APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006334-64.2015.404.9999/PR
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
APELANTE | : | JOSE CARLOS BATISTA |
ADVOGADO | : | FERNANDO SALVATTI GODOI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REVISÃO. LIMITES AO DESFAZIMENTO DE ATO CONCESSÓRIO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE CANCELAMENTO.
1. Há e sempre houve limites para a Administração rever atos de que decorram efeitos favoráveis para o particular, em especial aqueles referentes à concessão de benefício previdenciário.
2. O cancelamento de benefício previdenciário pressupõe devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
3. A Administração não pode cancelar um benefício previdenciário com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado.
4. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consagrado inclusive em recurso especial repetitivo (RESP Nº 1.114.938 - AL (2009/0000240-5). Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 3ª Seção do STJ. Unânime. Julgado em 14/04/2010), para os benefícios deferidos antes do advento da Lei 9.784/99 o prazo de decadência para a revisão do ato de concessão deve ser contado a partir da data de início de vigência do referido Diploma, ou seja, 01/02/1999, pois anteriormente não havia norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa.
5. Ressalva de entendimento pessoal do relator no sentido de que como a Lei 6.309/75 previa em seu artigo 7º que os processos de interesse de beneficiários não poderiam ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo, em se tratando de benefício deferido sob a égide do referido Diploma, ou seja, até 14/05/92 (quando entrou em vigor a Lei 8.422, de 13/05/92, que em seu artigo 22 revogou a Lei 6.309/75), caso decorrido o prazo de cinco anos, inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo.
6. Com o advento da Lei 9.784/99 (art. 54), foi instituído expressamente prazo decadencial de cinco anos para desfazimento de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, incluídos os atos de concessão de benefício previdenciário.
7. A MP 138 (de 19/11/03, publicada no DOU de 20/11/03, quando entrou em vigor), instituiu o art. 103-A da Lei 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários.
8. Como quando a Medida Provisória 138 entrou em vigor não haviam decorrido cinco anos a contar do advento da Lei 9.784/99, os prazos que tiveram início sob a égide desta Lei foram acrescidos, a partir de novembro de 2003, quando entrou em vigor a MP 138/03, de tanto tempo quanto necessário para atingir o total de dez anos. Assim, na prática todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei 9.784/99, passaram a observar o prazo decadencial de dez, anos aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada
9. O prazo decadencial somente será considerado interrompido pela Administração quando regularmente notificado o segurado de qualquer medida de autoridade administrativa para instaurar o procedimento tendente a cancelar o benefício.
10. Em toda situação na qual se aprecia ato de cancelamento de benefício previdenciário, (em especial para os benefícios deferidos anteriormente à Lei 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do amparo, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio constitucional da segurança jurídica.
11. Hipótese em que demonstrado não se enquadrar a parte autora na condição de segurado especial. Assim, tendo sido observado o devido processo legal, deve ser confirmada a decisão administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de março de 2015.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7378058v4 e, se solicitado, do código CRC FEDA348B. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por JOSE CARLOS BATISTA, em 17/06/2013, contra o INSS, objetivando o restabelecimento do benefício de aposentadoria rural por idade, em razão do exercício de atividade rural em regime de economia familiar, a contar da data de cancelamento do benefício, em 01/04/2012 (evento 1.5.10).
A sentença, proferida em 20/11/2014, julgou improcedente a demanda e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos ao procurador do INSS, estes no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da Assistência Judiciária Gratuita (evento 64).
Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, que restaram preenchidos todos os requisitos que garantem a concessão do benefício em questão (evento 69).
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006334-64.2015.404.9999/PR
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APELANTE | : | JOSE CARLOS BATISTA |
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VOTO
No presente processo discute-se sobre revisão de ato praticado pelo INSS, do qual decorreram efeitos favoráveis para o destinatário.
A questão comporta várias indagações acerca dos limites para a revisão administrativa de ato do qual resultem efeitos favoráveis para o segurado. Assim, necessária análise pontual das questões de direito relevantes envolvidas.
Não existe dúvida de que depois de deferido um benefício ou reconhecido um direito o INSS pode, em princípio, rever a situação quando restar configurada ilicitude. Essa possibilidade há muito é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, e restou consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (art. 43 da Lei 9.784/99 e art. 103-A, da Lei 8.213/91, introduzido pela MP 138/03).
Existem, todavia, limites para a revisão, por parte do INSS, dos atos que impliquem reconhecimento de direito em favor do segurado.
Primeiramente deve ser registrado que o cancelamento de qualquer ato desta natureza pressupõe a instauração de procedimento específico, com notificação do interessado, oportunizando-se ainda que ele produza provas e exerça plenamente seu direito de defesa. Inviável, assim, o cancelamento sumário, pois deve ser observado o que dispõe o artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SUM-160 TFR.
É ilegal a suspensão unilateral de benefício previdenciário sem a realização de regular procedimento administrativo, que oportunize ao segurado o contraditório e ampla defesa, em observância ao princípio do devido processo legal. Apelação Improvida.
(AC 9404394726. 6ª Turma do TRF4. Rel. João Surreaux chagas)
Há de se registrar ainda que a Administração não pode desfazer ato de concessão de benefício ou reconhecimento de direito com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado.
Com efeito, não havendo prova de ilegalidade, não é dado à Administração simplesmente reavaliar a situação, voltando atrás quanto à sua manifestação, porquanto caracterizada em tal situação a denominada "coisa julgada administrativa" ou preclusão das vias de impugnação interna.
Nessa linha, quando não há prova de ilegalidade que possa justificar a anulação do ato pela Administração, mas tão-somente mudança de critério interpretativo, ou mesmo reavaliação da prova, não se mostra possível o desfazimento do ato administrativo. E pouco importa, nesse caso, o tempo decorrido entre a data da concessão do benefício e a revisão administrativa promovida pela autarquia.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RESTABELECIMENTO. IRREGULARIDADES. INEXISTÊNCIA.
- O cancelamento de benefício previdenciário fundado tão-somente em nova valoração da prova e/ou mudança de critério interpretativo da norma, salvo comprovada fraude e má-fé, atenta contra o princípio da segurança das relações jurídicas e contra a coisa julgada administrativa .
(AC 533693. Processo: 200204010468271. 5ª Turma. Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz)
Assim como não se admite o desfazimento de ato no qual reconhecido direito do segurado em razão de simples reavaliação, também o tempo tem influência significativa na possibilidade de atuação do INSS em casos que tais.
Sob a égide da legislação anterior à atual Lei de Benefícios (Lei 8.213/91), assim estabelecia o artigo 7º da Lei 6.309, de 15.12.75 (que só foi revogada pela Lei 8.422, de 13.05.92, publicada no DOU de 14/05/92):
Art. 7º Os processos de interesse de beneficiários e demais contribuintes não poderão ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Pertinente referir igualmente o artigo 14 do Decreto-Lei 72, de 21.11.66 (na redação dada pela Lei 5.890, de 08.06.73) eis que tem relação com a matéria:
Art. 14. Compete às Turmas do Conselho de Recursos da Previdência Social julgar os recursos das decisões das Juntas de Recursos da Previdência Social.
§ 1º Quando o Instituto Nacional de Previdência Social, na revisão de benefícios, concluir pela sua ilegalidade, promoverá a sua suspensão e submeterá o processo ao Conselho de Recursos da Previdência Social, desde que haja decisão originária de Junta.
§ 2º Na hipótese de suspensão do benefício já concedido, e que não tenha sido objeto de recurso, o Instituto Nacional de Previdência Social abrirá ao interessado o prazo para recurso à Junta de Recursos da Previdência Social.
Como resultado do estabelecido nos artigos 7º da Lei 6.309, de 15.12.75 e 14 do Decreto-Lei 72, de 21.11.66, assim dispôs a CLPS (Decreto 89.312, de 22.01.84 (CLPS):
Art. 206. Quando o INPS, na revisão do benefício, conclui pela sua ilegalidade, deve promover sua suspensão.
§ 1º Se trata de benefício já concedido que não foi objeto de recurso, o INPS abre prazo ao interessado para recorrer à JRPS.
§ 2º Se já existe decisão da JRPS, o processo é submetido ao CRPS.
Art. 207. O processo de interesse de beneficiário ou empresa não pode ser revisto após 5 (cinco) anos contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Já o Decreto 83.080, de 24.01.79 (antigo Regulamento de Benefícios da Previdência Social) estabelecia em seus artigos 382 e 383:
Art. 382. Quando o INPS, ao rever a concessão do benefício, concluir pela sua ilegalidade, deve promover a sua suspensão e, se houver decisão originária de JRPS, submeter o processo ao CRPS.
Parágrafo único. No caso de revisão de benefício já concedido que não tenha sido objeto de recurso, o INPS deve abrir ao beneficiário prazo para recorrer a JRPS.
Art. 383. Ressalvada a hipótese do artigo 382, o processo de interesse de beneficiário não pode ser revisto após 5 (cinco) anos contados da sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
Como se percebe, no caso específico do benefício previdenciário existia até 14 de maio de 1992 (data da publicação da Lei 8.422, de 13.05.92, que revogou em seu artigo 22 a Lei 6.309/75), prazo expressamente previsto para a Administração rever seus atos, ressalvados obviamente os casos de fraude.
Assim, entendo que em se tratando de ato praticado sob a égide da Lei 6.309/75, ou seja, até 14/05/92 (quando entrou em vigor a Lei 8.422, de 13/05/92, que em seu artigo 22 revogou a Lei 6.309/75), uma vez decorrido o prazo de cinco anos, inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo.
A partir da revogação da lei 6.309/75 ocorreu um vácuo legal, que somente foi suprido com o advento da Lei 9.784, de 29/01/99 (publicada no DOU de 01/02/99), a qual dispôs em seus artigos 53 e 54:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Tenho entendimento de que o advento do artigo 54 da Lei 9.784/99 e posteriormente do artigo 103-A da Lei 8.213/91 (introduzido pela MP 138/03, depois convertida na Lei 10.839/04), prestaram-se somente para consagrar o que já estabeleciam a revogada Lei 6.309/75 e os diplomas a ela relacionados e, ademais, já era defendido pela doutrina administrativista.
Com efeito, a doutrina havia muito já preconizava que o desfazimento de atos administrativos, mesmos daqueles viciados, ressalvados os casos de fraude, não ficava ao alvedrio da autoridade administrativa por período indeterminado, até por aplicação analógica do disposto no Decreto 20.910 de 06/01/1932. Segundo essa corrente deve haver um limite temporal para a Administração anular atos administrativos, até em respeito ao princípio da segurança jurídica, uma vez que o direito busca acima de tudo a pacificação social.
Exemplo disso é a manifestação de Diógenes Gasparini, que, por sinal, faz menção a opiniões de outros doutrinadores:
Nada justifica a possibilidade de um ato administrativo vir a ser declarado inválido depois de um longo tempo de sua edição. A entender-se isso factível, estar-se-ia pondo em risco a necessária estabilidade das relações jurídicas após certo tempo de vigência. Destarte, decorrido um determinado prazo, o ato, mesmo que inválido, firma-se, estabiliza-se, não podendo mais ser invalidado pela Administração Pública ou anulado pelo Judiciário. Nesse sentido é a lição de Clenício da Silva Duarte, ao afirmar que as situações irregulares consolidam-se com o decurso do tempo, não sendo mais passíveis de qualquer retificação, seja para melhor, seja para pior (RDA, 116:368). Também, a esse respeito, diz Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit. p. 189) que a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do ato no âmbito da Administração ou do Poder Judiciário. Ademais, continua esse autor, justifica-se essa conduta porque o interesse na estabilidade das relações jurídicas existentes entre os administrados e a Administração, ou entre esta e seus servidores, é também de interesse público, tão relevante como os demais.
(GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 1995. P. 100/101)
Não se pode deixar de considerar, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça veio a firmar entendimento no sentido de que antes da Lei 9.784/99 não havia prazo para a Administração Pública desfazer atos dos quais decorressem efeitos favoráveis para os beneficiários. Seguem precedentes explicitando o entendimento daquela Corte:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ART. 54 DA LEI 9.784/99. IRRETROATIVIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DO ATO QUE CANCELOU O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I - A Eg. Corte Especial deste Tribunal pacificou entendimento no sentido de que, anteriormente ao advento da Lei nº 9.784/99, a Administração podia rever, a qualquer tempo, seus próprios atos quando eivados de nulidade, nos moldes como disposto nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Restou ainda consignado, que o prazo previsto na Lei nº 9.784/99 somente poderia ser contado a partir de janeiro de 1999, sob pena de se conceder efeito
retroativo à referida Lei.
II - Agravo interno desprovido.
(AgRg no AG 774612. 5ª Turma do STJ. Rel. Min. Gilson Dipp. Data do Julgamento: 03/10/2006
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ATO CONCESSÓRIO DE APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONCEDER EFEITO RETROATIVO. APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA. APOSENTADORIA POR IDADE PELO INSS. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. SEGURADO ESPECIAL. CONDIÇÃO INEXISTENTE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O art. 69, § 1º, da Lei 8.212/91 não impõe, como requisito para a revisão do benefício previdenciário, a existência de fraude ou simulação dolosa por parte do beneficiário, bastando, tão-somente, que haja indício de irregularidade em sua concessão e a abertura de processo administrativo, no qual o beneficiário será notificado "para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de trinta dias".
2. A Corte Especial deste Tribunal firmou compreensão segundo a qual os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei 9.784/99 também estão sujeitos ao prazo decadencial qüinqüenal de que trata seu art. 54. Todavia, nesses casos, tem-se como termo a quo a entrada em vigor de referido diploma legal.
3.......
(REsp 521735. 5ª Turma do STJ. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 28/11/2006)
Há inclusive julgado da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo, ratificando este entendimento:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor.
(RESP Nº 1.114.938 - AL (2009/0000240-5). Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 3ª Seção do STJ. Unânime. Julgado em 14/04/2010)
Como visto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, para os benefícios deferidos antes do advento da Lei 9.784/99 (e bem assim para os atos de reconhecimento de tempo de serviço praticados no referido período) o prazo de decadência deve ser contado a partir da data de início de vigência do referido Diploma, ou seja, 01/02/1999.
Considerando a posição segura do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, e ainda que ressalvando a opinião acima externada, inviável se afirme que mesmo para os atos deferitórios praticados antes da Lei 9.784/99 deva também ser considerado o prazo decadencial.
Não se pode ignorar, todavia, que ainda que adotada esta posição, há necessidade de respeito ao princípio da segurança jurídica, à luz do caso concreto, como se demonstrará adiante.
O artigo 54 da Lei 9.784/99, já mencionado anteriormente, assim estabeleceu:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A disciplina da Lei 9.784/99 foi clara: ressalvados os casos de comprovada má-fé, uma vez decorridos cinco anos sem que o segurado tenha sido notificado do procedimento instaurado para revisar o ato administrativo que implicou reconhecimento de direito em seu favor, resta consumada a decadência.
Cumpre salientar que uma vez consumada a decadência, pouco importa a eventual ilegalidade do ato. A decadência existe exatamente para tornar definitivas situações antigas, pouco importando que ilegais, ressalvados, obviamente, os casos de fraude, pois estes podem ser revistos, em princípio, a qualquer tempo.
Observe-se que o prazo decadencial somente será considerado interrompido pela Administração quando regularmente notificado o segurado de qualquer medida de autoridade administrativa para instaurar o procedimento tendente a cancelar o ato.
A despeito do que estabeleceu a Lei 9.784/99, não se pode perder de vista que em 2003 veio a lume a MP 138 (de 19/11/03, publicada no DOU de 20/11/03, quando entrou em vigor), a qual instituiu o art. 103-A da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
§1ª No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
Como a Medida Provisória 138 entrou em vigor em 20/11/03 (quando publicada no DOU), percebe-se que na ocasião ainda não haviam decorrido cinco anos a contar do advento da Lei 9.784/99.
Como o prazo decadencial foi ampliado de cinco para dez anos, há necessidade, assim, de se analisar questão de direito intertemporal, que diz com os efeitos da lei nova (art. 103-A da Lei 8.213/91) para os prazos de decadência que estavam em curso nos termos da norma anterior (art. 54 da Lei 9.784/99).
O Supremo Tribunal Federal, em precedentes antigos, tratando de hipótese de diminuição de prazo, firmou entendimento de que se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início de sua vigência (v. RE 97082/SC. Rel. Min. OSCAR CORRÊA, julgamento em 11/10/1983, 1ª Turma; AR 1025/PR, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, julgamento em 18/02/1981, Tribunal Pleno; RE 92294/GO, Rel. Min. THOMPSON FLORES, julgamento em 18/03/1980, 1ª Turma; AR 9053/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgamento em 22/02/1978, Tribunal Pleno). Assentou, pois, a Corte Suprema, o princípio de que o prazo da lei nova, se menor, incide nas situações pendentes.
O Código Civil de 2002, que alterou diversos prazos de prescrição e decadência previstos em seu antecessor (de 1916), dispôs sobre a questão de direito intertemporal, estabelecendo em seu artigo 2.028:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
O Código Civil de 2002, percebe-se, estabeleceu o princípio de que no caso de redução, o prazo da lei nova incide sobre as situações pendentes, salvo se já decorrido mais da metade do tempo estabelecido pela lei anterior. Os prazos maiores do Código revogado, portanto, somente prevalecem excepcionalmente.
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Código Civil de 2002, como se verifica, trataram apenas de hipóteses de redução do prazo de decadência. Indicaram, todavia, que os prazos prescricionais ou decadenciais da lei nova em princípio são aplicáveis às situações apanhadas pela mudança legislativa. Possível a conclusão, assim, de que promovendo a lei nova o aumento do prazo decadencial, e desde que não tenha ele ainda se consumado sob a égide da norma revogada, aplica-se o novo prazo, com aproveitamento do tempo já decorrido.
Esta, a propósito, a opinião de Câmara Leal, ao tratar do prazo de prescrição:
Omitiu, porém, nosso legislador as regras de aplicação da nova lei às prescrições em curso, afastando-se da lei alemã, que as estabelece, e deixando, portanto, a cargo da doutrina a sua fixação.
(...)
67. Na carência de normas especiais, parece-nos que devemos adotar o critério germânico, dada a filiação de nosso Código à orientação alemã, consagrando o princípio da retroatividade da lei prescricional. E, assim, formularemos as seguintes regras, inspiradas na legislação teutônica:
1ª - Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, essa começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a completar-se em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo.
2ª - Estabelecendo a nova lei um prazo mais longo de prescrição, essa obedecerá a esse novo prazo, contando-se, porém, para integrá-lo, o tempo já decorrido na vigência da lei antiga.
3ª - O início, suspensão ou interrupção da prescrição são regidos pela lei vigente ao tempo em que se verificarem.
(LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e decadência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 102-104).
De se concluir, portanto, que os prazos que tiveram início sob a égide da Lei 9.784/99, foram acrescidos a partir de novembro de 2003, quando entrou em vigor a MP 138/03, de tanto tempo quanto necessário para atingir o total de dez anos. Em termos mais claros: o prazo decadencial passou a ser de dez anos, aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada. Na prática, todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei 9.784/99, portanto, passaram a observar o prazo decadencial de dez anos, pois a MP 138/03 entrou em vigor antes de decorridos cinco anos a contar do advento daquela lei.
Esta, a propósito, foi a conclusão a que chegou a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar em 14/04/2010 o recurso especial repetitivo 1.114.938, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, cuja ementa está acima transcrita.
Como já esclarecido, com o advento da Medida Provisória 138, de 19.11.03 (publicada no DOU de 20/11/03), a questão da decadência voltou a ter disciplina específica no Direito Previdenciário, tendo sido estabelecido prazo decadencial de dez anos, como se percebe da transcrição acima feita.
Está claro, assim, que para os atos praticados a partir de 20/11/03, o prazo decadencial para desfazimento passou a ser de dez anos.
Há necessidade, ainda, de se consignar a importância do princípio da segurança jurídica - pois uma das funções precípuas do Direito é a pacificação social - para a análise da ação da administração no sentido de desfazer ato de concessão de benefício previdenciário.
Esta ponderação tem importância principalmente para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei 6.309/75 e o advento da Lei 9.784/99, pois, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça já referido, não existe, nestes casos, decadência estabelecida em detrimento da Administração. Deve ser considerada (esta ponderação), entrementes, para todos os casos de concessão de benefício, independentemente da data em que ocorridos, já que o princípio referido tem status constitucional e deve ser sempre observado.
E nesse particular o Supremo Tribunal Federal já assentou a existência de limites para a ação da Administração no sentido de desfazer atos administrativos, independentemente de previsão legal, como se depreende dos seguintes precedentes:
1. Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação, no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do principio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado, e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processos administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV).
(MS 24.268-0, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, DOU 17-9-2004)
1. Mandado de segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento, da INFRAERO, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido.
(MS 22.357-0, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 05-11-2004)
Oportuna a menção, por relacionado com a matéria, ao artigo publicado por Almiro do Couto e Silva na "Revista de Direito Administrativo" nº 237, (Renovar, p. 271-315, Jul/Set;2004) denominado "O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União [Lei nº 9.784/99". Seguem trechos do mencionado artigo:
54. A regra do art. 54 da Lei nº 9784/99, como normalmente acontece com as regras jurídicas, tem, por certo, vocação prospectiva, isto é, sua aplicação visa ao futuro e não ao passado. Quer isso dizer, portanto, que o prazo de cinco anos fixado naquele preceito, tem seu termo inicial na data em que a Lei nº 9.784/99 começou a viger, até porque a atribuição de eficácia retroativa à norma legal instituidora do prazo de decadência muito possivelmente atingiria situações protegidas pela garantia constitucional dos direitos adquiridos.
Entretanto, a vigência do princípio constitucional da segurança jurídica é bem anterior à Lei nº 9.784/99 e é ele que torna compatível com a Constituição o art. 54 daquele mesmo diploma, quando confrontado com o princípio da legalidade. Na verdade, se inexistisse, como princípio constitucional, o princípio da segurança jurídica, não haveria como justificar, em face do princípio da legalidade, a constitucionalidade do art. 54 da Lei nº 9.784/99, valendo o mesmo raciocínio para as demais regras de decadência ou de prescrição existentes em nosso ordenamento jurídica.
Bem se vê, portanto, que as situações que se constituíram anteriormente à entrada em vigor do art. 54 da Lei nº 9.784/99, devem ser solucionadas à luz do princípio da segurança jurídica, entendido como princípio da proteção à confiança, ponderado juntamente com o princípio da legalidade, exatamente como procedeu o STF no MS 223357/DF. Anteriormente à Lei nº 9.784/99, para os que não reconheciam a existência de prazo prescricional de cinco anos (que em alguns casos era decadencial, como sucedia, por exemplo, com o direito à invalidação de ato administrativo) para as pretensões ou direitos do Poder Público contra os particulares, ficava ao prudente arbítrio do julgador ou do aplicador do direito determinar, diante das peculiaridades do caso concreto, qual a extensão do prazo, após o qual, não ocorrendo má-fé dos destinatárias do ato administrativo, ficaria a Administração Pública inibida de anulá-lo, para, desse modo, assegurar a estabilidade das relações jurídicas com base no princípio da segurança jurídica. Para essas situações, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 deu a medida do que seria "prazo razoável" para influir no juízo de precedência do princípio da segurança jurídica sobre o da legalidade, no cotejo ou no balancing test entre esses dois princípios, em face da prolongada inação da Administração Pública no que diz com a exercício do seu poder - (que para nós é um poder-dever) - de autotutela.
55. Entenda-se bem: não se está postulando a atribuição de eficácia retroativa ao prazo do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União. O que estamos afirmando é que essa lei, ao instituir prazo de decadência do direito à invalidação, em regra inspirada no Princípio da segurança jurídica, introduziu no nosso sistema jurídico parâmetro indicador do lapso de tempo que associado a outras circunstâncias, como a boa fé dos destinatários do ato administrativo, estaria a recomendar, após o seu transcurso, a manutenção de ato administrativo inválido.
Contudo, nas hipóteses anteriores ao início da vigência do art. 54 da Lei nº 9.784/99, diante do caso concreto, da situação fática objetivamente considerada e da ponderação dos princípios da legalidade e da proteção à confiança poderá o aplicador desses princípios entender que, malgrado o transcurso de cinco anos, não seria a confiança do destinatário digna de proteção, em virtude da intercorrência de outros fatores, que não se relacionam com a boa fé dos destinatários mas sim, digamos, com o interesse social ou com a relevância de valores jurídicos feridos, entendendo, em conclusão, que o princípio a ser aplicado seria o da legalidade e não o da segurança jurídica.
Cogitando-se, porém da aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99, já se viu que não há essa ponderação de princípios (que já foi feita pelo legislador), incumbindo ao aplicador tão-somente subsumir a situação fática na regra jurídica - ou o suporte fático real no suporte fático legal - tirando daí a conseqüência jurídica, que será a ocorrência, ou não, da decadência do direito à invalidação.
Aliás, é assim que se procede em outros países, onde - diferentemente do que se passa na França, na Alemanha, em Portugal e, agora no Brasil - o ordenamento jurídico não tem norma que fixe prazo de decadência do direito da Administração Pública de anular seus próprios atos.
57-64. omissis
65. Das reflexões que foram desenvolvidas, tiram-se algumas conclusões principais, as quais podem ser assim arrumadas:
(A) O princípio da segurança jurídica entendido como proteção à confiança, está hoje reconhecido na legislação e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como princípio de valor constitucional, imanente ao princípio do Estado de Direito, e que serve de limite à invalidação, pela Administração Pública dos seus atos administrativos eivados de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. Com princípio de natureza constitucional, aplica-se à União Federal, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades que integram as respectivas Administrações Indiretas.
(B) No plano da União Federal, a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99), no seu art. 54, consigna regra, inspirada no princípio da segurança jurídica que fixa em cinco anos o prazo decadencial para a Administração Pública exercer o direito de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé dos beneficiários. Tratando-se de regra, a ponderação entre os princípios da legalidade e da segurança jurídica já foi feita pelo legislador, competindo ao aplicador apenas verificar se os pressupostos que integram o preceito estão, ou não, concretamente verificados.
(C) O prazo do art. 54 da Lei nº 9.784/99 é de natureza decadencial e não prescricional. Sendo assim, não é ele, em princípio, suscetível de interrupção ou de suspensão. Apenas quanto aos atos nulos - não na acepção que dá a esse qualificativo a doutrina do Direito Privado, mas na conceituação que lhe empresta o Direito Administrativo dos países europeus mais avançados e o Direito Administrativo da União Européia e que de algum modo, também já encontramos incipientemente esboçada na Lei da Ação Popular - apenas quanto aos atos nulos não haveria falar em decadência ou em prescrição, uma vez que incumbe ao juiz decretar-lhes de ofício a invalidade. Note-se, porém, que nulos apenas serão aqueles atos administrativos, inconstitucionais ou ilegais, marcados por vícios ou deficiências gravíssimas, desde logo reconhecíveis pelo homem comum, e que agridem em grau superlativo a ordem jurídica, tal como transparece nos exemplos da licença de funcionamento de uma casa de prostituição infantil ou da aposentadoria, como servidor público, de quem nunca foi servidor público. Não é a hierarquia da norma ferida que, por si só, implica a nulidade, como mostra o acórdão do STF no MS 22357/DF, que aplicou o princípio da segurança jurídica para manter atos administrativos contrários à Constituição. A grande maioria dos atos administrativos, inconstitucionais ou ilegais, não é, pois, composta por atos administrativos nulos, mas sim por atos administrativos simplesmente anuláveis, estando o direito a pleitear-lhe a anulação sujeito, portanto, à decadência.
(D) A boa fé que é exigida para a aplicação do princípio da segurança jurídica ou pelo art. 54 da Lei nº 9.784/99 é a dos destinatários do ato administrativo. Não está em questão a má-fé da Administração Pública ou das autoridades administrativas a menos que estas sejam também destinatárias das medidas ilegais que editaram em seu próprio proveito.
(E) omissis.
(F) Para as situações que se constituíram antes da vigência da Lei nº 9.784/99 não é possível estender-lhe o preceito do art. 54 dessa Lei. A esses casos o que se aplica é o princípio da segurança jurídica devidamente sopesado, nessas hipóteses com outros princípios constitucionais, notadamente com o princípio da legalidade. (...)
Assim, considerando o que foi exposto, é de se concluir que em toda situação na qual se analisa ato de cancelamento de benefício previdenciário, (em especial para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei 6.309/75 e o advento da Lei 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do benefício, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio da segurança jurídica.
A posição que se defende, com apoio em precedentes do Supremo Tribunal Federal, registre-se, não vai de encontro ao entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. O que se afirma é que, a despeito de não haver prazo decadencial em seu sentido estrito a considerar, e independentemente do prazo fixado em lei, nada impede que se reconheça o direito à manutenção da situação, com base em fundamento constitucional, em razão das circunstâncias do caso específico.
Há uma última circunstância a ser ponderada.
No que toca à atribuição dos ônus probatórios é sabido que nas ações judiciais nos quais se pretende a concessão de benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço, cabe ao segurado provar que faz jus ao bem da vida perseguido.
As ações de restabelecimento, todavia, têm como particularidade o fato de que ao segurado já foi deferido administrativamente o que postulava. Vale dizer, o INSS, após examinar a documentação apresentada, entendeu que o segurado tinha direito ao que postulou, por ter preenchido os requisitos necessários. Assim, o ato concessório se reveste de presunção de legitimidade, ou seja, presume-se que os requisitos legais para a obtenção do benefício tenham sido preenchidos.
No caso dos autos trata-se de cancelamento ocorrido em 01/04/2012, referente à aposentadoria rural por idade, com DIB em 23/09/2011 (evento 1.5.10).
Dessa forma, em se tratando de benefício deferido sob a égide da Lei 9.784/99, o prazo decadencial, consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça, passou a correr a partir da DIB, em 2011. Assim, cancelado o benefício em 2012, não se cogita de decadência, pois não decorridos dez anos.
Não se trata de situação consolidada muito tempo antes do cancelamento. Assim, a invocação do princípio da segurança jurídica também não tem cabimento.
Pelo que se denota dos documentos trazidos com a exordial, no processo administrativo de revisão do benefício previdenciário que na busca de possíveis irregularidades, o Ente Previdenciário efetuou sindicação com o fito de controlar a legalidade do ato de concessão, tendo sido observados o contraditório e a ampla defesa.
Ao fim do procedimento, entendeu o INSS, após apreciar os documentos apresentados pelo autor e efetuar as diligências necessárias, que ele ilegal o deferimento, pois não haveria prova do desempenho de atividade rural na condição de segurado especial.
Da análise dos autos verifica-se que para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados aos autos documentos, dentre os quais se destacam:
a) registro de imóvel rural, com área de 103.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 1977, tendo sido oferecido em hipoteca por cédula rural com vencimento em 10/06/2016 (evento 1.7.9/11);
b) registro de imóvel rural, com área de 48.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 1984, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.3.6/8);
c) registro de imóvel rural, com área de 89.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 1988, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.7.1/4);
d) registro de imóvel rural, com área de 190.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 1988, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.7.5/8);
e) registro de imóvel rural, com área de 91.500m², o qual foi adquirido pelo autor em 1994, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.3.9/10);
f) registro de imóvel rural, com área de 30.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 2000, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.3.4/5);
g) registro de imóvel rural, com área de 30.500m², o qual foi adquirido pelo autor em 2001, sem registro de hipoteca ou revenda (evento 1.3.11);
h) registro de imóvel rural, com área de 55.000m², o qual foi adquirido pelo autor em 2002, sem registro de hipoteca ou revenda posterior (evento 1.7.12/13);
i) contrato particular de arrendamento agrícola, datado de 2000 e com validade de 03 (três) anos, no qual o autor figura como arrendador de um lote rural com área de 41.000m² (evento 1.4.2);
j) contrato particular de comodato, datado de 2003 e com validade de 03 (três) anos, no qual o autor figura como comodante de um lote rural com área de 41.000m² (evento 1.4.3/4);
k) recibos de entrega da declaração do ITR referente à imóvel rural com área de 75,4 hectares, datados de 2010 e de 2011, em nome do autor (evento 1.8.1/2);
l) recibos de entrega da declaração do ITR referente à imóvel rural com área de 94,5 hectares, datados de 2001, de 2004, de 2006 e de 2008, em nome do autor (evento 1.12.3/6);
m) notas fiscais, datadas de 1992 a 2011, em nome do autor (eventos 1.8.3/6 e 1.9.1/5);
n) certificados de cadastro de imóvel rural com 20 módulos fiscais, datados de 1998 a 2005, em nome do autor (eventos 1.10.14/16 e 1.11.1/3);
o) certidão de casamento do autor, datada de 1973, na qual foi qualificado como agricultor (evento 1.13.1).
Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 25/06/2014, foi colhido o depoimento pessoal do autor e ouvidas as testemunhas Nelci dos Santos e João Vichietti (eventos 49 e 85). O autor relatou que atualmente reside em um imóvel rural de um pouco mais de 70 hectares, dos quais 20 hectares servem para plantio e outros 20 hectares para a criação de gado. Informou que somente conta com o auxílio do genro e troca serviço com vizinhos, nunca tendo contratado empregados. Afirmou, também, que já arrendou parte da propriedade e que conta apenas com um pequeno trator que já tem 10 (dez) anos, não possuindo outros imóveis ou veículos. Citou, ainda, que atualmente é vereador, sendo que já cumpriu dois mandatos, totalizando 08 (oito) anos, em período pretérito. Por fim, mencionou que as reuniões na Câmara dos Vereadores ocorrem à noite, razão pela qual não se afastou do serviço rurícola. As testemunhas, por sua vez, confirmaram o depoimento do autor.
A autarquia afirmou que o benefício foi revisado e cancelado porque, em pesquisa no local, foram informados da existência de empregados permanentes na propriedade do autor, bem como, da análise do processo administrativo do Sr. Narinho da Silva, foram encontrados contratos de arrendamento, nos quais o autor figura como arrendador.
No caso, entendo que os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material. Entretanto, ainda que configurado o exercício de atividade rural, tal não pode ser considerado como em regime de economia familiar.
A despeito das alegações do autor no sentido de tratar-se de pequeno produtor rural e de não possuir bens consideráveis, o patrimônio declarado por ele mesmo junto ao TSE indica ser proprietário de 12 (doze) lotes de terras, no valor de R$ 85.000 (oitenta e cinco mil reais), de um trator agrícola, no valor de R$ 50.000 (cinquenta mil reais), e de dois automóveis, no valor total de R$ 45.000 (quarenta e cinco mil reais), possuindo, ainda, depósitos bancários, dinheiro em espécie e criação de gado avaliada em R$ 60.000 (sessenta mil reais), de forma que seu patrimônio totaliza formalmente mais de R$ 270.000 (duzentos e setenta mil reais). O valor real certamente é superior.
Ainda, o autor possuiu, dentro do período de carência, remuneração na condição de vereador e lucros advindos do arrendamento de parte considerável da sua propriedade. A dedicação à vereança, conquanto não seja por si só empecilho ao reconhecimento da condição de trabalhador rural, ocorre há longa data, demonstrando uma migração do campo para a atividade política.
Ressalto que o segurado especial é o trabalhador rural que trabalha em regime de economia familiar ou na condição de boia-fria apenas para a sua subsistência, razão pela qual não possui condições de contribuir para a previdência.
Diante do exposto, não é possível concluir que o exercício de atividade rural pela parte autora seja voltado somente à própria subsistência, razão pela qual não deve ser reformada a sentença singular, que julgou improcedente o pedido inicial.
DISPOSITIVO
Diante de todo o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/03/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006334-64.2015.404.9999/PR
ORIGEM: PR 00008778920138160186
RELATOR | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Lorenzoni |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Videoconferência. DR. FERNANDO SALVATTI GODOI. Francisco Beltrão |
APELANTE | : | JOSE CARLOS BATISTA |
ADVOGADO | : | FERNANDO SALVATTI GODOI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/03/2015, na seqüência 490, disponibilizada no DE de 10/03/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
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