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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO...

Data da publicação: 22/08/2020, 07:00:57

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. - Tratando-se de direito à indenização por eventuais danos de ordem material ou moral, este prescreve em cinco anos, a contar de sua violação, conforme previsto no Decreto nº 20.910/32, o qual dispõe sobre as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios. - Decorrido prazo superior a cinco anos entre a data em que o autor deixou de laborar em contato com agentes químicos e o ajuizamento da ação, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão da parte autora. - Na hipótese, o autor é servidor da FUNASA que trabalhava no combate a endemias, utilizando inseticidas. Termo inicial da prescrição na data em que foi desligado daquelas atividades. (TRF4, AC 5003907-94.2016.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 14/08/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003907-94.2016.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ADAO FILEMON PUREZA PINHEIRO (Sucessão) (AUTOR)

APELANTE: VENINA JERONIMO DA SILVA PINHEIRO (Sucessor)

APELANTE: DEBORA JERONIMO PINHEIRO (Sucessor)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença que reconheceu a prescrição de fundo de direito, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC, rejeitando também a pretensão da parte autora de reconhecimento do direito à indenização por danos morais, em virtude de contato com pesticidas durante o exercício laboral na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, órgão vinculado ao Ministério da Saúde até o ano de 1990, quando foi criada a Fundação Nacional da Saúde, passando então a integrar os quadros da última. Assim permaneceu até 2015 exercendo a função de Agente de Saúde Pública. Afirmou o autor, em síntese, que sempre trabalhou no combate de endemias junto a áreas rurais, por meio da borrigação de pesticidas organoclorados, organofosforados e piretróides, sem ter recebido a devida informação sobre a potencialidade tóxica, orientação sobre os cuidados rigorosos que essa manipulação exige ou os equipamentos de proteção individual necessários.

Em suas razões de apelação, a parte autora requereu o reconhecimento de cerceamento de defesa, posto que não foi oportunizado momento para produção das provas necessárias à comprovação de seu direito, tendo em vista a concessão de prazo insuficiente para a realização do exame de detecção de resíduos de inseticidas, bem como sua realização pela benesse da AGJ. Dessa forma, em preliminar, requer a anulação da r. sentença de primeiro grau, para que sejam produzidas as provas necessárias ao deslinde do feito. Aduz, ainda, a inocorrência da prescrição no caso dos autos, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que em se tratando de pretensão de reparação de danos morais e/ou materiais dirigidas contra a Fazenda Pública, o termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto 20.910/1932) é a data em que a vítima teve conhecimento do dano em toda a sua extensão. No mais, reiterou que a presente demanda diz respeito ao pedido de indenização pelos danos morais sofridos em decorrência da omissão da parte demandada em fornecer ao autor os Equipamentos de Proteção Individual determinados por lei, bem como submetê-lo a controle médico ocupacional periódico, e não, portanto, decorrente de contaminação/intoxicação pelos inseticidas. Por fim, pugna pelo conhecimento e provimento do presente recurso, a fim de que seja afastada a prescrição decretada, bem como para que seja reformada a r. decisão hostilizada, para julgar totalmente procedente a ação, condenando as Apeladas ao pagamento de indenização por danos morais ao Apelante, face à exposição inadequada aos inseticidas de alto grau de toxicidade sem Equipamentos de Proteção Individual adequados. Alternativamente, caso esta Colenda Turma entenda pela necessidade de produção de outras provas, requer-se a anulação da sentença para a devida instrução probatória com a produção de todas as provas em direito admitidas, tendo em vista o cerceamento de defesa

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Do cerceamento de defesa

De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.

5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)

Desta feita, é de ser afastada a preliminar de cerceamento de defesa.

Do mérito

A controvérsia a ser solvida cinge-se à possibilidade de condenação da FUNASA e do Estado do Rio Grande do Sul à indenização por danos morais sofridos pela parte autora em razão de serviços prestados sob condições insalubres em face de utilização de inseticidas.

A matéria guarda regulação no Decreto nº 20.910/32, o qual estabelece o lapso quinquenal prescricional, fluindo entre a data do fato lesivo e a propositura da presente demanda. Esse é o entendimento pacificado no STJ:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO QUINQUENAL DO DEC. N. 20.910/1932. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).

Aplica-se o prazo prescricional quinquenal - previsto no art. 1º do Dec. n. 20.910/1932 - às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, e não o prazo prescricional trienal - previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002.

O art. 1º do Dec. n. 20.910/1932 estabelece que 'as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem'.

Por sua vez, o art. 206, § 3º, V, do CC/2002 dispõe que prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Ocorre que, no que tange às pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, deve-se aplicar o prazo prescricional do Dec. n. 20.910/1932 por ser norma especial em relação ao CC, não revogada por ele.

Nesse aspecto, vale ressaltar que os dispositivos do CC/2002, por regularem questões de natureza eminentemente de direito privado, nas ocasiões em que abordam temas de direito público, são expressos ao afirmarem a aplicação do Código às pessoas jurídicas de direito público, aos bens públicos e à Fazenda Pública. No caso do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, em nenhum momento foi indicada a sua aplicação à Fazenda Pública. Certamente, não há falar em eventual omissão legislativa, pois o art. 178, § 10, V, do CC/1916 estabelecia o prazo prescricional de cinco anos para as ações contra a Fazenda Pública, o que não foi repetido no atual código, tampouco foi substituído por outra norma infraconstitucional.

Por outro lado, o art. 10 do referido decreto trouxe hipótese em que o prazo quinquenal não seria aplicável, qual seja, a existência de prazos prescricionais reduzidos constantes de leis e regulamentos já em vigor quando de sua edição. Esse dispositivo deve ser interpretado pelos critérios histórico e hermenêutico e, por isso mesmo, não fundamenta a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública teria sido reduzido pelo CC/2002.

Ademais, vale consignar que o prazo quinquenal foi reafirmado no art. 2º do Dec.-lei n. 4.597/1942 e no art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, incluído pela MP n. 2.180-35, de 2001. Precedentes citados: AgRg no AREsp 69.696-SE, DJe 21/8/2012, e AgRg nos EREsp 1.200.764-AC, DJe 6/6/2012.

(REsp 1.251.993-PR, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, julgado em 12/12/12 - Informativo nº 0512).

Registre-se que a prescrição atinge o fundo do direito de ação, ou seja, o próprio direito de indenização. Transcrevo a sentença, proferida pelo Juiz Federal Everson Guimarães Silva, que bem analisou os fatos e o direito aplicado, tomando como fundamentos as razões expostas:

Da prescrição

Tratando-se de obrigação fundada na responsabilidade civil da Fazenda Pública, incluindo no conceito autarquia, o prazo de prescrição a ser observado o Decreto 20.910/32.

O referido instrumento normativo, dispõe que o prazo prescricional para todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal e autarquia seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originou.

No caso dos autos, o autor postulou indenização a título de danos morais referente ao período compreendido entre os anos de 1979 e 2010 (evento 12), período quem que trabalhou como agente de saúde junto a FUNASA e ao qual estaria exposto a incidência dos fatores que poderiam ocasionar os danos que fundamentam o presente pedido de indenização.

Nessa senda, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão autoral, já que decorrido lapso temporal superior a cinco anos entre a incidência dos fatores que poderiam ocasionar os danos morais e o ajuizamento da presente demanda, em 20/05/2016, atingindo o fundo de direito.

Ainda, não é crível que o autor, que durante tantos anos desempenhou a função, não tivesse conhecimento dos malefícios da exposição aos inseticidas, razão pela qual não subsiste a alegação de aplicação da teoria da actio nata.

Nesse sentido:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. DECRETO 20.910/32. É de cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem, o prazo prescricional da ação de indenização contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição de 'todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza'. Hipótese em que a prescrição atinge o próprio fundo de direito, pois decorridos mais de cinco anos entre a data de morte do filho da autora e a propositura da presente ação. (TRF4, AC 5000578-75.2010.404.7210, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 29/03/2012)(grifei)

AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. ALEGADO CONTATO COM PESTICIDAS. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. DECRETO 20.910/32. É de cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem, o prazo prescricional da ação de indenização contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição de 'todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza'. Hipótese em que a prescrição atinge o próprio fundo de direito, pois decorridos mais de cinco anos entre a data da aposentadoria do autor e a propositura da presente ação. (TRF4, AC 5013461-24.2014.404.7110, TERCEIRA TURMA, Relatora p/ Acórdão MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 19/02/2016)

Do mérito propriamente dito

Todavia, tendo em vista que é possível ponderar que, mesmo após a cessação da exposição a tais agentes químicos, persistiu o abalo moral do demandante, passo a analisar também a questão de fundo, de modo a evitar eventual devolução dos autos à primeira instância para sua análise.

Trata-se de ação na qual o autor pretende a reparação por danos morais, em razão de ter sido submetido, no exercício da função de Agente de Saúde Pública, ao contato com pesticidas organoclorados, organofosforados e piretróides, sem o adequado Equipamento de Proteção Individual

A Constituição Federal disciplinou a responsabilidade civil do Estado no § 6.º do seu art. 37, de seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Como se sabe, a ordem jurídica brasileira acolheu, para fundamentar a responsabilidade objetiva do Estado, a teoria do risco administrativo, de modo que, para sua responsabilização, somente precisa ficar comprovado o nexo causal entre a conduta estatal e o resultado lesivo ao ofendido. Por outro lado, se o Estado, por seus agentes, não deu causa ao dano, se não há relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não se aplica a teoria do risco administrativo e, em consequência, não há responsabilizar o Poder Público.

Alega a parte requerida que inexistiria o dever de indenizar em relação a fatos ocorridos na relação de trabalho entre a FUNASA e o servidor.

Ora, ainda que seja discutível se tal relação rege-se ou não pelo art. 37, § 6º, da CF/88, na medida em que a norma fala em danos causados a terceiros, não parece admissível reconhecer-se que o estado não poderia ser responsabilizado por danos causados a seus servidores. A solução preconizada pela defesa vai de encontro ao princípio vigente em nosso ordenamento jurídico, que é o de responsabilizar-se civilmente todo aquele que causa dano, além de retroceder, ainda que parcialmente, à vetusta e ultrapassada teoria da irresponsabilidade estatal (the King can do no wrong).

Tenho que quando a norma constitucional fala em terceiro, não teve a intenção de excluir o próprio servidor que sofre danos por ação ou omissão estatal, mesmo porque, em tais hipóteses, o dano não decorre natural e diretamente da relação laborativa mantida entre servidor e estado, mas sim por violações ou infrações que vão além da dessa relação. Para todos efeitos, portanto, o servidor, nesse contexto, é um terceiro em relação ao estado, que também está a sofrer danos em função da ação/omissão de agentes estatais, não havendo porque submetê-lo a um regime diferenciado do administrado.

De qualquer modo, importante ressaltar que toda a fundamentação desenvolvida pela parte autora aponta que o estado teria dado causa a dano moral por ter-se omitido de adotar providências que eram dele esperadas, seja informando adequadamente seus servidores quanto aos riscos pela exposição a pesticidas, seja fornecendo equipamentos de proteção adequados. Portanto, a responsabilidade das rés somente será desencadeada em se demonstrando a existência de culpa, tornando-se indiferente, no caso concreto, a discussão sobre a natureza - objetiva ou subjetiva - da responsabilidade estatal no caso concreto.

Assim, em resumo, entendo que, no caso concreto, a procedência da demanda pressupõe que a parte autora demonstre a ocorrência do ato ilícito, dos danos morais por ela suportados, além do nexo causal entre eles.

Da análise dos autos, contudo, não se verifica a existência de dano moral indenizável, fato que, por si só, justifica a improcedência do pleito.

Registre-se que o autor discorreu sobre o potencial danoso dos pesticidas utilizados durante seu labor, bem como sobre a possibilidade de danos futuros à sua saúde

Ora, os riscos potenciais inerentes à exposição a agentes nocivos, dissociados de um dano efetivo à saúde do servidor, não caraterizam, a meu ver, abalo suficiente à esfera psíquica, de modo a justificar a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.

A reparação pelo dano moral pressupõe a efetiva violação a bens imateriais do indivíduo que, por sua importância, merecem a tutela jurídica do estado. Tais bens relacionam-se fundamentalmente à integridade física do indivíduo, à sua integridade moral stricto sensu, ou ainda à sua integridade psíquica. Sempre que algum desses aspectos é violado de forma relevante exsurge para aquele que deu causa à violação o dever de reparar o dano causado. São exemplos de violações ao patrimônio imaterial do indivíduo que geram o dever de indenizar a causação de lesão física, de dano estético, de doença, a ofensa à honra ou à imagem, assim como a violação da integridade psíquica do indivíduo que se reflete em sentimentos como dor psicológica ou física, sofrimento, humilhação, vergonha, angústia, entre outras.

Em todo e qualquer caso, todavia, o dano deve revestir-se de certa gravidade para justificar sua indenização. Nem toda lesão, dano estético ou doença deve ser indenizada, da mesma forma que não é qualquer incômodo ou dissabor que justifica o dever de reparação. O dano ao patrimônio imaterial deve revestir-se de certa gravidade para caracterizar e justificar o dever de indenizar, não sendo a intenção do sistema jurídico assegurar que todo e qualquer incômodo de ordem psíquica, física ou moral stricto sensu seja compensado, mas apenas aqueles que fogem à normalidade, sendo, por isso mesmo, aptos a causar o distúrbio da vida em sociedade.

No caso concreto, como visto, a parte autora na própria inicial afirma que não há como saber quais danos à sua saúde poderão surgir no futuro. Assim, justifica o direito de ser indenizada em face não apenas dos prejuízos presentes, mas também dos danos futuros.

No entanto, a mera possibilidade de adquirir uma patologia futura não caracteriza, a meu ver, violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde da parte autora. Além disso, quanto à existência de sentimentos de temor e angústia relacionados ao risco de adquirir doença futuramente, diga-se que, independentemente da adoção ou não, pela requerida, de todas as precauções cabíveis, sempre existiram. Não por outro motivo os agentes de saúde em regra recebem adicional de insalubridade. É de seu conhecimento que a exposição a alguns dos produtos químicos utilizados é de fato prejudicial à saúde, podendo dar causa ao desenvolvimento de doenças.

Nesse mesmo sentido, pode ser mencionado o seguinte precedente do TRF/4ª, originado de caso análogo ao presente:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. COMBATE ENDEMIAS.O pedido está alicerçado basicamente na omissão no fornecimento de equipamento de proteção individual enseja o reconhecimento de indenização a título de danos morais. Ora, é necessário haver nexo entre as alegadas moléstias da parte demandante (alergias e transtorno de humor/depressão - evento 01, outros 5, fls. 05/06) e o exercício das atividades laborativas com o uso de substâncias tóxicas. O mero risco da potencialidade nociva de pesticidas não são suficientes para embasar tal pretensão, sendo necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu. (TRF4, AC 5007341-50.2014.404.7114, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 20/05/2016) (grifei)

Assim, decorrido prazo superior a cinco anos entre a data em que o autor deixou de laborar em contato com agentes químicos e o ajuizamento da ação, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão.

Logo, guardando o entendimento do juízo de plena consonância com as orientações da Corte Superior, considero que nada há a prover na esfera recursal, nem mesmo em relação à indenização por dano moral.

A propósito, o seguinte precedente da 3ª Turma desta Casa:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. ALEGADO CONTATO COM PESTICIDAS. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. DECRETO 20.910/32. É de cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem, o prazo prescricional da ação de indenização contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição de 'todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza'. Hipótese em que a prescrição atinge o próprio fundo de direito, pois decorridos mais de cinco anos entre a data da aposentadoria do autor e a propositura da presente ação. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013461-24.2014.404.7110, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/02/2016)

Por fim, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 1%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015.

Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores em relação à parte autora, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.

Por derradeiro, em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001918363v9 e do código CRC 497ed370.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
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5003907-94.2016.4.04.7110
40001918363.V9


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003907-94.2016.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ADAO FILEMON PUREZA PINHEIRO (Sucessão) (AUTOR)

APELANTE: VENINA JERONIMO DA SILVA PINHEIRO (Sucessor)

APELANTE: DEBORA JERONIMO PINHEIRO (Sucessor)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. ATIVIDADE LABORAL EM CONTATO COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NOCIVAS À SAÚDE. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.

- Tratando-se de direito à indenização por eventuais danos de ordem material ou moral, este prescreve em cinco anos, a contar de sua violação, conforme previsto no Decreto nº 20.910/32, o qual dispõe sobre as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios.

- Decorrido prazo superior a cinco anos entre a data em que o autor deixou de laborar em contato com agentes químicos e o ajuizamento da ação, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão da parte autora.

- Na hipótese, o autor é servidor da FUNASA que trabalhava no combate a endemias, utilizando inseticidas. Termo inicial da prescrição na data em que foi desligado daquelas atividades.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de agosto de 2020.



Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001918364v4 e do código CRC 1c24c34a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 14/8/2020, às 9:27:11


5003907-94.2016.4.04.7110
40001918364 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 22/08/2020 04:00:56.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 12/08/2020

Apelação Cível Nº 5003907-94.2016.4.04.7110/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

APELANTE: ADAO FILEMON PUREZA PINHEIRO (Sucessão) (AUTOR)

ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)

APELANTE: VENINA JERONIMO DA SILVA PINHEIRO (Sucessor)

ADVOGADO: BRENNER PEREIRA FERRAO (OAB RS079817)

ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)

APELANTE: DEBORA JERONIMO PINHEIRO (Sucessor)

ADVOGADO: BRENNER PEREIRA FERRAO (OAB RS079817)

ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA (OAB PR023493)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 12/08/2020, na sequência 134, disponibilizada no DE de 30/07/2020.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 22/08/2020 04:00:56.

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