/2017)

Posto isso, passo à análise da prova do caso concreto.

A prova documental deixa claro que a autora era casada com MATEUS MULLER GIL CARDOSO (Certidão de Casamento, evento 1, doc 6), falecido em 08/07/2017 em acidente de trânsito ocorrido no Km 237 da BR-101 (Certidão de Óbito, evento 1, doc 8; Boletim de Ocorrência, evento 1, doc 11; Laudo Pericial Cadavérico, evento 1, doc 12), causado em razão da presença de animal na pista (Boletim de Acidente de Trânsito, evento 1, doc 14), que a invadira evadido do imóvel lindeiro pertencente a ANDERSON ALBANAES (narrativa do Boletim de Ocorrência, evento 1, doc 1, p. 2 e 3). Está provado também que o condutor não estava sob efeito de substância alcóolica ou outra (Laudo Pericial, evento 1, doc 13).

A prova oral, por sua vez, confirma a existência do acidente de trânsito, causado pela invasão de animal na pista da rodovia federal.

Ouvido em juízo, Rulyan Almeida afirmou em juízo que não se recorda do acidente em si, mas trabalha no centro de controle, recebendo as ligações; trabalhou no dia seguinte, por isso ficou sabendo dos fatos, sabendo que o animal fugiu e o carro colidiu com ele ocasionando a morte do motorista; não se recorda se foi de dia ou de noite, pois não acompanhou os fatos e nem foi no local. Disse que no setor de controle, recebe as ligações de emergência que caem no centro de comando e controle, despachando; por exemplo, recebe a ligação informando o acidente e ligamos para o policial indicando o local (quilômetro) e se houver a demanda de ambulância ou guincho a gente manda a solicitação para a concessionária. No caso de ligações informando animais, que acontecem sempre, a comunicação é para concessionária Autopista. No km 237, local do acidente, trabalhou quase 20 anos no local e pelo que sabe ele não conta com iluminação pública. Era costume de receber ligações informando animais na pista é bem comum isso inclusive no trecho 237 perto do Morro dos Cavalos onde aconteceram os fatos; era um plantão sim e dois não. Isso ainda acontece em outros lugares. Esse período o depoente se lembra porque ocorreu a morte, que foi marcante. Hoje em dia isso não é mais comum, mas não sabe se houve alteração no local, pois não está mais lá. Não sabe ser essas comunicações são registradas pela autopista. Não sabe dizer que tipo de barreira física deveria ser utilizada em locais onde há grande fluxo de animais. Já recebeu várias ligações de acidentes com animais, mas não sabe dizer se havia acidentes naquele local. O próprio depoente já bateu em animais com viatura. A concessionária não dá feedback sobre medidas realizadas. É comum a gente acionar a concessionária por causa de uma ligação e dali a meia hora ligarem de novo, tendo que o depoente acionar novamente concessionária e eles informarem que já foram no local “e a gente diz que já teve mais ligações e fica a noite inteira nisso”. Não sabe dizer a periodicidade, mas sabe que eles passam pelos locais. Não sabe dizer qual é o procedimento da inspeção. O trecho do acidente é uma reta com boa visibilidade, sendo que a velocidade máxima deve ser entre 100 e 110. O capotamento, como ocorrido, pode ocorrer mesmo com essa velocidade, pois se o animal entrar pelo para brisa já vai matar, se não entrar, a consequência é imprevisível, pode haver capotamento ou não. Quando são localizados animais na pista, o policial tenta achar o proprietário para fazer o boletim de ocorrência na Polícia Civil pelo descuido e não guardar o animal, se não for localizado para saber de quem é, “a gente registra para depois o delegado fazer o encaminhamento”. Nâo sabe dizer se houve identificar do proprietário no caso concreto. Na central de comando ficam registradas as ligações, mas não sabe qual o período que são mantidos os registros. O audio fica gravado integralmente (evento 109, video 4, transcrição por paráfrase feita pelo magistrado signatário).

Rodrigo de Campos Luiz disse se recorda do acidente ocorrido e que prestou serviços no local; era um veículo GOL que colidiu com um animal bovino e houve óbito, mas não se recorda da dinâmica do evento. Indagado sobre o fato de o Boletim de Ocorrência indicar fato ocorrido de dia, mas as fotos serem de noite, respondeu que pelo que recorda o evento se deu na madrugada, pode ter havido um erro na anotação. Foi registrado que havia uma pessoa no local, mas não havia testemunhas, e que a pessoa seria um caseiro de uma propriedade no local, tendo respondido que a pessoa afirmou que era um caseiro e que ele não sabia dizer com certeza, mas achava que o animal era da fazenda. Ligaram para a Delegacia para saber se era o caso de fazer um flagrante, mas que responderam não haver elementos e por isso não o conduziram. Disse que é frequente haver acidentes com animais na rodovia, mas não especificamente neste trecho, mas ao longo da rodovia. Foram feitas fotos do veículo e dos danos causados, mas não houve perícia. Não pode afirmar se o veículo estava em alta velocidade. Era uma reta e havia boa visibilidade. Não se recorda sobre as condições da pista e nem de detalhes da dinâmica do acidente ou das condições climáticas. Não era possível afirmar a velocidade do veículo pelos vestígios e também porque não houve perícia. Mesmo em velocidade normal seria possível o acidente se o animal invadisse a pista. Havia um brinco de identificação do animal e foto dele foi juntada no boletim do acidente de trânsito. Acha que uma pessoa se apresentou como proprietário do animal e que fez boletim, mas não se recorda o nome. Acha que o trecho onde ocorreu o acidente não tem iluminação pública e embora não saiba a velocidade máxima no local, crê que seja de cem quilômetros por hora. A colisão com animal daquele porte mesmo em velocidade inferior já geraria os danos no veículo como causados. Não se recorda de outros acidentes que tenha atendido no local. Os policiais não tem ferramental para fazer a coleta do animal. A única coisa que conseguem fazer é o “espantamento”, fazendo-se a comunicação para a concessionária para as providências. Neste caso, pelo que sabe, não houve denúncia anterior ao acidente. Entre as duas pistas havia uma vala e por isso não havia barreira, acredita que tinha apenas a cerca da propriedade. Não há previsão de barreira para o local (evento 109, video 2, transcrição por paráfrase feita pelo magistrado signatário).

Rondineli Soares de Souza afirmou em juízo que, sobre o acidente que levou ao óbito no dia 08/7/2017, conhece os fatos pelo convite que houve para ser testemunha, pois é colaborador da Concessionária, sendo funcionário desta na qualidade de gestor de qualidade. Não teve contato direto com os fatos, mas documental. Sobre o compromisso contratual de inspeção da rodovia concedida, sendo de que a inspeção deve ser feita por veículos operacionais deve ser feita a cada 90 minutos e que ela foi feita no local dos fatos, cerca de 18 minutos antes do acidente. Seis minutos antes do acidente, teria havido comunicação à praça de pedágio de que haveria um animal na rodovia. Há propriedades rurais próximas e também pode ser animal que esteja na área urbana. O animal atropelado pela vítima tinha um brinco de identificação. Caso encontrado o proprietário, é feita a notificação, porém não tem conhecimento do caso concreto. Nesses caso, é aberta uma ocorrência e se houver identificação do animal, pelos procedimentos internos, entra-se em contato com o dono do animal. No trecho do acidente, não sabe dizer se houve outros acidentes, mas sabe que em outros trechos há possibilidade de animais, pois eles podem sair de locais fechados ou de áreas urbanas onde estava solto. Não sabe dizer se aquele trecho tem iluminação pública. Não participou pessoalmente da inspeção que ocorreu antes do acidente. Qualquer pessoa pode informar a concessionária sobre irregularidades como animais na pista e se chega ao conhecimento, ele fica registrado o tipo de ocorrência, cada um com um código que fica registrado no sistema interno. Cada inspeção é como se fosse um fiscalizador, passando de carro nos locais para verificar visualmente a existência de irregularidades. No período noturno, é feita a iluminação apenas a que existe do próprio veículo. Segundo consta da informação que chegou para a AUtopista, o acidente teria ocorrido às 22h43 (evento 109, vídeo 3, transcrição por paráfrase feita pelo magistrado signatário).

A questão é saber, portanto, se houve negligência na manutenção da rodovia concedida.

A prova testemunhal corrobou as anotações no boletim de ocorrência exaraado pela Polícia Rodoviária Federal indicando que o local estava em boa condição de tráfego.

A ausência de iluminação pública não é, por si só, indicativo de negligência, uma vez que as rodovias federais fora dos limites urbanos em regra não possuem tal aparelho.

A inexistência de barreiras físicas como muros também não é indicativo de negligência, porque igualmente não são exigíveis pelos contratos ou pelas regras técnicas de construção das referidas rodovias em toda a sua extensão.

Aliás, mesmo naquele trecho não havia indicativo de condutas anteriores que pudesse constituir em mora o Estado, pois as duas testemunhas policiais rodoviários federais disseram que, embora existam invasões de animais em outros trechos, não se recordavam de ocorrer naquele. E mais: a testemunha Rulyan inclusive indicou que este acidente ficou marcado justamente por ser o único com óbito.

De outro lado, como apontado pela corré AUTOPISTA, as regras normais de segurança previstas pelo Ministério dos Transportes e a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) no Programa de Exploração da Rodovia (PER) para a execução do Contrato de Concessão indicam o dever da Concessionária é o de realizar a inspeção periódica do tráfego, disponibilizando uma frota de veículos tipo utilitário para percorrer de forma rotineira toda a extensão da Rodovia, a fim de que todos os pontos sejam visitados com tempo máximo de percurso de 90 minutos para passar no mesmo ponto, e que, no caso concreto, no trecho referido (Km 237 sentido norte), houvera o percurso às 22h24, cerca de16 minutos antes do horário estimado do acidente, sem fosse localizado animal bovino.

Na verdade, como se depreende tanto da prova documental quanto da oral é que há, na realidade, uma alteração do curso causal que deve ser considerada como a origem dos danos suportados pela autora, mas ela não pode ser imputada à parte ré.

Refiro-me à ação negligente do proprietário do animal em mantê-lo dentro dos limites de seu imóvel, este sim o responsável pela inauguração da sequência de eventos que se conectam, por nexo de causalidade, aos prejuízos sofridos.

Esta realidade - existência de terceiro responsável - descaracteriza dever de indenizar a autora em relação à ré.

É que não há nexo causal entre a postura das rés, que mantinham o trecho que regularidade normal à espécie, e os danos sofridos pelo autor.

Sérgio Cavalieri Filho, ao discorrer sobre o nexo de causa na responsabilidade civil, define a teoria da causalidade adequada nos seguintes termos:

"Essa teoria, elaborada por Von Kries, é a que mais se destaca entre aquelas que individualizam ou qualificam as condições. Causa, para ela, é o antecedente não só necessário, mas também, adequado à produção do resultado. Logo, se condições concorreram para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for a mais adequada à produção do evento.

Diferentemente da teoria anterior, esta faz distinção entre causa e condição, entre os antecedentes que tiveram maior ou menor relevância. Estabelecido que várias condições concorreram para o resultado, e isso é feito através do mesmo processo mental hipotético (até aqui as teorias seguem os mesmos caminhos), é necessário agora verificar qual foi a mais adequada. Causa será apenas aquela que foi mais determinante, desconsiderando-se as demais." (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª Edição, São Paulo: Atlas, 2008, p. 48, sem destaques no original)

Na mesma obra, o autor descreve exemplo bastante elucidativo:

"De todos os autores consultados sobre essa questão, e não foram poucos, encontramos na lição de Antunes Varela a fórmula que mais nos poderá auxiliar na solução do problema. Não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se aprestava para tomar certo avião, e teve, afinal, de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o fato ilícito. A idéia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida (Obrigações, Forense, p. 251-252)." (mesma obra, p. 48) (GRIFEI e SUBLINHEI))

No caso em análise, tem-se que a causa dos danos sofridos pelo autor é a omissão do proprietário do animal que invadiu a pista, que é de fato a quem deveria ter sido direcionada a pretensão de indenização.

Por tudo isso, não configurada a conduta ilícita.

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos e extingo o processo com exame de mérito (CPC, art. 487, I).

Condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais fixo no percentual mínimo aplicável à faixa correspondente dentre aquelas estipuladas pelo art. 85, § 3º, I a V, do CPC/2015, em que se enquadre o valor da causa, suspensa a exigibilidade pela concessão da AJG.

Custas na forma da lei.

Interposto recurso voluntário, intime-se a parte apelada para contrarrazões e, oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos do art. 1.010, §§1º e 3º do CPC/2015.

Dou por prequestionados os dispositivos legais e/ou constitucionais apontados pela parte ré em sua contestação, que tenham expressa ou implicitamente pertinência com as questões examinadas nesta sentença.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa.

A tais fundamentos, a parte autora não opôs argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador, motivo pelo qual a sentença merece ser mantida.

A Constituição estabelece a responsabilidade objetiva da Administração Pública:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

§ 6° - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior.

A responsabilidade da União prescinde da comprovação de dolo ou culpa na conduta do seu agente, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta estatal.

Contudo, quando o dano ocorre em decorrência de omissão do Estado aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Ora, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano; não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o evento lesivo. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).

A sentença realizou detalhada análise do caso concreto, merecendo destaque alguns aspectos:

(1) O caso dos autos, referente à acidente rodoviário em via concedida, tem-se típico caso de responsabilidade civil do Estado por suposta omissão, em que deve ser demonstrada a culpa dos entes responsáveis pela manutenção das condições técnicas de trânsito;

(2) (...) mesmo se se tratasse de responsabilidade objetiva (o que não é caso), o Estado não é segurador universal, sendo-lhe exigível apenas a indenização das condutas que estão inerentes ao risco administrativo, e não ao risco integral;

(3) acerca do caso concreto, A prova documental deixa claro que a autora era casada com MATEUS MULLER GIL CARDOSO (Certidão de Casamento, evento 1, doc 6), falecido em 08/07/2017 em acidente de trânsito ocorrido no Km 237 da BR-101 (Certidão de Óbito, evento 1, doc 8; Boletim de Ocorrência, evento 1, doc 11; Laudo Pericial Cadavérico, evento 1, doc 12), causado em razão da presença de animal na pista (Boletim de Acidente de Trânsito, evento 1, doc 14), que a invadira evadido do imóvel lindeiro pertencente a ANDERSON ALBANAES (narrativa do Boletim de Ocorrência, evento 1, doc 1, p. 2 e 3). Está provado também que o condutor não estava sob efeito de substância alcóolica ou outra (Laudo Pericial, evento 1, doc 13). A prova oral, por sua vez, confirma a existência do acidente de trânsito, causado pela invasão de animal na pista da rodovia federal;

(4) A prova testemunhal corrobou as anotações no boletim de ocorrência exaraado pela Polícia Rodoviária Federal indicando que o local estava em boa condição de tráfego. A ausência de iluminação pública não é, por si só, indicativo de negligência, uma vez que as rodovias federais fora dos limites urbanos em regra não possuem tal aparelho. A inexistência de barreiras físicas como muros também não é indicativo de negligência, porque igualmente não são exigíveis pelos contratos ou pelas regras técnicas de construção das referidas rodovias em toda a sua extensão;

(5) mesmo naquele trecho não havia indicativo de condutas anteriores que pudesse constituir em mora o Estado, pois as duas testemunhas policiais rodoviários federais disseram que, embora existam invasões de animais em outros trechos, não se recordavam de ocorrer naquele. E mais: a testemunha Rulyan inclusive indicou que este acidente ficou marcado justamente por ser o único com óbito;

(6) as regras normais de segurança previstas pelo Ministério dos Transportes e a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) no Programa de Exploração da Rodovia (PER) para a execução do Contrato de Concessão indicam o dever da Concessionária é o de realizar a inspeção periódica do tráfego, disponibilizando uma frota de veículos tipo utilitário para percorrer de forma rotineira toda a extensão da Rodovia, a fim de que todos os pontos sejam visitados com tempo máximo de percurso de 90 minutos para passar no mesmo ponto, e que, no caso concreto, no trecho referido (Km 237 sentido norte), houvera o percurso às 22h24, cerca de16 minutos antes do horário estimado do acidente, sem fosse localizado animal bovino;

(7) tanto a prova documental como a prova oral colhida demonstram que a origem dos danos suportados pela parte autora está relacionada à conduta negligente do proprietário do animal, que falhou em mantê-lo dentro dos limites de seu imóvel, sendo responsável pelos fatos que, pelo nexo de causalidade, conectam-se aos prejuízos sofridos;

(8) não há nexo causal entre a postura das rés, que mantinham o trecho que regularidade normal à espécie, e os danos sofridos pelo autor.

Em caso semelhante, veja-se julgamento desta Corte pela sistemática do art. 942 do CPC:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO JULGADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC. APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ANIMAL SELVAGEM QUE INVADE A PISTA DE ROLAMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DNIT. DANOS MORAIS E MATERIAIS. IMPROCEDENCIA DO PEDIDO.
- No caso de comportamento omissivo, decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva.
- Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano. Em outras palavras, nos casos em que verificados danos que não foram causados por omissão estatal, mas decorreram da da aludida omissão, de regra só se cogita de responsabilidade quando o Estado, embora obrigado a impedir o dano, descumpre o seu dever legal.
- Na situação dos autos, em que os alegados danos decorrem de acidente de trânsito em que animal selvagem (anta) invadiu a pista, a responsabilidade do Estado assume bases subjetivas (faute du service), fazendo-se necessária a comprovação de culpa in vigilando.
- Em se tratando de acidente causadao por animal selvagem que invadiu a pista, não se verifica nexo de causalidade, até porque o Estado não é segurador universal, não se cogitando de responsabilidade civil. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003223-15.2015.404.7205, 3ª TURMA, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/05/2017)

Também sobre a matéria dos autos:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DNIT. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. ANIMAL NA PISTA. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE MANUTENÇÃO E VIGILÂNCIA. CASO FORTUITO. DESCARACTERIZAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. - A jurisprudência pátria tem assentado a possibilidade jurídica do pagamento de indenização decorrente de acidente de trânsito ocorrido em rodovia federal quando demonstrada a ação ou omissão imputável ao ente público no tocante à conservação e sinalização da rodovia, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. - Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado, de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. - Hipótese na qual o acidente foi decorrente de fato isolado e momentâneo (invasão da pista por um cavalo), não sendo possível extrair elementos que permitam concluir pela atração de culpa in vigilando pelo Estado. Caracterizado, pois, o caso fortuito, que exclui a responsabilidade civil da autarquia pelos danos em questão. - Apelação improvida. (TRF4, AC 5003026-83.2017.4.04.7013, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 28/11/2019)

O parecer do MPF perfilha do mesmo entendimento:

No presente caso, a conduta omissiva atribuível, em tese, aos réus residiria na prestação deficiente dos serviços rodoviários, em razão de alguma falha na manutenção da via ou na instalação dos equipamentos de segurança viária porventura exigíveis.

Todavia, consoante bem concluiu o Juízo a quo, não restou configurado, no caso concreto, um defeito do serviço a ensejar a responsabilidade estatal, dado que a presença do animal na pista, fator determinante para a eclosão do lamentável acidente objeto do litígio, configura-se como fato de terceiro e não ostenta suficiente liame de causalidade com uma conduta omissiva que se pudesse razoavelmente imputar aos réus.

Destarte, propugna-se pela manutenção da sentença deimprocedência em sede recursal.

Mantenho, assim, a sentença de improcedência.

Restando desacolhido o recurso de apelação, majoro em 1% (um por cento) os honorários advocatícios fixados na sentença, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, em obediência ao § 11 do art. 85 do CPC/2015.

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002397971v7 e do código CRC 1ef4593d.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5011467-40.2018.4.04.7200/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: MARIELA APARECIDA KROTH GIL CARDOSO (Pais) (AUTOR)

APELANTE: VALENTINA KROTH GIL CARDOSO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

EMENTA

administrativo e civil. INDENIZAÇÃO POR DANOS morais e materiais. acidente em rodovia federal. animal na pista. fato de terceiro.

A responsabilidade da União prescinde da comprovação de dolo ou culpa na conduta do seu agente, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta estatal.

Contudo, quando o dano ocorre em decorrência de omissão do Estado aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Ora, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano; não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o evento lesivo.

Não restou configurado, no caso concreto, um defeito do serviço a ensejar a responsabilidade estatal, dado que a presença do animal na pista, fator determinante para a eclosão do acidente objeto do litígio, configura-se como fato de terceiro e não ostenta suficiente liame de causalidade com uma conduta omissiva que se pudesse razoavelmente imputar aos réus.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de abril de 2021.



Documento eletrônico assinado por SERGIO RENATO TEJADA GARCIA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002397972v3 e do código CRC f55a0dee.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SERGIO RENATO TEJADA GARCIA
Data e Hora: 8/4/2021, às 15:20:23


5011467-40.2018.4.04.7200
40002397972 .V3


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 07/04/2021

Apelação/Remessa Necessária Nº 5011467-40.2018.4.04.7200/SC

RELATOR: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: RAFAEL BENEDET CAMISÃO por VALENTINA KROTH GIL CARDOSO

APELANTE: MARIELA APARECIDA KROTH GIL CARDOSO (Pais) (AUTOR)

ADVOGADO: RAFAEL BENEDET CAMISÃO (OAB SC015202)

APELANTE: VALENTINA KROTH GIL CARDOSO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO: RAFAEL BENEDET CAMISÃO (OAB SC015202)

APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (RÉU)

APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (RÉU)

APELADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/04/2021, na sequência 944, disponibilizada no DE de 23/03/2021.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 15/04/2021 08:02:16.

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