Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. AUSÊNCIA. TRF4. 5043280-40.2017.4.04.7000...

Data da publicação: 07/07/2020, 18:38:36

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. AUSÊNCIA. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto. (TRF4, AC 5043280-40.2017.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 09/08/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5043280-40.2017.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ELIZA DOS SANTOS OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

ELIZA DE SANTOS OLIVEIRA, nascida em 05-02-1955, ajuizou, em 06-10-2017, ação ordinária contra a UNIÃO, o ESTADO DO PARANÁ e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, objetivando o fornecimento do medicamento Temodal/Temozolamida, para tratamento de Neoplasia Maligna do Encéfalo, estágio IV (CID C71.8).

Houve a antecipação liminar da tutela, posteriormente cassada em sede de agravo de instrumento. Após a instrução sobreveio a sentença que julgou procedente o pedido, condenando os réus a fornecer o medicamento pleiteado na periodicidade e quantidade necessárias a todo o tratamento da parte autora.

A sentença restabeleceu a tutela, determinando que a União adotasse as providências necessárias para o fornecimento contínuo à parte autora, dispondo do prazo de 15 dias, contados da intimação da sentença, devendo, o medicamento, ser entregue diretamente no Hospital de Clínicas do Paraná, sendo facultado o depósito em juízo do valor suficiente à aquisição de medicamento para 3 meses de tratamento, em caso de impossibilidade de entrega do fármaco no prazo estipulado, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00.

A parte ré foi condenada ao ônus sucumbencial, sendo os honorários fixados em R$ 2.000,00 para cada um dos réus, nos termos do art. 85, §8º, do CPC, atualizados de acordo com os parâmetros estabelecidos no Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.

A União apelou alegando, em resumo, sua ilegitimidade passiva, discorreu sobre a medicina baseada em evidências e a incorporação de novas tecnologias ao SUS, sustentando violação, no caso, ao artigo 19-M, 19-N, 19-O e 19-Q da Lei n° 8.080/90, bem como a ausência de prova da ineficácia de política pública para o tratamento da doença que acomete a parte autora. Da mesma forma, alega que a CONITEC não recomenda o fármaco em questão para o câncer cerebral pela ausência de efetividade. Caso seja mantida a decisão, requer que o cumprimento da decisão seja dirigido ao Estado, facultando eventual ressarcimento exclusivamente pela via administrativa, pro rata, bem como pleita a exclusão ou redução da multa fixada. Por fim, pede a fixação de contracautelas.

É o relatório.

VOTO

Da legitimidade passiva

Esta Corte sedimentou jurisprudência, com base na legislação incidente (art. 198 da CF; Lei 8.080/90; Portarias do MS nº 2.577/06, nº 204/07 e nº 2.981/09; Leis nº 12.401/11 e nº 12.466/11; Decreto nº 7.508/11), no sentido de que a responsabilidade dos Entes Federados configura litisconsórcio facultativo e, portanto, a ação pode ser proposta contra um ou mais entes da federação, responsáveis solidários. Nessa linha as seguintes decisões:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. SUS CHAMAMENTO. UNIÃO. DESNECESSIDADE. A responsabilidade é solidária entre as três esferas de governo, o que autoriza a propositura da ação contra um, alguns ou todos os responsáveis solidários, conforme opção do interessado e respeitados os limites subjetivos da lide. Não há a configuração de litisconsórcio necessário. A propositura da ação contra mais de um dos entes responsáveis pelo SUS forma mero litisconsórcio facultativo. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 2009.04.00.032245-6 UF: SC; TERCEIRA TURMA; D.E. 02/06/2010; Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CHAMAMENTO AO PROCESSO. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. Agravo desprovido." (AGRAVO DE INSTRUMENTO; Processo: 0005769-88.2010.404.0000 UF: SC; TERCEIRA TURMA; D.E. 12/05/2010; Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ)

"PROCESSUAL CIVIL. MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE. SOLIDARIEDADE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. Havendo solidariedade passiva entre os entes federados no que se refere ao fornecimento de medicamentos, não há falar em litisconsórcio passivo necessário. Tratando-se da hipótese de litisconsórcio facultativo e excluído o ente que justificava a tramitação do feito da Justiça Federal, correta a decisão que determina a devolução dos autos à Justiça Estadual. (AGRAVO DE INSTRUMENTO 0004517-50.2010.404.0000 UF: SC; QUARTA TURMA; D.E. 24/05/2010; Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER)

Assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo, em face do litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar.

Do mérito

Quanto ao mérito, adoto como fundamento as razões do muito bem lançado voto da lavra no Exmo. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto no julgamento da AC nº 5012073-81.2011.404.0000, em 17-02-2012, nos seguintes termos:

"1. Como fixado acima, o preceito constitucional estabelece a saúde como um direito de todos e o dever estatal de ação prestacional, nos termos do artigo 196 e 197, da Carta Magna, nos seguintes termos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Dos comandos constitucionais é fácil perceber não apenas a configuração do direito à saúde como direito fundamental dos indivíduos, mas também que as políticas públicas decorrem dos diplomas legais, o que implica em limites - legais e fáticos - sobre o que seja direito subjetivo do indivíduo e aquilo que deve ser materialmente prestado pelo Estado

Com efeito, no campo da saúde não pode ser exigível do Poder Público toda e qualquer prestação material, mas apenas aquelas que já se acham consagradas nas políticas públicas, fixadas por quem foi legítima e democraticamente eleito para estabelecê-las.

Ao lado destas, como consequência do princípio da dignidade da pessoa humana e do mínimo vital, vinha entendendo que o Estado está, em linha de princípio, obrigado a fornecer medicamentos e tratamentos que, embora não ofertados regularmente, sejam acessíveis a um grande número de cidadãos que tenham condições de adquiri-los junto ao mercado. É importante gizar que estes tratamentos e medicamentos são exclusivamente aqueles ordinários, equivale dizer, apenas aqueles que comumente qualquer pessoa teria acesso caso possuísse condições econômicas.

Assim, não há que se pretender a prestação de uma tutela máxima, segundo os interesses e conveniências do beneficiário, mas apenas aquilo que ordinariamente está acessível.

Com base nestes pressupostos, vinha concedendo liminares exclusivamente para garantias do mínimo vital àqueles que pretendiam prestação material do Estado que era acessível aos demais, e inacessível para o hipossuficiente. Entendia - e entendo - que cabe ao Estado, e à sociedade como um todo, assegurar o direito à saúde daqueles que, em razão da hipossuficiência econômica de seu núcleo familiar, não conseguem obter aquilo que, embora não fornecido pelo Estado, é usualmente acessível a maioria da população.

A comprovação da hipossuficiência me parecia indispensável porque, no meu sentir, a concessão de ordem judicial somente estaria autorizada quando estivesse em jogo um desequilíbrio fático entre o requerente e os demais indivíduos, de modo que a ordem judicial visaria a garantir uma isonomia material entre eles.

2. Ocorre que a matéria vem ganhando novos contornos, especialmente após as audiências públicas realizadas pelo egrégio Supremo Tribunal Federal a partir de março de 2009, que culminaram em recentes decisões do Excelentíssimo Presidente daquele Colegiado, em sede de Suspensão de Tutela Antecipada (STA 175, 178 e 244).

A orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal foi sintetizada em bem lançado parecer, da lavra do Excelentíssimo Procurador Regional da República, Paulo Gilberto Cogo Leivas (em parecer exarado nos autos agravo de instrumento n.º 2009.04.00.026734-2), nos seguintes pontos:

"1) Verificação da existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Em existindo tal política, o afirma que direito subjetivo público à saúde é evidente. Em não existindo tal política, passar-se-á à segunda etapa;

Na segunda etapa analisa-se se a não-prestação de saúde pleiteada decorre de:

2a) omissão legislativa ou administrativa;

2b) de uma decisão administrativa de não fornecê-la;

2c) vedação legal a sua dispensação.

Um caso da hipótese "2c" (vedação legal a sua dispensação) é quando o fármaco não possui registro na ANVISA, embora mencione que a Lei 9.783/99 permite a que agência dispense de registro medicamento adquiridos por intermédio de organismos multilaterais.

3) Em relação à hipótese "2b" (decisão pelo não-fornecimento), o Ministro-Presidente apresenta duas situações distintas:

3a) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente;

3b) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

Na hipótese "3a" (o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente), a posição do juiz tem de ser a de privilegiar os "Protocolos Clínicos de Diretrizes Terapêuticas" fundados na "Medicina baseada em Evidências". O privilegiar os protocolos não significa, contudo, que o Poder Judiciário e a própria Administração não possa decidir de modo diferente ao do protocolo se "por razões específicas do seu organismo", comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso". Além disso, os próprios protocolos não são inquestionáveis e permitem sua contestação judicial.

4) Na hipótese "3b" (o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia), o Ministro-Presidente apresenta duas novas situações distintas:

4a) tratamento puramente experimentais;

4b) novos tratamentos ainda não incorporados pelo Sistema Único de saúde.

Define tratamento puramente experimentais como aqueles sem comprovação científica de sua eficácia e testados em pesquisas clínicas. Com relações a esses, o Ministro Gilmar Mendes é enfático: "o Estado não pode ser condenado a fornecê-los".

Já em relação à hipótese "4b" (novos tratamentos ainda não incorporados pelo Sistema Único de Saúde), afirma que a omissão administrativa em não fornecer o medicamento pode ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais quanto por ações coletivas. Contudo, adverte: "é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar"., bem como adverte contra a "produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peça processuais que muitas vezes, não contemplas as especificidades do caso concreto examinado".

A partir destas novas diretrizes, restou reforçada a obediência às políticas públicas e a necessidade de sujeição do indivíduo aos procedimentos próprios do SUS. Somente em caráter excepcional será possível o deferimento judicial de direito prestacional, em caráter supletivo às prestações já atendidas pelo Estado."

Esta direção firmada pelo Supremo Tribunal Federal promove ponderação entre o direito subjetivo à prestação do direito à saúde e os demais direitos constitucionais que lhe são contrapostos.

Nesse aspecto, pode-se fixar critérios relacionadas ao tema, sendo a primeira premissa a que diz respeito a existência do direito subjetivo público à saúde no caso de haver política pública que garanta o fornecimento destes medicamentos e/ou tratamentos ao cidadão, sendo exigível, portanto, perante o Poder Público o seu fornecimento.

Assim, tratando-se de medicamento básico, previsto na lista RENAME, mas não fornecido pelo ente estatal, há direito subjetivo do indivíduo à prestação material, podendo deduzir a pretensão frente ao Município ou ao Estado-membro, a depender da natureza do medicamento pretendido".

Dentre as outras consequências é possível extrair-se, de logo, a inexistência hipossuficiência como requisito à concessão de prestação estatal, porque se o direito à saúde é dever do Estado e assegurado a todos, não há como se estabelecer critério de discriminação entre os indivíduos em razão da renda.

Assim, como segunda premissa para as questões relacionadas com o direito à saúde, é possível fixar que "não é necessária a comprovação da hipossuficiência para fazer jus à prestação material, esteja ela fixada em política pública ou não".

3. Outras premissas também devem ser traçadas para, em linhas gerais, modular direitos e deveres, bem como o modo de exercício daqueles, sempre com vista a salvaguardar o direito à saúde previsto no texto constitucional, sem que isso represente, de outro, a inviabilidade do Sistema Único de Saúde.

A terceira premissa diz respeito à "vedação legal de dispensação de medicamento não aprovado pela ANVISA", contida na Lei n.º 8.080/1990, alterada pela Lei n.º 12.401/2011, que, em seu artigo 19-T, assim determina:

Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na ANVISA.

Logo, a vedação legal acima reproduzida impede que seja imposta ao Estado a obrigação de fornecer qualquer fármaco, produto e procedimento clínico, ou cirúrgico, sem o registro da ANVISA.

Nesse sentido o Comitê Executivo da Saúde no Paraná, instituído pelo CNJ, baixou o seguinte enunciado:

Enunciado nº 3 - "A determinação judicial de fornecimento de medicamentos deve observar a existência de registro na ANVISA" (Ref. Legislativa: artigo 19-T, inciso II, da Lei nº 8.080/90, com redação dada pela Lei nº 12.401/11).

O mesmo vale para os tratamentos experimentais, que igualmente não podem ser dispensado pelo SUS, tampouco obtidos na via judicial.

Outro ponto que se adota como premissa (quarta premissa) necessária para o fornecimento de medicamento por intermédio de ação judicial é a "existência de prévia solicitação administrativa da prestação material pretendida pelo indivíduo frente aos órgãos governamentais competentes, de modo a receber resposta sobre a possibilidade, ou não, de fornecimento do tratamento pretendido, considerando se o mesmo está, ou não, na lista do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos)". Ausente o pedido administrativo, cabe ao Poder Judiciário ouvir o gestor público antes de apreciar os pedidos de liminar.

O Comitê Executivo da Saúde, no Paraná, exarou enunciado também sobre este tema:

Enunciado nº 2 - "Os pedidos ajuizados para que o Poder Público forneça ou custeie medicamentos ou tratamentos de saúde devem ser objeto de prévio requerimento à administração, a quem incumbe responder fundamentadamente e em prazo razoável. Ausente o pedido administrativo, cabe ao Poder Judiciário ouvir o gestor público antes de apreciar pedidos de liminar, se o caso concreto o permitir".

4. Outra premissa diz respeito àqueles medicamentos, produtos ou procedimentos clínicos não fornecidos pelo SUS, podendo, tal situação, subdividir-se em outras duas: o SUS fornece tratamento alternativo à determinada patologia, mas o mesmo é ineficaz para determinado paciente; ou, o SUS não disponibiliza qualquer tratamento àquela doença.

Nestes casos, devem ser privilegiados os tratamentos previstos "Protocolos Clínicos de Diretrizes Terapêuticas" fundados na "Medicina baseada em Evidências", independentemente de constarem ou não nos medicamentos/tratamentos fornecidos pelo SUS, sempre a que situação concreta recomendar o tratamento específico, devidamente comprovada por médico do SUS ou mediante perícia judicial.

Privilegiar os protocolos não significa que o Poder Judiciário e a própria Administração não possam decidir de modo diferente ao do protocolo se, por razões específicas e devidamente comprovadas por perícia médica, reste comprovado que o tratamento fornecido não é eficaz no caso concreto. Até porque os próprios protocolos podem ser judicialmente questionados, ainda que em situações muito restritas.

Os novos tratamentos ainda não incorporados pelo SUS podem ser a última alternativa para usuários do sistema de saúde que, por evidente, apesar de incluídos dentre os tratamentos/medicamentos aprovados pela ANVISA, ainda não estão disponíveis no sistema público. Deste modo, o Estado pode ser compelido a fornecer fármacos ainda não cobertos pelo SUS, condicionada tal determinação à instrução processual, em que estejam presentes elementos consistentes indicativos da sua necessidade imperiosa no caso concreto.

A partir destas novas diretrizes, resta reforçada a obediência às políticas públicas e a necessidade de sujeição do indivíduo aos procedimentos próprios do SUS. Somente em caráter excepcional será possível o deferimento judicial de direito prestacional, em caráter supletivo às prestações já atendidas pelo Estado, preferencialmente mediante prescrição de medicamento por intermédio de médico do Sistema Único de Saúde, ou mediante perícia médica efetivada em juízo. Tal perspectiva gerou a edição de enunciado pela Comitê Executivo da Saúde, vazado nos seguintes termos, que se adota como quinta premissa para modular o direito à saúde:

Enunciado nº 1 - "As ações que versem sobre pedidos para que o Poder Público promova a dispensação de medicamentos ou tratamentos, baseadas no direito constitucional à saúde, devem ser instruídas com prescrição de médico em exercício no Sistema Único de Saúde, ressalvadas as hipóteses excepcionais, devidamente justificadas, sob risco de indeferimento de liminar ou antecipação da tutela".

Como asseverando em linhas anteriores, tratando-se medicamento ausente das listas oficiais, a prescrição do mesmo deve ser feita a partir de diagnóstico clínico e de prescrição feita por médico vinculado ao SUS, ou, caso contrário, a partir da elaboração de perícia médica realizada por perito do juízo.

Esta perícia, por sua vez, sem prejuízo de outros quesitos, deve incluir os seguintes questionamentos:

a) identificar se existe, ou não, política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Vale dizer, deverá dizer se há protocolo clínico ou diretriz terapêutica estabelecida pelo Ministério da saúde para a patologia que acomete a parte; b) aferir a possibilidade de utilizar qualquer outro medicamento ou tratamento equivalente ao pretendido pela parte, já disponibilizado pelo SUS;

c) aferir a possibilidade substituição do medicamento ou tratamento pretendido por outro de menor custo, se não disponibilizado pelo SUS;

d) identificar a pertinência e necessidade do fármaco por parte do requerente;

e) identificar se a prescrição está fundada em Medicina Baseada em Evidências, caso não esteja fundada nos protocolos clínicos;

f) indicar eventuais tratamentos a que o paciente já foi submetido para o tratamento da moléstia, se os mesmos estavam contemplados em política pública, bem como se foram prescritos por médicos públicos ou particulares."

Do caso concreto

Observa-se da receita médica (evento 1- LAUDO11), que a autora se submete a tratamento fornecido pelo Hospital de Clínicas do Paraná (UNACON), onde o fármaco requerido foi prescrito pelo Dr. Bruno R. Batista - CRM 33.258 (Evento 3 - RECEIT5).

No caso em tela, todavia, não se confirma a expectativa da efetividade do medicamento ao caso específico. Veja-se que, ao contrário do que referiu a perícia judicial, a CONITEC recomendou pela não incorporação da Temozolamida para o tratamento de pacientes portadores de Gliomas de alto grau, como é o caso da parte autora:

(...) Os membros da CONITEC presentes na 20ª reunião do plenário realizada nos dias 06/11 e 07/11/2013 apreciaram a proposta de incorporação do temozolomida para o tratamento adjuvante de pacientes portadores de Gliomas de Alto Grau ( III e IV).

Considerou-se que as evidências científicas apresentadas não foram suficientes, pois não há evidências de superioridade da temozolomida versus quimioterapia no tratamento de gliomas de alto grau.

Assim, os membros da CONITEC presentes, deliberaram, por unanimidade, por não recomendar a incorporação da temozolomida para o tratamento adjuvante de pacientes portadores de gliomas de alto grau.

Posteriormente, em Relatório de Recomendação de setembro de 2014, a CONITEC manteve a recomendação atestou não haver evidências científicas de que o medicamento postulado, em associação à radioterapia, seja superior à associação da dacarbazina com a radioterapia (http://conitec.gov.br/images/Artigos_ Publicacoes/Temozolomida_FI NAL.pdf):

(...) O desafio nesse tipo de câncer é que, apesar das inovações em técnicas cirúrgicas e radioterápicas e o desenvolvimento de novos medicamentos antineoplásicos que aconteceram nas últimas décadas, os gliomas malignos, em especial os de alto grau, permanecem doenças fatais. São altas as taxas de morte no primeiro ano, sendo que a maioria dos pacientes já foi a óbito em dois anos após o diagnóstico.

A evidência atualmente disponível sobre eficácia e segurança da temozolomida para tratamento de gliomas de Alto Grau (estádios II e IV) é baseada em ensaios clínicos randomizados, com nível de evidência 1.

Neste sentido, os resultados apresentados pelos estudos de Hart (2013) sugerem que o tamanho do efeito é de HR=0,60 e a mediana de sobrevida é de 2,5 meses para o grupo que usou temozolamida. A taxa de sobrevida aos 12 meses é de 61,1% para o grupo de temozolamida + radioterapia com uma redução do risco absoluto (RRA) de 10,5% e NNT de 10.

No entanto, o principal problema do estudo apresentado pelo demandante foi estabelecimento equivocado da pergunta de pesquisa: temozolamida + radioterapia é superior à radioterapia isolada em gliomas de alto grau?

Não há dúvidas quanto a isso, tanto que desde 1999 o tratamento no SUS para esse tipo de tumor é quimioterapia associada à radioterapia, cabendo ao médico e ao paciente e familiares decidirem se esse aumento de sobrevida com prejuízo da qualidade de vida é desejável. A questão clínica relevante seria saber se a quimioterapia com temozolamida, novo medicamento de alto custo e sob patente, é superior à quimioterapia com os demais agentes alquilantes já disponíveis. Como estes estudos de comparação entre tipos de quimioterapia não foram incluídos pelo demandante, foi realizada busca que revelou estudos que demonstram equivalência terapêutica da temozolamida versus quimioterapia por dacarbazina, análogo injetável da temozolamida, que é oral, no tratamento de gliomas de alto grau.

Ademais, o modelo econômico apresentados pelo demandante levanta um alto grau de incerteza que não permite concluir que a RCEI apresentada seja robusta suficiente para discussão da sua incorporação.

No mesmo sentido, o NATS/UFMG, ao ser questionado sobre a eficácia do medicamento pleiteado, recomendou pela sua não utilização e concluiu:

CONCLUSÕES

O glioblastoma multiforme apresenta prognóstico sombrio. O glioblastoma com componentes PNET é uma variante rara do glioblastoma multiforme, que parece ter sobrevida um pouco melhor que a doença sem essa característica. Quando o tumor pode ser ressecado cirurgicamente, essa é a melhor opção terapêutica, conferindo algum ganho de sobrevida. A temozolomida só foi avaliada, em estudo de melhor qualidade, para pacientes com glioblastoma multiforme que já haviam sido tratados com outras linhas de quimioterapia e nos quais o tumor havia progredido. Não mostrou ganho de sobrevida estatisticamente significativo. Não há estudos que comprovem que a temozolomida seja mais segura ou eficaz que a dacarbazina, ou outra terapia antineoplásica associada à radioterapia, para doentes com gliomas grau III ou IV. Terapias financiadas pelo SUS. Portanto, não há benefícios em se utilizar a temozolomida em detrimento de alternativas disponíveis no SUS.(Grifo nosso).

RECOMENDAÇÃO

O NATS, em concordância com as recomendações do Ministério da Saúde, não recomenda o uso da temozolomida para o tratamento do glioblastoma multiforme. Enfatizamos aqui a necessidade de se estabelecer o melhor cuidado suportivo com objetivo de garantir a melhor qualidade de vida possível, a independência e autonomia da paciente além de prevenir possíveis eventos colaterais fúteis. (...)

Portanto, ainda que o medicamento pretendido tenha o devido registro na ANVISA e que haja prova da recusa dos réus no seu fornecimento, resta afastada a superioridade do medicamento em face das alternativas do MS para o tratamento postulado, somado ao fato de que há séria dúvida acerca do esgotamento dessas alternativas.

Assim, entendo que a sentença merece reforma em relação ao mérito, devendo ser cassada a tutela concedida, restando prejudicada a análise dos demais argumentos da União.

Do descabimento da devolução dos valores percebidos por força da tutela antecipada

Por fim, com a reforma da sentença de procedência, convém esclarecer acerca da devolução dos valores gastos com o medicamento por força da tutela e cuja dispensação, ao final, foi considerada indevida.

Entende-se incabível a devolução, pela parte autora, dos respectivos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. 2. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)

Esta Corte também já se manifestou sobre o não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES PAGOS POR FORÇA DE LIMINAR. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU RECURSAL. BOA-FÉ DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO. REGRA DO ART. 154, §3º DO DECRETO 3.048/99. AFASTAMENTO. IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE CARÁTER ALIMENTAR. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. UNICIDADE DO PODER ESTATAL. HARMONIZAÇÃO DOS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E INSTITUTO DA COISA JULGA PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. Havendo percepção de valores de boa-fé pelo segurado, padece de sedimento a pretensão da autarquia que visa à repetição das quantias pagas por força de liminar, cuja sentença que a confirmou foi reformada em grau recursal. 2. A Regra do art. 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade. 3. Mostra-se necessário prestigiar-se a diretiva da proteção da confiança, aspecto subjetivo da segurança jurídica, dada a imprescindibilidade de estabilização das relações jurídicas criadas tanto por atos da Administração Pública, quanto por decisões judiciais - em homenagem ao postulado da unicidade do poder estatal. 4. A colisão entre a efetividade da coisa julgada e a segurança jurídica deve, pelo princípio da proporcionalidade, ser resolvida de forma harmoniosa, evitando-se a continuidade da percepção indevida, sem contudo se responsabilizar a parte pela determinação judicial que lhe proporcionou aquele auferimento, conferindo a correta função harmonizadora dos direitos fundamentais ao instituto da tutela provisória. (TRF4, AG 2006.04.00.032594-8, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 03/04/2007).

Da sucumbência

Com a inversão da sucumbência, a parte autora deve arcar com os honorários periciais e os honorários advocatícios de sucumbência.

No tocante ao quantum a ser arbitrado, nas ações em que se pleiteia a concessão de medicamento de alto custo, a questão dos honorários de sucumbência adquire contornos relevantes, tendo em vista a possível discrepância entre o valor dado à causa e o proveito econômico que muitas vezes se verifica muito aquém do valor estimado, tendo em vista que, no mais das vezes a parte vem a óbito ou o tratamento precisa ser suspenso pela toxicidade em virtude do uso do fármaco.

Considerando que se trata de causa relacionada à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, correta a aplicação do § 8º do art. 85 do novo CPC, que remete à apreciação equitativa considerando os incisos do § 2º do artigo citado (grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço).

Levando-se em conta que o feito tramitou durante cerca 5 meses até a prolação da sentença, tenho por justo e suficiente que os honorários advocatícios sejam fixados no montante de R$1.500,00, devidamente corrigidos, a ser rateado entre os procuradores dos réus, cuja exigibilidade fica suspensa em razão da concessão da Assistência Judiciária Gratuita.

Conclusão

Assim sendo, o apelo da união merece parcial provimento para reformar a sentença quanto ao mérito, invertendo o ônus sucumbencial.

Prequestionamento

Por fim, tendo em vista o disposto nas Súmulas 282 e 356 do STF e 98 e 211 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão recorrida não contrariou nem negou vigência a nenhum dos dispositivos legais invocados, considerando-os prequestionados.

Dispositivo

Posto isso, voto por dar parcial provimento ao apelo da União.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000461698v24 e do código CRC 57cc2103.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Data e Hora: 6/6/2018, às 19:10:4


5043280-40.2017.4.04.7000
40000461698.V24


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:38:36.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5043280-40.2017.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ELIZA DOS SANTOS OLIVEIRA (AUTOR)

VOTO DIVERGENTE

Peço vênia ao eminente Relator para divergir quanto à possibilidade de fornecimento de medicamento pleiteado.

I - Com efeito, a inexistência de protocolo clínico, aprovado pela CONITEC, não é, por si só, motivo para excluir o(a) autor(a) da assistência prestada pelo Poder Público, quando configurada a imprescindibilidade do medicamento pleiteado para o seu tratamento médico.

Da análise das provas produzidas nos autos, especialmente o laudo pericial (evento 63), infere-se que: (1) o(a) autor(a) realiza tratamento oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS), no Hospital de Clínicas do Paraná, estabelecimento cadastrado como CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia); (2) o fármaco possui registro na ANVISA e foi prescrito por profissional vinculado a essa unidade, sendo definido pelo Poder Público como competente para indicar a terapia necessária e adequada à moléstia; (3) houve esgotamento das alternativas terapêuticas para o caso dos autos (reposta ao quesito 5 da parte autora; (4) a medicação é considerada indispensável neste caso, por ser a melhor alternativa de terapia e a última linha de tratamento (reposta ao quesito "d" do Juízo), e (5) há comprovação de ganho de sobrevida global e estabilização da doença (resposta ao quesito 9 da parte autora).

A situação fática sub judice é extremamente grave e, embora não haja perspectiva real de cura, existe a possibilidade de aumento de expectativa de vida, o que denota a urgência da tutela e o desacerto da iniciativa de submetê-lo a mais uma tentativa de tratamento com fármaco de eficácia inferior.

Além disso, é de sopesar a circunstância que ele já ter se submetido a outras terapias disponibilizadas pelo SUS.

II - No tocante ao requerimento de direcionamento do cumprimento ao Estado, há que se salientar, como já referido anteriormente, que o artigo 196 da Constituição Federal prescreve que é obrigação do Estado (União, Estados e Municípios), assegurar o acesso à saúde: "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Portanto, considerando a legitimidade passiva dos réus, bem como sua solidariedade no caso, não há como excluir a responsabilidade de qualquer um deles pela aquisição e custeio do medicamento.

Em contrapartida, os réus deverão proceder, administrativamente, à repartição/ressarcimento dos valores despendidos com o fornecimento do medicamento entre si, sem necessidade de intervenção judicial.

III - No que diz respeito à imposição de multa, é pacífico, na jurisprudência (inclusive em sede de recurso repetitivo), a possibilidade de adoção da medida coercitiva contra o Poder Público:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO § 5º DO ART. 461 DO CPC/1973. DIREITO À SAÚDE E À VIDA.

1. Para os fins de aplicação do art. 543-C do CPC/1973, é mister delimitar o âmbito da tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia: possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.

2. A função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe foi imposta, incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de adimplir a obrigação voluntariamente.

3. A particularidade de impor obrigação de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. E, em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público devedor, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Precedentes: AgRg no AREsp 283.130/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/4/2014; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.063.902/SC, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 1/9/2008; e AgRg no REsp 963.416/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 11/6/2008.

4. À luz do § 5º do art. 461 do CPC/1973, a recalcitrância do devedor permite ao juiz que, diante do caso concreto, adote qualquer medida que se revele necessária à satisfação do bem da vida almejado pelo jurisdicionado. Trata-se do "poder geral de efetivação", concedido ao juiz para dotar de efetividade as suas decisões.

5. A eventual exorbitância na fixação do valor das astreintes aciona mecanismo de proteção ao devedor: como a cominação de multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer tão somente constitui método de coerção, obviamente não faz coisa julgada material, e pode, a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida ou até mesmo suprimida, nesta última hipótese, caso a sua imposição não se mostrar mais necessária. Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 596.562/RJ, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e AgRg no REsp 1.491.088/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 12/5/2015.

6. No caso em foco, autora, ora recorrente, requer a condenação do Estado do Rio Grande do Sul na obrigação de fornecer (fazer) o medicamento Lumigan, 0,03%, de uso contínuo, para o tratamento de glaucoma primário de ângulo aberto (C.I.D. H 40.1). Logo, é mister acolher a pretensão recursal, a fim de restabelecer a multa imposta pelo Juízo de primeiro grau (fls. 51-53).

7. Recurso especial conhecido e provido, para declarar a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.

(STJ, 1ª Seção, REsp 1474665/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017 - grifei)

Acresça-se que a fixação de multa por atraso no cumprimento de ordem judicial e o sequestro de valores são institutos distintos que não se excluem, motivo pelo qual é infundada a pretensão à substituição pleiteada pelo agravante.

Em sendo inequívoca a demora do agravante em tornar efetiva a prestação jurisdicional, é cabível a aplicação da astreinte.

Não obstante, o valor fixado pelo juízo a quo (R$ 500,00) excede os parâmetros adotados por esta Turma, de modo que a reduzo para R$ 100,00 (cem reais) por dia.

IV - Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Nessa perspectiva, considerando a possibilidade de o tratamento perdurar por tempo considerável, pois o fornecimento do fármaco será mantido enquanto for eficaz para o controle da doença, o(a) autor(a) deverá (a) comprovar a persistência das condições que fundamentaram o pedido, apresentando à unidade de saúde competente receita médica atualizada a cada 3 (três) meses; (b) informar imediatamente a suspensão/interrupção do tratamento, e (c) devolver, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000510383v5 e do código CRC d7d30c5c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 7/6/2018, às 10:2:14


5043280-40.2017.4.04.7000
40000510383.V5


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:38:36.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5043280-40.2017.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ELIZA DOS SANTOS OLIVEIRA (AUTOR)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. AUSÊNCIA.

1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos.

2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.

3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, decidiu dar parcial provimento ao apelo da UNIÃO, vencidos a Des. Federal VIVIAN CAMINHA e o Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 08 de agosto de 2018.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000461699v3 e do código CRC 9c704d63.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Data e Hora: 9/8/2018, às 13:53:13


5043280-40.2017.4.04.7000
40000461699 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:38:36.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 06/06/2018

Apelação Cível Nº 5043280-40.2017.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ELIZA DOS SANTOS OLIVEIRA (AUTOR)

ADVOGADO: RENILDE PAIVA MORGADO GOMES

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 06/06/2018, na seqüência 142, disponibilizada no DE de 21/05/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE no sentido de dar parcial provimento ao apelo da União, da divergência inaugurada pela Des. Federal VIVIAN CAMINHA no sentido de dar parcial provimento à apelação quanto à possibilidade de fornecimento de medicamento pleiteado no que foi acompanhada pelo Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR. O julgamento foi sobrestado nos termos do art. 942 do CPC.

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS

Secretário

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência em 04/06/2018 18:08:18 - GAB. 41 (Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR ) - Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:38:36.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/08/2018

Apelação Cível Nº 5043280-40.2017.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PROCURADOR(A): JUAREZ MERCANTE

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ELIZA DOS SANTOS OLIVEIRA (AUTOR)

ADVOGADO: RENILDE PAIVA MORGADO GOMES

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/08/2018, na seqüência 9, disponibilizada no DE de 20/07/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto da Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA e da Des. Federal MARGA BARTH TESSLER no sentido de acompanhar o Relator. A Turma Ampliada, por maioria, decidiu dar parcial provimento ao apelo da UNIÃO, vencidos a Des. Federal VIVIAN CAMINHA e o Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:38:36.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora