Agravo de Instrumento Nº 5011879-95.2022.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: LUIZ FELIPE ROSA DOS ANJOS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela UNIÃO contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Florianópolis, nos autos do Procedimento Comum nº 50028080320224047200, na qual foi deferida tutela de urgência postulada com a finalidade de determinar à ré que conceda ao autor licença-paternidade em período equivalente à licença-maternidade (180 dias), com prorrogação pelo período em que sua filha recém-nascida permanecer internada.
Em suas razões, afirma o agravante, em síntese, que a legislação não prevê a extensão da licença-paternidade para além de vinte dias ou sua equiparação à licença-maternidade. Sendo assim, a concessão da tutela de urgência resultaria na criação de norma pelo Poder Judiciário, o que viola a independência entre os Poderes. Requer a concessão de efeito suspensivo ao recurso(
).Decisão inicial, com fulcro no entendimento então adotado pelos Tribunais Superiores, deferiu parcialmente o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para suspender a concessão de licença-paternidade de 180 (cento e oitenta dias) e a sua prorrogação pelo período que a recém-nascida permanecer internada. A mesma decisão manteve a fixação do termo inicial da licença-paternidade na data da alta hospitalar da criança.(
)Ato contínuo, a parte agrava opôs agravo interno, requerendo a reforma da decisão com fulcro na proteção integral da criança e do adolescente, princípios da razoabilidade e proporcionalidade e aplicação análoga do artigo 392-B da CLT. Requereu que fosse realizado juízo de retratação, e, em caso negativo, a remessa dos autos ao colegiado (
).O pedido de retratação foi indeferido (
).A parte agravada juntou contrarrazões ao agravo de instrumento (
).Sobreveio decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 1.348.854, no sentido de reconhecer a possibilidade de extensão da licença maternidade ao pai genitor monoparental servidor público estatutário federal. Com fulcro neste fato novo, foi proferida decisão em pedido de reconsideração, determinando que a União, no prazo de 5 (cinco) dias corridos, restabelecesse a licença-paternidade do autor/agravado, e mantivesse o benefício até que fossem concluídos 180 dias, considerado o deferimento administrativo anterior e o período já gozado como consequência de decisão judicial(
).Após, o Ministério Público Federal juntou parecer favorável à confirmação da decisão tomada quando do pedido de retratação
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o pedido de reconsideração do agravado, proferi a seguinte decisão
:Trata-se de pedido de reconsideração das decisões anteriores (
, ) apresentado pela parte agravada com base na tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.348.854.Intimada, a UNIÃO limitou-se a fazer remissão às razões do agravo de instrumento e às decisões proferidas por este Juízo.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, destaco que não há previsão legal de "pedido de reconsideração" como instrumento recursal. Trata-se de sucedâneo recursal que apenas em hipóteses excepcionais, como erros materiais e de cálculos ou apresentação de argumentos novos (artigos 494, inciso I, e 505 do Código de Processo Civil), possibilita a alteração de decisão anterior.
No caso concreto, as decisões anteriores foram proferidas em 21-3-2022 e 23-4-2022. Da decisão mais recente extraio o seguinte trecho:
Ausência de norma
Friso tratar-se de antecipação de tutela recursal em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática em agravo de instrumento. A regra constitucional é de que nenhum benefício da seguridade social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (artigo 195, § 5º da Constituição da República).
Em que pese o Supremo Tribunal Federal já ter limitado o alcance de tal regra em casos específicos, não é possível que, monocraticamente e em juízo sumário, o magistrado o faça para casos não reconhecidos previamente pela Corte Suprema. Entendimento diverso configuraria violação do princípio da separação entre os Poderes, visto que a ampliação de benefícios previdenciários não é função do Poder Judiciário, especialmente quando exige interpretação contrária à legislação.
Nesse sentido, destaco que a decisão monocrática agravada seguiu o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6.327 quanto à data de início do benefício, pois tal julgamento é de observância obrigatória pelos tribunais (artigo 927, inciso I, do Código de Processo Civil), guarda relação com o caso - por ser o autor o único responsável pela recém-nascida após a alta hospitalar - e está de acordo com a decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 5041663-54.2021.4.04.0000, mencionado na fundamentação da decisão agravada.
Extrapolar os fundamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.327 para a hipótese de ampliação da licença-paternidade de servidor público nos casos de óbito da genitora não é possível em cognição sumária, por ser contrário às normas positivas. O mesmo raciocínio se aplica ao entendimento firmado no Recurso Extraordinário nº 778.889, o qual, embora julgado sob o regime da repercussão geral - como são todos os recursos extraordinários interpostos após a Emenda Constitucional nº 45/2004 - não é de observância obrigatória, conforme o artigo 927 do Código de Processo Civil.
Quanto à "doutrina da proteção integral" e às violações dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, entendo tratar-se de juízo político/legislativo para a efetivação de tais princípios. No caso concreto, existem leis federais que reconhecem o direito pretendido aos empregados da iniciativa privada (artigo 392-B da Consolidação das Leis do Trabalho e artigos 71-B e 71-C da Lei nº 8.213/1991), mas a situação não se repete no estatuto dos servidores públicos.
Em juízo sumário, cabe respeitar a opção legislativa pelo tratamento distinto das categorias, com instituição de regimes jurídicos diversos. Ressalto, como fiz na decisão agravada, que "(...) os servidores públicos têm a possibilidade de gozar de licença por motivo de doença em pessoa da família (artigos 81, inciso I, e 83 da Lei nº 8.112/1990) (...)", benefício não estendido aos empregados celetistas. A alegação, não comprovada documentalmente, de que o autor utilizou todo o período de férias e os sessenta dias de licença remunerada que teria direito (Evento 9, AGR_INT1, p. 23) não autoriza a ampliação de benefício previdenciário no caso concreto, pois o Regime Jurídico Único deve ser aplicado a todos os servidores federais, em respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade.
(...)
Por fim, ressalto que o juízo não é indiferente aos fatos trágicos narrados pelo autor e não ignora o sofrimento familiar e, especialmente, de três crianças, órfãs em tenra idade. Todavia, há limites legais e constitucionais à atuação do Poder Judiciário, principalmente em sede de cognição sumária, os quais entendo que, no caso concreto, impedem a antecipação da tutela recursal.
Ao analisar o pedido liminar, não constatei argumentos capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão monocrática agravada. Por essa razão, impõe-se, desde já, o indeferimento do pedido de retratação.
(...)
Ocorre que em 12-5-2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema nº 1182 da Repercussão Geral, assim delimitado:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, I, 7º, XVIII, 37, 195, § 5º, 226, § 8º, 227, § 6º e 229 da Constituição Federal, a possibilidade ou não de estender o benefício de salário maternidade pelo prazo de 180 dias, previsto no artigo 207 da Lei 8.112/1990, ao pai solteiro de crianças geradas através de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel, por analogia à Lei 12.873/2013, ante a ausência de previsão expressa na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional de regência, e da necessidade de fonte de custeio para suportar a extensão do benefício.
A Tese fixada foi a seguinte:
À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental.
O acórdão encontra-se pendente de publicação.
Friso que o caso concreto não é idêntico àquele julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Enquanto no presente trata-se de pai de criança cuja mãe biológica ficou internada após o parto e veio a óbito antes que o recém-nascido tivesse alta da Unidade de Tratamento Intensivo, no precedente transcrito a questão posta era a possibilidade de ampliação da licença-paternidade do pai solteiro de criança gerada por fertilização in vitro. Ou seja, num caso, a criança foi gerada pelos pais, mas a mãe, inicialmente incapacitada, veio a óbito; no outro, trata-se de família monoparental desde a origem.
Contudo, o precedente julgado sob o regime da Repercussão Geral assentou a possibilidade de extensão de licença-maternidade a servidor público à míngua de previsão legal. Com efeito, tanto na hipótese da fertilização in vitro, quanto na de incapacidade e posterior óbito da mãe do recém-nascido, a criança tem como responsável apenas o pai servidor público.
Na decisão anterior afirmei que não era possível, monocraticamente e em juízo sumário, estender benefícios previdenciários para casos não reconhecidos previamente pela Corte Suprema. Reitero o entendimento manifestado, mas considero que o julgamento do Tema nº 1182 da Repercussão Geral é fato novo relevante à lide, tendo o Supremo Tribunal Federal, ao ponderar os direitos em conflito, dado prevalência ao artigo 227 da Constituição, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade, e ao princípio da paternidade responsável.
Sendo assim, entendo que deve ser privilegiada a proteção integral da criança no caso concreto, o que autoriza a extensão do período da licença-maternidade de 180 dias (artigo 207 da Lei nº 8.112/1990 e artigo 2º do Decreto nº 6.690/2008) ao agravado, ora peticionante, pela incapacidade e posterior óbito da mãe da criança recém-nascida.
Ante o exposto, conheço do pedido de reconsideração em relação às decisões dos eventos 2 e 11 para determinar que a União, no prazo de 5 (cinco) dias corridos, restabeleça a licença-paternidade do autor/agravado, e mantenha o benefício até que sejam concluídos 180 dias, considerado o deferimento administrativo anterior e o período já gozado como consequência de decisão judicial.
Intime-se a União pelo meio mais expedito.
Pois bem.
Por estar devidamente fundamentada e em consonância com o decidido no Tema nº 1182 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro razões para alterar o teor da decisão.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, considerando a perda de objeto.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003400876v10 e do código CRC ea625a9e.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5011879-95.2022.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: LUIZ FELIPE ROSA DOS ANJOS
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. agravo DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. servidor público. FAMÍLIA MONOPARENTAL. extensão DA LICENÇA-PATERNIDADE. INCAPACIDADE E ÓBITO DA MÃE. licença-maternidade. termo inicial. duração. Recurso Extraordinário 1.348.854. TEMA 1182 DA REPERCUSSÃO GERAL. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. As licenças maternidade e paternidade têm a finalidade de estreitar os laços familiares, sendo essenciais ao desenvolvimento do infante diante dos cuidados diuturnos intrínsecos à vida humana em tenra idade. À luz do entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6.327, o termo inicial da licença-paternidade na hipótese de internação hospitalar do recém-nascido deve ser a data da alta hospitalar da criança.
2. A regra constitucional é de que nenhum benefício da seguridade social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (artigo 195, § 5º da Constituição da República).
3. Inexiste previsão legislativa de equiparação da licença-paternidade do servidor público do gênero masculino de família monoparental à licença-maternidade.
4. Contudo, ao apreciar o Tema nº 1.182 da Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível estender o benefício do salário maternidade pelo prazo de 180 dias previsto no artigo 207 da Lei 8.112/1990, ao pai solteiro de crianças geradas através de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel.
5. O entendimento manifestado pela Corte guarda semelhanças com a hipótese de incapacidade e posterior óbito da mãe de recém nascido, pois em ambos os casos a criança tem como responsável apenas o pai servidor público. Sendo assim, é possível, em decisão precária, deferir a extensão da licença-paternidade para 180 dias.
6. Agravo interno prejudicado e agravo de instrumento desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, considerando a perda de objeto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2022.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003401584v6 e do código CRC 20f3e602.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 26/07/2022 A 03/08/2022
Agravo de Instrumento Nº 5011879-95.2022.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: LUIZ FELIPE ROSA DOS ANJOS
ADVOGADO: THIAGO MENEZES DE SOUZA (OAB SC039132)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/07/2022, às 00:00, a 03/08/2022, às 16:00, na sequência 93, disponibilizada no DE de 15/07/2022.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO E JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO, CONSIDERANDO A PERDA DE OBJETO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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