Apelação Cível Nº 5012444-41.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: VANIA DA SILVA SOARES (AUTOR)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Vania da Silva Soares ante sentença que julgou improcedente a demanda na qual, com alegações de erro de diagnóstico e deficiência na prestação de serviços médicos, pleiteia indenização por danos morais em face do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA.
Em suas razões, a parte apelante sustenta, em síntese, preliminarmente, acerca da necessidade de ser declarada a nulidade da prova pericial produzida em razão da imparcialidade e suspeição da perita, que apenas foi descoberta quando da apresentação do laudo. Aduz, nesse ponto, que a perita nomeada pelo juízo ter tido toda sua formação dentro do HCPA, se mostrou parcial e tentou induzir o juízo em erro. Afirma, ainda, que a perita ao aceitar a nomeação realizada pelo juízo, omitiu que sua formação ocorreu dentro das dependências do HCPA, inclusive no período em que a apelante realizava seu tratamento naquela instituição, requerendo, em consequência, a nulidade do processo desde a perícia realizada para realização de novo exame pericial.
No mérito, ainda em resumo, alega que a prova documental anexada aos autos pela parte autora demonstram a ocorrência de erro de diagnóstico praticado pela instituição requerida, sendo a descoberta do erro de diagnostico fato incontroverso no feito. Afirma que todo seu desenvolvimento psicológico ocorreu sob a premissa de que era portadora de doença rara, incurável, degenerativa, progressiva, causadora de infertilidade e inúmeras limitações e certamente não poderia levar uma no vida longe dos hospitais. Além do estigma da doença, conviveu durante todos esses anos com a certeza de que não possuiria vida longa, já que a expectativa de vida das portadoras da Síndrome de Turner é menor. Requer, ainda, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, bem como seja considerada a responsabilidade civil objetiva da instituição hospitalar.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A Juíza Federal Substituta Daniela Cristina de Oliveira Pertile Victoria, que encetou percuciente esquadrinhamento da prova dos autos, concluiu pelo desacolhimento do pleito indenizatório (evento 137, SENT1, dos autos originários), nas seguintes letras:
[...]
I- Relatório
Trata-se de Ação de Procedimento Comum interposta por Vania da Silva Soares em desfavor da União Federal e Hospital de Clínicas de Porto Alegre, objetivando a condenação dos réus em indenização por danos morais, em face de erro de diagnostico e deficiência na prestação de serviços médicos.
Narrou a parte Autora que, em 1994, foi diagnosticada pelo HCPA como portadora de doença grave e rara denominada Síndrome de Turner (anomalia genética associada à monossomia). Referiu que seu dianóstico deu-se através de cariótipo (exame de sangue) e outros exames clínicos, realizados à época e que a doença é "incurável, degenerativa, progressiva, causadora de infertilidade e inúmeras limitações". Relatou que o diagnóstico teve impacto profundo na via da família, a qual era humilde. Aduziu que, em decorrência da gravidade da doença e dos vários problemas de desenvolvimento e complicações médicas, vários especialistas estiveram envolvidos no tratamento da doença da Autora, que é contínuo e envolve as seguintes especialidades médicas: endocrinologista, cardiologista, ginecologista, ortopedista, otorrinolaringologista, dentista, oftalmologista, psicólogo ou psiquiatra e geneticista. Asseverou que a Autora, em razão da doença, passou a vida dentro de hospitais, realizando toda a série de exames, tendo sérios distúrbios de ordem psicológica, uma vez que conviveu com a "certeza de que não teria vida longa". Sustentou que passou a adolescência com crises emocionais e, aos 32 anos de idade, em 2016, quando manifestou interesse em engravidar, tomou conhecimento de que não possuía qualquer doença degenerativa, e que seu ""cariótipo é normal, tendo ocorrido provável alteração "in vitro" no exame de 1994". Sustentou que os erros cometidos pelo HCPA ocasionaram danos irreparáveis na vida da autora que cresceu ciente de ser portadora de doença rara e incapacitante e cuja expectativa de vida é mais baixa que a população saudável. Discorreu sobre as dificuldades pelas quais passou durante o período de mais de 20 anos em que supunha ser portadora de doença rara e grave. Sublinhou que o diagnóstico do HCPA deveria ter sido reavaliado, à época. Pediu a condenação dos réus ao pagamento de danos morais em valor não inferior a R$264.000,00. Pediu gratuidade judiciária.
Foi deferida a gratuidade (ev. 4).
A União Federal contestou (ev. 9). Arguiu sua ilegitimidade passiva. No mérito, afirmou que não há como ser imputada à Administração Pública a responsabilidade pelos eventos ocorridos, tendo em vista a inexistência de culpa por parte da equipe médica e a correção do procedimento adotado diante do caso em concreto. Pediu a improcedência da ação.
O HCPA contestou (ev. 10). No mérito, sustentou que o segundo resultado não exclui o diagnóstico de síndrome de Turner da autora. Tal afirmação se justifica por dois fatores distintos: 1) possibilidade de perda de mosaicismo cromossômico relacionado com a idade, tratando-se de um fenômeno de variação do número de células alteradas por perda da linhagem cromossômica anormal decorrente da idade; 2) alteração cromossômica in vitro, sendo o caso de uma alteração cromossômica decorrente de uma alteração clonal observada somente durante cultura celular para obtenção do exame, que pode não refletir alteração in vivo . Trata-se de uma limitação do exame que era ainda mais pronunciada nos anos 90, mais de duas décadas atrás. Aduziu que a hipótese mais provável é de perda de mosaicismo, visto que esta apresenta características clínicas da Síndrome de Turner. Portanto, o diagnóstico e encaminhamento do caso foram realizados de acordo com o recomendado na literatura médica para pacientes com Síndrome de Turner. Referiu que o laudo da Autora se contrapoe à opinião de outros profissionais, visto que esta apresenta características clínicas da Síndrome de Turner. Portanto, o diagnóstico e encaminhamento do caso foram realizados de acordo com o recomendado na literatura médica para pacientes com Síndrome de Turner. Alegou, ainda, que a Autora realizou acompanhamento no Hospital São Lucas da PUC por anos, não recebendo naquele hospital diagnóstico diferente. Afastou a pretensão da Autora de indenização por danos morais, propugnando pela improcedência da ação. Pediu gratuidade judiciária.
Não houve réplica.
Intimados sobre provas, o HCPA e autora pediram prova pericial (evs. 22 e 28), a qual foi deferida.
Realizada a perícia, foi anexado aos autos o LAUDO PERICIAL (ev. 113), sobre o qual se manifestaram as partes (evs. 119, 120 e 121).
Foi anexado LAUDO COMPLEMENTAR (evs. 126 e 127).
Intimadas as partes, manifestaram-se as Rés.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. Decido.
II - Fundamentação
Defiro a gratuidade judiciária ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Preliminar
Ilegitimidade passiva da União Federal
Entendo que a União Federal não está legitimada a responder à demanda uma vez que os danos teriam sido causados por atos dos prepostos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, empresa pública, que detém autonomia financeira e organizacional.
Assim, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da União Federal.
Mérito
A pretensão da parte Autora, no presente feito, é responsabilizar civilmente o Hospital de Clínicas de Porto Alegre em face de suposto erro de diagnóstico, ocorrido em 1994, quando lhe foi informado ser portadora de Síndrome de Turner, doença que alega ser rara e grave.
Inicialmente, é mister que se estabeleça a espécie de responsabilidade civil aplicável ao caso. Como o suposto dano teria sido causado em decorrência de erro de diagnóstico de doença em relação à Autora firmada pelo nosocômio, entendo ser cabível a incidência da responsabilidade objetiva consagrada no artigo 37, § 6º, da CF/88. Isso porque mencionado dispositivo refere-se às condutas comissivas do Estado, eis que faz alusão a danos causados por agentes públicos.
No feito em tela, outra ordem de ponderações precisa, ainda, ser realizada. É que se está diante de condutas médicas, as quais são consideradas como obrigações de meio:
"Em vista de que o médico celebra contrato de meio, e não de resultado, de natureza sui generis, cuja prestação não recai na garantia de curar o paciente, mas de proporcionar-lhe conselhos e cuidados, proteção até, com emprego das aquisições da ciência, a conduta profissional suscetível de engendrar o dever de reparação só se pode definir, unicamente, com base em prova pericial, como aquela reveladora de erro grosseiro, seja no diagnóstico como no tratamento, clínico ou cirúrgico, bem como na negligência à assistência, na omissão ou abandono do paciente etc., em molde a caracterizar falta culposa no desempenho do ofício, não convindo, porém ao Judiciário lançar-se em apreciações técnicas sobre métodos científicos e critérios, que por sua natureza, estejam sujeitos a dúvidas, discussões, subjetivismos". (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 375)
Assim, o ato que enseja a responsabilidade no âmbito médico é tão-somente aquele que se revela como erro grosseiro (ou negligência à assistência).
Portanto, para a procedência do presente feito, é necessário que a parte Autora comprove o ato antijurídico da Administração, o dano e o nexo causal entre este e o ato, atentando-se para os aspectos peculiares da responsabilidade por ato médico.
Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA MÉDICA. NÃO COMPROVAÇÃO. CREDIBILIDADE DA PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 927, § único do CC/2002 e art. 37, §6º da CF/88). Na hipótese dos autos, o laudo médico pericial demonstrou claramente que a conduta adotada pelo réu foi adequada aos sintomas apresentados, assim como os exames realizados para a investigação da patologia. . A perícia médica judicial configura instrumento de auxílio ao magistrado, pela sua imparcialidade e por apresentar os conhecimentos técnicos necessários no sentido de apurar o nexo de causalidade entre a doença/desempenho médico e a ocorrência de dano. (TRF4, AC 5005873-30.2013.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 30/05/2018)
Aplicando tais considerações teóricas ao caso concreto, mediante a análise das provas dos autos, entendo que não restou configurado qualquer erro grosseiro ou imperícia no diagnóstico da demandante.
O laudo pericial vai ao encontro do conjunto fático-probatório trazido aos autos pelo nosocômio, esclarecendo todas as questões controversas surgidas durante a instrução do feito.
Não vejo, da prova carreada aos autos, o erro no diagnóstico da Autora.
A prova pericial produzida nos autos indica que o Hospital realizou exames na autora, a diagnosticou, mas informou acerca da necessidade de repetição do exame "com um número maior de células e em fibroblastos", o que não teria sido realizado pela paciente, à época.
Segundo se infere das respostas da Perita, questionada sobre se o diagnóstico teria seguido o recomendado pela literatura médica, informou a expert:
"Sim. A autora foi encaminhada de Canoas, para avaliação genética no HCPA, por baixa estatura e algumas características clínicas sugestivas de síndrome de Turner. Na triagem da Genética do HCPA, foi avaliada clinicamente e confirmada a suspeita de Turner, tendo sido realizado o cariótipo. Considerando o quadro clínico da autora na época, e apenas algumas características (outras características não eram tão evidentes), como a baixa estatura importante, cúbito algo e palato ogival, a suspeita clínica de Turner estava bem embasada na literatura médica. O cariótipo confirmou tratar-se Síndrome de Turner MOSAICO.
Reproduzo descrições de consultas, realizadas aos 13, 15 e 17 anos de idade, que demonstram que o diagnóstico de Turner MOSAICO foi explicado para a mãe e autora. A mesma não teve hipogonadismo confirmado e não foi tratada para isto, tendo apresentado evolução da puberdade e desenvolvimento gonadal completo, SEM INTERFERÊNCIA MEDICAMENTOSA. Aos 13 anos já vinha em acompanhamento a cada 6 meses, e aos 15 anos, anualmente. Em consulta de junho de 2000, há registro de dúvidas da mãe sobre fertilidade e abordagem do diagnóstico de Turner. Em consulta aos 17 anos, foi explicado e orientado à mãe e à autora, que havia possibilidade de engravidar".
Ainda, em resposta aos questionamento da parte demandante, esclareceu a perita o seguinte:
"A autora foi diagnosticada como Síndrome de Turner mosaico, com 80% de células normais, em 1994 pelo HCPA. Portanto, era um mosaico, com grande predominância de células normais.
A Síndrome de Turner não é uma doença rara e necessariamente grave . É a mais comum das anormalidades dos cromossomas sexuais nas mulheres e ocorre em aproximadamente de 1 em 2000 a 1 em 2500 nascimentos vivos de meninas. A prevalência verdadeira não é certa, pois pacientes com fenótipos mais brandos podem ser diagnosticadas tardiamente na vida adulta ou até mesmo permanecerem não diagnosticadas. A síndrome é causada pela perda de parte ou de todo um cromossoma X, e os genótipos podem ser: 45X, 45X com mosaicismo (quase 50% dos Turner tem mosaicismo), anomalias do cromossoma X e com Y-mosaicismo.
A presença e o grau de mosaicismo podem diferir entre diferentes tecidos e a ausência de mosaicismo em um cariótipo de sangue periférico não garante que não haja mosaicismo em outros tecidos.
A possibilidade de Síndrome de Turner deve ser considerada em qualquer menina com baixa estatura inexplicada, mesmo que tenha entrado em puberdade e tenha ciclos menstruais regulares. Em um estudo retrospectivo de 522 pacientes com Turner com mais de 12 anos, 84 (16%) tiveram monarca espontânea com uma idade média de 13,2 anos; 30 destas mulheres ainda tinham menstruações regulares 9 anos após a menarca, e 3 engravidaram espontaneamente. Em outro estudo retrospectivo, com 276 adultos com síndrome de Turner comprovada citogeneticamente, 5 tiveram puberdade espontânea e gestações espontâneas, apesar do alto grau de monossomia (45X, em > de 90% das 50 células do cariótipo). ref. 55
Considerando que o cariótipo baseia-se na contagem e identificação dos cromossomas, e não em identificação de genes, a probabilidade de erro é muito pequena. É mais provável que tenha havido perda do mosaicismo com o crescimento.
A médica informa que o diagnóstico foi correto, ainda que não repetido espontaneamente pelo próprio Hospital. Transcrevo:
"(...)
As características físicas, a baixa estatura importante, com atraso de idade óssea, o útero hipoplásico e e a não visualização dos ovários e os exames hormonais em níveis pré-púberes são compatíveis com o diagnóstico de Síndrome de Turner. Não havia razão para questionar o diagnóstico ou mesmo repetir o cariótipo. A possibilidade de Síndrome de Turner deve ser considerada em qualquer menina com baixa estatura inexplicada, mesmo que tenha entrado em puberdade e tenha ciclos menstruais regulares. Em um estudo retrospectivo de 522 pacientes com Turner com mais de 12 anos, 84 (16%) tiveram monarca espontânea com uma idade média de 13,2 anos; 30 destas mulheres ainda tinham menstruações regulares 9 anos após a menarca, e 3 engravidaram espontaneamente. Em outro estudo retrospectivo, com 276 adultos com síndrome de Turner comprovada citogeneticamente, 5 tiveram puberdade espontânea e gestações espontâneas, apesar do alto grau de monossomia (45X, em > de 90% das 50 células do cariótipo).
(...)"
Questionada a Perita sobre se teria ocorrido erro de diagnóstico em 1994 pelo HCPA, afirmou:
"Não é possível afirmar que o cariótipo realizado em 1994 estava errado. As características físicas, a baixa estatura importante, com atraso de idade óssea, o útero hipoplásico e e a não visualização dos ovários e os exames hormonais em níveis pré-púberes são compatíveis com o diagnóstico de Síndrome de Turner. Não havia razão para questionar o diagnóstico ou mesmo repetir o cariótipo. O HCPA indicou a realização de um novo cariótipo, mas a autora não quis. Também não é possível afirmar que a autora não tenha mesmo a Síndrome de Turner, pois ficou com estatura 8 cm abaixo do seu alvo familiar, e teve 2 gestações com abortamentos espontâneos. Com relação aos resultados discordantes dos 2 cariótipos, além de uma possível alteração “in vitro” no exame de 1994, é possível que a autora tenha perdido o mosaicismo com o crescimento.
Ainda, sobre a gravidade da doença e supostos abalos de ordem psicológicas na autora, sustentou:
"Conforme revisão minuciosa do prontuário da autora, nunca foi-lhe dito que a doença era grave e debilitante. Há registro, em todas as consultas de cariótipo de Turner mosaico, com 80% de células normais. Considerando que o diagnóstico era de síndrome de Turner, a autora foi avaliada para todas as possíveis anomalias associadas. Seu acompanhamento foi abrangente e correto, visando tratar as possíveis complicações. A autora foi avaliada e acompanhada, tendo sido tratada para a baixa estatura com oxandrolona, por aproximadamente 2 anos. Nunca foi tratada para hipogonadismo, pois apresentou menarca espontânea. Portanto, o tratamento no HCPA considerou a evolução do quadro. A informação dada à mãe da autora e a ela, quando entrou em puberdade espontânea e estava mais velha, com ciclos menstruais regulares, foi de que a possibilidade de gestar existia. Não há registro de que isto seria impossível. A autora tinha baixa estatura importante, e dificuldades escolares, quando chegou ao HCPA. Tinha repetido a 1a. série 2 vezes, a 2a. série, 4 (?) vezes, e só aprendeu a ler em torno de 11 anos de idade. Há registro de “poliqueixosa” e solicitação de encaminhamento à psicologia, em consulta aos 20 anos de idade. E, registro de consulta na psicologia: “falante, preocupada com compromissos, horários e pagamentos”. Portanto, conforme os registros do prontuário, não há referência a sentimentos relacionados ao diagnóstico de Turner. Somente em 2016, após o novo cariótipo, e a informação de que não tinha Turner, há registros de sofrimento psíquico relacionado à síndrome. No entanto, conforme os registros de consultas, na psicologia, em 2018 e 2019, a autora tinha conflitos familiares, com a mãe, irmã, e passou por um processo de separação. Há referência a estar melhor após a decisão de se separar, e com novo relacionamento, e, após, novos conflitos por término de relacionamento, estresse no trabalho e problemas financeiros. Portanto, ainda que o novo diagnóstico tenha provocado sofrimento psíquico, a autora tem histórico de dificuldades escolares, depressão e conflitos familiares (mãe, irmãs, companheiros) e no trabalho, que certamente também acarretam problemas psicológicos".
Em laudo complementar, manifestou-se a perita:
"A Síndrome de Turner não é uma doença rara e necessariamente grave. (...) , considerando o caso da autora, diagnosticada com Turner mosaico com 80% das células normais e sem outras anomalias e complicações associadas (foi avaliada corretamente para todas as possíveis anomalias), pode-se concluir que sua doença não foi considerada grave. Não há qualquer registro em prontuário de gravidade e risco de vida'.
Por fim, relevante mencionar que a perita afirma que "foram usados todos os métodos disponíveis e adequados para o diagnóstico, associados às características clínicas. Considerando o diagnóstico, ainda que de mosaico com 80% de células normais, a autora foi avaliada para todas as anomalias e possíveis complicações associadas à Síndrome de Turner . Não havia suspeita ou justificativa para repetir o cariótipo. Usualmente, a repetição do exame está indicada nos casos de diagnóstico positivo pré-natal, nos casos de diagnóstico feito com esfregaço bucal apenas (swap) e em casos de diagnóstico realizado no passado distante ou sem relatório citogenético disponível".
Pelo que se extrai, portanto, não houve erro de diagnóstico, sendo tomadas todas as medidas necessárias para o tratamento da autora que, à época, apresentava baixa estatura, dentre outros indicativos da doença. O fato de não ter sido confirmada a síndrome em novo exame realizado em 2017 não invalida o primeiro diagnóstico, nem implica dizer tenha havido erro, visto que "além de uma possível alteração “in vitro” no exame de 1994, é possível que a autora tenha perdido o mosaicismo com o crescimento", considerando que o diagnóstico foi de Turner mosaico com 80% das células normais e sem outras anomalias e complicações associadas.
Assim, entendo não haver qualquer repreensão à conduta da equipe médica responsável pelo diagnóstico da Autora.
Por fim, não verifico nexo causal entre o diagnóstico realizado em 1994 e os problemas psicológicos apontados pela Autora. Conforme bem ponderado pela Perita, a autora já apresentava dificuldades de aprendizado, motivo pelo qual submeteu-se a atendimento psicológico, bem como não teria sido mencionada a doença como fator preponderante das dificuldades enfrentadas durante a vida adulta da Autora.
Destarte, não restando demonstrado nos autos qualquer erro, imperícia ou negligência por parte do nosocômio réu capazes de ensejar a indenização postulada, a improcedência da ação é medida que se impõe. Nesse sentido, cito:
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPETÊNCIA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. FUNDAÇÃO FEDERAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CIRURGIA. MÉDICOS CIRURGIÃO E PLANTONISTA. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO EVENTO LESIVO. NEXO DE CAUSALIDADE. ATENDIMENTO MÉDICO POSTERIOR. NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO DO VALOR. 1. Existindo relação obrigacional por convênio entre a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia e a Faculdade Federal de Ciências Médicas, ambas de Porto Alegre, cabível a denunciação da lide, ensejando a competência jurisdicional da Justiça Federal. Precedentes. 2. Não havendo conduta ilícita dolosa ou culposa, tanto na forma comissiva como omissiva, por parte dos médicos requeridos, por ocasião do evento cirúrgico, resta afastado o nexo de causalidade. Logo, ausente o dever de indenizar em relação ao fato (cesariana), devendo ser mantida a improcedência da demanda, bem como da denunciação à lide, quanto a esse tópico. [...] (TRF4, AC 2004.71.00.016750-0, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 04/08/2010) Grifei.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. PARTO NORMAL. LICITUDE DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS. COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA. ERRO MÉDICO INEXISTENTE. 1.- A obrigação do profissional da Medicina é de meio e dependente da comprovação da culpa, não se confundindo com a responsabilidade estatal objetiva. 2.- Comprovado que o procedimento médico adotado durante o parto normal foi o adequado para a situação que lhe foi apresentada, inexistente o nexo de causalidade entre o suposto dano e o atendimento, de modo que não se cogita do pagamento de indenização por danos morais e materiais. (TRF4, AC 5046011-10.2011.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 12/12/2011) Grifei.
III - Dispositivo
Ante o exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva, extinguindo o feito sem resolução de mérito em relação à União Federal, nos termos do art. 485, VI do CPC; em relação ao HCPA, julgo improcedente a ação.
Arbitro os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (um mil reais), rateáveis igualmente entre os réus, atualizáveis monetariamente pelo IPCA-e/IBGE desde a data desta sentença e acrescidos de juros de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado da sentença, na forma do art. 85, § 8º do CPC. Suspendo a exigibilidade da parcela de responsabilidade da parte autora, diante do benefício da gratuidade judiciária.
Havendo recurso(s) voluntário(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado e nada sendo requerido, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Pois bem.
Como dito anteriormente, não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento da magistrada singular.
Preliminarmente, em relação à alegação acerca da nulidade da prova pericial produzida em razão da, suposta, perda de imparcialidade e suspeição da perita nomeada no feito originário, não merece acolhimento a insurgência do apelo.
A teor do disposto no artigo 148, inciso II, do Código de Processo Civil, os auxiliares da justiça, dentre os quais se inclui o perito, encontram-se sujeitos aos mesmos motivos de impedimento e suspeição que o magistrado.
Sobre as hipóteses de impedimento e de suspeição, assim dispõe o Código de Processo Civil:
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;
II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;
VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;
VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;
IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
(...)
Art. 145. Há suspeição do juiz:
I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
(...)
Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:
(...)
II - aos auxiliares da justiça;
(...)
O impedimento requer metodologia de aferição objetiva, de modo que a interpretação de suas hipóteses deve ser feita restritivamente. Em outras palavras, trata-se de rol exaustivo. Ainda, exige a caracterização de interesse direto no resultado do processo por aquele que deve nele atuar. Consiste, portanto, em presunção absoluta de parcialidade, apontando relações entre o julgador ou o auxiliar da justiça e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei.
Já o instituto da suspeição vincula o agente público a uma das partes (causa subjetiva), razão pela qual representa, segundo a doutrina e a jurisprudência, conceito jurídico indeterminado, diante dos múltiplos vínculos subjetivos passíveis de corromper a devida imparcialidade, a ensejar a compreensão de que o rol de causas de suspeição é meramente exemplificativo.
In casu, não restou comprovada a ocorrência de quaisquer das circunstâncias que, na dicção da lei, configurariam o atual impedimento ou a suspeição do perito judicial (arts. 144 e 145 do CPC).
O fato de a perita nomeada ter feito sua formação dentro das dependências do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mesmo que durante o período em que a apelante realizava seu tratamento naquela instituição, não é suficiente para desqualificá-la como expert em relação ao dever de imparcialidade.
Acrescente-se que o Código de Ética Médica (Resolução CFM n.º 1.931/2009) dispõe, em seu artigo 93, que é vedado ao médico "ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado". Veja-se que a regra proibitiva atinge apenas o profissional que tenha anteriormente examinado a parte da demanda em que oficiará, o que não é o caso dos autos.
Neste sentido os precedentes que seguem (destaquei):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE PERITO. IMPARCIALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. Não tendo sido demonstrada a existência de impedimento e/ou suspeição do perito, porquanto não configurada quaisquer das circunstâncias previstas nos artigos 134 e 135 do CPC (aplicável ao perito por força do disposto no artigo 138, III, do CPC), deve ser mantida a decisão agravada, que desacolheu exceção de suspeição oposta pelo autor. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 5031018-43.2016.404.0000, 4ª Turma, Rel. Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 20-10-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NOVA PERÍCIA MÉDICA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. ART. 42, CAPUT E § 2.º, 59, ART. 62 DA LEI N.º 8.213/91. NÃO COMPROVADA A INCAPACIDADE LABORAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. Preliminar de nulidade da sentença para a realização de nova perícia médica, sob a alegação de suspeição do perito judicial, em razão de ter prestado serviço ao INSS, rejeitada, pois, não atuando mais junto à autarquia não há incompatibilidade com o exercício das funções para as quais foi nomeado pelo MM. Juiz a quo. Além disto, cabe ressaltar que o perito como médico que é, antes de ser credenciado do INSS, está sujeito à disciplina ética de sua profissão, não havendo razões para concluir que aquele teria restado, após os anos de exercício, tendencioso. Tal juízo de apreciação tem grau de abstração que inviabiliza sua assunção como regra decisória. 2. Não comprovadaa incapacidade para o trabalho, desnecessária a incursão sobre os demais requisitos exigidos para a concessão dos benefícios postulados. 3. Matéria preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida. (TRF3, 10ª Turma, AC nº 0018929-42.2017.403.9999, Rela. Desa. Federal Lúcia Ursaia, e-DJF3 18-08-2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO. PERITO NOMEADO. DESEMPENHO DE ATIVIDADE TEMPORÁRIA. EXÉRCITO BRASILEIRO. VÍNCULO. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE PERÍCIA. Sobre o tema, já se manifestou esta Corte, afastando o impedimento do perito tão-só pelo fato de ele ter exercido função (aqui temporária) junto ao órgão público demandado (se tal atuação não persiste na atualidade). (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5041088-51.2018.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06-12-2018)
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE PERITO JUDICIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Não tendo sido demonstrada a existência de impedimento e/ou suspeição do perito, porquanto não configurada quaisquer das circunstâncias previstas nos artigos 134 e 135 do CPC (aplicável ao perito por força do disposto no artigo 138, III, do CPC), deve ser mantida a decisão agravada, que desacolheu exceção de suspeição oposta pelo autor. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5025747-82.2018.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 31-5-2019)
Imaginar que as circunstâncias descritas no apelo demonstra, por parte da perita, um animus à pretensão de qualquer um dos litigantes configura mera conjectura, de modo que a hipótese não se subsume ao artigo 145 do CPC/2015. E mais, representaria manifesta presunção de incursão em falha ética de sua categoria profissional, já que é vedado ao médico "deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor" (art. 98 da Resolução CFM n.º 1.931/2009). Inexiste, na espécie, interesse presumido de jure que torne o perito, como interessado, suspeito para a execução da atribuição que lhe foi dada judicialmente.
Logo, deve-se rejeitar a preliminar de impedimento ou suspeição da perita que atuou no feito.
No que se refere à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não obstante os argumentos da parte apelante, não é aplicável a hipóteses como a dos autos, na medida em que não se está diante de uma relação típica de consumo, mas de uma atividade de gestão pública, já que o atendimento prestado não se deu no âmbito privado, mas custeado pelo Sistema Único de Saúde, em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF).
Esse é o entendimento dos precedentes que seguem, sem os destaques nos originais:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIÇO PÚBLICO. SAÚDE. INAPLICABILIDADE CDC. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. DEVER DE INFORMAR. CULPA. 1) A desídia no dever de informar caracteriza a culpa na modalidade negligência, o que torna pertinente condenação da Ré ao pagamento de valor a título de danos morais, independentemente da discussão acerca de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva. 2) Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado ou por entidade equiparada e custeado por meio de receitas tributárias, não se caracteriza uma relação de consumo, não ensejando, pois, a aplicabilidade das regras do Código de Defesa do Consumidor. 3) A responsabilidade civil do Estado é subjetiva quando o dano for causado por ato omissivo. (TRF4, AC 5052696-95.2018.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 07-4-2021)
ADMINISTRATIVO. ALEGADO ERRO DE DIAGNÓSTICO. HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA FURG. DANOS MORAIS. INCABÍVEIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CDC. INAPLICABILIDADE. 1. A questão da responsabilidade do Hospital Universitário da FURG insere-se, a par da discussão relativa à responsabilidade pela prestação de serviço médico e hospitalar, no âmbito da responsabilidade estatal, haja vista que, no caso concreto, trata-se de hospital público, no qual atuam médicos titulares de cargo público, nessa função. 2. Quanto ao primeiro aspecto, isto é, da responsabilidade de hospitais por erro médico, segundo a jurisprudência consolidada na Colenda Segunda Seção do Egrégio STJ, a responsabilidade do hospital se confirma quando verificada falha no serviço afeta única e exclusivamente ao seu serviço ou no caso do médico ser seu empregado ou preposto. 3. A responsabilidade unicamente do Hospital restringe-se a falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital, e é objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, com fulcro no artigo 37, parágrafo 6º, da CF/88. 4. No tocante à pretensão de inversão de ônus da prova nos termos do Código de Defesa do Consumidor, não cabe em caso de prestação de serviços médicos por Hospital Público, em atendimento público pelo SUS. 5. Improcedência da demanda. (TRF4, AC 5001286-25.2014.404.7101, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 17/05/2017)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. SUPOSTO ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não comprovado erro médico apontado pela autora na peça inaugural, seja no que se refere ao procedimento de parto e pós-parto realizado no Hospital Padre Jeremias, bem como nos procedimentos médicos para remoção dos restos placentários no Hospital Dom João Becker, conclusão esta que impede, consequentemente, o exame quanto aos pedidos de indenização por danos morais e materiais. 2. Quanto à inversão do ônus probatório, alegando a apelante a incidência do Código de Defesa do Consumidor, anoto que resta afastada no presente caso, pois se trata de serviço de saúde dispensado por instituição pública, de forma que não se caracteriza relação de consumo, mas prestação de serviço público. Precedente do STJ. (TRF4, AC 5047976-81.2015.404.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 01/06/2016)
Isto posto.
A responsabilidade do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição da República, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Por conseguinte, a Constituição da República estabeleceu como baliza normativa a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte, pode-se dizer que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são (a) a ação ou omissão humana, (b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro, assim como o (c) nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo e o dano experimentado.
No que tange a comportamento omissivo, quando o dano decorre diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Sem embargo, oriundo o dano de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o dano não emerge diretamente de um não agir do Estado, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano.
Especificamente em relação ao dano gerado em situação de atendimento médico-hospitalar, impõe-se, a partir de uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio, diferenciar duas hipóteses, quais sejam: a) quando o serviço prestado é afeto exclusivamente ao nosocômico, como, por exemplo, nas situações de acomodação, exames laboratoriais, controle de infecção, transporte de enfermo, dentre outras, a responsabilidade civil estatal é objetiva, isto é, aplica-se a regra geral instituída na legislação; b) de outra banda, quando se cuida de prestação de serviços médicos, considerando que a obrigação é de meio, é dizer, não de resultado, a responsabilidade é subjetiva.
Logo, na segunda hipótese, deve-se perquirir se os profissionais de saúde destacados para a prestação do serviço deram causa ao dano e se este não adveio de condições próprias do paciente, precisando-se averiguar a negligência, a imprudência ou imperícia no atendimento e na conduta do médico. Com efeito, nas obrigações de meio, demanda-se do profissional que adote as técnicas adequadas, bem assim seja diligente no exercício do seu mister, respondendo, por conseguinte, não pelo resultado, mas pelo seu agir.
Nesse horizonte, em casos nos quais se delibera sobre a existência, ou não, de erro médico, inviável o hospital responder objetivamente por eventual dano, porquanto, ao fim e ao cabo, estaria, assim, compelido, indevidamente nessas situações, a garantir determinado resultado.
Dito isso.
No mérito, é importante ressaltar que a produção de provas visa à formação do convencimento do magistrado, cabendo a ele determinar as necessárias ao julgamento do feito e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil. No presente caso, o juiz singular considerou suficientemente instruído o processo, prerrogativa que lhe assiste conforme a sistemática do novo Código de Processo Civil.
De fato, foi produzida prova pericial que, em conjunto com as provas documentais juntadas pelas partes, revelou-se suficiente à solução da controvérsia, não se podendo falar em cerceamento de defesa.
Neste sentido, seguem os precedentes desta Corte (sem os destaques nos originais):
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ERRO MÉDICO. DEMORA NO ATENDIMENTO. CONFIGURAÇÃO. 1. A produção de provas visa à formação do convencimento do juiz, a quem cabe, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do artigo 370 do CPC/2015. Existindo elementos probatórios suficientes para a solução do litígio, não se justifica a realização de nova perícia médica, com todos os ônus daí decorrentes, porque, se é fato que o laudo pericial já produzido contém "contradições", incumbia à parte apontar as inconsistências da avaliação procedida pelo expert, apresentando parecer de assistente técnico. A responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária, a existência de dano e a presença de nexo causal entre a conduta comissiva ou omissiva e o resultado lesivo (prejuízo). Dela decorre o direito à indenização por dano patrimonial e extrapatrimonial (art. 5º, incisos V e X, e art. 37, § 6º, da Constituição Federal, e arts. 188 e 927 do Código Civil). Em tendo sido comprovado que a demora na solicitação de exames complementares, na identificação da enfermidade que acometia a paciente e na realização do procedimento cirúrgico que se fazia necessário contribuiu para a ocorrência do resultado danoso (falecimento), é inafastável o direito à reparação indenizatória. (TRF4, AC 5005965-46.2011.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 03-4-2017)
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REQUERIMENTO DE NOVA PERÍCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR. LAQUEADURA TUBÁRIA. GRAVIDEZ POSTERIOR INDESEJADA. ORIENTAÇÃO À AUTORA ACERCA DA FALIBILIDADE DO MÉTODO. AUSÊNCIA DE ATO LÍCITO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. 1. A produção de provas visa à formação do convencimento do magistrado, cabendo a ele determinar as necessárias ao julgamento do mérito e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 2. Não é justificável a substituição do perito judicial quando se trata de profissional devidamente habilitado, que apresenta laudo com robusta fundamentação técnica e jurídica e responde satisfatoriamente aos quesitos das partes. 3. Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. 4. Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva). Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". 5. Se mesmo depois da laqueadura tubária sobreveio gravidez, é devido ao fato de que o método não é 100% eficaz para obstar uma gravidez indesejada, como não o são, aliás, todos os demais métodos contraceptivos conhecidos. Nesse caso, não se pode falar em violação ao dever de informação se a autora assinou termo de consentimento que alerta sobre a existência de risco de gravidez por recanalização das trompas uterinas, gravidez tubária e alterações do ciclo menstrual. 6. Afastada a tese de que houve falha no tratamento médico-hospitalar e violação ao dever de informação, não se configura o dever de indenizar, pois ausente o ato ilícito, pressuposto da responsabilidade civil do Estado. (TRF4, AC 5019015-57.2020.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 05-4-2021)
No caso em análise, sopesando-se as circunstâncias concretas e as peças processuais constantes no caderno processual, verifica-se que inexiste falha na prestação dos serviços médicos, assim como nexo de causalidade entre a conduta do nosocômio e os danos alegados pela autora, uma vez que os procedimentos adotados para tratamento da paciente foram adequados nos termos da literatura médica.
Não obstante os argumentos do apelo, verifica-se no feito originário que o conjunto probatório trazido aos autos, destacando-se, aqui, a prova pericial produzida, confirma o entendimento da magistrada a quo para declarar a improcedência dos pedidos formulados na demanda.
In casu, não há reparos à decisão hostilizada. Com base nas informações e documentos acostados aos autos, tenho que a análise do MM. juízo singular mostrou-se irretocável, devendo, portanto, ser mantida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, de forma que, a fim de evitar desnecessária tautologia, peço vênia para transcrever o seguinte excerto da sentença, que adoto como razão de decidir:
[...]
Aplicando tais considerações teóricas ao caso concreto, mediante a análise das provas dos autos, entendo que não restou configurado qualquer erro grosseiro ou imperícia no diagnóstico da demandante.
O laudo pericial vai ao encontro do conjunto fático-probatório trazido aos autos pelo nosocômio, esclarecendo todas as questões controversas surgidas durante a instrução do feito.
Não vejo, da prova carreada aos autos, o erro no diagnóstico da Autora.
A prova pericial produzida nos autos indica que o Hospital realizou exames na autora, a diagnosticou, mas informou acerca da necessidade de repetição do exame "com um número maior de células e em fibroblastos", o que não teria sido realizado pela paciente, à época.
Segundo se infere das respostas da Perita, questionada sobre se o diagnóstico teria seguido o recomendado pela literatura médica, informou a expert:
"Sim. A autora foi encaminhada de Canoas, para avaliação genética no HCPA, por baixa estatura e algumas características clínicas sugestivas de síndrome de Turner. Na triagem da Genética do HCPA, foi avaliada clinicamente e confirmada a suspeita de Turner, tendo sido realizado o cariótipo. Considerando o quadro clínico da autora na época, e apenas algumas características (outras características não eram tão evidentes), como a baixa estatura importante, cúbito algo e palato ogival, a suspeita clínica de Turner estava bem embasada na literatura médica. O cariótipo confirmou tratar-se Síndrome de Turner MOSAICO.
Reproduzo descrições de consultas, realizadas aos 13, 15 e 17 anos de idade, que demonstram que o diagnóstico de Turner MOSAICO foi explicado para a mãe e autora. A mesma não teve hipogonadismo confirmado e não foi tratada para isto, tendo apresentado evolução da puberdade e desenvolvimento gonadal completo, SEM INTERFERÊNCIA MEDICAMENTOSA. Aos 13 anos já vinha em acompanhamento a cada 6 meses, e aos 15 anos, anualmente. Em consulta de junho de 2000, há registro de dúvidas da mãe sobre fertilidade e abordagem do diagnóstico de Turner. Em consulta aos 17 anos, foi explicado e orientado à mãe e à autora, que havia possibilidade de engravidar".
Ainda, em resposta aos questionamento da parte demandante, esclareceu a perita o seguinte:
"A autora foi diagnosticada como Síndrome de Turner mosaico, com 80% de células normais, em 1994 pelo HCPA. Portanto, era um mosaico, com grande predominância de células normais.
A Síndrome de Turner não é uma doença rara e necessariamente grave . É a mais comum das anormalidades dos cromossomas sexuais nas mulheres e ocorre em aproximadamente de 1 em 2000 a 1 em 2500 nascimentos vivos de meninas. A prevalência verdadeira não é certa, pois pacientes com fenótipos mais brandos podem ser diagnosticadas tardiamente na vida adulta ou até mesmo permanecerem não diagnosticadas. A síndrome é causada pela perda de parte ou de todo um cromossoma X, e os genótipos podem ser: 45X, 45X com mosaicismo (quase 50% dos Turner tem mosaicismo), anomalias do cromossoma X e com Y-mosaicismo.
A presença e o grau de mosaicismo podem diferir entre diferentes tecidos e a ausência de mosaicismo em um cariótipo de sangue periférico não garante que não haja mosaicismo em outros tecidos.
A possibilidade de Síndrome de Turner deve ser considerada em qualquer menina com baixa estatura inexplicada, mesmo que tenha entrado em puberdade e tenha ciclos menstruais regulares. Em um estudo retrospectivo de 522 pacientes com Turner com mais de 12 anos, 84 (16%) tiveram monarca espontânea com uma idade média de 13,2 anos; 30 destas mulheres ainda tinham menstruações regulares 9 anos após a menarca, e 3 engravidaram espontaneamente. Em outro estudo retrospectivo, com 276 adultos com síndrome de Turner comprovada citogeneticamente, 5 tiveram puberdade espontânea e gestações espontâneas, apesar do alto grau de monossomia (45X, em > de 90% das 50 células do cariótipo). ref. 55
Considerando que o cariótipo baseia-se na contagem e identificação dos cromossomas, e não em identificação de genes, a probabilidade de erro é muito pequena. É mais provável que tenha havido perda do mosaicismo com o crescimento.
A médica informa que o diagnóstico foi correto, ainda que não repetido espontaneamente pelo próprio Hospital. Transcrevo:
"(...)
As características físicas, a baixa estatura importante, com atraso de idade óssea, o útero hipoplásico e e a não visualização dos ovários e os exames hormonais em níveis pré-púberes são compatíveis com o diagnóstico de Síndrome de Turner. Não havia razão para questionar o diagnóstico ou mesmo repetir o cariótipo. A possibilidade de Síndrome de Turner deve ser considerada em qualquer menina com baixa estatura inexplicada, mesmo que tenha entrado em puberdade e tenha ciclos menstruais regulares. Em um estudo retrospectivo de 522 pacientes com Turner com mais de 12 anos, 84 (16%) tiveram monarca espontânea com uma idade média de 13,2 anos; 30 destas mulheres ainda tinham menstruações regulares 9 anos após a menarca, e 3 engravidaram espontaneamente. Em outro estudo retrospectivo, com 276 adultos com síndrome de Turner comprovada citogeneticamente, 5 tiveram puberdade espontânea e gestações espontâneas, apesar do alto grau de monossomia (45X, em > de 90% das 50 células do cariótipo).
(...)"
Questionada a Perita sobre se teria ocorrido erro de diagnóstico em 1994 pelo HCPA, afirmou:
"Não é possível afirmar que o cariótipo realizado em 1994 estava errado. As características físicas, a baixa estatura importante, com atraso de idade óssea, o útero hipoplásico e e a não visualização dos ovários e os exames hormonais em níveis pré-púberes são compatíveis com o diagnóstico de Síndrome de Turner. Não havia razão para questionar o diagnóstico ou mesmo repetir o cariótipo. O HCPA indicou a realização de um novo cariótipo, mas a autora não quis. Também não é possível afirmar que a autora não tenha mesmo a Síndrome de Turner, pois ficou com estatura 8 cm abaixo do seu alvo familiar, e teve 2 gestações com abortamentos espontâneos. Com relação aos resultados discordantes dos 2 cariótipos, além de uma possível alteração “in vitro” no exame de 1994, é possível que a autora tenha perdido o mosaicismo com o crescimento.
Ainda, sobre a gravidade da doença e supostos abalos de ordem psicológicas na autora, sustentou:
"Conforme revisão minuciosa do prontuário da autora, nunca foi-lhe dito que a doença era grave e debilitante. Há registro, em todas as consultas de cariótipo de Turner mosaico, com 80% de células normais. Considerando que o diagnóstico era de síndrome de Turner, a autora foi avaliada para todas as possíveis anomalias associadas. Seu acompanhamento foi abrangente e correto, visando tratar as possíveis complicações. A autora foi avaliada e acompanhada, tendo sido tratada para a baixa estatura com oxandrolona, por aproximadamente 2 anos. Nunca foi tratada para hipogonadismo, pois apresentou menarca espontânea. Portanto, o tratamento no HCPA considerou a evolução do quadro. A informação dada à mãe da autora e a ela, quando entrou em puberdade espontânea e estava mais velha, com ciclos menstruais regulares, foi de que a possibilidade de gestar existia. Não há registro de que isto seria impossível. A autora tinha baixa estatura importante, e dificuldades escolares, quando chegou ao HCPA. Tinha repetido a 1a. série 2 vezes, a 2a. série, 4 (?) vezes, e só aprendeu a ler em torno de 11 anos de idade. Há registro de “poliqueixosa” e solicitação de encaminhamento à psicologia, em consulta aos 20 anos de idade. E, registro de consulta na psicologia: “falante, preocupada com compromissos, horários e pagamentos”. Portanto, conforme os registros do prontuário, não há referência a sentimentos relacionados ao diagnóstico de Turner. Somente em 2016, após o novo cariótipo, e a informação de que não tinha Turner, há registros de sofrimento psíquico relacionado à síndrome. No entanto, conforme os registros de consultas, na psicologia, em 2018 e 2019, a autora tinha conflitos familiares, com a mãe, irmã, e passou por um processo de separação. Há referência a estar melhor após a decisão de se separar, e com novo relacionamento, e, após, novos conflitos por término de relacionamento, estresse no trabalho e problemas financeiros. Portanto, ainda que o novo diagnóstico tenha provocado sofrimento psíquico, a autora tem histórico de dificuldades escolares, depressão e conflitos familiares (mãe, irmãs, companheiros) e no trabalho, que certamente também acarretam problemas psicológicos".
Em laudo complementar, manifestou-se a perita:
"A Síndrome de Turner não é uma doença rara e necessariamente grave. (...) , considerando o caso da autora, diagnosticada com Turner mosaico com 80% das células normais e sem outras anomalias e complicações associadas (foi avaliada corretamente para todas as possíveis anomalias), pode-se concluir que sua doença não foi considerada grave. Não há qualquer registro em prontuário de gravidade e risco de vida'.
Por fim, relevante mencionar que a perita afirma que "foram usados todos os métodos disponíveis e adequados para o diagnóstico, associados às características clínicas. Considerando o diagnóstico, ainda que de mosaico com 80% de células normais, a autora foi avaliada para todas as anomalias e possíveis complicações associadas à Síndrome de Turner . Não havia suspeita ou justificativa para repetir o cariótipo. Usualmente, a repetição do exame está indicada nos casos de diagnóstico positivo pré-natal, nos casos de diagnóstico feito com esfregaço bucal apenas (swap) e em casos de diagnóstico realizado no passado distante ou sem relatório citogenético disponível".
Pelo que se extrai, portanto, não houve erro de diagnóstico, sendo tomadas todas as medidas necessárias para o tratamento da autora que, à época, apresentava baixa estatura, dentre outros indicativos da doença. O fato de não ter sido confirmada a síndrome em novo exame realizado em 2017 não invalida o primeiro diagnóstico, nem implica dizer tenha havido erro, visto que "além de uma possível alteração “in vitro” no exame de 1994, é possível que a autora tenha perdido o mosaicismo com o crescimento", considerando que o diagnóstico foi de Turner mosaico com 80% das células normais e sem outras anomalias e complicações associadas.
Assim, entendo não haver qualquer repreensão à conduta da equipe médica responsável pelo diagnóstico da Autora.
Por fim, não verifico nexo causal entre o diagnóstico realizado em 1994 e os problemas psicológicos apontados pela Autora. Conforme bem ponderado pela Perita, a autora já apresentava dificuldades de aprendizado, motivo pelo qual submeteu-se a atendimento psicológico, bem como não teria sido mencionada a doença como fator preponderante das dificuldades enfrentadas durante a vida adulta da Autora.
Destarte, não restando demonstrado nos autos qualquer erro, imperícia ou negligência por parte do nosocômio réu capazes de ensejar a indenização postulada, a improcedência da ação é medida que se impõe. Nesse sentido, cito:
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPETÊNCIA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. FUNDAÇÃO FEDERAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CIRURGIA. MÉDICOS CIRURGIÃO E PLANTONISTA. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO EVENTO LESIVO. NEXO DE CAUSALIDADE. ATENDIMENTO MÉDICO POSTERIOR. NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. FIXAÇÃO DO VALOR. 1. Existindo relação obrigacional por convênio entre a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia e a Faculdade Federal de Ciências Médicas, ambas de Porto Alegre, cabível a denunciação da lide, ensejando a competência jurisdicional da Justiça Federal. Precedentes. 2. Não havendo conduta ilícita dolosa ou culposa, tanto na forma comissiva como omissiva, por parte dos médicos requeridos, por ocasião do evento cirúrgico, resta afastado o nexo de causalidade. Logo, ausente o dever de indenizar em relação ao fato (cesariana), devendo ser mantida a improcedência da demanda, bem como da denunciação à lide, quanto a esse tópico. [...] (TRF4, AC 2004.71.00.016750-0, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 04/08/2010) Grifei.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. PARTO NORMAL. LICITUDE DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS. COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA. ERRO MÉDICO INEXISTENTE. 1.- A obrigação do profissional da Medicina é de meio e dependente da comprovação da culpa, não se confundindo com a responsabilidade estatal objetiva. 2.- Comprovado que o procedimento médico adotado durante o parto normal foi o adequado para a situação que lhe foi apresentada, inexistente o nexo de causalidade entre o suposto dano e o atendimento, de modo que não se cogita do pagamento de indenização por danos morais e materiais. (TRF4, AC 5046011-10.2011.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 12/12/2011) Grifei.
III - Dispositivo
Ante o exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva, extinguindo o feito sem resolução de mérito em relação à União Federal, nos termos do art. 485, VI do CPC; em relação ao HCPA, julgo improcedente a ação.
Arbitro os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (um mil reais), rateáveis igualmente entre os réus, atualizáveis monetariamente pelo IPCA-e/IBGE desde a data desta sentença e acrescidos de juros de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado da sentença, na forma do art. 85, § 8º do CPC. Suspendo a exigibilidade da parcela de responsabilidade da parte autora, diante do benefício da gratuidade judiciária.
Havendo recurso(s) voluntário(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado e nada sendo requerido, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Complementando o entendimento do juízo a quo, no que tange ao dano moral, pleito principal da demanda posta, é importante acrescentar, ainda, que, no caso concreto, a sua fixação é incabível, porquanto não se depreende, da instrução processual, abalo moral sofrido pela apelante decorrente de ato ilícito da instituição hospitalar recorrida. Malgrado se reconheça a gravidade das situações vivenciadas pela parte autora, a prova produzida no expediente judicial não demonstra o preenchimento dos requisitos insculpidos na legislação para responsabilização dos réus.
Logo, ausente o dever de indenizar.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte ratificam o entendimento declinado, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ERRO MÉDICO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO INTERNO DA PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O acórdão recorrido entendeu que não ficou configurada a negligência no atendimento médico realizado junto ao Hospital Governador Israel Pinheiro a ensejar a pretendida indenização por danos morais. 2. Para alterar a conclusão a que chegou a Corte de origem demanda o necessário reexame do contexto fático-probatório do autos, providência vedada, a princípio, nesta seara recursal especial. 3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento. (STJ, AgInt no AREsp nº 1038330/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 4-04-2018)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATENDIMENTO CIRÚRGICO. HOSPITAL CRISTO REDENTOR. RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DOS PROFISSIONAIS MÉDICOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. A questão da responsabilidade das instituições hospitalares requeridas insere-se, a par da discussão relativa à responsabilidade pela prestação de serviço médico e hospitalar, no âmbito da responsabilidade estatal, haja vista que, no caso concreto, trata-se de hospitais públicos, no qual atuam médicos titulares de cargo público, nessa função. 2. Quanto ao primeiro aspecto, isto é, da responsabilidade de hospitais por erro médico, segundo a jurisprudência consolidada na Colenda Segunda Seção do Egrégio STJ, a responsabilidade do hospital se confirma quando verificada falha no serviço afeta única e exclusivamente ao seu serviço ou no caso do médico ser seu empregado ou preposto. 3. A responsabilidade unicamente do Hospital, que seria objetiva, restringe-se a falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Ainda, na hipótese de prestação de serviços médicos, o vínculo estabelecido entre médico e paciente refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional - teoria da responsabilidade subjetiva. 4. Contudo, assim como a obrigação do médico, a responsabilidade do hospital, ou de seu mantenedor, não pode ser vista como objetiva, sob pena de transmudar a relação obrigacional que era de meio a uma obrigação de resultado. Assim, sendo a relação médico-paciente um contrato com obrigação de meio, a extensão desta obrigação ao hospital ou a seu mantenedor também deverá manter a mesma natureza, impondo-se, por consequência, para a configuração do dever de indenizar, a prova da culpa do profissional médico. (TRF4, AC nº 5052057-68.2018.4.04.7100, Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, Terceira Turma, juntado aos autos em 30-6-2021, grifei)
ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Ausência de fundamento fático que sustente a pretensão indenizatória da parte autora, vez que o procedimento médico adotado foi corretamente efetuado, não tendo o réu empregado conduta geradora de dano ou atuado com negligência ou imperícia. (TRF4, AC nº 5002677-14.2016.4.04.7111, Relator Desembargador Federal Rogério Favreto, Terceira Turma, juntado aos autos em 21-7-2021)
QUESTÃO DE ORDEM. NULIDADE POR FALTA DE VISTA AO MPF. MENOR INCAPAZ. HIPÓTESE LEGAL DE INTERVENÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CIRURGIA DE LAQUEADURA TUBÁRIA. HOSPITAL CONCEIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. Tratando-se de causa com interesse de menor incapaz, deve, por exigência legal, haver a intimação do Ministério Público. Questão de ordem solvida para anular o julgamento anterior e viabilizar a análisa os recursos após manifestação do MPF. 2. Assim como a obrigação do médico, a responsabilidade do hospital, ou de seu mantenedor, não pode ser vista como objetiva, sob pena de transmudar a relação obrigacional que era de meio a uma obrigação de resultado. Assim, sendo a relação médico-paciente um contrato com obrigação de meio, a extensão desta obrigação ao hospital ou a seu mantenedor também deverá manter a mesma natureza, impondo-se, por consequência, para a configuração do dever de indenizar, a prova da culpa do profissional médico. 3. No caso dos autos, nos termos da sentença recorrida, não se vislumbra a ocorrência de imperícia por parte do nosocômio ou profissionais médicos que atenderam a paciente durante a cirurgia, tampouco quanto à correta informação acerca da possibilidade de nova gravidez após a cirurgia, ainda que remota. (TRF4, AC nº 5073084-10.2018.4.04.7100, Terceira Turma, Relatora Desembargador Federal Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 11-8-2021)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO EM CIRURGIA REPARADORA DE MAMA REALIZADA NO HCPA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. IMPROCEDÊNCIA.
A configuração da responsabilidade civil pressupõe a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. No presente, caso, contudo, não restou comprovado qualquer prática pelas rés de ato ilícito, ao contrário, o procedimento adotado foi o adequado nos termos da literatura médica para os casos de cirurgia reparadora realizada pela autora. (TRF4, AC nº 5018637-53.2010.4.04.7100, Relator Desembargador Federal Luís Alberto D´Azevedo Aurvalle, Quarta Turma, julgado em 16-05-2018)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PUBLICO. FALHA NO SERVIÇO MÉDICO HOSPITALAR NÃO COMPROVADA. NEXO DE CAUSALIDADE AUSENTE. A responsabilidade civil da pessoa jurídica por danos causados é subjetiva, e não objetiva, na medida em que o hospital demandado tem a chance de comprovar a inexistência de falha no fornecimento dos serviços contratados. Não comprovado o nexo de causalidade entre a atuação do hospital e da equipe médica e o dano alegado pela parte autora, é improcedente o pedido de responsabilização do ente público. (TRF4, AC nº 5003955-58.2017.4.04.7000, Relatora Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, Quarta Turma, juntado aos autos em 29-4-2021)
Dessa forma, em que pesem as alegações da apelante, impõe-se o reconhecimento de que são irretocáveis as razões que alicerçaram a sentença ora hostilizada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Da sucumbência recursal.
Restam mantidos os honorários sucumbenciais fixados na sentença.
Em atenção ao disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em favor da parte recorrida em 1% sobre o valor fixado pelo juízo, observada a concessão de Assistência Judiciária Gratuita.
Do prequestionamento.
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002812635v20 e do código CRC d31ce08f.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5012444-41.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: VANIA DA SILVA SOARES (AUTOR)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SUSPEIÇÃO DE PERITO. IMPARCIALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO APLICAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PUBLICO. FALHA NO SERVIÇO MÉDICO HOSPITALAR. NÃO COMPROVADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DO APELO.
1. A teor do disposto no artigo 148, inciso II, do Código de Processo Civil, os auxiliares da justiça, dentre os quais se inclui o perito, encontram-se sujeitos aos mesmos motivos de impedimento e suspeição que o magistrado.
2. O impedimento requer metodologia de aferição objetiva, de modo que a interpretação de suas hipóteses deve ser feita restritivamente. Em outras palavras, trata-se de rol exaustivo. Ainda, exige a caracterização de interesse direto no resultado do processo por aquele que deve nele atuar. Consiste, portanto, em presunção absoluta de parcialidade, apontando relações entre o julgador ou o auxiliar da justiça e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei. Já o instituto da suspeição vincula o agente público a uma das partes (causa subjetiva), razão pela qual representa, segundo a doutrina e a jurisprudência, conceito jurídico indeterminado, diante dos múltiplos vínculos subjetivos passíveis de corromper a devida imparcialidade, a ensejar a compreensão de que o rol de causas de suspeição é meramente exemplificativo.
3. O Código de Ética Médica (Resolução CFM n.º 1.931/2009) dispõe, em seu artigo 93, que é vedado ao médico "ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado".
4. A produção de provas visa à formação do convencimento do magistrado, cabendo a ele determinar as necessárias ao julgamento do mérito e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do artigo 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil. No presente caso, o juiz singular considerou suficientemente instruído o processo, prerrogativa que lhe assiste conforme a sistemática do novo Código de Processo Civil...
5. O Código de Defesa do Consumidor, não obstante os argumentos da parte apelante, não é aplicável a hipóteses como a dos autos, na medida em que não se está diante de uma relação típica de consumo, mas de uma atividade de gestão pública, já que o atendimento prestado não se deu no âmbito privado, mas custeado pelo Sistema Único de Saúde, em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF).
6. A questão da responsabilidade das instituições hospitalares requeridas insere-se, a par da discussão relativa à responsabilidade pela prestação de serviço médico e hospitalar, no âmbito da responsabilidade estatal, haja vista que, no caso concreto, trata-se de hospitais públicos, no qual atuam médicos titulares de cargo público, nessa função..
7. Quanto ao primeiro aspecto, isto é, da responsabilidade de hospitais por erro médico, segundo a jurisprudência consolidada na Colenda Segunda Seção do Egrégio STJ, a responsabilidade do hospital se confirma quando verificada falha no serviço afeta única e exclusivamente ao seu serviço ou no caso do médico ser seu empregado ou preposto.
8. A responsabilidade unicamente do Hospital, que seria objetiva, restringe-se a falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Ainda, na hipótese de prestação de serviços médicos, o vínculo estabelecido entre médico e paciente refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional - teoria da responsabilidade subjetiva.
9. Contudo, assim como a obrigação do médico, a responsabilidade do hospital, ou de seu mantenedor, não pode ser vista como objetiva, sob pena de transmudar a relação obrigacional que era de meio a uma obrigação de resultado. Assim, sendo a relação médico-paciente um contrato com obrigação de meio, a extensão desta obrigação ao hospital ou a seu mantenedor também deverá manter a mesma natureza, impondo-se, por consequência, para a configuração do dever de indenizar, a prova da culpa do profissional médico.
10. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002812636v5 e do código CRC 8ecbf48c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/10/2021 A 13/10/2021
Apelação Cível Nº 5012444-41.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
APELANTE: VANIA DA SILVA SOARES (AUTOR)
ADVOGADO: ANA PAULA LEAL SBARDELOTTO (OAB RS044603)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/10/2021, às 00:00, a 13/10/2021, às 16:00, na sequência 38, disponibilizada no DE de 23/09/2021.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 31/10/2021 16:00:57.