Apelação Cível Nº 5001763-08.2015.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: IRINELSON ASSOLIN TASCHETTO (AUTOR)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido da parte autora de reconhecimento do direito à indenização por danos morais, em virtude de contato com pesticidas durante o exercício laboral. Afirmou o autor, em síntese, que sempre trabalhou no combate de insetos vetores de endemias mediante utilização de produtos químicos altamente nocivos à sua saúde sem ter recebido a devida informação sobre a potencialidade tóxica, orientação sobre os cuidados rigorosos que essa manipulação exige ou os equipamentos de proteção individual necessários. Sustentou a existência de dano moral indenizável pela simples exposição aos agentes químicos nocivos.
Em suas razões de apelação, a parte autora requereu o reconhecimento de cerceamento de defesa, posto que não foi oportunizado momento para produção das provas necessárias à formação do convencimento do magistrado, bem como a inocorrência de prescrição do período anterior aos últimos cinco anos da data do ajuizamento da ação. No mérito, reiterou que a presente demanda diz respeito ao pedido de indenização pelos danos morais sofridos em decorrência da omissão da parte demandada em fornecer ao autor os Equipamentos de Proteção Individual determinados por lei, bem como submetê-lo a controle médico ocupacional periódico, e não, portanto, decorrente de contaminação/intoxicação pelos inseticidas. Por fim, requer seja reformada a r. decisão hostilizada, para afastar a hipótese de ocorrência de prescrição quinquenal e, no mérito, o julgamento de total procedência da ação, condenando as Apeladas ao pagamento de indenização por danos morais ao Apelante, face à exposição inadequada aos inseticidas de alto grau de toxicidade sem Equipamentos de Proteção Individual adequados. Alternativamente, caso se entenda pela necessidade de produção de outras provas, requer a anulação da sentença para a devida instrução probatória com a produção de todas as provas em direito admitidas, tendo em vista o cerceamento de defesa.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do cerceamento de defesa
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, é de ser afastada a preliminar de cerceamento de defesa.
Do mérito
O pleito indenizatório está fundado na alegação de que, no desempenho de atividades laborais em campanhas de combate a endemias junto à Fundação Nacional de Saúde, o autor manteve contato com substâncias potencialmente danosas à saúde, em especial, organoclorados (DDT e seus compostos DDD e DDE, bem como o BHC, Aldrin, Dieldrin, Endrin Aldeído, Endrin Cetona, Heptacloro, Heptacloro epóxido, Endosulfan-1 e Endosulfan-2) e organofosforados (Temefós/Abate e Malathion), sem treinamento e uso de equipamentos de proteção individual adequados, o que lhe causou danos morais, a serem reparados, porquanto evidenciada a omissão do empregador quanto ao cumprimento dos deveres legais de proteção do trabalhador.
Não obstante, para o reconhecimento do dever de indenizar, é necessária a existência de nexo de causalidade entre o exercício de atividades laborais em contato com produtos tóxicos e um dano efetivo à saúde. O mero risco de potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para embasar a pretensão reparatória, porque é indispensável a comprovação de efetiva violação da integridade física do trabalhador, por contaminação ou intoxicação com as substâncias químicas por ele utilizadas (art. 186, 187 e 927 do Código Civil e art. 37, § 6º, da Constituição Federal), o que inocorreu no caso concreto.
Como bem ressaltado pelo juízo a quo:
(...)
Efetivamente, é consabido que as consequências de eventual exposição do ser humano a fatores externos prejudiciais à saúde são imprevisíveis, conforme alegado pela própria parte autora na petição inicial. O organismo humano reage das formas mais variadas à exposição a agentes insalubres, assim como a tratamentos medicamentosos. Logo, assim como o autor pode vir a desenvolver alguma doença em função da alegada exposição aos pesticidas, pode ocorrer de jamais eclodir patologia alguma.
Nesse contexto, entendo que a mera comprovação de submissão aos pesticidas no exercício da atividade laboral não é apta para a comprovação do dano moral.
O autor alega que, em razão da exposição aos pesticidas, sofre de problemas de saúde como alergias e hipertensão, submetendo-se a tratamento médico, mediante o uso contínuo de medicações. Entretanto, não há nos autos quaisquer elementos de prova nesse sentido, tais como exames médicos, receituários ou atestados que pudessem comprovar as alegadas doenças enfrentadas pelo autor.
Importante salientar que o laudo médico anexado no evento 1 (OUT11) se refere a terceiro estranho à lide, sem qualquer ligação ao autor a não ser o exercício de funções análogas junto aos réus. No entanto, tratando-se de direito da personalidade, a análise há que ser feita caso a caso, não sendo adequada a utilização de prova emprestada no presente processo.
Por outro lado, a inicial defende que a exposição prolongada e sem proteção a inseticidas organoclorados e organofosforados está relacionada ao surgimento de várias doenças graves, tais como câncer, doenças de Parkinson e Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica e depressão, entre outras. Entretanto, não há qualquer indício nos autos de que o autor seja portador de alguma dessas graves doenças.
É bem verdade que o pedido está alicerçado também no fato de que a omissão no fornecimento de equipamento de proteção individual enseja o reconhecimento de indenização a título de danos morais. Todavia, é imprescindível a prova do dano, não sendo suficiente eventual comportamento ilícito por parte da Administração.
Tão-somente o risco da potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para respaldar a pretensão indenizatória, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu, por não ter o autor se desincumbido do ônus probatório que lhe competia. Não se está, ademais, diante do instituto do dano moral in re ipsa.
De fato, a mera possibilidade de o autor adquirir uma patologia futura não caracteriza violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde.
Com efeito, não há, na inicial, a afirmação de que a parte autora encontra-se acometida de moléstia relacionada diretamente ao contato com inseticidas (tanto que ela própria admite não ser possível indicar quais danos à sua saúde poderão surgir, por serem imprevisíveis as consequências de uma exposição crônica do organismo humano a inseticidas), o que afasta a possibilidade de condenação das rés pelo mero temor de um eventual prejuízo no futuro. Cabe à parte autora comprovar suas alegações, ônus do qual não se desincumbiu.
Há precedentes deste Tribunal e do STJ destacando que o mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar pretensões indenizatórias como a dos autos, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação, verbis:
AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. ALEGADO CONTATO COM PESTICIDAS. DANO MORAL. INCORRENCIA. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu. Precedentes. Não há qualquer indício de que os problemas de saúde que acometem a parte autora advenham da sua atividade laboral, muito menos, de condições laborais impróprias, em desacordo com as normas de segurança do trabalho. São doenças multifatoriais, não havendo elemento probatório mínimo no sentido de que teriam como causa preponderante a exposição a agrotóxicos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002691-08.2015.404.7119, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/12/2016).
PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. INTOXICAÇÃO POR AGROTÓXICO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. O autor deve expor na petição inicial os fundamentos de fato e de direito do seu pedido. Afirmações genéricas de situação geral de agentes da FUNASA, sem indicação do fato concreto experimentado pelo autor, e sem, também, fundamentação jurídica lastreando alegações e pedido, a petição inicial não preenche os requisitos legais. (TRF4, AC 5003191-11.2014.404.7119, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 20/08/2015).
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINARIA VISANDO O RESSARCIMENTO DE PREJUIZOS. INEXISTENCIA DA COMPROVAÇÃO EFETIVA DO DANO. IMPROCEDENCIA. PARA VIABILIZAR A PROCEDENCIA DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE PREJUIZOS, A PROVA DA EXISTENCIA DO DANO EFETIVAMENTE CONFIGURADO E PRESSUPOSTO ESSENCIAL E INDISPENSAVEL. AINDA MESMO QUE SE COMPROVE A VIOLAÇÃO DE UM DEVER JURIDICO, E QUE TENHA EXISTIDO CULPA OU DOLO POR PARTE DO INFRATOR, NENHUMA INDENIZAÇÃO SERA DEVIDA, DESDE QUE, DELA, NÃO TENHA DECORRIDO PREJUIZO. A SATISFAÇÃO, PELA VIA JUDICIAL, DE PREJUIZO INEXISTENTE, IMPLICARIA, EM RELAÇÃO A PARTE ADVERSA, EM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. O PRESSUPOSTO DA REPARAÇÃO CIVIL ESTA, NÃO SO NA CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA "CONTRA JUS", MAS, TAMBEM, NA PROVA EFETIVADOS ONUS, JA QUE SE NÃO REPÕE DANO HIPOTETICO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS. (STJ, REsp 20386 / RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 27/06/1994).
Logo, é ser confirmada a sentença monocrática.
Quanto aos honorários advocatícios, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, esta fica majorada em 1%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015. Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores em relação à parte autora, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.
Por derradeiro, em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5001763-08.2015.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: IRINELSON ASSOLIN TASCHETTO (AUTOR)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO MORAL. cerceamento de defesa. inocorrência. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO-CONFIGURADO.
- De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório
- Para o reconhecimento do dever de indenizar, é necessária a existência de nexo de causalidade entre o exercício de atividades laborais em contato com produtos tóxicos e um dano à saúde. O mero risco de potencialidade nociva de pesticidas não é suficiente para embasar a pretensão reparatória, porquanto indispensável a comprovação de efetiva violação da integridade física do trabalhador, por contaminação ou intoxicação com as substâncias químicas por ele utilizadas (art. 186, 187 e 927 do Código Civil e art. 37, § 6º, da Constituição Federal), o que inocorreu no caso concreto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001373420v3 e do código CRC bfc2a0de.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 30/10/2019
Apelação Cível Nº 5001763-08.2015.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: IRINELSON ASSOLIN TASCHETTO (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 30/10/2019, às , na sequência 62, disponibilizada no DE de 07/10/2019.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Juiz Federal MARCOS JOSEGREI DA SILVA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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