APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006407-45.2016.4.04.7204/SC
RELATOR | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | MUNICÍPIO DE IÇARA/SC |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | LEANDRO JORANDI MANARIN |
ADVOGADO | : | SILÉSIA ALEXANDRA PERUCH ZAMPOLLI |
INTERESSADO | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. MEDICAMENTO NÃO PREVISTO EM PROTOCOLO CLÍNICO DO MS. ATENDIMENTO FORA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. SUBMISSÃO AOS PROTOCOLOS CLÍNICOS PARA TRATAMENTO DA DOENÇA. INOCORRÊNCIA.
1. O direito à saúde é assegurado como fundamental, nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, compreendendo a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n. 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde; não se trata, contudo, de direito absoluto, segundo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que admite a vinculação de tal direito às políticas públicas que o concretizem, por meio de escolhas alocativas, e à corrente da Medicina Baseada em Evidências.
2. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma Ampliada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento à remessa oficial e ao apelo da União e negar provimento à apelação do Município, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de novembro de 2017.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator para Acórdão
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Relator para Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9237563v4 e, se solicitado, do código CRC F9111468. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle |
Data e Hora: | 09/11/2017 16:20 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006407-45.2016.4.04.7204/SC
RELATOR | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | MUNICÍPIO DE IÇARA/SC |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | LEANDRO JORANDI MANARIN |
ADVOGADO | : | SILÉSIA ALEXANDRA PERUCH ZAMPOLLI |
INTERESSADO | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face da sentença proferida nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para condenar os réus, solidariamente, a fornecerem gratuitamente ao autor os medicamentos Aflibercept (Eylia®) 40 mg/ml e Ranibizumabe (Lucentis®) 10 mg/ml, conforme prescrição médica anexada aos autos (evento 1 - ATESTMED9 e RECEIT10), extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Ratifico a decisão que deferiu a tutela de urgência (evento 50).
Comino desde logo multa diária, no valor de R$ 100,00 (cem reais) para cada um dos Réus no caso de retardo ou descumprimento da presente nos prazos aqui fixados, a reverter em favor do autor.
Por fim, diante do entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há responsabilidade solidária entre União, Estado e Município no que tange ao cumprimento das obrigações atribuídas ao SUS e considerando que o financiamento dos programas do Ministério da Saúde de fornecimento de medicamentos é pactuado entre as três esferas de gestão do governo, os valores gastos quando do cumprimento da antecipação dos efeitos da tutela e/ou do título judicial definitivo poderão ser rateados entre os entes federativos, conforme dispuser cada programa, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Eventual pleito de repartição de tais custos deverá ser processado na via administrativa ou em outra ação judicial.
Sem custas (art. 4º, I, da Lei 9.289/96).
Condeno os réus ao reembolso dos honorários periciais e ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor correspondente a 12 meses de fornecimento da medicação (CPC/2015, art. 292, § 2º), considerando a relativa complexidade e celeridade na tramitação da causa, a inexistência de recursos incidentais, a necessidade de dilação probatória, com a realização de perícia, o zelo e a boa qualidade do trabalho profissional do patrono do autor, na forma do art. 85, §§ 2º, 3º, II, 4º, III, 5º e 6º, do CPC.
Sentença registrada e publicada eletronicamente.
Decisão sujeita a reexame necessário (CPC, art. 496, § 3º, I).
Em suas razões recursais, a União teceu considerações a respeito da existência de políticas públicas para o tratamento da moléstia, alegando: (a) a necessidade de demonstração da hipossuficiência do autor; (b) a inexistência de solidariedade, devendo a condenação recair sobre o ente federativo que tem melhores condições de fornecer o medicamento; (c) a incidência da cláusula de reserva do possível; (d) a inexistência de prova da superioridade do fármaco pleiteado e a existência de substituto aprovado pelo Poder Público, e (e) a inexistência de prescrição formulada por médico do SUS. Nesses termos, pugnou pelo provimento do recurso, com o reconhecimento da improcedência da ação ou, subsidiariamente, o arbitramento dos honorários advocatícios por apreciação equitativa, na forma do art. 85, § 8º, do CPC, e a estipulação de medidas de contracautela.
O Município de Içará, a seu turno, defendeu sua ilegitimidade passiva ad causam.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando "pelo provimento parcial das apelações e do reexame necessário, apenas para a revisão dos honorários de sucumbência e para a fixação das contracautelas solicitadas pela União que sejam aplicáveis ao caso, conforme acima descrito".
É o relatório.
VOTO
I - A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.
Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ.
(...)
(STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...).
(TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)
Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.
Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.
Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.
II - A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Dentre os serviços e benefícios prestados no âmbito da saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n.º 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica. Os medicamentos estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas, com impacto socioeconômico, cabendo sua aquisição pelo Ministério da Saúde e seu armazenamento e distribuição pelos Municípios. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria n. 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).
Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.
No caso do diabetes, o regramento legal (Lei n.º 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.
Na hipótese de câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS; a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e assemelhados - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia e Serviços Isolados de Quimioterapia e Radioterapia -, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde dos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Inexistindo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos dos CACONs/UNACONs, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.
Nesse contexto, considerando a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Sequer pode-se considerar o Judiciário como uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem sopesar a existência de outros cidadãos nas mesmas ou em piores circunstâncias.
Bem por isso, após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175 (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.
Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".
Diante disso, seguindo nessa linha, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público. Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, p.ex., com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos, por inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).
Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".
Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco, efeitos colaterais deste, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar prestação diversa da usualmente custeada pelo SUS.
Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se consiste em tratamento meramente experimental, ou novo, ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.
Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada por normas específicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que não foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecê-los.
Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada".
Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, é possível a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria, "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".
Em contrapartida, o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. Nesse sentido, o STF já se pronunciou:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
(STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".
Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
O autor ajuizou a ação, objetivando compelir os réus ao fornecimento dos medicamentos Aflibercept (Eylia®) 40 mg/ml e Ranibizumabe (Lucentis®) 10 mg/ml, para o tratamento da moléstia da qual é portador - retinopatia diabética com edema macular em ambos os olhos (CID 10 H 36.0).
Sobre a pretensão, assim manifestou-se o juízo a quo:
No caso dos autos, relativamente à necessidade/adequação do tratamento postulado, reporto-me aos fundamentos da decisão que deferiu a tutela de urgência após a realização da perícia médica judicial (evento 52):
(...) extraio das informações da médica perita em oftalmologia, Sabrina Nau da Silva (evento 50):
1. Existe algum tratamento (protocolo/medicamento) disponibilizado pelo SUS para o quadro patológico apresentado pelo(a) paciente? Quais medicamentos são disponibilizados neste tratamento? R.: Não.
1. O(s) tratamento(s)/medicamento(s) disponibilizado(s) pelo SUS é (são) adequado(s) ao quadro clínico apresentado pelo paciente? Explicar. R.: Não há tratamento disponibilizado pelo SUS para o tratamento da doença em questão.
1. Não havendo medicamento disponibilizado pelo SUS, qual o custo aproximado do tratamento? R.: Em média 5000 reais a aplicação.
1. O(A) autor(a) já realizou algum tratamento (particular) para sua doença? Positiva a resposta, descrever o tratamento e quais as possíveis razões de não ter sido eficaz? R: uma injeção intravítrea, deve dar seguimento nas aplicações. R: Sim, fotocoagulação em ambos os olhos.
(...)
9. O(s) medicamento(s) pretendido(s) é(são) adequados ao tratamento do quadro clínico apresentado pelo paciente? Explique. R.: Sim, uma vez que apresenta quadro de edema macular diabético.
10. Há outro medicamento/insumo de melhor custo/efetividade em comparação com o pretendido para o tratamento da enfermidade apresentada? R.: Não.
Quesitos da União:
(...)
4. Quais os medicamentos já foram utilizados no tratamento da doença? Quais os resultados alcançados? R.: Panfotocoagulação e injeção intravítrea 1 aplicação em cada olho. Houve melhora parcial.
5. A parte autora já se submeteu ao tratamento com fotocoagulação a laser? Quais os resultados alcançados? Em caso negativo, qual a justificativa pelo não tratamento? R.: Sim, houve melhora parcial.
6. O medicamento Ranibizumabe (Lucentis®) e o medicamento Eylia (Aflibercepte) são registrados na ANVISA e têm indicação para o tratamento da doença de que padece a parte autora? O medicamento em questão já foi ou está sendo avaliado pela CONITEC para inclusão no SUS? R.: Sim. Desconheço.
7. Qual o custo de cada um dos medicamentos postulados, considerando três meses de aplicação? R.: Em média 15 mil reais para cada olho.
8. É possível a substituição dos medicamentos postulados pelo medicamento Bevacizumabe (Avastin)? Há evidências científicas da equivalência de eficácia dos dois medicamentos? R: Não. Não.
9. Qual o custo de utilização do medicamento Bevacizumabe (Avastin) por três meses? R.: Em média 6000 reais para cada olho.
10. Qual a diferença entre os medicamentos mencionados postulados e o Bevacizumabe? R.: Os únicos com estudos comprovados para uso ocular são o Lucentis e o Aflibercept. O Bevizumabe (Avastin) encontra-se em fase de aprovação pela Anvisa.
Nessa esteira, a procedência do pedido inicial é a medida que se impõe, com base nas normas constitucionais que garantem o direito à saúde como dever do Estado.
A tais fundamentos não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador.
Depreende-se da análise das provas produzidas nos autos, em especial do laudo pericial (evento 50), (a) não existe tratamento (protocolo/medicamento) disponibilizado pelo SUS para o quadro patológico apresentado pelo paciente; (b) os fármacos pleiteados são adequados ao autor, porquanto apresenta quadro de edema macular diabético, e (c) não existem medicamentos que possam substituí-los.
Nesse contexto, obrigar o autor a se submeter a uma alternativa terapêutica inadequada, única disponibilizada "gratuitamente" pelo Poder Público, a fim de que reste configurado eventual "esgotamento do protocolo clínico oficial", além de acarretar desperdício de recursos públicos, não faz qualquer sentido e não lhe trará qualquer benefício.
A circunstância de o medicamento não ter sido prescrito no âmbito do SUS não é, por si só, motivo para exclusão do paciente da assistência prestada pelo Poder Público, principalmente porque o SUS não oferece o tratamento necessário.
O sistema público de saúde deve atender aos que dele necessitem em qualquer grau de complexidade, porque "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196)". Em outros termos, incumbe ao Poder Público velar, de maneira responsável, pelo bem jurídico tutelado constitucionalmente, garantindo aos cidadãos em geral o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar (STF, 2ª Turma, RE n.º 271.286 AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/11/2000 - grifei).
Se a Constituição não estabelece distinção entre os assistidos, nem o legislador prescreve a hipossuficiência como critério seletivo para a prestação do serviço público (ou seja, o dever do Estado de assistir o indivíduo não está condicionado à condição de paciente do SUS), não há como preterir o indivíduo que, às vezes com certo sacrifício, adere a plano privado de saúde (via de regra, restrito à cobertura de custos relativos a consulta e exame médicos e laboratoriais), porém necessita do fornecimento de um determinado medicamento/tratamento que não se inclui no âmbito de sua cobertura.
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. NECESIDADE DEMONSTRADA. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. In casu, a despeito de o autor realizar o tratamento médico fora da rede do SUS, a perícia judicial foi conclusiva no sentido de que o agravante necessita do fármaco, que, comprovadamente, é efetivo e promove melhoria de seu quadro clínico. (TRF4, AG 5016005-09.2013.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 14/10/2013)
Ademais, é louvável a iniciativa da parte que procura atendimento médico particular, desonerando o já precário sistema público de saúde, mas, por circunstâncias alheias a sua vontade, depende de auxílio do Poder Público para obter a medicação/tratamento que lhe foi prescrito.
Quanto à necessidade de comprovação de hipossuficiência do grupo familiar, há que se considerar que esta Corte, acompanhando a jurisprudência pátria, tem entendido que a proteção à saúde é direito de todos e dever do Estado, de modo que este tem a obrigação de fornecer medicamentos aos portadores de moléstias, inclusive os ditos excepcionais, independentemente da condição econômica do paciente.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, não elencou a hipossuficiência como requisito necessário para o deferimento de medicamentos pelo SUS.
Por tais razões, comprovadas a eficácia e a necessidade de uso dos medicamentos solicitados para o controle da doença e a ineficácia das drogas fornecidas pelo SUS, é inafastável o reconhecimento do direito do autor à tutela pleiteada.
III - Os réus deverão arcar com os honorários advocatícios devidos ao procurador do autor, observados os critérios legalmente estabelecidos no art. 85 do CPC.
No tocante ao quantum a ser arbitrado a esse título, há que se ponderar que, nas ações em que pleiteado o fornecimento gratuito de medicamentos, (1) não raras vezes, há discrepância entre o valor atribuído à causa e o real proveito econômico obtido, tendo em vista a possibilidade de interrupção superveniente do tratamento original pela alta toxicidade do fármaco, o que inviabiliza a estimativa baseada em custo do medicamento e tempo de sua utilização, e (2) o direito à saúde é de valor inestimável. Por essa razão, aplica-se a regra prevista no § 8º do art. 85 do CPC, que remete o arbitramento da verba honorária sucumbencial à apreciação equitativa do juiz (que considerará o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho efetivamente realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço).
No caso concreto, considerando os critérios acima explicitados e o fato de que o feito tramitou por menos de um ano até a prolação da sentença, sem incidentes processuais que exigissem diligências por parte dos procuradores, os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata, devidamente corrigidos (já considerado o disposto no art. 85, § 11, do CPC), porquanto em consonância com a jurisprudência em ações dessa natureza.
IV - Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela são necessárias, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Assim, considerando a possibilidade de o tratamento perdurar por tempo considerável, pois o fornecimento da medicação deve ser mantido enquanto o fármaco for eficaz para o controle da doença, o autor deverá (a) comprovar a persistência das condições que fundamentaram o pedido, apresentando à unidade de saúde competente receita médica atualizada a cada 3 (três) meses; (b) informar em caso de suspensão/interrupção do tratamento e (c) devolver, no prazo de 48 horas, os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Município e dar parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
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Data e Hora: | 29/09/2017 16:27 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006407-45.2016.4.04.7204/SC
RELATOR | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | MUNICÍPIO DE IÇARA/SC |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | LEANDRO JORANDI MANARIN |
ADVOGADO | : | SILÉSIA ALEXANDRA PERUCH ZAMPOLLI |
INTERESSADO | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
VOTO DIVERGENTE
Com a devida vênia divirjo da e. Relatora.
Desde já adianto que, a meu ver, o apelo do Município não merece provimento, eis que se insurgiu somente quanto à sua legitimidade para figurar no feito, mas a Remessa Oficial e o apelo da União merecem provimento quanto ao mérito.
O direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a não lhe dar eficácia. A interpretação da norma constitucional há de ter em conta a unidade da Constituição, máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimento de medicamentos ou realização de procedimentos, deve-se observar determinados parâmetros:
a) eventual concessão da liminar não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento do serviço público de saúde;
b) o direito de um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outros cidadãos igualmente tutelados pelo direito à saúde;
c) o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos;
d) havendo disponível no mercado, deve ser dada preferência aos medicamentos genéricos, porque comprovada sua bioequivalência, resultados práticos idênticos e custo reduzido;
e) o fornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolos clínicos e a 'medicina das evidências', devendo eventual prova pericial, afastado 'conflito de interesses' em relação ao médico, demonstrar que tais não se aplicam ao caso concreto;
f) medicamentos ainda em fase de experimentação, não enquadrados nas listagens ou protocolos clínicos devem ser objeto de especial atenção e verificação, por meio de perícia específica, para comprovação de eficácia em seres humanos e aplicação ao caso concreto como alternativa viável.
Ainda que o caso em tela não enquadre especificamente nas situações que buscam tratamento para câncer, convém salientar que, para tratamento oncológico, esta Turma tem decidido no sentido de que todo paciente com câncer deve ser matriculado em estabelecimento de saúde habilitado na área de Oncologia pelo SUS para receber assistência integral e integrada. É no CACON/UNACON/CEPON que o paciente com neoplasia terá a garantia pelo SUS a todo o atendimento necessário, incluindo-se os medicamentos, pelo estabelecimento atendente, conforme Portaria n° 62, de 11 de março de 2009, da Secretaria de Assistência à Saúde - SAS.
Nos demais casos, ainda que a 2ª Seção desta Corte tenha firmado jurisprudência no sentido de não ser exigida a prescrição do fármaco por médico conveniado ao Sistema Único de Saúde, filio-me ao entendimento de que o postulante deve, no mínimo, estar submetido aos protocolos clínicos do SUS.
Nesse sentido bem fundamenta o Min. Gilmar Mendes no agravo regimental interposto na suspensão de tutela antecipada nº 175:
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.
No caso dos autos, ainda que, como já referido, não se trate de tratamento oncológico, restou comprovado que a parte autora não se submetia a tratamento através do SUS. Compulsando detalhadamente o feito verifiquei que a documentação médica dá conta que o autor teve a indicação do fármaco ora pleiteado (Evento 1 - ATESTMED9 e RECEIT10, do processo originário) em atendimento em clínica particular no município de Criciúma/SC.
Desse modo, havendo prova no sentido da não submissão de tratamento através da rede de saúde pública, inviável que exija dessa rede pública apenas o fornecimento do insumo específico e de alto custo, fora da rede pública. Se permitido que o tratamento e seu acompanhamento sejam realizados fora do Sistema Único de Saúde, obrigando-se este a fornecer a medicação de alto custo, haverá detrimento da política pública idealizada para tratamento da enfermidade.
Ante o exposto, tenho que a Remessa Oficial e o recurso da União merecem provimento, para reformar a sentença julgando improcedente o pedido inicial.
Com a reforma da sentença de procedência convém esclarecer acerca da devolução dos valores gastos com o medicamento por força da tutela e cuja dispensação, ao final, foi considerada indevida.
Entende-se incabível a devolução, pela parte autora, dos respectivos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
2. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)
Esta Corte também já se manifestou sobre o não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES PAGOS POR FORÇA DE LIMINAR. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU RECURSAL. BOA-FÉ DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO. REGRA DO ART. 154, §3º DO DECRETO 3.048/99. AFASTAMENTO. IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE CARÁTER ALIMENTAR. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. UNICIDADE DO PODER ESTATAL. HARMONIZAÇÃO DOS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E INSTITUTO DA COISA JULGA PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
1. Havendo percepção de valores de boa-fé pelo segurado, padece de sedimento a pretensão da autarquia que visa à repetição das quantias pagas por força de liminar, cuja sentença que a confirmou foi reformada em grau recursal.
2. A Regra do art. 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade.
3. Mostra-se necessário prestigiar-se a diretiva da proteção da confiança, aspecto subjetivo da segurança jurídica, dada a imprescindibilidade de estabilização das relações jurídicas criadas tanto por atos da Administração Pública, quanto por decisões judiciais - em homenagem ao postulado da unicidade do poder estatal.
4. A colisão entre a efetividade da coisa julgada e a segurança jurídica deve, pelo princípio da proporcionalidade, ser resolvida de forma harmoniosa, evitando-se a continuidade da percepção indevida, sem contudo se responsabilizar a parte pela determinação judicial que lhe proporcionou aquele auferimento, conferindo a correta função harmonizadora dos direitos fundamentais ao instituto da tutela provisória.
(TRF4, AG 2006.04.00.032594-8, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 03/04/2007).
Com a reforma da sentença, inverto a sucumbência para condenar a parte autora a arcar com os honorários de sucumbência no valor de R$ 3.000,00, em observância ao preceituado na nova regra processual, a ser rateado entre os réus, cuja exigibilidade fica suspensa pela Concessão da AJG ao autor.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à Remessa Oficial e ao apelo da União e negar provimento o apelo do Município.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/09/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006407-45.2016.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50064074520164047204
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Cláudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | MUNICÍPIO DE IÇARA/SC |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | LEANDRO JORANDI MANARIN |
ADVOGADO | : | SILÉSIA ALEXANDRA PERUCH ZAMPOLLI |
INTERESSADO | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/09/2017, na seqüência 38, disponibilizada no DE de 29/08/2017, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MUNICÍPIO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E À REMESSA OFICIAL, O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO APELO DA UNIÃO E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO MUNICÍPIO E O VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA. O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO DE ACORDO COM O ARTIGO 942 DO CPC.
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Processo Pautado
Divergência em 25/09/2017 16:50:48 (Gab. Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE)
Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9191474v1 e, se solicitado, do código CRC FF9F5D7F. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/11/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006407-45.2016.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50064074520164047204
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. João Heliofar |
APELANTE | : | MUNICÍPIO DE IÇARA/SC |
: | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO | |
APELADO | : | LEANDRO JORANDI MANARIN |
ADVOGADO | : | SILÉSIA ALEXANDRA PERUCH ZAMPOLLI |
INTERESSADO | : | ESTADO DE SANTA CATARINA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/11/2017, na seqüência 4, disponibilizada no DE de 13/10/2017, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS A RATIFICAÇÃO DOS VOTOS PROFERIDOS ANTERIORMENTE, O VOTO DA DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A DIVERGÊNCIA POR FUNDAMENTO DIVERSO E O VOTO DA DES. FEDERAL MARGA BARTH TESSLER NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A DIVERGÊNCIA. A TURMA AMPLIADA, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO APELO DA UNIÃO E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO MUNICÍPIO, VENCIDOS A DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA E O DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE. .
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR | |
: | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Processo Pautado
Certidão de Julgamento
Data da Sessão de Julgamento: 27/09/2017 (ST4)
Relator: Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MUNICÍPIO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E À REMESSA OFICIAL, O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO APELO DA UNIÃO E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO MUNICÍPIO E O VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA. O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO DE ACORDO COM O ARTIGO 942 DO CPC.
Comentário em 31/10/2017 16:39:29 (Gab. Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA)
Não obstante tenha entendimento que o fornecimento de medicamento possa ser postulado mesmo que o tratamento esteja sendo realizado por médico particular, no caso dos autos considerando que existe Nats desfavorável para ambos os medicamentos, acompanho a divergência, por diversa fundamentação, pedindo vênia à eminente Relatora.
Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9234360v1 e, se solicitado, do código CRC FD724C20. | |
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