APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002343-73.2013.4.04.7211/SC
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | JOÃO MELLO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | MIRIAN GERHARDT |
: | LUIZ DALLEGRAVE NETO | |
: | ADEMIR DALLEGRAVE | |
APELANTE | : | MAURI LENHARDT |
ADVOGADO | : | Fabrício Luís Mohr |
APELADO | : | ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S.A. |
INTERESSADO | : | DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT |
INTERESSADO | : | LUIZ GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ALFREDO AGNALDO RIFFEL |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSTRUÇÃO DE CERCAS EM FAIXA DE DOMÍNIO SEGURANÇA DO TRÂNSITO. ESBULHO COMPROVADO. SENTENÇA MANTIDA. DILAÇÃO DO PRAZO DE RETIRADA DAS CERCAS. INDEFERIMENTO. APELOS DESPROVIDOS.
1. A prova dos autos indica que a construção encontra-se dentro de faixa de domínio, a justificar a ordem de retirada das cercas e de restituição da faixa de domínio para sua finalidade específica: segurança dos usuários da via pública.
2. Constatada a construção irregular, não há óbice apriorístico à determinação de remoção das cercas e à retomada da área pelo seu legítimo proprietário, o Poder Público.
3. O prazo de 90 (noventa) dias para remoção das cercas deferido na origem, a contar do trânsito em julgado encontra-se razoável e, não havendo motivo plausível para ampliação do prazo, o pedido é de ser indeferido.
4. Apelos desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2016.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8475887v9 e, se solicitado, do código CRC 11399701. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002343-73.2013.4.04.7211/SC
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | JOÃO MELLO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | MIRIAN GERHARDT |
: | LUIZ DALLEGRAVE NETO | |
: | ADEMIR DALLEGRAVE | |
APELANTE | : | MAURI LENHARDT |
ADVOGADO | : | Fabrício Luís Mohr |
APELADO | : | ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S.A. |
INTERESSADO | : | DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT |
INTERESSADO | : | LUIZ GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ALFREDO AGNALDO RIFFEL |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelos interpostos por MAURI LENHARDT e por JOÃO MELLO DE OLIVEIRA nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada por ALL AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S.A. contra a sentença cujo dispositivo transcrevo, in verbis:
"Ante o exposto:
a) em face do pacto firmado entre a ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S/A e o réu LUIZ GONZAGA DA SILVA, HOMOLOGO POR SENTENÇA O ACORDO e JULGO EXTINTO o feito, com resolução do mérito, nos termos o art. 269, III, do CPC; e, quanto ao mais,
b) JULGO PROCEDENTES os pedidos para determinar a reintegração de posse da autora ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S/A na faixa de domínio - de 25 (vinte e cinco) metros para cada lado, a contar do eixo da ferrovia -, que se estende do km 844+500 e km 844+950 (réu João Mello de Oliveira) e 845+000 e 845+350, 845+400 e 845+760, 845+650 e 846+000, 847+200 e 848+650 e 847+150 e 848+380 (réu Mauri Lenhardt), indevidamente ocupada pelos requeridos.
CONCEDO o prazo de 90 (noventa) dias, a contar do trânsito em julgado, para que os postulados adotem as medidas necessárias à desocupação, de modo a remover a cerca do local, cientes de que, em caso de inércia, poderá a demandante assim o proceder, ficando os requeridos responsáveis pelo ressarcimento das despesas havidas pela parte-autora.
CONDENO os requeridos João Mello de Oliveria e Mauri Lenhardt nos ônus sucumbenciais - custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, artigo 20, §§ 3º e 4º), restando suspensa a exigibilidade em relação ao primeiro réu em face da concessão da gratuidade judiciária.
Não há falar em sucumbência em prol dos assistentes simples, por não serem parte do processo, mas acessórios das partes.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Sentença não sujeita a reexame necessário."
Em razões de apelação (Evento 120 - APELAÇÃO1), o requerido João Mello de Oliveira suscita preliminar de carência de ação, afirmando que o apelado não comprovou o exercício da posse, além de não demonstrar que efetivamente houve o esbulho. Menciona que o apelante, diferentemente do que sustentado na origem, não colocou a cerca recentemente, sendo que as mesmas existem no local há muitos anos. Aduz que a posse sobre o local onde estão localizadas as cercas sempre pertenceu ao recorrente, razão pela qual não há falar em esbulho. Argumenta acerca: a) da desnecessidade de retirada das cercas, porquanto estas não inviabilizam, em nada, a utilização da ferrovia; b) da necessidade de utilizam da área para o gado. Ao final, reiterou o pedido contraposto (danos morais) efetuado em sede de contestação.
Mauri Lenhard, em seu apelo, suscita preliminar de falta de interesse processual, sustentando que a recorrida sequer notificou o apelante administrativamente antes de ajuizar o presente processo judicial. Afirma, ainda, que a inicial sequer deveria ter sido recebida, eis que o autor não comprovou o anterior exercício da posse. No mérito, assevera que: a) é legítimo proprietário da área há quase 20 (vinte) anos; b) ao longo dos anos nunca houve registro de acidentes no local; c) as cercas estão em distância significativa dos trilhos, em nada comprometendo a segurança do local. No caso de manutenção da sentença, pugna pela dilação do prazo para retirada das cercas para um ano (Evento 121 - APELAÇÃO1).
Com contrarrazões (Eventos 127 e 128), vieram os autos conclusos para julgamento.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (Evento 4 - PARECER1).
É o relatório.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8475885v11 e, se solicitado, do código CRC 6FC2D045. | |
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VOTO
Preliminar de carência de ação. A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito e com ele passo a apreciá-la.
Preliminar de falta de interesse de agir. A preliminar de falta de interesse de agir também não prospera, eis que o autor não necessita esgotar a via administrativa para propor a presente ação judicial.
Passo, pois, à análise dos recursos no mérito.
Com efeito, está incontroverso que a autora, enquanto concessionária de serviço de exploração de transporte ferroviário, possui a posse sobre a faixa de domínio em questão. Através da presente demanda, busca ser reintegrada na posse da "faixa de domínio - de 25 (vinte e cinco) metros para cada lado, a contar do eixo da ferrovia -, que se estende do km 844+500 e km 844+950 (réu João Mello de Oliveira) e 845+000 e 845+350, 845+400 e 845+760, 845+650 e 846+000, 847+200 e 848+650 e 847+150 e 848+380 (réu Mauri Lenhardt), indevidamente ocupada pelos requeridos".
A prova dos autos indica que as cercas construídas pelos requeridos encontram-se dentro da faixa de domínio, de modo que desimporta para a procedência da ação de reintegração o fato de as cercas terem sido construídas recentemente ou há muitos anos, uma vez que, como dito, as mesmas não respeitam o distanciamento mínimo exigido, comprometendo, portanto, a segurança no local.
Nesse sentido, correta a sentença proferida pelo juízo singular, a qual apreciou o caso detalhadamente, razão pela qual adoto os seus fundamentos como razões de decidir, in verbis (Evento 109):
"2.2 Mérito propriamente dito
Inicialmente, tem-se que compete à União a exploração - direta ou mediante autorização, permissão ou concessão -, dos serviços de transporte ferroviário entre fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Território, conforme reza o artigo 21, inciso XII, alínea "d", da CF/88. Por tal razão, pertencem-lhe os bens igualmente afetados à prestação de tais serviços, direta ou indiretamente.
Atenta às inúmeras controvérsias a respeito da temática, a Lei nº 9.636/98 estabeleceu a necessidade de regularização, dentre outras, dos bens imóveis de domínio da União. As ações tendentes a essa finalidade passaram a ser de alçada da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), atrelada ao Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (artigo 1º). Após a conclusão do processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, à SPU caberá lavrar, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União. Assim, a regulamentação do domínio de bens pertencentes ao ente tem se dado gradualmente, inclusive em relação ao patrimônio da extinta REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A (RFFSA), cuja maior parcela de bens foi transferida à União por força da Lei nº 10.233/01.
A propriedade das estradas de ferro pela União remonta à Constituição de 1891, cujo artigo 64 dispunha: "Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais." - grifou-se. Não obstante os regramentos constitucionais, o Decreto-lei nº 9.760/46 também arrola outros bens - in casu, imóveis - pertencentes à UNIÃO:
"Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:[...]e) a porção de terras devolutas que fôr indispensável para a defesa da fronteira, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais;[...]g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais;" - destacou-se
Em linhas gerais, depreende-se que estradas férreas integram o acervo patrimonial da União, e por se cuidar de bem público, não se lhe aplicam as normas de direito privado correspondentes à propriedade.
Em face do contrato de concessão celebrado entre a empresa FERROVIA SUL/ATLÂNTICO S/A e a União, por meio do Ministério dos Transportes, para exploração e desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga da malha sul, constituído pelas Superintendências Regionais de Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) da REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A (RFFSA), com prazo de duração de 30 (trinta) anos, prorrogável por igual período, foram transmitidos pela RFFSA à concessionária/requerente "[...] os bens operacionais de sua propriedade afetos à atual prestação do serviço concedido, através de contrato de arrendamento [...]" (fl. 02, CONTR5, evento 1).
Consoante cláusula primeira, parágrafo segundo, do contrato de concessão, o objeto do ajuste consiste na exploração do transporte ferroviário de carga.
Dentre as obrigações assumidas pela concessionária citam-se o zelo pelos bens vinculados à concessão mantendo-os em perfeitas condições de funcionamento/conservação, bem como a manutenção das condições de segurança operacional da ferrovia de acordo com as normas em vigor (cláusula nona, item 9.1, incisos XIV e XXIII).
Ainda, dentre o rol das obrigações assumidas no contrato de arrendamento nº 005/97 figura, na cláusula quarta, item XI, a tomada das "[...] medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento à RFFSA [...]".
Outrossim, o Regulamento dos Transportes Ferroviários (Decreto nº 1.832/96) estabeleceu outras obrigações às concessionárias da rede férrea nacional, dentre as quais "cumprir e fazer cumprir, nos prazos determinados, as medidas de segurança e regularidade do tráfego quer forem exigidas" (artigo 4º, inciso I).
Cabe atualmente à AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT), especificamente no que tange ao transporte ferroviário, administrar os contratos de concessão e arrendamento de ferrovias celebrados até o advento da Lei nº 10.233/01 - a exemplo do pacto de concessão firmado entre a RFFSA e a ALL (consoante previsão do art. 25, II do referido diploma).
Por fim, impende registrar que, por força da Lei nº 11.483/07 - que dispõe sobre a revitalização do setor ferroviário brasileiro -, foram transferidos ao DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE (DNIT) os bens operacionais, móveis e imóveis, da extinta RFFSA, a exemplo dos contratos de arrendamento por ela celebrados, conforme artigos 8º e 22.
Fixadas as premissas iniciais, passa-se à análise do caso concreto.
A instalação de cercados às margens da linha férrea é ponto incontroverso no feito e admitida pelos requeridos. A quaestio iuris controvertida se refere à obrigatoriedade de desfazimento ou, então, de remoção das cercas com o recuo necessário a respeitar a faixa de domínio da ferrovia.
A Resolução nº 2.695, de 13/5/2008, em seu artigo 2º, inciso III, tratou de conceituar o tema:
"III - Faixa de Domínio: é a faixa de terreno de pequena largura em relação ao comprimento, em que se localizam as vias férreas e demais instalações da ferrovia, inclusive os acréscimos necessários à sua expansão."
Em consonância com o artigo 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/79 (com redação dada pela Lei nº 10.932/04), que estabelece medidas de domínio, hão que ser observadas:
"III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;" (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004) - sublinhou-se
O Decreto nº 7.929, de 18/2/2013, estabelece em seu artigo 1º, §2º, que se entende "[...] por faixa de domínio a porção de terreno com largura mínima de quinze metros de cada lado do eixo da via férrea, sem prejuízo das dimensões estipuladas nas normas e regulamentos técnicos vigentes, ou definidas no projeto de desapropriação ou de implantação da respectiva ferrovia." - destacou-se
Nesse aspecto, sem prejuízo da metragem mínima estabelecida pelas normas em estudo, a lei pode trazer exigências específicas de tamanho, a depender de particularidades diversas.
Impende destacar que o tamanho da faixa de domínio das linhas ferroviárias não é matéria pacífica, consoante consignou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 2006.70.99.000312-0:
"[...]Nesse sentido, saliente-se que o Regulamento dos Transportes Ferroviários, aprovado pelo Decreto nº 1.831/96, não define qual seria a faixa de domínio para linhas férreas, sendo que da legislação anterior se extrai, apenas, previsão de que tal ao poderia ser inferior, em sua totalidade, a 30 (trinta) metros.
Como visto, o Decreto do Conselho do Ministro nº 2.089/63 preconizava que a faixa de domínio era aquela necessária a perfeita segurança do tráfego de trens, com seus limites fixados por uma linha distante 6 metros do trilho exterior (art. 9º, § 2º).
Outrossim, em normatização interna do Conselho Ferroviário Nacional (Normas Técnicas para as Estradas de Ferro Brasileiras, aprovada pela Resolução nº 43/66, de 01/04/66, do Conselho Ferroviário Nacional, órgão vinculado ao extinto Departamento Nacional de Estradas de Ferro - DNEF, do Ministério dos Transportes), havia definição de que 'a faixa de domínio terá uma largura mínima limitada pela distância de 10 metros, contada a partir dos pés de aterro ou das cristas dos cortes, para cada um dos lados e nunca será inferior a 30 metros.'
Ainda, cumpre esclarecer que a Lei 6.766, de 19/12/79 define faixa não edificável de 15 metros de cada lado ao longo da faixa de domínio da ferrovia (art. 4º, § 1º), sem elucidar, contudo, qual seria esta faixa de domínio. Ou seja, somente se estabeleceu que, além da faixa de domínio da rodovia, há área que pode ser de titularidade de particulares, sobre ela incidindo limitação administrativa à edificação.
Diante do que acima se destacou torna-se forçosa a conclusão quanto à precariedade de normatização da faixa de domínio de ferrovias, sobejando inconteste, ainda, que a regularização da áreas em que insertas linhas férreas ocorre mediante regular processo expropriatório por utilidade pública.[...]" (sem grifos e destaques no original).
Destarte, "apesar da precariedade da normatização a respeito, da leitura dos dispositivos legais mencionados acima infere-se que há, efetivamente, uma limitação de no mínimo 10 (dez) metros, que corresponderia à faixa de domínio, mais 15 (quinze) metros de área não edificável na forma de limitação administrativa. De se consignar que tais restrições se justificam por razões de segurança coletiva e de preservação das condições ambientais" (TRF4, AC 5001431-25.2012.404.7013, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 16/01/2014)
A prova oral produzida também corroborou a existência de cercas na área de faixa de domínio. Vejamos.
A testemunha Delírio de Borba asseverou que possui propriedade próxima às terras dos réus. Destacou que mora na localidade há 55 anos e desde àquela época havia as referidas cercas e a ferrovia. Disse que trabalhou na linha férrea na atividade de manutenção da ferrovia e, nessa época, já se verificava as cercas ao longo da linha. Referiu que não sabe precisar se a instalação foi exigência da Rede Ferroviária ou iniciativa dos moradores. Instado, asseverou que, enquanto trabalhou na manutenção, nunca houve acidentes. Afirmou que se houver modificação da cerca, a propriedade do réu João perderá a fonte de água destinada aos animais e, em período de estiagem, não possui outra vertente de água para a criação. Disse que o réu João ficou abalado ao ser cientificado da presente ação (evento 90, VÍDEO1).
Dercílio Pacheco dos Santos informou possuir terreno, também cortado pela ferrovia, e com cercas instaladas a aproximadamente 5 ou 6 metros da linha. Referiu que foi procurado apenas uma vez para que fizesse o recuo das cercas, mas não recebeu notificação posteriormente. Afirmou conhecer os terrenos dos réus João e Mauri há muito tempo e ratificou que as cercas encontram-se no mesmo lugar há décadas, sendo feita apenas a sua manutenção. Instado, afirmou que a criação do seu João bebe água tanto da nascente, quanto do rio. Asseverou que as cercas nunca inviabilizaram a passagem dos trens, nem quando havia uso diário da ferrovia. Disse que a concessionária faz pouca manutenção e utiliza veneno para tanto. Destacou que desconhece acidentes na região (evento 90, VÍDEO2).
A testemunha Eduardo Pereira Duarte afirmou que nasceu na localidade, há mais de 60 anos, e possuía terreno próximo ao dos réus. Disse que as cercas próximas à linha férrea encontram-se no mesmo local há décadas. Relatou que nunca soube de acidentes no local, nem na época em que havia passagem constante de trens. Contou que a instalação das cercas partiu dos moradores para que o gado não cruzasse a linha férrea. Asseverou que existe acesso ao rio nos terrenos dos réus para o gado (evento 90, VÍDEO3).
O réu João Mello de Oliveira asseverou residir na localidade há 72 anos. Afirmou que a ferrovia foi construída há mais de 100 anos e a cerca encontra-se no mesmo local desde que instalada há mais de 60 anos. Referiu que a vertente de água que serve de bebedouro ao gado fixa próxima dois metros da cerca e que não há outra nascente para essa finalidade. Destacou que, em todo o período que reside no local, nunca teve problemas com a instalação da cerca. Instado, o réu afirmou que seu genitor auxiliou na construção da estrada de ferro e contou que nunca houve indenização. Afirmou que a cerca está a aproximadamente de 10 a 15 m da ferrovia e nunca houve acidentes (evento 90, VÍDEO4).
Em depoimento pessoal, o réu Mauri Lenhardt afirmou adquiriu o terreno em 1995 e a cerca já se encontrava no mesmo ponto, aproximadamente, 5 a 6 metros da ferrovia. Asseverou que moradores da localidade ratificaram que a cerca se encontra no mesmo distanciamento há aproximadamente 70 anos. Destacou que exerce atividade pecuária e que a cerca auxilia na trafegabilidade da linha férrea, hoje utilizada apenas para turismo (evento 90, VÍDEO5).
Evidencia-se, portanto, que independentemente da época em que erigidas, as cercas existentes nos imóveis não respeitam o distanciamento legal de segurança mínimo, ou seja, 25m (vinte e cinco metros), sendo imprescindível o seu recuo.
Outrossim, dos depoimentos prestados, observa-se que, a despeito de possíveis prejuízos advindos da limitação da propriedade, existem alternativas para a manutenção da criação dos animais, inclusive no tocante à utilização do rio em lugar da nascente como bebedouro. Assim, não se evidencia a ocorrência de danos, a ponto de lhe causar prejuízos exacerbados ou a comprometer a subsistência de sua família.
A despeito da pouca utilização ou falta de operação do referido trecho da malha ferroviária, a posse indireta da ALL sobre a área correspondente à faixa de domínio (primeiros 10 metros), bem como o dever de fiscalização e guarda da autora estão comprovados pelos documentos já analisados supra (contratos de concessão e de arrendamento de bens). Ademais, a falta de operação da ferrovia não implica, por si só, a desafetação do bem público, o que só é possível ocorrer pelos meios legais pertinentes.
De outro lado, a faixa de não edificação (15 metros após a faixa de domínio), embora titularizada pelos réus, encontra-se sujeita à limitação administrativa de não construção.
Não obstante as alegações defensivas em sentido contrário, a requerente detém a posse e, consequentemente, possui a responsabilidade de conservação e segurança na faixa de domínio que circunda a linha ferroviária situada na propriedade dos demandados, dado o pacto de concessão celebrado com o MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES (antiga RFFSA).
Mesmo que tenha havido aquiescência tácita da RFFSA e de suas sucessoras com a ocupação em tese indevida da faixa de domínio, ainda assim à parte-autora é assegurada a proteção possessória correspondente.
Assim, porque configurados os requisitos previstos no artigo 927 do Código de Processo Civil, impõe-se o julgamento pela procedência do pedido, para reintegrar a demandante na faixa de domínio - de 25 (vinte e cinco) metros para cada lado, a contar do eixo da ferrovia - situada no imóvel dos réus, que se estende do km km 844+500 e km 844+950 (réu João Mello de Oliveira) e 845+000 e 845+350, 845+400 e 845+760, 845+650 e 846+000, 847+200 e 848+650 e 847+150 e 848+380 (Mauri Lenhardt), com a consequente retirada do cercado do local.
Pedido contraposto
Consoante se infere do art. 5, V e X, da Constituição Federal de 1988, 'é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem', bem assim, 'são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Destarte, a reparação por dano moral e material é garantia fundamental, conforme norma expressa da Carta Magna.
À luz de tal entendimento, no plano infraconstitucional, o Código Civil preconiza:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. (...)
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causa dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Neste diapasão, a circunstância causadora do dano moral surge por meio da ofensa a direitos de personalidade, inerentes à pessoa humana e fora da órbita patrimonial. Englobam os direitos físicos, referentes à integridade corporal, como os direitos à vida, à integridade física, ao corpo, à imagem e à voz; direitos psíquicos, relativos a componentes interiores e próprios da personalidade humana, como os direitos à liberdade, à intimidade, à integridade psíquica e ao segredo; além dos direitos morais, referentes a atributos valorativos da pessoa na sociedade, como os direitos à identidade, à honra, ao respeito e às criações intelectuais.
No caso concreto, como já referido alhures, o réu João Mello de Oliveira formulou pedido contraposto e requereu a condenação da parte-autora ao pagamento de danos morais, ao argumento de que sofreu abalo em sua honra e dignidade.
Inicialmente, e por todo o exposto no tópico acima, resta claro não ter havido ato ilícito por parte da autora a ensejar a pretensão deduzida no pedido contraposto.
Da análise dos autos, compreende-se que o réu, ao ser surpreendido com a informação de que teria invadido faixa de domínio sob a administração da parte-autora, tenha sido acometido das mais diversas preocupações.
Entretanto, afora a ausência de ilicitude no proceder da ALL, os fatos narrados não foram causadores de constrangimento tal a configurar dano moral, mormente porque vários moradores ao longo da estrada férrea encontram-se na mesma situação.
De fato, tal imbróglio pode ter gerado dissabor, o que não pode ser entendido como humilhação ou vexame que abale a moral do indivíduo.
Salienta-se que simples dissabores não podem ser alçados ao patamar de dano moral, mas apenas aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições, angústias e desgastes emocionais. O eventual incômodo causado pela prática descrita na inicial é suportável e sem maiores implicações, não ocasionando nenhuma lesão a direito da personalidade do demandante.
Nesse sentido:
"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. IMPROCEDÊNCIA.- A minuciosa análise dos fatos da causa, procedida pelo julgador 'a quo' ao fundamentar o decisório atacado, convence da conclusão de que são inconsistentes e inverossímeis.- O dano moral não decorre pura e simplesmente do desconforto, da dor, do sofrimento ou de qualquer outra perturbação do bem-estar que aflija o indivíduo em sua subjetividade. Exige, mais do que isso, projeção objetiva que se traduza, de modo concreto, em constrangimento, vexame, humilhação ou qualquer outra situação que implique a degradação do indivíduo no meio social."(TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO, APELAÇÃO CÍVEL Processo: 200370010082260 UF: PR, QUARTA TURMA, Relator Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, DJU 20/07/2005 Pág. 648)
É preciso ter em mente que a concessão de indenização por dano moral deve pressupor análise criteriosa da situação descrita pelo ofendido, sob pena de desvirtuamento do instituto da reparação por dano moral.
Por tais razões, não merece acolhida o pedido contraposto formulado nos presentes autos de condenação da autora ao pagamento de danos morais.
Por derradeiro, convém registrar que a ausência de desapropriação/indenização é matéria afeta a questão petitória, que deve ser deduzida em ação própria.
Requerimento de concessão da gratuidade judiciária
O réu acostou João Mello de Oliveira acostou extrato do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural e declaração de hipossuficiência, motivo por que defiro a gratuidade judiciária (fl. 01, DECLPOBRE4 e fl. 01, EXTR5, ambos do evento 44)."
Finalmente, no que tange ao pleito de dilação do prazo para retirada das cercas, entendo que o prazo deferido na origem (90 dias a contar do trânsito em julgado) encontra-se razoável e, não havendo motivo plausível para ampliação do prazo, indefiro o pleito no ponto.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DECISÃO QUE AMPLIOU PRAZO PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE MOTIVOS RELEVANTES. Ausente motivo relevante a justificar dilação de prazo, mostrando-se in casu razoável sua fixação em 60 dias, a contar da data de intimação da decisão agravada (10/12/2013). (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5030035-49.2013.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/03/2014)
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/08/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002343-73.2013.4.04.7211/SC
ORIGEM: SC 50023437320134047211
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PRESIDENTE | : | Marga Inge Barth Tessler |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
APELANTE | : | JOÃO MELLO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | MIRIAN GERHARDT |
: | LUIZ DALLEGRAVE NETO | |
: | ADEMIR DALLEGRAVE | |
APELANTE | : | MAURI LENHARDT |
ADVOGADO | : | Fabrício Luís Mohr |
APELADO | : | ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA S.A. |
INTERESSADO | : | DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT |
INTERESSADO | : | LUIZ GONZAGA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ALFREDO AGNALDO RIFFEL |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 30/08/2016, na seqüência 1132, disponibilizada no DE de 12/08/2016, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
: | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER | |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
José Oli Ferraz Oliveira
Secretário de Turma
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