Apelação Cível Nº 5000787-46.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: FERNANDO SOARES DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: GEORGIO ENDRIGO CARNEIRO DA ROSA (DPU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face de sentença proferida nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido na inicial, resolvendo o mérito, forte no artigo 487, I do CPC, para o fim de determinar definitivamente que os réus disponibilizem, por tempo indeterminado, à parte autora o tratamento bimestral com o medicamento Malato de Sunitinibe (Sustent®), na quantidade 02 caixas, cada qual com 28 comprimidos, enquanto se fizer necessário para o tratamento do quadro clínico da parte autora, ou forneça o equivalente em dinheiro, suficiente para dois meses de tratamento, mediante o depósito bimestral de R$ 32.928,00 (trinta e dois mil, novecentos e vinte e oito reais).
Defiro o pedido da tutela de urgência para determinar que os réus forneçam o medicamento no prazo máximo de 15 (quize) dias corridos, a contar da intimação da sentença, sob pena de bloqueio de valores ou transferência de recursos depositados à disposição da União em outras demandas.
Caso a União opte pelo depósito mensal, os valores serão liberados através de alvará judicial, devendo a parte autora prestar contas da compra da medicação.
Determino que a fiscalização da prestação de contas, relativas aos valores liberados mediante alvará, deverá ser procedida pela União, devendo esta informar ao Juízo, mensalmente, sobre a regularidade das contas apresentadas, a fim de que sejam disponibilizados os alvarás subsequentes para aquisição da medicação pleiteada.
Outrossim, para evitar o desperdício de verbas públicas, fica determinado, ainda, que quaisquer diferenças existentes entre o valor das notas apresentadas e o valor do alvará, deverão ser informadas nos autos pela União para que sejam compensadas com os valores a serem liberados.
Desse modo, fica a parte autora intimada para que, a partir da liberação do numerário, passe a apresentar, mensalmente, os documentos comprobatórios da aquisição dos medicamentos junto à Procuradoria Seccional da União.
A título de contracautela, consigno que: (a) à parte autora cumpre renovar a receita médica a cada ciclo de 3 (três) meses, para manter o recebimento do medicamento, devendo ser informado igualmente nos autos a alteração ou suspensão do tratamento, sob pena de bloqueio do tratamento; (b) deverá ser restituída, no prazo de 72 horas, eventual medicação excedente ou não utilizada, a contar da interrupção/suspensão do uso.
O cumprimento das contracautelas pela parte autora deverá se dar junto ao ente fornecedor do medicamento.
Determino que sejam abertos autos suplementares para controle e cumprimento.
Condeno o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 3.000,00, atualizados pela TR contar da data desta sentença (artigo 85, § 8º, do NCPC). Considerei, para tanto, de um lado, a existência de litisconsórcio entre o Estado do RGS e a União e o trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública da União, e, de outro, o rito facilitado do processo eletrônico, o fato de ser a verba devida reciprocamente entre entes públicos, a natureza da causa, de fundamento jurídico consolidado na jurisprudência e o tempo de tramitação do feito. Ressalto que nas ações que versam sobre concessão de medicamentos, a fixação dos honorários deve se dar de forma equitativa, eis que a demanda possui valor econômico inestimável, por se tratar de tutela da saúde, sendo aplicável na espécie as disposições do art. 85, § 8º do CPC/2015. (TRF4, AC 5030044-80.2015.404.7100, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 07/10/2016)
Deixo de condenar a União ao pagamento de honorários, nos termos do enunciado da Súmula 421, do Superior Tribunal de Justiça ("Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença").
Sem condenação em custas judiciais remanescentes, ante a isenção prevista no art. 4º, I, da Lei 9.289/1996.
Condeno os réus ao ressarcimento dos honorários periciais.
Em suas razões recursais, a União teceu considerações a respeito do controle jurisdicional de políticas públicas, do alto custo do medicamento, da existência de políticas públicas para o tratamento da moléstia que acomete o(a) autor(a), da incorporação de novas tecnologias no âmbito do SUS (art. 19, "M", “O” e “Q” da Lei n.º 8.080/90), e da especificidade da assistência oncológica. Defendeu, ainda, que a prestação de contas dos valores levantados deve, consequentemente, ser feita na esfera judicial e não na administrativa.
O Estado do Rio Grande do Sul sustentou que: (a) não tem responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos de alto custo, e (b) dentro da política de atendimento na área oncológica do Sistema Único de Saúde, são os CACONs e UNACONs que devem prestar tratamento integral ao paciente. Requereu o provimento do recurso ou, subsidiariamente, a redução do valor arbitrado a título de honorários advocatícios.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo provimento parcial do Estado do Rio Grande do Sul e desprovimento do apelo da União, diante da responsabilidade da União como gestora da Política Nacional de Atenção Oncológica, razão pela qual não há falar em legitimidade passiva do Estado do Rio Grande do Sul, o qual de ve ser excluído do polo passivo.
É o relatório.
VOTO
I - A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.
Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ. (...) (STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...). (TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)
Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.
Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.
Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.
II - A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os serviços e benefícios prestados no âmbito da saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n.º 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica. Os medicamentos estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas, com impacto socioeconômico, cabendo sua aquisição pelo Ministério da Saúde e seu armazenamento e distribuição pelos Municípios. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria n. 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).
Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.
No caso do diabetes, o regramento legal (Lei n.º 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.
Na hipótese de câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS; a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e assemelhados - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia e Serviços Isolados de Quimioterapia e Radioterapia -, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde dos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Inexistindo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos dos CACONs/UNACONs, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.
Nesse contexto, considerando a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Sequer pode-se considerar o Judiciário como uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem sopesar a existência de outros cidadãos nas mesmas ou em piores circunstâncias.
Bem por isso, após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175 (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.
Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".
Diante disso, seguindo nessa linha, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público. Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, p.ex., com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos, por inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).
Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".
Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco, efeitos colaterais deste, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar prestação diversa da usualmente custeada pelo SUS.
Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se consiste em tratamento meramente experimental, ou novo, ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.
Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada por normas específicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que não foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecê-los.
Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada".
Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, é possível a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria, "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".
Em contrapartida, o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. Nesse sentido, o STF já se pronunciou:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".
Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
O(A) autor(a), portador(a) de "neoplasia maligna de estroma gastrointestinal avançado (CID10 C26.9)", ajuizou a ação, para assegurar que lhe seja fornecido tratamento bimestral com o medicamento Malato de Sunitinibe (Sustent®), na quantidade 02 caixas, cada qual com 28 comprimidos, podendo se dar alternativamente mediante o depósito bimestral de R$ 32.928,00 (trinta e dois mil, novecentos e vinte e oito reais), por período indeterminado.
Sobre a pretensão, assim manifestou-se o juízo a quo:
Trata-se de ação mediante a qual a parte autora objetiva lhe seja fornecido o medicamento Malato de Sunitinibe (Sustent®) por tempo indeterminado, conforme indicação médica, tendo em vista ser indispensável para manter o controle da doença que lhe acomete,"neoplasia maligna de estroma gastrointestinal avançado (CID10 C26.9)".
Conforme o laudo médico, elaborado por perito nomeado por este Juízo (Evento 90), o autor é portador de "neoplasia maligna de estroma gastrointestinal". Segundo a perícia, o autor está em tratamento pelo SUS, já fez uso de Imatinibe, e a não realização do tratamento pleiteado pode acarretar "menor tempo livre de progresão da doença". Assim, registrou que a medicação pretendida é a adequada para o tratamento da doença da qual o autor é portador.
Desse modo, a existência da doença é indubitável, de forma que, diante da imprescindibilidade do medicamento, a ação deve ser julgada procedente. Senão vejamos.
Sobre o direito à saúde, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) dispõe:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
[...].
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de saúde (SUS).
Outrossim, a Lei Estadual nº 9.908, de 16/06/1993, ao dispor sobre o fornecimento de medicamentos excepcionais para pessoas carentes, conforme determinado no artigo 82, IV, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, estabeleceu que:
Art. lº - O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Cuida-se, no presente caso, de conferir efetividade a esse direito consagrado em nosso ordenamento jurídico, no âmbito constitucional e infraconstitucional. Trata-se de um dever a que os entes federados não podem se furtar, sob o argumento da complexidade do procedimento médico ou do custo do medicamento, quando as circunstâncias do caso concreto indicam ser esse medicamento ou procedimento o adequado à preservação da vida e saúde da pessoa.
Essa é, precisamente, a hipótese dos autos. Os elementos de prova carreados aos autos indicam que a medicação pleiteada é imprescindível ao controle da doença de que a parte autora é portadora. Assim, em última análise, o que se busca pela presente demanda diz respeito à preservação do direito à vida, bem como à dignidade da pessoa humana.
Pelo que se vê, então, o medicamento reivindicado não se destina a trazer uma mera comodidade no tratamento médico, ou, melhor dizendo, a pretensão não se insere no campo das medidas sem motivação razoável. Há, sim, a possibilidade de ser a única forma de avaliar o tratamento terapêutico realizado de modo a controlar os efeitos da doença.
Nesse passo, as digressões sobre "reserva do possível" e "orçamento público", devem ser afastadas, vez que prevalece a ordem constitucional posta que consagra o direito à saúde como dever do Estado (artigo 196, CF/1988). Como bem jurídico constitucionalmente tutelado, qualquer indiferença/omissão do Estado que coloque em risco a salvaguarda desse direito deve ser prontamente eliminada, notadamente quando se fala em proporcionar aos mais necessitados o tratamento de saúde que não podem custear com os próprios recursos financeiros. Dar à parte autora a oportunidade de receber a medicação pleiteada significa tornar efetivo o regramento constitucional que obriga o Estado a assegurar a todos a assistência médica e o direito à vida.
Daí a necessidade de se ter, aqui, resguardado o próprio direito à vida, inclusive em atenção ao preceito constitucional segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida" (artigo 5º).
Cito, adiante, julgados do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em hipóteses semelhantes à presente, os quais adoto como razão de decidir:
DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES FEDERADOS. MEDICAMENTO NÃO FORNECIDO PELO SUS. Configurada a necessidade do requerente de medicamento não fornecido pelo SUS, cabível a determinação do seu fornecimento pelo Estado desde que comprovado ser o mesmo indispensável à saúde do requerente. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que postulados medicamentos - inclusive aqueles para tratamento de câncer. (TRF4, AG 5006301-06.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012) [grifei]
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/STJ.
1. A saúde Pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos em conjunto.
2. O legislador pátrio instituiu um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros, para o tratamento de enfermidades. Incidência da Súmula 83/STJ.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 468.887/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 28/03/2014) [grifei]
SAÚDE - FORNECIMENTO DE REMÉDIOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde.
(ARE 744170 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2014 PUBLIC 03-02-2014) [grifei]
Assim, tenho por satisfeitos os requisitos necessários para a disponibilização do medicamento pleiteado pela parte autora, para a continuidade do seu tratamento, Malato de Sunitinibe (Sustent®), por tempo indeterminado.
A tais fundamentos, não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador.
Com efeito, infere-se das provas produzidas nos autos, especialmente a prova pericial (evento 90 - LAUDO1), que: (1) o(a) autor(a) é portador(a) de neoplasia maligna de estroma gastrointestinal avançado (CID10 C26.9); (2) o medicamento foi prescrito por médico vinculado ao SUS, junto à Santa Casa de Caridade de Bagé/RS (UNACON), e é o mais adequado e eficaz no combate da moléstia em seu estágio atual; (3) ele(a) já foi submetido(a) aos tratamentos e protocolos previstos pelo SUS, sem êxito; (4) não há medicação ou droga similar, e (5) há risco de agravamento da doença e óbito.
Comprovadas a eficácia e a necessidade de uso do medicamento para o controle da doença e a ineficácia das drogas fornecidas pelo SUS, é inafastável o reconhecimento do direito à tutela jurisdicional.
III - Quanto à prestação de contas, não assiste razão à União porque o juízo a quo determinou a adoção de medidas de contracautela, com a abertura de autos suplementares para maior controle e cumprimento da decisão.
IV - Os réus deverão arcar com os honorários advocatícios devidos ao procurador do(a) autor(a), observados os critérios legalmente estabelecidos no art. 85 do CPC.
No tocante ao quantum a ser arbitrado a esse título, há que se ponderar que, nas ações em que pleiteado o fornecimento gratuito de medicamentos, (1) não raras vezes, há discrepância entre o valor atribuído à causa e o real proveito econômico obtido, tendo em vista a possibilidade de interrupção superveniente do tratamento original pela alta toxicidade do fármaco, o que inviabiliza a estimativa baseada em custo do medicamento e tempo de sua utilização, e (2) o direito à saúde é de valor inestimável. Por essa razão, aplica-se a regra prevista no § 8º do art. 85 do CPC, que remete o arbitramento da verba honorária sucumbencial à apreciação equitativa do juiz (que considerará o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho efetivamente realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço).
No caso concreto, considerando que o feito tramitou por menos de um ano até a prolação da sentença, sem incidentes processuais que exigissem diligências por parte dos procuradores, os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata, devidamente corrigidos (já considerado o disposto no art. 85, § 11, do CPC), porquanto em consonância com a jurisprudência em ações dessa natureza.
Mantido o afastamento da União do pagamento de sua cota parte, porquanto não houve insurgência quanto à aplicação da Súmula 421 do STJ.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do Estado do Rio Grande do Sul e negar provimento à apelação da União.
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Apelação Cível Nº 5000787-46.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: FERNANDO SOARES DA SILVA (AUTOR)
VOTO DIVERGENTE
Com a devida vênia, divirjo da e. Relator e desde já adianto que, a meu ver, os apelos dos réus merecem provimento quanto ao mérito.
O direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a não lhe dar eficácia. A interpretação da norma constitucional há de ter em conta a unidade da Constituição, máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimento de medicamentos ou realização de procedimentos, deve-se observar determinados parâmetros:
a) eventual concessão da liminar não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento do serviço público de saúde;
b) o direito de um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outros cidadãos igualmente tutelados pelo direito à saúde;
c) o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos;
d) havendo disponível no mercado, deve ser dada preferência aos medicamentos genéricos, porque comprovada sua bioequivalência, resultados práticos idênticos e custo reduzido;
e) o fornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolos clínicos e a 'medicina das evidências', devendo eventual prova pericial, afastado 'conflito de interesses' em relação ao médico, demonstrar que tais não se aplicam ao caso concreto;
f) medicamentos ainda em fase de experimentação, não enquadrados nas listagens ou protocolos clínicos devem ser objeto de especial atenção e verificação, por meio de perícia específica, para comprovação de eficácia em seres humanos e aplicação ao caso concreto como alternativa viável.
Explicito que nos tratamentos de neoplasia maligna realizados pelo SUS, através de CACON/UNACON, procedimentos são realizados através de autorizações (APAC-Onco), nas quais devem constar as informações pertinentes ao tratamento de cada paciente, como diagnóstico e sua data, tipo histológico, estadiamento, bem como o tratamento proposto. O oncologista clínico, dentro de um protocolo estabelecido, tem relativa liberdade para indicar o melhor tratamento para o paciente, com exceções como os casos de leucemia mieloide crônica e linfoma difuso de grandes células B, que apresentam portarias específicas. Esses procedimentos são periodicamente auditados por gestores ligados ao Ministério da Saúde e, em grande parte, possuem teto remuneratório, que, na verdade, é o maior entrave na efetivação dos tratamentos de câncer, responsável pela imensa maioria das ações de medicamentos antineoplásicos. Ou seja, o problema do tratamento oncológico é mais de ordem econômica do que procedimental.
É evidente que, em virtude da peculiaridade do tratamento oncológico pelo SUS, conclui-se que a criação ou não de protocolo visando à disponibilização de um medicamento específico para tratamento de pacientes que se enquadrem em determinado quadro de saúde constitui típica opção discricionária da Administração, a ser realizada segundo juízos de conveniência e oportunidade, inalcançáveis pelo Poder Judiciário.
Vinha entendendo, contudo, que o direito da parte autora não poderia aguardar solução burocrática, afastando, dessa forma, qualquer alegação de afronta aos artigos 19-M, 19-O e 19-Q da Lei nº 8.080/90. Todavia, a evolução da jurisprudência nas ações de medicamento desta Corte fez ponderar o fato de que a judicialização da política pública de distribuição de medicamentos deve obedecer a critérios que não permitam que o Judiciário faça as vezes da Administração, bem como que não seja convertido em uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem que se leve em consideração a existência de outros cidadãos na mesma ou em piores circunstâncias.
Embora reconheça que já decidi favoravelmente à concessão do Sunitinibe para o tratamento do tumor gastrointestinal (GIST), com a evolução da jurisprudência desta Corte nas ações de saúde me convenci do descabimento dessa concessão, na medida em que o próprio protocolo clínico do MS para o tratamento da doença (Portaria MS 494/14, fl. 12) já apontava a falha no ensaio clínico que atestou a efetividade do Sunitinibe:
(...) A principal crítica a esse estudo consiste no fato de haver evidências de que a suspensão do imatinibe está associada a aumento do risco de progressão acelerada da doença, o que pode ter impactado negativamente nos desfechos observados no grupo placebo. De fato, asobrevida livre de progressão no grupo placebo foi de 6 semanas, enquanto a sobrevida livre de doença estimada com escalonamento de dose de imatinibe foi de cerca de 11,6 semanas. Esse dado aponta para um aspecto que pode ser criticável do ponto de vista ético. Não foi descrito quantos pacientes entre os definidos como resistentes tinham espaço para o escalonamento. Assim, a duração de estabilidade da doença, apontada como superior no grupo sunitinibe, como igual ou superior a 22 semanas observada em 17% dos pacientes que receberam sunitinibe e em 2% do grupo placebo, não pode ser aceita como verdadeira (40-43).
Os efeitos adversos comuns do sunitinibe incluem diarreia (40%), astenia (37%), fadiga (33%), hipertensão (28%) e náusea (27%), além de hipotireoidismo, anemia, neutropenia, trombocitopenia, linfocitopenia e diminuição da fração de ejeção ventricular (40, 44).
Assim, diante da natureza da evidência disponível, recomenda-se aguardar novos e mais adequados estudos para que o sunitinibe possa ser devidamente avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC), inclusive quanto ao custo-efetividade de considerá-lo terapia de segunda linha para GIST (44-47).
Por tais razões, o sunitinibe não está indicado neste Protocolo.
O presente caso enquadra-se nas situações em que a alternativa pleiteada não consta dos protocolos clínicos para o tratamento custeado pelo Poder Público por força de entendimento no sentido de que inexistem evidências científicas suficientes que autorizem sua inclusão nos protocolos clínicos de tratamento da doença (hipótese de decisão administrativa fundamentada). E se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador, nos termos do Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça:
14 - Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.
Do exposto, tenho que a sentença merece reforma quanto ao mérito.
Do descabimento da devolução dos valores percebidos por força da tutela antecipada
Por fim, com a reforma da sentença de procedência, convém esclarecer acerca da devolução dos valores gastos com o medicamento por força da tutela e cuja dispensação, ao final, foi considerada indevida.
Entende-se incabível a devolução, pela parte autora, dos respectivos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
2. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)
Esta Corte também já se manifestou sobre o não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES PAGOS POR FORÇA DE LIMINAR. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU RECURSAL. BOA-FÉ DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO. REGRA DO ART. 154, §3º DO DECRETO 3.048/99. AFASTAMENTO. IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE CARÁTER ALIMENTAR. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. UNICIDADE DO PODER ESTATAL. HARMONIZAÇÃO DOS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E INSTITUTO DA COISA JULGA PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
1. Havendo percepção de valores de boa-fé pelo segurado, padece de sedimento a pretensão da autarquia que visa à repetição das quantias pagas por força de liminar, cuja sentença que a confirmou foi reformada em grau recursal.
2. A Regra do art. 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade.
3. Mostra-se necessário prestigiar-se a diretiva da proteção da confiança, aspecto subjetivo da segurança jurídica, dada a imprescindibilidade de estabilização das relações jurídicas criadas tanto por atos da Administração Pública, quanto por decisões judiciais - em homenagem ao postulado da unicidade do poder estatal.
4. A colisão entre a efetividade da coisa julgada e a segurança jurídica deve, pelo princípio da proporcionalidade, ser resolvida de forma harmoniosa, evitando-se a continuidade da percepção indevida, sem contudo se responsabilizar a parte pela determinação judicial que lhe proporcionou aquele auferimento, conferindo a correta função harmonizadora dos direitos fundamentais ao instituto da tutela provisória.
(TRF4, AG 2006.04.00.032594-8, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 03/04/2007).
Sucumbência
Com a reforma da sentença, inverto a sucumbência para condenar a parte autora a arcar com os honorários de sucumbência em favor dos réus, no montante de R$ 3.000,00, pro rata, em observância ao preceituado na nova regra processual, cuja exigibilidade fica suspensa pela concessão da AJG.
Conclusão
De todo o exposto, concluo que os apelos da União e do Estado merecem provimento quanto ao mérito, para julgar improcedente o pedido e inverter o ônus sucumbencial.
Dispositivo
Posto isso, voto por dar provimento aos apelos da União e do Estado.
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Apelação Cível Nº 5000787-46.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: FERNANDO SOARES DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: GEORGIO ENDRIGO CARNEIRO DA ROSA (DPU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. câncer. imprescindibilidade do fármaco. ausência de demonstração. evidência científica pela inefetividade do tratamento.
1. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica.
2. Havendo informação, no próprio protocolo clínico para o tratamento da doença, fundamentação pela não indicação do mesmo, informando ausência de vantagem terapêutica em relação aos tratamentos disponibilizado pelo SUS, tem-se que não há evidência nos autos da presença dos requisitos que corroborem o direito alegado pela parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar provimento aos apelos da UNIÃO e do ESTADO vencidos a Des. Federal Vivian Caminha e o Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Lavrará o acórdão o Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de abril de 2018.
Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000438245v3 e do código CRC 7cb0f3e8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/03/2018
Apelação Cível Nº 5000787-46.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: FERNANDO SOARES DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: GEORGIO ENDRIGO CARNEIRO DA ROSA (DPU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/03/2018, na seqüência 386, disponibilizada no DE de 23/02/2018.
Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO, O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO AOS APELOS DA UNIÃO E DO ESTADO E O VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA. O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO DE ACORDO COM O ARTIGO 942 DO CPC.
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha o Relator em 12/03/2018 23:05:18 - GAB. 41 (Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR ) - Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/04/2018
Apelação Cível Nº 5000787-46.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: FERNANDO SOARES DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: GEORGIO ENDRIGO CARNEIRO DA ROSA (DPU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/04/2018, na seqüência 21, disponibilizada no DE de 27/03/2018.
Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após as ratificações de voto proferidos originalmente, o voto da Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA e da Des. Federal MARGA BARTH TESSLER no sentido de acompanhar a divergência. A Turma Ampliada, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar provimento aos apelos da UNIÃO e do ESTADO vencidos a Des. Federal Vivian Caminha e o Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Lavrará o acórdão o Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
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