Apelação Cível Nº 5016388-15.2018.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: DIVANIR MACHADO DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: LINDAMAR LEMOS DE GODOY (OAB RS032727)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
DIVANIR MACHADO DE OLIVEIRA ajuizou ação pelo procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. O feito foi assim relatado na origem:
"DIVANIR MACHADO DE OLIVEIRA, já qualificada nos autos, ajuizou a presente ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a condenação da Autarquia ao pagamento de indenização por danos morais.
Relata ser portadora de doença mental asseverada, bipolar e com depressão grave, inclusive com tentativas de suicídio, motivo pelo qual estava em gozo de Auxílio-Doença há mais de 10 anos, concedido judicialmente nos autos do Processo nº 50144939220134047112. Todavia, em 2018 foi surpreendida com o cancelamento do benefício efetuado unilateralmente pelo Réu, sem prévia avaliação médica para averiguar o quadro clínico, violando princípios constitucionais. Fez contato pelo telefone nº 135 e foi pessoalmente na agência da Previdência Social para verificar o ocorrido, no entanto, o benefício sequer constava na lista de convocação para a realização de perícia médica. Diante disso, ingressou com o Mandado de Segurança nº 5029661-97.2018.4.04.7100, junto à 20ª Vara Federal de Porto Alegre, no qual obteve o restabelecimento do benefício por medida liminar. Alega ter o INSS agido de modo ilícito ao cancelar o benefício sem a prévia comunicação da necessidade da realização da perícia, ensejando indenização extrapatrimonial. Juntou documentos (evento 1).
A petição inicial foi emendada (evento 5).
Citado, o INSS apresentou contestação, arguindo, preliminarmente, ausência de interesse processual ante a pendência de discussão sobre o direito ao restabelecimento do benefício no Mandado de Segurança nº 5029661-97.2018.4.04.7100. No mérito, referiu que o benefício da Parte Autora, por estar sendo auferido há mais de dois anos, foi selecionado para revisão, nos termos da Portaria Interministerial MDS/MF/MP nº 09/2017. Que foi expedida notificação postal à Autora, com Aviso de Recebimento, para o endereço constante do CNIS, a qual retornou em função da ausência da mesma nas três tentativas de entrega. Diante disso, expediu-se edital de notificação de que o benefício seria revisado, não tendo a Requerente atendido à solicitação, tampouco entrado em contato para agendar perícia médica. Juntou documentos (evento 10).
Houve réplica (evento 14).
Intimadas as Partes para dizer sobre provas, somente o INSS se manifestou (evento 18).
Deferida a gratuidade de justiça à Parte Autora (evento 21)."
A ação foi julgada improcedente e a autora condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em virtude do benefício da gratuidade de justiça.
Apelou a autora, afirmando que a autarquia tentou em três ocasiões notificá-la, "sempre em mesmo turno e em horários semelhantes", restando "claro à autarquia que, no turno da tarde, a apelante – pelo menos em tais dias – não se encontra em casa". Sustenta que, ao "invés de tentar notificar a apelante no turno matutino ou via telefone ou e-mail, por exemplo, a autarquia apelada “lavou as mãos”, publicando edital – que não é lido e sequer conhecido pelo homem médio – e cancelando o benefício da apelante". Alega que o INSS não agiu corretamente, com as cautelas necessárias, cancelando indevidamente o benefício. Argumenta que a intimação por edital somente é possível quando o interessado não tem domicílio definido. Por esses motivos, afirma ter direito à indenização por dano moral.
O apelado apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A indenização por dano moral, prevista no art. 5º, V, da Constituição Federal de 1988, objetiva reparar, mediante pagamento de um valor estimado em pecúnia, a lesão ou estrago causado à imagem, à honra ou estética de quem sofreu o dano.
Contudo, este Tribunal já firmou entendimento no sentido de que a suspensão do pagamento do benefício ou o seu indeferimento não constitui ato ilegal por parte da Autarquia hábil à concessão de dano moral. Ao contrário, se há suspeita de que o segurado não preenche os requisitos para a concessão do benefício, é seu dever apurar se estes estão ou não configurados. Este ato, que constitui verdadeiro dever do ente autárquico, não é capaz de gerar constrangimento ou abalo tais que caracterizem a ocorrência de dano moral.
Para que isto ocorra, é necessário que o INSS extrapole os limites deste seu poder-dever. Ocorreria, por exemplo, se utilizado procedimento vexatório pelo INSS, o que não foi demonstrado na hipótese.
De parte do INSS, outrossim, não foi constatada flagrante ilegalidade no cancelamento do benefício.
Não houve violação ao princípio da ampla defesa, pois as intimações foram por três vezes para o endereço da apelante. Após as intimações infrutíferas, foi realizada intimação por edital. Inexiste, pois, ilegalidade, já que foram obedecidas as formalidades da Lei 9.784/99, especialmente o art. 26, § 3º. Ressalte-se que o INSS lida diariamente com milhares de segurados. Não se pode exigir que adote providências além daquelas previstas na legislação.
Nesse sentido, a sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, resolveu a controvérsia com acerto:
"Cinge-se a controvérsia em avaliar eventual responsabilidade civil do INSS pelo cancelamento do benefício de Auxílio-Doença que, segundo alegado pela Parte Autora, teria sido realizado sem qualquer notificação prévia a fim de que ela pudesse exercer o contraditório e a ampla defesa.
Destarte, anoto ser legítimo o procedimento de convocação do segurado em gozo de Auxílio-Doença para submissão a perícia médica a fim de avaliar a permanência das condições que ensejaram a sua concessão. Isso está previsto no art. 60, § 10, da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 13.457/2017:
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
(...)
§ 10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
Ademais, o art. 69 da Lei nº 8.212/1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, prevê o procedimento administrativo de revisão da concessão dos benefícios previdenciários, in verbis:
Art. 69. O INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
§ 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser, no prazo de: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I - 30 (trinta) dias, no caso de trabalhador urbano; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - 60 (sessenta) dias, no caso de trabalhador rural individual e avulso, agricultor familiar ou segurado especial. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
§ 2º A notificação a que se refere o § 1º deste artigo será feita: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I - preferencialmente por rede bancária ou por meio eletrônico, conforme previsto em regulamento; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - por via postal, por carta simples, considerado o endereço constante do cadastro do benefício, hipótese em que o aviso de recebimento será considerado prova suficiente da notificação; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
III - pessoalmente, quando entregue ao interessado em mãos; ou (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
IV - por edital, nos casos de retorno com a não localização do segurado, referente à comunicação indicada no inciso II deste parágrafo. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
No caso concreto, observo que o INSS enviou notificação postal à Parte Autora, com aviso de recebimento, para o endereço da Rua João Aluysio Jacobs, nº 59, Bairro Fátima, nesta cidade de Canoas, RS, como se infere do documento colacionado no evento 10, OUT7:
Foram efetuadas três tentativas de entrega no endereço acima mencionado, que é o mesmo informado pela Autora na petição inicial. Frustradas as tentativas, a correspondência foi devolvida ao remetente em 20/06/2017, sendo então expedido Edital de Convocação de diversos segurados, incluindo a Parte Autora, para agendamento de perícia médica de revisão de benefícios (evento 10, OUT4), conforme disposto no art. 69, § 2º, incisos II e IV, acima transcritos.
Note-se, portanto, que, diversamente do que é alegado pela Autora, o INSS seguiu o procedimento legal para revisão do benefício, expedindo notificação enviada por carta com aviso de recebimento, para o endereço cadastrado no CNIS e, frustradas as tentativas de entrega, expediu edital de notificação publicado no Diário Oficial da União, conforme demonstrado no evento 10.
Ademais, foi realizada perícia médica nos autos do Mandado de Segurança nº 5029661-97.2018.4.04.7100, em 01/10/2018, tendo o Perito constatado que a Demandante não apresenta incapacidade laborativa, conforme laudo anexado no evento 10, OUT10, não obstante realizar tratamento psiquiátrico há vários anos, de acordo com a documentação que acompanha a Inicial.
Há que se ressaltar que a ação de decidir é inerente ao Poder Público, especialmente em situações envolvendo a concessão de benefícios, não podendo o ente público ser responsabilizado sempre que sua decisão for contrária aos interesses do particular, sob pena de todo ato administrativo, quando revisado ou anulado, gerar a obrigação de indenizar. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL INSS. INDEFERIMENTO OU CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. O indeferimento ou cancelamento de benefício por parte do INSS, de acordo com os dispositivos legais de regência, não gera direito à indenização por dano moral. Precedentes. (TRF4, AC 5000591-91.2016.4.04.7104, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 22/05/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CESSADO POR EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. DESCONTO INDEVIDO. RESTABELECIMENTO. DANO MORAL. CASO DE INCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. Constatado equívoco na cessação administrativa de benefício a que fazia jus o segurado, com efetivação de descontos em razão da referida cessação em benefício posteriormente concedido, cabe restituição do montante impropriamente deduzido. 2. "Os atos administrativos relativos à concessão, manutenção e revisão de benefícios previdenciários, por si só não implicam ao INSS indenização por danos morais. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo do segurado, bem como de o ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral" (TRF4, 5001346-98.2014.4.04.7100). (...) (TRF4, AC 5003795-21.2017.4.04.7004, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/04/2019)
Salvo situações em que evidenciado extremo abuso de autoridade por parte da Administração Pública, o que não é o caso dos autos, a condenação à indenização por danos morais é medida que acaba por inibir o exercício do direito, quiçá dever, de a Administração Pública rever seus atos, quando verificada alguma irregularidade.
Em outras palavras, o ato de cancelamento do benefício é formalmente legal, baseado em interpretação administrativa por parte do ente público e inerente à sua função de conceder ou negar benefícios.
Ressalto que não estou aqui a afastar de modo abstrato o direito à reparação de danos morais. No entanto, esse direito só pode ser reconhecido em situações específicas, em que verificado um agir ilícito por parte do ente público, o que não é o caso. Na situação dos autos, tem-se um agir lícito, externado na emissão de um ato administrativo contrário aos interesses da Demandante e que está sendo discutido em outro processo judicial."
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5016388-15.2018.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: DIVANIR MACHADO DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: LINDAMAR LEMOS DE GODOY (OAB RS032727)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
Incabível indenização por dano moral em razão do cancelamento de de benefício previdenciário, pois não possui o ato administrativo, de regra, o condão de provocar danos morais ao segurado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002120554v3 e do código CRC 77dc8da4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 28/10/2020 A 09/11/2020
Apelação Cível Nº 5016388-15.2018.4.04.7112/RS
RELATORA: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: DIVANIR MACHADO DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: LINDAMAR LEMOS DE GODOY (OAB RS032727)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/10/2020, às 00:00, a 09/11/2020, às 14:00, na sequência 381, disponibilizada no DE de 19/10/2020.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES
Votante: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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