APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005904-27.2016.4.04.7009/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | ESTADO DO PARANÁ |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | JOSE MATOS DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | DANIELE APARECIDA BUSATO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DESNECESSIDADE DA CONTINUAÇÃO DO TRATAMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DA SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
- A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal).
- O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.
- Verifica-se que a hipótese se subsume ao artigo 485, § 3º, do CPC, em razão da desnecessidade da continuação do tratamento, desaparecendo o seu interesse processual, restando desnecessário o provimento jurisdicional.
- Ocorrendo a perda do objeto, ainda assim cabe pagamento de honorários advocatícios pela parte que deu causa ao ajuizamento da ação, tendo em vista o princípio da causalidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir, de ofício, o feito sem resolução do mérito, e julgar prejudicados às apelações e à remessa oficial, bem como a remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de julho de 2017.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9030677v4 e, se solicitado, do código CRC F3FE02DA. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vivian Josete Pantaleão Caminha |
| Data e Hora: | 06/07/2017 16:56 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005904-27.2016.4.04.7009/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | ESTADO DO PARANÁ |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | JOSE MATOS DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | DANIELE APARECIDA BUSATO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de reexame necessário e apelação em face da sentença proferida nos seguintes termos:
Ante o exposto, mantenho a antecipação dos efeitos da tutela e julgo procedente o pedido, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 485, I, do CPC), para o fim de condenar os réus UNIÃO e ESTADO DO PARANÁ, em caráter solidário, a fornecerem, gratuita e ininterruptamente, à parte autora, o medicamento ZYTIGA® (Acetato Abiraterona), na dosagem prescrita pelo seu médico e enquanto perdurar sua necessidade e conforme evolução do tratamento paliativo e consoante prescrição do médico assistente.
Os medicamentos poderão ser ofertados na sua forma genérica, se existentes, e/ou com variações de nome em razão do laboratório fabricante, se possível, conforme parecer de médico habilitado do SUS.
Ressalto que, diante da antecipação de tutela já concedida, não deve haver solução de continuidade no tratamento da parte autora.
Forma de cumprimento: feitas as considerações acima, fica esclarecido e determinado que cabe ao Estado do Paraná MANTER O FORNECIMENTO, continuamente, com reembolso pela União OU mediante a recomposição do estoque advindo do Ministério da Saúde - se possível - o medicamento ZYTIGA® (Acetato Abiraterona), com entrega por intermédio do UNACON em que a parte autora obtém seu tratamento ou da 3ª Regional de Saúde da SESA, utilizando-se do procedimento administrativo que lhe for mais conveniente, como correntemente o fazem, observada a dose prescrita e a periodicidade dos ciclos do tratamento.
Em suas razões recursais, a União propugnou pela reforma da sentença. Teceu considerações a respeito da assistência farmacêutica pública no Brasil, da especificidade da atenção oncológica e do processo de incorporação de novas tecnologias. Sucessivamente requereu "seja diminuído o valor dos honorários advocatícios arbitrados na forma da fundamentação e a determinação de que a divisão de custos seja operada por analogia as normas do sistema ou, inexistindo mecanismos de dispensacáo similares, que seja pro rata".
O Estado de Santa Catarina, em suas razões recursais defendeu em síntese que: (a ) que o reconhecimento do pedido acarretaria ofensa ao princípio da isonomia; (b) que o medicamento objeto da presente ação não está contemplado nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do SUS (também não constando da RANAME), tampouco faz parte dos medicamentos gerenciados pelo CEMEPAR e (c)no âmbito do SUS, os tratamentos oncológico, sendo, por isso, de responsabilidade da União o fornecimento de medicamentos para tratamento de câncer, diante do que requer, subsidiariamente, que se reconheça o dever da União Federal s devem ser realizados nos UNACONS e CACONS.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
Após a prolação da sentença e da interposição das apelações, o autor informou nos autos que a suspensão do tratamento, em razão do que requereu a extinção do processo, pela perda do objeto (evento 63, PET1).
O Ministério Público Federal exarou parecer opinando pelo desprovimento das apelações e da remessa oficial, bem como, de ofício, pela extinção do feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, c/c o § 3º do CPC/2015, ante a perda superveniente do objeto da presente ação.
A procuradora do autor veio aos autos requerer: tendo em vista que os honorários dativo não são incontroverso em tais ações, assim como também não são passíveis de reajuste em fase recursal e independentes de procedência ou não do pedido, REQUER QUE SEJA REQUISITADO E EXPEDIDO O PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS, salienta-se que neste caso em específico a sentença já foi proferida em juízo a quo.
É o relatório.
VOTO
I - A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.
Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ.
(...)
(STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...).
(TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)
Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.
Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.
Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.
II - A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os serviços e benefícios prestados no âmbito da saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n.º 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica. Os medicamentos estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas, com impacto socioeconômico, cabendo sua aquisição pelo Ministério da Saúde e seu armazenamento e distribuição pelos Municípios. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria n. 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).
Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.
No caso do diabetes, o regramento legal (Lei n.º 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.
Na hipótese de câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS; a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e assemelhados - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia e Serviços Isolados de Quimioterapia e Radioterapia -, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde dos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Inexistindo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos dos CACONs/UNACONs, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.
Nesse contexto, considerando a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Sequer pode-se considerar o Judiciário como uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem sopesar a existência de outros cidadãos nas mesmas ou em piores circunstâncias.
Bem por isso, após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175 (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.
Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".
Diante disso, seguindo nessa linha, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público. Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, p.ex., com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos, por inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).
Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".
Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco, efeitos colaterais deste, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar prestação diversa da usualmente custeada pelo SUS.
Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se consiste em tratamento meramente experimental, ou novo, ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.
Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada por normas específicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que não foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecê-los.
Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada".
Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, é possível a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria, "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".
Em contrapartida, o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. Nesse sentido, o STF já se pronunciou:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
(STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".
Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
O autor ajuizou a presente ação objetivando compelir os réus a fornecer o medicamento ZYTIGA® (Acetato Abiraterona) 250 mg, para tratamento de adenocarcinoma de próstata com metástases ósseas, uso contínuo até progressão ou toxicidade.
Realizada a prova pericial comprovando a necessidade e adequação do tratamento, foi prolatada a sentença de procedência.
Em ato contínuo, o autor informou nos autos que fez uso do medicamento Zytiga, para o tratamento de neoplasia maligna de próstata, porém o tratamento teve que ser interrompido, pois o medicamento não teve a resposta esperada, e que inclusive houve a progressão da anomalia, em razão do que requereu a extinção do processo, pela perda do objeto (evento 63, OUT2).
Devidamente intimados, os réus deixaram de se manifestar sobre a petição.
III - In casu, verifica-se, nos termos do artigo 485, § 3º, do CPC, a perda superveniente do objeto da ação pela desnecessidade do medicamento pleiteado na inicial.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). A desnecessidade do medicamento pleiteado na inicial em decorrência do término do tratamento da parte autora, implica a perda superveniente de objeto da ação. Inviável a repetição, pela parte autora, dos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, haja vista a autora ter recebido a medicação de boa-fé e amparada em decisão judicial que se pautou na convicção do Magistrado, fato que torna incabível a devolução dos valores liberados para tratamento de saúde. A responsabilidade pelo pagamento da verba sucumbencial, no caso de extinção do processo sem exame do mérito, é da parte que deu causa a demanda. Honorários majorados. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000544-19.2013.404.7203, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2013)
IV - Quanto aos valores despendidos na aquisição do medicamento em antecipação de tutela, é de se destacar que o autor recebeu a medicação de boa-fé e com amparo em decisão judicial, que se pautou na convicção do Magistrado, fato que torna inviável a repetição, tanto mais porque os valores liberados foram destinados a tratamento de saúde.
Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
2. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)".
No mesmo sentido, decisão deste Regional acerca do não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. REGRESSÃO DA DOENÇA. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DECORRENTES DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). A desnecessidade do medicamento pleiteado na inicial em decorrência do término do tratamento da parte autora, implica a perda superveniente de objeto da ação. Inviável a repetição, pela parte autora, dos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, haja vista a autora ter recebido a medicação de boa-fé e amparada em decisão judicial que se pautou na convicção do Magistrado, fato que torna incabível a devolução dos valores liberados para tratamento de saúde. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007359-51.2012.404.7208, 4a. Turma, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/09/2013)(grifei)
Considerando a legitimidade passiva dos réus, bem como sua solidariedade no caso, não há como excluir nenhum deles da responsabilidade da aquisição e pagamento pelo medicamento pleiteado e concedido.
Por outro lado, tenho que os réus deverão, administrativamente, proceder à repartição/ressarcimento dos valores despendidos com o fornecimento do medicamento entre si, haja vista ser medida a ser resolvida no âmbito administrativo, sem necessidade de intervenção judicial.
V - Quanto à sucumbência, é cediço que a responsabilidade pelos honorários advocatícios fixados em sentença rege-se pelos princípios da sucumbência e causalidade. No caso, devendo ser extinta a ação sem resolução do mérito, resta analisar quem deu causa à demanda.
In casu, o autor necessitou ingressar com o presente feito e realizar instrução processual para ter seu pedido reconhecido.
De acordo com a prova pericial (Laudo1 - evento 22) restou evidenciado a adequação do medicamento para tratamento do autor. O Perito aduziu que o medicamento deferido era necessário e o único disponível para o tratamento da doença da parte autora, que já se encontrava sem controle adequado e em estado grave, pois mesmo com este tratamento o prognóstico é reservado. Restou demonstrado que não existia outro medicamento passível de prescrição, bem como há evidências médicas que demonstravam adequação e viabilidade do tratamento com o medicamento requerido. Além disso, restou evidenciado que o autor já havia se submetido a todos os tratamentos.
VI - Os réus deverão arcar com os honorários advocatícios do procurador do autor, observados os critérios legalmente estabelecidos no art. 85 do CPC/2015.
No tocante ao quantum a ser arbitrado, nas ações em que se pleiteia a concessão de medicamentos, a questão dos honorários de sucumbência adquire contornos relevantes, tendo em vista a possível discrepância entre o valor dado à causa e o proveito econômico que muitas vezes se verifica muito aquém do valor estimado, tendo em vista que, no mais das vezes a parte vem a óbito ou o tratamento precisa ser suspenso pela toxicidade em virtude do uso do fármaco antineoplásico.
Considerando que se trata de causa relacionada à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, correta a aplicação do § 8º do art. 85 do CPC/2015, que remete à apreciação equitativa considerando os incisos do § 2º do artigo citado (grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço).
Levando-se em conta que o feito tramitou por menos de 1 ano até a prolação da sentença, sem incidentes processuais no curso do processo que exigissem diligências constantes por parte dos procuradores - levando em consideração, ainda, o § 11 do art. 85 do CPC/2015 - tenho por justo e suficiente que os honorários advocatícios sejam fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), pro rata, devidamente corrigidos a partir da presente decisão até a data do pagamento, porquanto em consonância com a Turma em ações dessa natureza.
Quanto ao pedido de pagamento dos honorários do defensor dativo, a Resolução 305/2014 do CJF, determina que eles serão pagos após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão que o pagamento dos honorários dativo serão requisitados após trânsito em julgado do processo. Assim não merece reforma a sentença nesse ponto.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por extinguir, de ofício, o feito sem resolução do mérito, e julgar prejudicados às apelações e à remessa oficial, bem como a remessa oficial, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/07/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005904-27.2016.4.04.7009/PR
ORIGEM: PR 50059042720164047009
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dra. Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | ESTADO DO PARANÁ |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | JOSE MATOS DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | DANIELE APARECIDA BUSATO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/07/2017, na seqüência 63, disponibilizada no DE de 13/06/2017, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU EXTINGUIR, DE OFÍCIO, O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, E JULGAR PREJUDICADOS ÀS APELAÇÕES E À REMESSA OFICIAL, BEM COMO A REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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