APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020495-44.2014.4.04.7112/RS
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | ANA MARIA EIDT CORONET |
ADVOGADO | : | ABRAÃO DOS SANTOS |
APELANTE | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
APELANTE | : | SILVIO CORONET |
ADVOGADO | : | ABRAÃO DOS SANTOS |
APELANTE | : | CAIXA SEGURADORA S/A |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. COBERTURA SECURITÁRIA. INVALIDEZ. DANO MORAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - COMPENSAÇÃO.
1. Comprovada nos autos a invalidez total e permanente, o mutuário faz jus à quitação do saldo devedor de contrato celebrado no âmbito do SFH na mesma proporção de sua participação na composição da renda familiar.
2. A detida análise das particularidades do caso concreto acaba por afastar a aplicabilidade das condições gerais para a exclusão de cobertura securitária por invalidez, no entanto a negativa administrativa por parte da seguradora não configura ato ilícito ou mesmo erro de conduta, mas apenas erro de interpretação. Bem por isso, não resta configurado o dano moral.
3. Na hipótese de haver valores pagos a maior pelo mutuário, a sua restituição deverá se dar de forma simples, corrigido monetariamente pelos mesmos índices aplicáveis ao saldo devedor do contrato e sem a incidência de juros de mora, com fulcro no artigo 23 da Lei n° 8.004/90.
4. De acordo com o §2° do artigo 85 do Novo Código de Processo Civil (já vigente quando da prolação da sentença), é expressamente vedada a compensação dos honorários advocatícios de sucumbência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da seguradora, dar parcial provimento à apelação da parte autora e dar provimento ao recurso adesivo da CEF, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de janeiro de 2017.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8746672v3 e, se solicitado, do código CRC 10B35A32. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020495-44.2014.4.04.7112/RS
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
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ADVOGADO | : | ABRAÃO DOS SANTOS |
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APELANTE | : | SILVIO CORONET |
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APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
SILVIO CORONET e ANA MARIA EIDT CORONET propuseram ação ordinária contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e CAIXA SEGURADORA S/A, objetivando a quitação parcial de contrato de mútuo habitacional, celebrado sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, pela cobertura securitária em razão da aposentadoria por invalidez do mutuário varão, bem como a restituição em dobro dos valores pagos e a indenização pelos danos morais.
Instruído o feito, sobreveio sentença de parcial procedência nos seguintes termos:
ISSO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na presente demanda para (a) reconhecer o direito à cobertura securitária sobre as obrigações decorrentes do contrato de financiamento habitacional equivalente a 33,14% com os consequentes reflexos no saldo devedor e nas respectivas prestações desde 23/01/2013, que deverão ser recalculadas para se adequarem à cobertura ora reconhecida; (b) condenar as Requeridas a restituir, de forma simples, os valores pagos a maior pelos Autores nas respectivas prestações desde 23/01/2013, extinguindo, assim, esta fase do processo com resolução do mérito, a teor do que dispõe o art. 487, I, do CPC de 2015.
Juros desde a citação e correção pelo IPCA-E desde a data de cada pagamento indevido.​
Ante a sucumbência recíproca, condeno Parte Autora e Parte Ré ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo no percentual de 10% sobre o valor da condenação, a incidir já sobre a quantia atualizada e com juros de mora, forte no art. 85, §2º, do NCPC, devendo haver a compensação, nos termos do art. 86, caput, da aludida lei processual, assim como com base na Súmula 306 do STJ, nada sendo devido, pois.
Também em razão da sucumbência recíproca, as custas devem ser arcadas tanto pelo Demandante, como pelos Demandados, metade para cada. Todavia, ante ser a Parte Autora beneficiário da AJG, resta suspensa a sua exigibilidade. Com relação à Parte Ré, a metade atribuída a ela, deve ser dividida pelos dois Réus, CEF e Caixa Seguradora.
Apela a parte autora. Em suas razões, pleiteia a restituição em dobro dos valores pagos a maior, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor e no artigo 940 do Código Civil. Afirma que de acordo com a Súmula 54 do STJ, o termo inicial dos juros é o evento danoso, motivo pelo qual defende a incidência de juros desde a data de pagamento das prestações mensais. Alega que o Novo Código de Processo Civil veda a compensação dos honorários advocatícios, e sustenta a ocorrência de dano moral indenizável.
Apela também a CAIXA SEGURADORA. Em suas razões, aponta a ausência de interesse de agir, tendo em conta que a parte autora não efetuou o aviso de sinistro administrativamente, o que configura ausência de pretensão resistida. Assevera a ocorrência de prescrição ânua entre a data da aposentadoria (em 2012) e o ajuizamento da ação (em 2014). Quanto ao mérito, defende a impossibilidade de cobertura pelo fato de que a doença era preexistente e a invalidez é apenas parcial. Em razão disso, insurge-se contra a restituição dos valores pagos.
A CEF apela adesivamente. Em suas razões, afirma que a restituição dos valores pagos deve se dar de acordo com o artigo 23 da Lei n° 8.004/90, com atualização pelos índices da poupança e sem juros de mora.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8746670v6 e, se solicitado, do código CRC 225B0CF3. | |
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VOTO
Interesse de agir
Para o exercício do direito de ação é necessária a presença de alguns requisitos básicos: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade da parte e interesse de agir. A ausência de uma das condições da ação ocasiona sua extinção, podendo ser analisada na propositura desta, na fase de saneamento processual ou até na de prolação da sentença.
O interesse processual (CPC, art. 17) não se concentra apenas na sua utilidade, mas na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, adequando-se à pretensão alegada na inicial. Esse interesse não é aferível abstratamente, porque deflui sempre do caso concreto, à luz da situação narrada no instrumento da demanda. Trata-se, portanto de um conceito lógico-jurídico, não jurídico-positivo.
A doutrina moderna desdobra o interesse processual ou interesse de agir em interesse-utilidade, interesse-necessidade e interesse-adequação.
Assim, entende-se útil o processo capaz de, em tese, propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido. Reputa-se necessária a jurisdição quando retrate a última forma de solução do conflito, ou seja, quando o autor necessita da intervenção da atividade jurisdicional para que a pretensão seja alcançada, pressupondo uma pretensão resistida da parte adversa no plano material.
No caso dos autos, de acordo com a documentação juntada no evento 1 - OFÍCIO/C9, a parte autora comprovou ter feito a comunicação de sua aposentadoria ao agente financeiro - a quem, de acordo com as expressas previsões contratuais, deveria ser comunicado qualquer sinistro -, inclusive informando os dados do benefício e juntando comprovante anexo. Em razão disso, no caso concreto tenho que foi devidamente cumprida a exigência contratual de aviso de sinistro, que dispõe (evento 1 - CONTR5):
CLÁUSULA VIGÉSIMA QUINTA - COMUNICAÇÃO DO SINISTRO - O(s) DEVEDOR(ES)/FIDUCIANTE(S) declara(m) estar ciente(s) e, desde já, se compromete(m) a informar a seu(s) beneficiário(s) que, em caso de ocorrência de sinistro de morte ou invalidez permanente, o(s) mesmo(s) beneficiário(s) deverá(ao) comunicar o evento à CEF, por escrito e imediatamente.
Bem por isso, não merece provimento a apelação da seguradora no tocante.
Prescrição
No que diz com o prazo prescricional aplicável ao caso, trata-se de feito em que o prazo prescricional é de um ano, conforme previsão do artigo 206, parágrafo 1º, inciso II, alínea b, do Código Civil de 2002, vigente à época do fato:
Art. 206. Prescreve:
§ 1° Em um ano:
(...)
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
Tal entendimento é corroborado por recente julgado da Segunda Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
RECURSO ESPECIAL. SEGURO HABITACIONAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. PRESCRIÇÃO ANUAL. ART. 178, § 6º DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INAPLICABILIDADE DO ART. 27 DO CDC.
1. Aplica-se o prazo de prescrição anual do art. 178, § 6º, II do Código Civil de 1916 às ações do segurado/mutuário contra a seguradora, buscando a cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo habitacional celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.
2. Não incidência da regra do art. 27 do CDC, porquanto restrito às hipóteses de fato do produto ou do serviço. Ressalva de fundamentação de voto vogal no sentido de que tal dispositivo se aplicaria quando buscada cobertura securitária por vício de construção, do que não se cogita no caso em exame.
3. Hipótese em que a ação foi ajuizada quando decorrido mais de um ano da negativa de cobertura por sinistro de invalidez.
4. Recurso especial provido.
- REsp 871.983/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/04/2012, DJe 21/05/2012
Quanto ao termo inicial, é teor da Súmula nº 278 do STJ:
"O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral"
No caso dos autos, a parte autora obteve judicialmente seu benefício de aposentadoria por invalidez em 30/11/2012 (evento 1 - ACORDO7), e em 23/01/2013 providenciou a comunicação do fato ao agente financeiro, como já referido (evento 1 - OFÍCIO/C9).
Nessa equação, não há falar em prescrição, tampouco merecendo provimento o recurso da seguradora no ponto.
Cobertura securitária - invalidez
É fato que, dadas as peculiaridades da apólice de seguro habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação, não são aplicáveis as regras gerais que regulamentam os contratos comuns de seguro.
Isso porque, segundo previsão legal (artigo 14 da Lei n° 4.380/64), os agentes financeiros do SFH devem contratar cobertura securitária sobre morte e invalidez permanente do mutuário, além dos danos físicos nos imóveis e responsabilidade civil do contrutor. Ou seja, tal modalidade de seguro é regrada por normas específicas da Superintendência de seguros Privados - SUSEP, que devem ser aplicadas pelo agente financeiro. Assim, tal cobertura securitária é obrigatória e não tem similares no mercado.
No mesmo sentido já decidiu esta Corte:
CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. CONTRATOS DE SEGURO E DE MÚTUO. INTERDEPENDÊNCIA. NATUREZA COMPULSÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CDC. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INVALIDEZ PERMANENTE. TERMO INICIAL DA COBERTURA. DATA DO SINISTRO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
Ainda que seja possível isolar cada instrumento em particular, as operações básicas do financiamento e do respectivo seguro não admitem cisão, se fundiram de tal maneira que a relação entre elas é de total interdependência, caracterizando-se em contrato misto. O contrato de seguro de financiamento firmado no âmbito do SFH é compulsório, tem natureza acessória, fazendo parte da política de intervenção do Governo no setor de habitação para realização do projeto social da casa própria; consiste, pois, num contrato geminado e inserido no financiamento como cláusula deste, não se confundindo, desta forma, com contratos de seguro em geral, firmados de livre e espontânea vontade entre particulares e seguradoras. Razão pela qual a discussão sobre indenização securitária, com repercussão direta no financiamento, enseja o litisconsórcio passivo entre agente financeiro e seguradora, bem como a aplicabilidade do CDC.
A prova dos autos tem a finalidade de elucidar os fatos e questões postas em exame, destinando-se ao Juízo e não às partes. A falta de complementação requerida pela parte autora é faculdade do Juiz, não configurando cerceamento de defesa. Inteligência do art. 130 do CPC.
Demonstrado documentalmente o nexo de causalidade entre a invalidez permanente do segurado e a doença por ele acometida, a data da ocorrência desta é que deve ser considerada como data do sinistro, e não o termo inicial da aposentadoria concedida pelo INSS.
- AC 2004.71.11.001614-0/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, DE 14/08/2007
No caso dos autos, a parte autora sustenta seu direito à cobertura securitária, tendo em conta o reconhecimento de sua incapacidade total após a celebração do contrato.
No caso em comento, a cobertura securitária está regulada pela Circular SUSEP n° 111, de 3 de dezembro de 1999 (consolidada com as alterações vigentes), que prevê:
II - CONDIÇÕES PARTICULARES PARA OS RISCOS DE MORTE E DE INVALIDEZ PERMANENTE
CLÁUSULA 3ª - RISCOS COBERTOS
3.1 - Estão cobertos por estas Condições os riscos a seguir discriminados:
b) invalidez permanente das pessoas físicas indicadas no item 1.1 da Cláusula 1ª destas Condições, que ocorrer posteriormente à data em que se caracterizarem as operações respectivas, causada por acidente ou doença, que será comprovada com a apresentação, à Seguradora, de declaração do Instituto de Previdência Social para o qual contribua o Segurado, ou de laudo emitido por perícia médica custeada pela Seguradora, no caso de não existir vinculação a órgão previdenciário oficial.
Como já referido, o mutuário varão teve reconhecida sua invalidez pelo INSS através de acordo homologado em processo judicial (evento 1 - ACORDO7) - o que, de acordo com as disposições normativas a respeito do tema, é suficiente à caracterização da invalidez, conforme o dispositivo supra transcrito. Bem por isso, é de ser reconhecido o direito do mutuário à cobertura securitária, correspondente ao seu percentual de participação na renda familiar (33,14%).
Ressalto que não se verifica hipótese de exclusão de cobertura, como alega a seguradora ré. Ainda que no laudo pericial (juntado no evento 13 - OUT9) conste que o mutuário sofra de cardiopatia desde 2004 (anteriormente à celebração do contrato, que se deu em 27/06/2006), a mesma Circular SUSEP 111/99 prevê:
CLÁUSULA 4ª - RISCOS EXCLUÍDOS
Estão excluídos do presente Seguro:
4.2 - Os casos de invalidez permanente resultante de invalidez temporária comprovadamente existente à data da caracterização das operações definidas no item 1.1 da Cláusula 1° destas Condições.
Além disso, a simples leitura das cláusulas contratuais revela que a exclusão da cobertura securitária em caso de invalidez permanente decorrente de doença pré-existente somente ocorreria nos primeiros 12 meses de vigência do contrato. É o teor da cláusula vigésima quarta (evento 1 - CONTR5):
CLÁUSULA VIGÉSIMA QUARTA- SINISTRO - PARÁGRAFO PRIMEIRO - O(s) DEVEDOR(ES)/FIDUCIANTE(S) declara(m) estar ciente(s) de que, nos 12 (doze) primeiros meses de vigência deste contrato, contados a partir de sua data de assinatura, não contará(ão) com as coberturas dos seguros por morte ou invalidez permanente quando tais sinistros resultares de acidente ocorrido ou doença adquirida, comprovadamente, em data anterior à assinatura deste instrumento, conforme estipulado na Apólice do Seguro Habitacional.
Assim, tendo em conta que a invalidez do mutuário varão somente restou caracterizada em 27/09/2012 (data da realização da perícia médica), mais de seis anos após a celebração do contrato de mútuo, e que na data em que foi firmado o financiamento o autor não se encontrava inválido temporariamente, não há motivo para a exclusão da cobertura. Bem por isso, não merece provimento o recurso da seguradora também no tocante.
Quanto ao termo inicial da cobertura securitária, registro que a mesma Circular SUSEP 111/99 estabelece:
CLÁUSULA 9ª - SINISTRO
9.3 - Considera-se como data do sinistro:
b) no risco de invalidez permanente:
b.1) quando o Segurado for vinculado a Instituto de Previdência Oficial: a data do exame médico que constatou a incapacidade definitiva;
b.2) quando o Segurado não for vinculado a Instituto de Previdência Oficial: a data do aviso do sinistro à Seguradora;
Como já referido, no caso em comento o mutuário é vinculado ao INSS, através do qual recebe o benefício de aposentadoria por invalidez. Bem por isso, a data do sinistro a ser considerada é a data da realização da perícia médica (27/09/2012), de acordo com a previsão expressa acima - motivo pelo qual merece provimento o recurso da parte autora no ponto.
Dano moral
O Código Civil Brasileiro dispõe, em seu artigo 186:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Por sua vez, o artigo 927 do mesmo diploma legal esclarece:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Da análise conjunta dos dispositivos supra mencionados, depreende-se que da prática do ato ilícito decorre a responsabilidade do agente, entendida esta como a obrigação de reparar mediante indenização o dano que o ato praticado com desvio de conduta causou a outrem.
Em decorrência disso, para haver responsabilidade civil, é necessária a coexistência de três elementos essenciais: i) a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; ii) um dano; e iii) o nexo de causalidade entre um e outro.
No caso dos autos, é bem verdade que as demandadas não providenciaram administrativamente a cobertura securitária pleiteada pelos mutuários, fato que indiscutivelmente acarreta dissabores. No entanto, tal fato não é apto a configurar o dano moral alegado pela parte autora.
Isso porque a seguradora apenas aplicou o regramento aplicável à generalidade dos casos - ainda que erroneamente. A detida análise das particularidades do caso concreto revela o direito dos autores à cobertura securitária por invalidez, no entanto a negativa por parte da seguradora não configura ato ilícito ou mesmo erro de conduta, mas apenas erro de interpretação.
Nesse sentido é o entendimento manifestado por esta Turma:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SFH. LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE FINANCEIRO E DA SEGURADORA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. COBERTURA SECURITÁRIA. QUITAÇÃO POR INVALIDEZ. DANO MORAL.
1. Nas ações em que se discute a cobertura securitária para quitação contratual de imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação em razão de invalidez, há repercussão direta no financiamento, estando legitimados passivamente para a causa tanto o agente financeiro como a seguradora, configurando-se hipótese de litisconsórcio passivo necessário.
2. O simples fato de haver doença existente em data anterior à contratação do seguro não impede a cobertura do sinistro; o que a impede é a constatação de que a morte se deu em razão da doença preexistente.
3. A detida análise das particularidades do caso concreto acaba por afastar a aplicabilidade das condições gerais para a exclusão de cobertura securitária por doença preexistente, no entanto a negativa por parte da seguradora não configura ato ilícito ou mesmo erro de conduta, mas apenas erro de interpretação. Bem por isso, não resta configurado o dano moral.
- Apelação Cível Nº 5003892-77.2011.404.7118, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 14/03/2013
Bem por isso, não merece reparos a sentença no ponto, restando improvido o recurso da parte autora no ponto.
Restituição de valores
Reconhecida a quitação contratual a contar de 27/09/2012, é corolário lógico a restituição dos valores pagos a partir de então.
No que diz com os índices aplicáveis, registro que o juízo sentenciante determinou a restituição dos valores pagos a maior de forma simples, corrigidos pelo IPCA-e desde a data do pagamento e com juros desde a citação.
Ocorre que, em se tratando de restituição de valores pagos em decorrência de contrato de mútuo imobiliário, incide a norma posta no artigo 23 da Lei n° 8.004/90, in verbis:
Art. 23. As importâncias eventualmente cobradas a mais dos mutuários deverão ser ressarcidas devidamente corrigidas pelos índices de atualização dos depósitos de poupança, em espécie ou através de redução nas prestações vincendas imediatamente subseqüentes.
Concludentemente, os valores pagos deverão ser restituídos de forma simples ao mutuário, corrigidos monetariamente desde o pagamento de acordo com a TR, mas sem a incidência de juros de mora - de acordo com a expressa previsão legal.
No mesmo sentido já se manifestou esta Corte:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. LIMITADOR. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. (...)
6. Na hipótese de haver valores pagos a maior pelos mutuários, a sua restituição deverá se dar de forma simples, com a compensação com as prestações vencidas e vincendas. Na hipótese da inexistência destas é que o mutuário faz jus à restituição, com fulcro no artigo 23 da Lei n° 8.004/90, sem a incidência de juros de mora.
- AC 0004200-40.2006.404.7001, 3ª Turma, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, D.E. 05/12/2011
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRADIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA EXCLUÍDOS. LEI 8.004/90. ART. 23. RESSARCIMENTO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO. DESNECESSIDADE.
Constatada a contradição, obscuridade e omissão, cabe o provimento dos declaratórios para reforma da decisão da origem, autos de liquidação da sentença, afastando a cobrança de juros de mora no cálculo dos valores a repetir, cobrados a maior, na forma da legislação de regência do SFH - Lei 8.004/90, art. 23, incidindo somente a correção monetária. (...)
- AG 0007735-18.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 13/11/2012
SFH. LIQUIDAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS DE MORA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. LIMITES DO TÍTULO.
Na liquidação, o cálculo deverá obedecer aos exatos termos do título executivo judicial, admitindo-se somente a retificação de erro material, não identificado neste caso.
A repetição de indébito, processada pela legislação do SFH, deve ocorrer na forma do art. 23 da Lei n. 8.004/90, conforme restou assegurado na sentença exeqüenda, não tendo havido incidência de juros de mora sobre valores a repetir.
- AI nº 0004354-02.2012.404.0000, 4ª Turma, Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, D.E. 16/07/2012
No caso, não há falar em incidência da Lei Civil ou do Código de Defesa do Consumidor pois, como é cediço, a expressa previsão da lei específica a regular o caso concreto afasta a aplicabilidade da lei genérica. Ou seja, não há falar em repetição do indébito ou incidência de juros.
Bem por isso, merece provimento o recurso adesivo da CEF e restam improvidos os apelos da seguradora e da parte autora no ponto.
Honorários advocatícios
Quanto ao tema, registro que a sentença foi publicada em 20/04/2016, já na vigência do Novo Código de Processo Civil. O artigo 85 do referido diploma processual dispõe:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1° São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2° Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
Como visto, o novel diploma processual veda expressamente a compensação de verba honorária em caso de sucumbência parcial. Ressalto que a Súmula 306 foi editada com fundamento na Lei n° 5.869/73 (Código de Processo Civil anterior), que foi revogada com o advento da Lei n° 13.105/15 (Novo CPC). Assim, merece provimento o recurso da parte autora no ponto, para afastar a compensação dos honorários advocatícios.
Ressalto que o juízo a quo deferiu o benefício de gratuidade de justiça à parte autora na decisão do evento 3. Por esse motivo, resta suspensa a exigibilidade dos honorários sucumbenciais em relação ao mesmo, nos termos dos §§2° e 3° do artigo 98 do Novo CPC:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 2° A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
§ 3° Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Por fim, tendo em conta que a sentença foi proferida na vigência do Novo Código de Processo Civil, considerando o provimento do recurso adesivo da CEF, o improvimento da apelação da seguradora e o parcial provimento do recurso da parte autora, e atendendo às disposições dos parágrafos 1°, 2° e 11° do artigo 85 do mesmo diploma processual, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios fixados para 12% sobre o valor da condenação. Tendo em conta que os provimentos recursais somente versam sobre o termo inicial da cobertura securitária, os índices aplicáveis sobre os valores a serem restituídos e os honorários advocatícios de sucumbência, resta inalterada a proporção sucumbencial (50% a favor da parte autora e 50% a favor das rés, restando suspensa a exigibilidade em relação aos autores, como já referido).
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da seguradora, dar parcial provimento à apelação da parte autora e dar provimento ao recurso adesivo da CEF.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020495-44.2014.4.04.7112/RS
ORIGEM: RS 50204954420144047112
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PRESIDENTE | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PROCURADOR | : | Dr Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | ANA MARIA EIDT CORONET |
ADVOGADO | : | ABRAÃO DOS SANTOS |
APELANTE | : | CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
APELANTE | : | SILVIO CORONET |
ADVOGADO | : | ABRAÃO DOS SANTOS |
APELANTE | : | CAIXA SEGURADORA S/A |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/01/2017, na seqüência 531, disponibilizada no DE de 09/01/2017, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA SEGURADORA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA CEF.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
: | Juiz Federal ALCIDES VETTORAZZI | |
: | Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN |
José Oli Ferraz Oliveira
Secretário de Turma
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