Apelação Cível Nº 5000366-56.2016.4.04.7012/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (RÉU)
APELADO: ANDREIA STALLBAUM KLUG (AUTOR)
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em ação anulatória da ato administrativo que determinou à restituição de valores recebidos a título de vencimentos em período correspondente a faltas não justificadas pela parte autora.
Foi prolatada sentença acolhendo parcialmente o pedido (evento 35 do processo originário), tendo o dispositivo o seguinte teor:
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo o processo com análise de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do ato administrativo (PAD nº 23411.005952/2014-97) que condenou a autora a restituir valores percebidos a título de vencimentos no período de 30/07/2013 e 01/10/2013.
Tendo em vista que se fazem presentes os pressupostos do artigo 300 do CPC, fica mantida a decisão que deferiu a tutela de urgência no evento 16.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do réu no patamar de 10% (dez por cento) do valor da causa nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do novo CPC. Os valores deverão ser atualizados pelo IPCA-e a contar do ajuizamento da ação. A exigibilidade dessa obrigação fica suspensa enquanto a autora for beneficiária da AJG.
Por sua vez, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora no patamar de 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do novo CPC. Os valores deverão ser atualizados pelo IPCA-e a contar do ajuizamento da ação.
Sem custas (art. 4º da Lei nº 9.289/96).
Em sendo interposta apelação (principal ou adesiva), intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
Outrossim, caso a parte recorrida suscite nas contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento não coberta pela preclusão, intime-se a parte recorrente para manifestação sobre ela, no prazo de 15 (quinze) dias.
Observe-se, em sendo o caso, os artigos 180 e 183 do NCPC.
Por derradeiro, remetam-se os autos ao e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Apela a parte ré (evento 40 do processo originário), pedindo a reforma da sentença ao fundamento de que a autora encontrava-se em licença-saúde há mais de 120 dias nos últimos 12 meses, o que faz incidir o parágrafo 4º do art. 203 da Lei nº 8.112/90, o qual determina que a licença deve ser concedida mediante avaliação de junta médica oficial. Aduz que a sentença partiu de premissa equivocada, porquanto a junta médica tinha a incumbência de avaliar o cabimento da licença para tratamento de saúde.
Não houve contrarrazões.
O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
No presente processo a parte autora requer a declaração de nulidade de ato administrativo emanado em processo administrativo disciplinar, que a condenou a restituir valores ao erário em decorrência de faltas não justificadas.
O período em questão corresponde a 30/07/2013 a 30/08/2013 e de 02/09/2013 a 01/10/2013, sendo que o PAD foi instaurado para apurar a ocorrência de abandono de cargo e/ou inassiduidade habitual.
Alega o apelante que a autora encontra-se em licença-saúde há mais de 120 dias nos últimos 12 meses e que, portanto, a concessão da licença para tratamento de saúde depende de avaliação de junta médica oficial, conforme o §4º do art. 203 da Lei nº 8.112/90.
Dispõe o referido artigo e seus parágrafos:
Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base em perícia oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009)
§ 1o Sempre que necessário, a inspeção médica será realizada na residência do servidor ou no estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.
§ 2o Inexistindo médico no órgão ou entidade no local onde se encontra ou tenha exercício em caráter permanente o servidor, e não se configurando as hipóteses previstas nos parágrafos do art. 230, será aceito atestado passado por médico particular. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, o atestado somente produzirá efeitos depois de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009)
§ 4o A licença que exceder o prazo de 120 (cento e vinte) dias no período de 12 (doze) meses a contar do primeiro dia de afastamento será concedida mediante avaliação por junta médica oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009).
Em relação aos períodos anteriores ao discutido no presente processo, verifica-se tratar-se de período de licença-maternidade e outros de licença-saúde em que houve solução de continuidade. Muito embora seja notória a intermitência na atividade laboral da autora, é forçado afirmar que se configurou 120 dias de LTS nos últimos 12 meses de trabalho da mesma. Veja-se que os problemas de saúde da autora aconteceram e os atestados apresentados foram todos considerados verdadeiros (evento 01 - OFIC35), bem como não restou comprovada a intenção de abandonar o cargo, nem a inassiduidade habitual (evento 26 - PROCADM12).
Portanto, a linha de argumentação do apelante não se coaduna com o conjunto probatório, impondo-se a manutenção da sentença prolatada pelo juiz federal Rafael Webber, por seus próprios fundamentos:
2. Fundamentação
1. Ilegitimidade Passiva
A preliminar não merece acolhimento.
A penalidade imposta à autora e questionada na presente demanda foi aplicada pelo IFPR (OUT40, ev. 1), entidade na qual a demandante encontra-se atualmente lotada e para quem, de acordo com a sanção administrativa, deverá ressarcir os valores recebidos pelos dias não trabalhados.
Desse modo, nítida a legitimidade do instituto réu para a causa.
2. Litispendência
A causa de pedir na presente demanda diz respeito ao ato administrativo que impôs à autora a restituição dos valores por ela percebidos a título de vencimentos no período de 30/07/2013 e 01/10/2013.
Conquanto exista certa ligação fática entre o referido ato e os fatos narrados no Mandado de Segurança nº 5001216-18.2013.404.7012 e na Ação nº 5000456-98.2015.404.7012, o pedido e a causa de pedir veiculados nas demandas são diversos.
Especialmente no que diz respeito aos danos morais requeridos nesta ação, os mesmos estão diretamente ligados à cobrança dos valores, aspecto que não foi objeto de discussão nas outras ações.
Assim, rejeito a preliminar.
3. Mérito
- Do ato administrativo
Inicialmente deve ser destacado que o pedido da autora no caso se restringe à declaração de nulidade do ato administrativo que a condenou a restituir valores percebidos a título de vencimentos no período de 30/07/2013 e 01/10/2013 e o ressarcimento dos danos morais decorrentes dessa condenação.
Logo, os aspectos atinentes aos contornos das decisões proferidas no âmbito do Mandado de Segurança nº 5001216-18.2013.404.7012 e da Ação nº 5000456-98.2015.404.7012 não serão objeto de análise nesta demanda, eis que já foram devidamente enfrentados nas citadas ações.
Observo que o processo administrativo nº 23411.005952/2014-97 foi instaurado para apurar a suposta ocorrência de abandono de cargo e/ou inassiduidade habitual, tendo em vista que, nos períodos de 30 de julho a 30 de agosto de 2013 (32 dias) e de 02 de setembro a 01 de outubro de 2013 (30 dias), constava nos mapas de ocorrências da autora a anotação LTS (licença para tratamento de saúde) e, posteriormente, fora retificada para FI (faltas injustificadas), uma vez que a junta médica constatou que a servidora não estava incapacitada para o trabalho, indeferindo os períodos de licença médica.
A Lei nº 8.112/91, ao tratar da licença para tratamento de saúde do servidor público federal, estabelece o seguinte:
Art. 202. Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus.
Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base em perícia oficial.
§ 1o Sempre que necessário, a inspeção médica será realizada na residência do servidor ou no estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.
§ 2o Inexistindo médico no órgão ou entidade no local onde se encontra ou tenha exercício em caráter permanente o servidor, e não se configurando as hipóteses previstas nos parágrafos do art. 230, será aceito atestado passado por médico particular.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, o atestado somente produzirá efeitos depois de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.
§ 4o A licença que exceder o prazo de 120 (cento e vinte) dias no período de 12 (doze) meses a contar do primeiro dia de afastamento será concedida mediante avaliação por junta médica oficial.
(...)
No caso, os períodos de afastamentos foram inicialmente atestados por médico de confiança da autora, perfazendo um total de 62 dias.
Conforme dicção dos parágrafos 2º e 3º do artigo 203, em sendo declarada a necessidade do afastamento por médico particular, o atestado médico somente produzirá efeitos depois de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade.
Na situação posta, não existem nos autos do processo administrativo recusa pela unidade de recursos humanos da instituição de ensino no acatamento dos atestados médicos apresentados pela autora. Ao contrário, ao que tudo indica, os atestados do médico particular da demandante foram todos recepcionados, tanto que existia a anotação nos mapas de ocorrências da autora que ela estava em LTS (licença para tratamento de saúde).
Desse modo, conforme prevê a legislação de regência, os atestados médicos apresentados pela autora, uma vez que foram recepcionados, produziram efeitos desde então, ou seja, autorizavam a demandante a estar de licença para tratamento de saúde desde a data prescrita (fls. 11/12, PROCADM2, ev. 26).
Via de consequência, a perícia médica realizada na data de 17/10/2013, realizada pelo departamento médico da própria instituição, não tinha o fim de avaliar as situações já atestadas pelo médico particular e recepcionadas pela instituição, mas sim aferir se a demandante ainda fazia jus à licença para tratamento de saúde por um novo período, ou seja, tinha por fim fazer uma avaliação prospectiva e não pretérita do estado de saúde da autora.
Não bastasse o exposto, conforme já alinhavei na decisão que deferido o pedido de tutela de urgência os atestados médicos anexados ao evento 1, ATESMED16 a ATESMED19, emitidos por médico psiquiatra, consignam expressamente a necessidade de afastamento do trabalho por parte da autora nos citados períodos, conferindo substrato material ao pedido de licença para tratamento de saúde formulado na via administrativa.
Observe-se, inclusive, que a veracidade dos atestados médicos foi expressamente reconhecida pelo próprio médico emitente (evento 1, OFIC35), afastando eventual suspeita de falsificação.
De outro vértice, o laudo médico pericial oficial subscrito por três médicos estabeleceu expressamente, em 17/10/13, que "o servidor deverá retornar às suas atividades profissionais, por não ter sido constatada incapacidade laborativa no momento" (evento 1, LAU36).
Nesse sentido, não é possível extrair deste laudo, isoladamente considerado, a conclusão de que nos 4 meses anteriores não houve necessidade de afastamento do trabalho para tratamento de saúde, pois ele não faz referência expressa à eventual capacidade laboral no período pretérito. O laudo foi expresso em afirmar a ausência de incapacidade laborativa no momento da perícia.
A conclusão da perícia oficial confirma o que antes foi dito: os períodos de incapacidade reconhecidos nos atestados do médico particular da autora lhe asseguravam o direito ao gozo da licença para tratamento de saúde, seja porque os mesmos foram recepcionados pela instituição, seja porque a perícia oficial não refutou a necessidade de afastamento estabelecida nos atestados.
Logo, o contido no laudo da perícia médica oficial não é suficiente para infirmar as conclusões decorrentes dos atestados médicos apresentados pela parte autora, inexistindo substrato fático para fundamentar a restituição de valores pretendida pela parte ré.
Por fim, deve ser destacado que o fato de autora ter continuado a frequentar o curso de Administração na cidade de Palmas enquanto o atestado médico declinava a incapacidade para o trabalho não prejudica o direito ao gozo da licença para tratamento de saúde.
Os atestados dizem respeito especificamente à necessidade de afastamento do trabalho, não se relacionando com o estudos. No mais, não compete ao magistrado questionar a orientação médica, que para a situação da autora, muito provavelmente exigia que ficasse próxima do marido e família, os quais residiam na cidade de Palmas.
Quanto à afirmação de que a autora nunca teria tido a intenção de efetivamente trabalhar na cidade de Laranjeiras do Sul, trata-se de aspecto por demais estranho ao ato administrativo em análise.
Do exposto, considerando que a autora efetivamente fazia jus à licença para tratamento de saúde nos períodos de 30 de julho a 30 de agosto de 2013 (32 dias) e de 02 de setembro a 01 de outubro de 2013 (30 dias), mostra-se ilegal o ato administrativo que retificou o mapa de ocorrências para fazer constar que a servidora falto de maneira injustificada.
Via de consequência, merece juízo de procedência o pedido da autora objetivando a anulação do ato administrativo que a condenou a restituir valores percebidos a título de vencimentos no período de 30/07/2013 e 01/10/2013, eis que se encontrava amparada em licença para tratamento de saúde, benefício que o servidor faz jus sem prejuízo da sua remuneração (art. 202 da Lei nº 8.212/91).
- Responsabilidade Civil da Administração Pública
A responsabilidade civil, em sentido lato, consiste na obrigação de alguém reparar um dano sofrido por outrem, sendo sua principal consequência prática a obrigação de indenizar os prejuízos decorrentes da conduta.
O princípio que sustenta a responsabilidade civil contemporânea é o da reposição do prejudicado ao estado anterior. Nesse contexto, a responsabilidade civil possui dupla função na esfera jurídica do prejudicado: a) mantenedora da segurança jurídica em relação ao lesado; b) sanção civil de natureza compensatória.
A finalidade da responsabilidade civil é o restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano. Em virtude disso, há no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil decorrente da idéia do ato ilícito, bem como do ressarcimento de prejuízos quando não se cogita da ilicitude da ação do agente, o que se garante pela Teoria do Risco.
Conforme artigo 186 do Código Civil de 2002 (art. 159 do CC de 1.916) existe um dever legal de não lesar, com a correlata obrigação de indenizar sempre que, por meio de um comportamento contrário àquele dever, se cause algum prejuízo injusto a outrem. O caput do artigo 927 do mesmo Código fixa a regra geral para a indenização, prevendo a responsabilidade objetiva e a teoria do risco da atividade no seu parágrafo primeiro, vinculando-a aos casos enumerados em lei, bem como, de forma genérica, aos prejuízos originários da prática de uma atividade que naturalmente envolva riscos. Esta mitigação é denominada teoria do risco da atividade. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor contém regra semelhante. O mesmo se diga do artigo 37, §6º, da Constituição.
Neste passo, tratando-se de dano causado por agente estatal, a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, ao determinar que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros" cria o dever de indenizar independentemente da existência de culpa ou dolo do agente estatal.
Sobre a referida norma constitucional qual explica Hely Lopes Meirelles:
"O § 6º do art. 37 da CF seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. Não chegou, porém, aos extremos do risco integral. É o que se infere do texto constitucional e tem sido admitido reiteradamente pela jurisprudência, com apoio na melhor doutrina. ...
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados." (in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª edição, Malheiros, São Paulo, 1996, págs. 564/565)
Em igual sentido a norma do art. 43 do Código Civil Brasileiro de 2002, ao dispor:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Assim, quanto ao seu fundamento, a responsabilidade civil poderá ser: a) responsabilidade subjetiva: presente sempre o pressuposto culpa ou dolo, sendo que para sua caracterização devem coexistir os seguintes elementos: a conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano; b) responsabilidade objetiva: não há a necessidade da prova da culpa.
Necessário esclarecer a natureza da responsabilidade objetiva do Estado com base na teoria do risco administrativo, a qual foi adotada pela Constituição. Explica Helly Lopes Meirelles em obra já referida acima:
Teoria do risco administrativo - A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.
Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do Erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946.
Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização." (obra citada, págs. 561/562)
No entanto, ainda que a responsabilização independa de elemento subjetivo, disso não decorre a desnecessidade de a parte autora comprovar o nexo de causalidade entre o dano que lhe foi causado e a conduta do agente público.
Assim, apesar da responsabilidade objetiva, não se vai ao extremo do risco integral. Por outro lado, tem de haver uma ação ou omissão lesiva e injusta por parte da Administração, sem o concurso da vítima. Não se tratando de risco integral, não deve a Administração indenizar sempre qualquer dano suportado pelo particular.
Isso porque, a aplicação pura da teoria do risco integral, acabaria por responsabilizar o Estado em situações em que sua conduta foi legítima.
Portanto, para que exista responsabilidade tanto do particular quanto dos entes públicos, é imprescindível fique demonstrado o nexo causal entre a conduta por eles perpetrada e o resultado danoso.
No caso, a parte autora afirma que o fato de ter sido compelida a restituir ao erário valores que recebeu enquanto se ausentou justificadamente ao trabalho (licença para tratamento de saúde) causou-lhe abalo moral.
Argumentou, ainda, que o processo administrativo foi instaurado para apurar abandono de cargou ou inassiduidade habitual e que, apesar de absolvida de tais acusações, foi-lhe imposta a penalidade de ressarcimento ao erário, prejudicando-lhe moralmente.
Conquanto tenha sido reconhecida a ilicitude do ato administrativo que impôs à autora o ressarcimento ao erário dos dias em ficou licenciada para tratamento de saúde, não ficou configurado o abalo moral.
Isso porque, o processo administrativo disciplinar em exame transcorreu de forma adequada, obedecendo às diretrizes legais, respeitando os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Ainda que a autora não tenha concordado com o resultado do processo administrativo, o qual, conforme já decidido, mostrou-se ilegal, não se observa que em face dessa decisão a autora tenha sido humilhada publicamente ou tivesse passado por dificuldades financeiras em decorrência do referido ato.
Os demais circunstâncias que envolveram a redistribuição da autora para o IFPR de Palmas e que podem, de alguma forma, ter contribuído para o abalo moral que afirma ter sofrido já foram devidamente analisadas e indenizadas na ação própria (nº 5000456-98.2015.404.7012).
O presente feito restringe-se aos desdobramentos do ato que determinou que a autora deveria ressarcir o erário, o qual, contudo, ainda que tido por ilegal, não gerou transtornos na vida autora passíveis de serem indenizados.
Em nenhum momento se observou do PAD que a autor tenha sido tratada com rejeição, menosprezo ou qualquer atitude negativa por parte de seus colegas no curso do referido processo administrativo. Certamente que isso não é agradável, contudo não é este aborrecimento e preocupação - natural a qualquer servidor público que é processado - o suficiente a ensejar dano indenizável.
Nesse sentido, por não restar comprovado nos autos tratamento humilhante e vexatório capaz de gerar grave prejuízo à demandante, tampouco a existência de nexo causal entre os afirmados prejuízos e a conduta do réu, não há como albergar o pedido ressarcitório.
Nesta seara é ampla e pacífica a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA NA VIA ADMINISTRATIVA. RESTABELECIMENTO POR DECISÃO JUDICIAL. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE.1. O simples indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, não se prestam para caracterizar dano moral. 2. É inerente à Administração a tomada de decisões, podendo, inclusive, ocorrer interpretação diversa de laudos, e somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou equivocado por parte da Administração, o que não é o caso.3. Apelação improvida. (TRF4, 3ª Turma, AC nº 5003170-29.2013.404.7100/RS, Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E.: 07/08/2014).
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. INDENIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. No plano da responsabilidade civil, apenas é passível de indenização/reparação a lesão a um direito subjetivo patrimonial ou extrapatrimonial. Nem toda lesão a interesses de um indivíduo implicam em reparação.2. Havendo violação a um direito extrapatrimonial, somente se admite a indenização a título de danos morais até o limite de previsibilidade das conseqüências da ação. 3. Mesmo que, por conta do indeferimento indevido do benefício pelo INSS, tenha se desencadeado um sofrimento psíquico advindo da inscrição do nome do autor no Sistema de Proteção ao Crédito - SPC, este resultado não estava no campo de intenções do ato administrativo em questão, refugindo a qualquer previsibilidade. 4.Recurso provido para afastar a indenização a título de danos morais. (RCI 2007.72.95.009695-8, Segunda Turma Recursal de SC, Relator Ivori Luís da Silva Scheffer, julgado em 11/06/2008).
DANO MORAL PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. Descabe a indenização por dano moral quando não comprovado o tratamento humilhante e vexatório capaz de gerar grave prejuízo. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. Comprovada, mediante formulários e parecer técnico fornecidos pelos empregadores, a efetiva exposição da segurada a agentes biológicos, a atividade deve ser reconhecida como especial. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. EFEITOS FINANCEIROS. Os efeitos financeiros da revisão do benefício devem retroagir à data da lesão ao direito do segurado, esta se dando no momento em que o INSS teve ciência da pretensão legítima - na DER, no pedido de revisão ou quando do ajuizamento da demanda. (TRF4, APELREEX 2000.71.00.013367-3, Quinta Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 03/11/2008).
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. INCAPACIDADE MANTIDA NA ÉPOCA DA SUSPENSÃO ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO INDEVIDA. AUSÊNCIA DE RECURSO. COMPORTAMENTO OMISSIVO DA AUTORA. DANOS MORAIS. NÃO-CABIMENTO. 1. (..). 2. Ainda que evidenciada a incapacidade total e definitiva, pela impossibilidade da reformatio in pejus deve ser concedido o auxílio-doença desde o ajuizamento, convertido em aposentadoria por invalidez a partir da data da sentença. 3. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da autora, bem como do ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral. (TRF4, AC 2005.70.02.003016-2, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 06/06/2008).
Assim, é de se declarar a improcedência do pedido de indenização por danos morais.
3. Dispositivo
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo o processo com análise de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do ato administrativo (PAD nº 23411.005952/2014-97) que condenou a autora a restituir valores percebidos a título de vencimentos no período de 30/07/2013 e 01/10/2013.
Tendo em vista que se fazem presentes os pressupostos do artigo 300 do CPC, fica mantida a decisão que deferiu a tutela de urgência no evento 16.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do réu no patamar de 10% (dez por cento) do valor da causa nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do novo CPC. Os valores deverão ser atualizados pelo IPCA-e a contar do ajuizamento da ação. A exigibilidade dessa obrigação fica suspensa enquanto a autora for beneficiária da AJG.
Por sua vez, condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora no patamar de 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do novo CPC. Os valores deverão ser atualizados pelo IPCA-e a contar do ajuizamento da ação.
Sem custas (art. 4º da Lei nº 9.289/96).
Em sendo interposta apelação (principal ou adesiva), intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
Outrossim, caso a parte recorrida suscite nas contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento não coberta pela preclusão, intime-se a parte recorrente para manifestação sobre ela, no prazo de 15 (quinze) dias.
Observe-se, em sendo o caso, os artigos 180 e 183 do NCPC.
Por derradeiro, remetam-se os autos ao e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Honorários advocatícios fixados na sentença
A sentença condenou a parte ré em honorários de advogado, fixados em 10% do valor atualizado da causa.
Esse patamar remunera adequadamente o advogado quanto ao trabalho exercido na primeira instância, se considerarmos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, tudo conforme o art. 85, caput e § 2º, do CPC, merecendo confirmação a sentença, no ponto.
Honorários advocatícios relativos à sucumbência recursal
Segundo entendimento consolidado no STJ, a imposição de honorários advocatícios adicionais em decorrência da sucumbência recursal é um mecanismo instituído no CPC-2015 para desestimular a interposição de recursos infundados pela parte vencida, por isso aplicável apenas contra o recorrente, nunca contra o recorrido.
A majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, conforme preconizado pelo STJ, depende da presença dos seguintes requisitos: (a) que o recurso seja regulado pelo CPC de 2015; (b) que o recurso tenha sido desprovido ou não conhecido; (c) que a parte recorrente tenha sido condenada em honorários no primeiro grau, de forma a poder a verba honorária ser majorada pelo Tribunal.
Atendidos esses requisitos, a majoração dos honorários é cabível, independentemente da apresentação de contrarrazões pela parte recorrida.
Nesse sentido são os seguintes julgados do STJ, referidos a título exemplificativo: AgInt no REsp 1745134/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/11/2018, DJe 22/11/2018; REsp 1765741/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018; AgInt no AREsp 1322709/ES, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018; (AgInt no REsp 1627786/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 08/11/2018, DJe 14/11/2018; EDcl no AgInt no AREsp 1157151/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 06/11/2018, DJe 14/11/2018; AgInt nos EREsp 1362130/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 13/12/2017, DJe 16/02/2018; AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017).
No caso dos autos, estando presentes os requisitos exigidos pela jurisprudência, impõe-se a fixação dos honorários da sucumbência recursal, majorando-se o percentual estabelecido na sentença em 1 ponto percentual, a incidir sobre a base de cálculo nela fixada, conforme previsto no § 11 do art. 85 do CPC-2015.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5000366-56.2016.4.04.7012/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (RÉU)
APELADO: ANDREIA STALLBAUM KLUG (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AFASTAMENTO DO TRABALHO. licença para tratamento de saúde. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO INDEVIDA.
Uma vez apurado por meio do devido processo administrativo disciplinar a efetiva necessidade do servidor afastar-se para tratamento de saúde e, por conseguinte, a inexistência de intenção de abandono de emprego, nem a inassiduidade habitual, descabe a restituição ao erário por meio de descontos nos vencimentos do servidor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de setembro de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 18/09/2019
Apelação Cível Nº 5000366-56.2016.4.04.7012/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ (RÉU)
APELADO: ANDREIA STALLBAUM KLUG (AUTOR)
ADVOGADO: VANIA CRISTINA REIS DERETTI (OAB PR021117)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 18/09/2019, na sequência 444, disponibilizada no DE de 26/08/2019.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Votante: Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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