Apelação Cível Nº 5058696-05.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)
APELADO: DANIELA BENITES ROSITO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: Gregor d' Avila Coelho (OAB RS074205)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: LORIVAN DA SILVA BASTARRICA (OAB RS114036)
APELADO: Diretor - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS - Porto Alegre (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por servidora pública federal, ocupante do cargo de Odontóloga, em face de ato atribuído ao Diretor da Divisão de Análise Funcional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, objetivando a concessão da segurança para a anulação do ato que deduziu 167 dias referentes a licenças para tratamento de saúde dos 9.037 apurados no processo administrativo de aposentadoria especial.
Sobreveio sentença que concedeu a segurança, com o seguinte dispositivo (evento 20, origem):
Ante o exposto, concedo a segurança, para determinar que a autoridade impetrada considere o período correspondente a licença para tratamento de saúde usufruída pela impetrante como tempo de seviço especial. Resolvo o processo no mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula 512 do STF e art. 25 da Lei nº 12.016/09.
Demanda isenta de custas, por ser a impetrada isenta, nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96, devendo ser ressarcidas as adiantadas pela parte impetrante.
Sem remessa necessária nos termos do art. 496, §4º, III, do CPC.
(...)
Apelou a UFRGS (evento 31, origem), sustentando a inexistência de amparo legal para o pleito da impetrante. Defendeu que o art. 22 da Orientação Normativa nº 16/2013 apenas admite o cômputo como período especial de afastamento por motivo de acidente, doença profissional ou doença do trabalho, não contemplando a hipótese de afastamento para tratamento da saúde por enfermidades não relacionadas a tais motivos. Arguiu que, embora o Regime Jurídico Único, em seu art. 102, conte como tempo de serviço público, e também para efeito de aposentadoria e disponibilidade, a licença para tratamento da própria saúde, não prevê a inclusão deste período para o fim de obtenção de aposentadoria especial. Alegou que os artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 exigem, para a concessão de aposentadoria especial, o efetivo trabalho sujeito a condições prejudiciais à saúde ou a integridade física, não se admitindo a contagem ficta deste tempo, mormente em se tratando de servidor público. Pugnou pela reforma da sentença.
Com contrarrazões (evento 38, origem), vieram os autos a esta Corte.
Intimado, o MPF absteve-se de emitir opinião sobre o mérito da demanda, manifestando-se apenas pelo regular prosseguimento do feito (evento 04).
É o relatório
VOTO
O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei n. 12.016/2009.
O direito líquido e certo, por seu turno, é aquele que pode ser comprovado de plano, desafiando prova pré-constituída, já que o mandado de segurança não comporta dilação probatória.
No caso dos autos, narra a impetrante que, em 10/12/1993, ingressou no serviço público federal perante a UFRGS, no cargo de "Odontólogo", exercendo desde a sua posse até o presente momento as atividades funcionais em condições insalubres. Assim, com base no art. 40, § 4º, III, da CF/88 e na Súmula Vinculante nº 33, requereu administrativamente a contagem de tempo de contribuição e projeção da data provável de aposentadoria especial. Em 06/09/2018, sobreveio análise da Divisão de Segurança e Medicina do Trabalho da UFRGS reconhecendo a ocorrência de exposição a agentes nocivos durante todo o seu período funcional, na forma da ON 16/2013. Contudo, ao ser encaminhado o processo à Divisão de Análise Funcional, houve o desconto de 167 dias referentes a licenças para tratamento de saúde - nos anos de 2005 (28 dias), 2006 (41 dias), 2017 (08 dias) e 2018 (90 dias) - do tempo total de contribuição especial líquido de 9.037 dias, circunstância que a impediu de usufruir seu direito à aposentadoria especial.
A Juíza Federal Ingrid Schroder Sliwka, assim analisou a controvérsia (evento 20 - SENT1):
(...)
Nos termos do art. 186, §2º, da Lei nº 8.112/90, a aposentadoria para o servidor em exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, observará o disposto em lei específica:
Art. 186. O servidor será aposentado:
(...)
§ 2o Nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, "a" e "c", observará o disposto em lei específica.
Nos termos da Súmula Vinculante nº 33 do STF:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
E o regramento aplicado foi o da Lei nº 8.213/91, conforme Orientação Normativa nº 16, de 23/12/2013, cujo objetivo foi o seguinte:
Esta Orientação Normativa estabelece orientações aos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) quanto aos procedimentos administrativos necessários à instrução e à análise dos processos que visam ao reconhecimento do direito à aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, aplicável por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção. (Redação dada pela Orientação Normativa nº 5, de 22 de julho de 2014)
Nos termos do art. 22, II, da referida Orientação Normativa, há restrição ao cômputo de licença para tratamento de saúde que não tenha nexo laboral
Art. 22. Para os fins de que trata esta Orientação Normativa serão consideradas como tempo de serviço especial para o servidor em efetivo exercício de atividade comprovadamente especial, as seguintes ocorrências: I - períodos de descanso determinados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou pelo regime jurídico vigente à data da ocorrência, inclusive férias; II - licença ou afastamento por motivo de acidente, doença profissional ou doença do trabalho; III - aposentadoria por invalidez acidentária; IV - licença à gestante ou maternidade, à adotante e à paternidade; e V - ausência por motivo de doação de sangue, alistamento como eleitor, participação em júri, casamento e falecimento de pessoa da família.
Ocorre que tal restrição foi afastada pelo TRF no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, com a seguinte ementa:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 8. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento. (TRF4 5017896-60.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 26/10/2017)
Assim, o referido entendimento se aplica à espécie dos autos, nos termos do art. 985, I, do CPC:
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
De rigor, pois, a concessão da segurança.
(...)
As argumentações expendidas pela UFRGS, em seu recurso de apelação, são insuficientes para afastar os fundamentos sentenciais, os quais adoto como razões de decidir.
No julgamento do citado IRDR, a Terceira Seção deste Regional afastou a restrição estabelecida no parágrafo único do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) - qual seja a contagem como tempo de serviço especial dos períodos de afastamento decorrentes de auxílio-doença apenas quando de caráter acidentário -, entendendo que referida contagem deve abranger também os intervalos de gozo de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da enfermidade com a atividade profissional do segurado.
Tal raciocício se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço, na qual a restrição infralegal é feita pelo art. 22 da Orientação Normativa nº 16/2013 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por se tratar de tempo especial de servidor público federal.
Cumpre salientar que o tempo de serviço especial não considerado corresponde a períodos nos quais a Administração concedeu à servidora licenças para tratamento da própria saúde (evento 1 - PROCADM5, fls. 6-10; evento 13 - INF_MSEG1).
Com efeito, outras espécies de licenças e afastamentos, tais como a licença para tratamento de saúde de pessoa da família, afastamento para participação em programa de treinamento, em pós-graduação e para capacitação, por exemplo, não se encontram albergados pelo entendimento acima referido, sendo indevido computar-se o intervalo de seu gozo como tempo de serviço especial.
Portanto, na linha do que restou decidido no prefalado IRDR, os períodos de licença usufruídos pela servidora para fins de tratamento da própria saúde devem ser computados como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público.
Destarte, nego provimento ao recurso de apelação da impetrada.
Encargos Processuais
Custas, na forma da Lei.
Sem honorários face ao conteúdo das Súmulas 105 do STJ e 512 do STF, consolidado com sua positivação no ordenamento jurídico pátrio pelo art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Ressalta-se ainda, nesse sentido, ser descabida a fixação de honorários recursais, no âmbito do Mandado de Segurança, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC/15, na medida em que tal dispositivo não incide nas hipóteses em que o pagamento da verba, na ação originária, não é devido por ausência de previsão legal, raciocínio já exarado pelo STJ1 e pelo STF2.
Dispositivo
ANTE O EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso de apelação da impetrada.
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Apelação Cível Nº 5058696-05.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)
APELADO: DANIELA BENITES ROSITO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: Gregor d' Avila Coelho (OAB RS074205)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: LORIVAN DA SILVA BASTARRICA (OAB RS114036)
APELADO: Diretor - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS - Porto Alegre (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE POR ENFERMIDADE NÃO CLASSIFICADA COMO DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. IRDR (TEMA 8). POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Na linha do que restou decidido no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional - cujo raciocício se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço -, os períodos de licença usufruídos pela servidora para fins de tratamento da própria saúde devem ser computados como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público.
2. Caso em que mantida a sentença de procedência, porquanto a impetrante possui direito líquido e certo ao cômputo como tempo de serviço especial dos períodos nos quais esteve afastada em gozo de licença para tratamento da própria saúde.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da impetrada, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de julho de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 30/07/2019
Apelação Cível Nº 5058696-05.2018.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
SUSTENTAÇÃO ORAL: GIOVANI BORTOLINI por DANIELA BENITES ROSITO
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (INTERESSADO)
APELADO: Diretor - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS - Porto Alegre (IMPETRADO)
APELADO: DANIELA BENITES ROSITO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: Gregor d' Avila Coelho (OAB RS074205)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: LORIVAN DA SILVA BASTARRICA (OAB RS114036)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 30/07/2019, na sequência 238, disponibilizada no DE de 01/07/2019.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA IMPETRADA. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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