Apelação Cível Nº 5004774-38.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (RÉU)
APELADO: CINTIA MARIA LOVATO FLORES (AUTOR)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: GREGOR DAVILA COELHO (OAB RS074205)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação oposta pela UFSM contra sentença que rejeitou a prejudicial de prescrição e, no mérito, julgou procedente o pedido, para (a) reconhecer os períodos de afastamento para tratamento de saúde própria como tempo de serviço em condições especiais; (b) determinar que a UFSM proceda à revisão e retificação do tempo de serviço trabalhado em atividade especial, para fins de aposentadoria especial e abono de permanência; (c) condenar a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$ 3.000,00, na forma do art. 85, §8º, do CPC, bem como ao ressarcimento das custas adiantadas pela parte autora.
Em suas razões recursais (evento 22, origem), sustenta a UFSM a inexistência de amparo legal para o pleito da demandante, considerando que a Orientação Normativa nº 16 da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SEGEP/MPOG (com Redação dada pela Orientação Normativa nº 5, de 22/07/2014) não mais prevê a licença tratamento da própria saúde como passível de ser considerado como tempo de serviço especial. Aduz que os atos da Administração Pública são vinculados ao princípio da legalidade, consagrado pela Constituição Federal (art. 5º, inciso II). Pugna pela reforma da sentença, a fim de que seja julgado improcedente o pedido.
Com contrarrazões (evento 25, origem), vieram os autos a esta Corte por remessa eletrônica.
É o relatório
VOTO
O Juiz Federal Substituto Rafael Tadeu Rocha da Silva assim analisou a controvérsia (evento 17 - SENT1):
(...)
Trata-se de demanda em que o autor, servidor público federal, postula o reconhecimento dos períodos de afastamento por motivo de tratamento de saúde própria, entre 2003 e 2020, como de efetivo exercício laboral especial. Requer, ainda, a determinação para revisão e retificação do tempo de serviço trabalhado em atividade especial para fins de aposentadoria especial.
Quanto à concessão de aposentadoria especial para os servidores públicos, o inciso III do §4º do art. 40 da Constituição Federal de 1988 estabelece que não haverá aposentadoria especial até o advento de legislação complementar que a regulamente.
Ao seu turno, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, no art. 186, §2º, assegura que nos casos de exercício de atividades consideradas nocivas à saúde, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, 'a' e 'c', observará o disposto em lei específica.
Em que pese tais previsões, ainda não foi editada lei complementar regulando a concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos. Em razão disso, foi editada a Súmula Vinculante n. 33 do Supremo Tribunal Federal, a qual prevê que "aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica".
A aposentadoria especial do Regime Geral da Previdência Social está disciplinada no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, nos seguintes termos:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
O Decreto n° 3.048/91, que regulamenta a lei previdenciária, assim dispõe em seu art. 65:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
No caso em apreço, a autora insurge-se contra o não cômputo como atividade exercida em condições especiais os períodos em que esteve afastado para tratamento da saúde.
Conforme entendimento já firmado nas Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, a licença saúde do servidor público, para os fins requeridos nestes autos, equipara-se ao auxílio-doença do Regime Geral, uma vez que em ambos os casos o afastamento do trabalho foi em decorrência de enfermidades que impossibilitaram o exercício do labor. Nesse sentido, o julgamento n° 5007948-31.2016.4.04.7102/RS, Quinta Turma, Relator Andrei Pitten Velloso, julgado em 30/03/2017.
Diante disso, forçoso reconhecer como especial o período em que a autora esteve afastado para tratamento de sua saúde e restou exposto, no período imediatamente anterior, a agentes nocivos/insalubres.
Assim, o pedido deve ser julgado procedente para reconhecer o direito da parte autora a contabilização do tempo de serviço em condições especiais dos períodos de afastamento para tratamento da saúde, devendo a parte ré proceder à revisão e retificação do tempo de serviço trabalhado em atividade especial, para fins de aposentadoria especial ou pagamento de abono de permanência.
(...)
As argumentações expendidas pela UFSM, em seu recurso de apelação, são insuficientes para afastar os fundamentos sentenciais, os quais adoto como razões de decidir, pois consoante o atual entendimento desta Corte.
Frise-se que, no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000 (Tema 8), a Terceira Seção deste Regional afastou a restrição estabelecida no parágrafo único do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) - qual seja a contagem como tempo de serviço especial dos períodos de afastamento decorrentes de auxílio-doença apenas quando de caráter acidentário -, entendendo que referida contagem deve abranger também os intervalos de gozo de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da enfermidade com a atividade profissional do segurado. Eis a ementa do julgado:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 8. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento. (TRF4 5017896-60.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 26/10/2017)
Tal raciocício se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço, na qual a restrição infralegal é feita pelo art. 22 da Orientação Normativa nº 16/2013 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por se tratar de tempo especial de servidor público federal.
Sinale-se que outras espécies de licenças e afastamentos, tais como a licença para tratamento de saúde de pessoa da família, afastamento para participação em programa de treinamento, em pós-graduação e para capacitação, por exemplo, não se encontram albergados pelo entendimento acima referido, sendo indevido computar-se o intervalo de seu gozo como tempo de serviço especial.
A propósito, assim já se manifestou a Terceira Turma:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE POR ENFERMIDADE NÃO CLASSIFICADA COMO DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. IRDR (TEMA 8). POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Na linha do que restou decidido no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional - cujo raciocício se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço -, os períodos de licença usufruídos pela servidora para fins de tratamento da própria saúde devem ser computados como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público. 2. Caso em que mantida a sentença de procedência, porquanto a impetrante possui direito líquido e certo ao cômputo como tempo de serviço especial dos períodos nos quais esteve afastada em gozo de licença para tratamento da própria saúde. (TRF4, AC 5058696-05.2018.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 30/07/2019)
Portanto, o(s) período(s) de licença usufruído(s) pela servidora para fins de tratamento da própria saúde deve(m) ser computado(s) como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público.
Destarte, nego provimento ao recurso de apelação da ré.
Honorários Advocatícios e Custas Processuais
Mantenho as custas e os honorários da forma como foram arbitrados pela r. sentença e, levando em conta o trabalho adicional do procurador da parte autora na fase recursal, majoro a verba honorária devida pela UFSM, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015, a fim de que corresponda ao montante de R$ 3.100,00.
Dispositivo
ANTE O EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso de apelação da UFSM.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003202032v5 e do código CRC 4d9b2b9a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004774-38.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (RÉU)
APELADO: CINTIA MARIA LOVATO FLORES (AUTOR)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: GREGOR DAVILA COELHO (OAB RS074205)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. IRDR (TEMA 8). POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Na linha do que restou decidido no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional - cujo raciocício se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço -, os períodos de licença usufruídos pela servidora para fins de tratamento da própria saúde devem ser computados como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público.
2. Caso em que mantida a sentença de procedência, porquanto a autora possui direito ao cômputo como tempo de serviço especial dos períodos nos quais esteve afastada em gozo de licença para tratamento da própria saúde.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da UFSM, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003202033v3 e do código CRC a8f9c1f4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/05/2022 A 07/06/2022
Apelação Cível Nº 5004774-38.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (RÉU)
APELADO: CINTIA MARIA LOVATO FLORES (AUTOR)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: GREGOR DAVILA COELHO (OAB RS074205)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/05/2022, às 00:00, a 07/06/2022, às 14:00, na sequência 490, disponibilizada no DE de 19/05/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA UFSM.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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