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ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ALEGADA NEGATIVA DO ESTADO EM PRESTAR ATENDIMENTO CIRÚRGICO A PACIENTE COM CÂNCER. DANOS MORAIS E MATERIA...

Data da publicação: 07/07/2020, 15:34:52

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ALEGADA NEGATIVA DO ESTADO EM PRESTAR ATENDIMENTO CIRÚRGICO A PACIENTE COM CÂNCER. DANOS MORAIS E MATERIAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. No caso concreto, o que se afirma na peça inicial é a existência de omissão administrativa em proporcionar ao autor um tratamento médico especializado urgente, o que se caracterizaria também como ato ilícito imputável a administração para fins de procedência dos danos materiais e morais. Depreende-se do narrado nos autos que, em 2014, o paciente foi diagnosticado com um câncer agressivo na região bucal, dando início ao tratamento através do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen. Diante da evolução do quadro, foi requerida em 02/07/2014 a realização de cirurgia sequencial, pelviglossomandibulectomia, linfadenectomia cervical e retalho miocutâneo, sendo essa autorizada em 17/07/2014. Diante de informação de que a cirurgia demoraria 3 a 4 meses para ser liberada pelo SUS, optaram as autoras por agendar o procedimento com no Hospital Marieta em sistema particular, a qual foi realizada no dia 06/08/2014. Posteriormente à realização da cirurgia na rede particular, o paciente veio a óbito. 2. Com efeito, ao Estado deve ser imputada a responsabilidade quando houver, de sua parte, intervenção decisiva para a ocorrência do resultado danoso, uma vez que a adoção da teoria da responsabilização objetiva do estado pelo risco administrativo (artigo 37, parágrafo 6º, da CF) não prescinde da configuração de um ato imputável ao ente público. 3. 4. Fato sensível de ser abordado, mas necessário para análise do problema posto, é que o autor faleceu em fevereiro de 2015, mesmo tendo realizado a cirurgia de maneira particular em agosto de 2014. 4. No caso em exame, não se demonstrou em momento algum que o Estado tenha negado o atendimento solicitado. O fato de o paciente ter que aguardar em uma fila para ser atendido perante o SUS não é situação que, por si só, autoriza reparação civil. O propósito constitucional de prestação de saúde pública encontra limites na realidade material do Estado, que possui uma complexa estrutura na qual o aguardo de certo prazo para atendimento pode ser considerado admissível. (TRF4, AC 5013655-84.2015.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 01/08/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5013655-84.2015.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: JULIANA REGINA HAENDCHEN DE MELLO (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CLAUDIA MAFRA

ADVOGADO: SURAMA CRISTINE PEREIRA

APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: HOSPITAL E MATERNIDADE MARIETA KONDER BORNHAUSEN (RÉU)

ADVOGADO: DÉBORA TEIXEIRA DOS REIS

APELADO: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação sob procedimento comum por meio da qual as autoras requerem indenização por danos materiais e morais motivada por alegada conduta ilícita dos réus, consubstanciada em não atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde.

A requerente Rosangela Nancy Haendchen narra que contraiu matrimônio com Luiz Roberto de Mello no ano de 1984, sendo fruto da união a também requerente Juliana Regina Haendchen de Mello, nascida em 01.09.1992 e que o casal veio a se separar judicialmente no ano de 1998. Afirmam que, em 2014, Luiz foi diagnosticado com um câncer agressivo na região bucal, dando início ao tratamento através do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen. Diante da evolução do quadro, foi requerida em 02/07/2014 a realização de cirurgia sequencial, pelviglossomandibulectomia, linfadenectomia cervical e retalho miocutâneo, sendo essa autorizada em 17/07/2014. Diante de informação de que a cirurgia demoraria 3 a 4 meses para ser liberada pelo SUS, optaram por agendar o procedimento com o médico Gustavo Nunes Bento no Hospital Marieta em sistema particular, a qual foi realizada no dia 06/08/2014. Alegam não saber o motivo pelo qual a cirurgia particular poderia ser feita antes daquela pelo SUS. Apontam gastos na ordem de R$ 41.740,61 - dos quais pretendem se ver ressarcidas pelas rés - e relatam que o Sr. Luiz faleceu em 21/02/2015 em decorrência da doença. Requerem o pagamento de indenização por danos morais causados ao Sr. Luiz e também em seu favor.

Devidamente processado o feito, sobreveio sentença proferida com o seguinte dispositivo:

"(...)

a) acolho a preliminar de ilegitimidade ativa da autora Rosângela para postular danos morais no caso em apreço;

b) afasto as demais preliminares aventadas;

c) julgo improcedentes os pedidos e extingo o processo, com resolução do mérito, forte no inciso I do art. 487 do CPC.

Condeno a parte autora no pagamento das custas, bem como dos honorários advocatícios na monta de 10% sobre o valor da causa, nos moldes do art. 85, §3º, inciso I do CPC, devidamente atualizados (IPCA-E). Suspensa a exigibilidade em face da AJG deferida."

A parte autora apelou (evento 135). Preliminarmente, alega cerceamento de defesa, uma vez que manifestaram nos autos o interesse de produzir prova testemunhal e pericial. Entretanto, o juízo impediu a produção dessas provas. Quanto à preliminar de ilegitimidade ativa da autora Rosângela, não merece acolhida, pois, malgrado não estar mais casada com o paciente, acompanhou todo o desenrolar dos fatos que envolveram o pai de sua filha, bem como ajudou e prestou auxílio. No mérito, alega que era evidente a urgência do caso dos autos, não devendo o paciente se submeter à fila de espera de 3 a 4 meses. Nesse sentir, segundo o STF, na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução de conflitos sera no sentido da preservação da vida. Alega que devem ser ressarcidos os valores gastos com atendimento cirúrgico particular. Discorre sobre a ocorrência dos danos morais. Não restam dúvidas que toda a situação passada pelas apelantes foi angustiante e intensa, não apenas mero dissabor.

Foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório. Inclua-se em pauta.

VOTO

Preliminarmente - cerceamento de defesa

Alegam as apelantes que manifestaram o interesse de produzir prova testemunhal, considerando que o médico arrolado, bem como a enfermeira, confirmariam a demora para realizar o procedimento cirúrgico de urgência, uma vez que participaram de todo o tratamento. Entretanto, o juízo impediu a produção dessas provas.

Também afirma que o juízo enfatizou várias vezes que o atendimento imediato pelo SUS ocorre apenas em situações graves. Todos os documentos colacionados nos autos demonstram que o caso de saúde do Sr. Luiz Roberto de Mello era situação de emergência. Entretanto, alega que o juiz sentenciante não levou em conta essas informações.

De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.

5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)

Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.

Ilegitimidade ativa da autora Rosângela quanto ao pedido de indenização por danos morais

Entendo, na linha do fundamentado na sentença, que, como a Sra. Rosângela, no momento dos fatos, não tinha nenhum vínculo legal/jurídico em relação ao Sr. Luiz, em que pese, certamente, mantivesse ainda ligações afetivas (pois afirma ter lhe auxiliado em seus momentos derradeiros), diante ainda a ausência de coabitação, não se pode qualificar a relação entre ambos como marital, ante a separação judicial datada de quase 17 anos antes da data dos fatos (vide arquivo out23, evento 1). Daí que não se pode presumir a ocorrência dos danos.

Assim, não procede a alegação da apelante, devendo ser mantido o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa da autora Rosângela para postular danos morais no caso em apreço.

Mérito

A Constituição Federal, em seu artigo 196, registra que é obrigação do Estado (União, Estados e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à saúde: "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Inicialmente, oportuno esclarecer que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente por danos que seus agentes causarem a terceiros, sendo suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar a ocorrência de um dano, a autoria e o nexo causal (art. 37, § 6º, CF).

Resulta daí, pois, aplicar-se ao caso a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, onde o requisito "dolo/culpa" é dispensado.

A responsabilidade objetiva resulta, como referido, além da prova do ato comissivo estatal, tão-só do fato danoso e do nexo causal, formando a teoria do risco administrativo, in verbis:

Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal - fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos de sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de consequência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado.

(Sérgio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª edição, revista, aumentada e atualizada, Malheiros Editores, 2002, p. 186).

A responsabilização das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos, seja por atos comissivos, seja por atos omissivos, não dispensa a verificação do nexo de causalidade (entre o ato estatal e o dano), que deve ser comprovado (ônus da parte autora), existindo, ademais, situações que excluem esse nexo: caso fortuito ou força maior, ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (ônus da parte ré). A concorrência de culpa (responsabilidade subjetiva) ou a concorrência de causas (responsabilidade objetiva), ônus das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos, tem o condão de abrandar a responsabilidade.

Quanto ao mérito recursal, entendo que sequer foi comprovado o ato estatal, consistente na alegada negativa de prestação de atendimento adequado. Assim, na análise dos fatos, adoto os bem lançados fundamentos do magistrado a quo, a bem de refutar as alegações da parte apelante:

"No mérito, existe o direito ao ressarcimento de despesas médicas realizadas na rede particular, desde que comprovada a negativa de atendimento na rede pública ou no caso de fato excepcional, apto a justificar o imediato internamento do paciente, em face da deficiência do serviço público de saúde e carência de recursos financeiros do paciente e familiares.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. SAÚDE. INTERNAÇÃO EM LEITO DE UTI PARTICULAR. RESSARCIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. ENTES POLÍTICOS -RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. REPARTIÇÃO DE CUSTOS. MEDIDA ADMINISTRATIVA.PREQUESTIONAMENTO. 1. Nas causas que versam sobre direito à saúde,a responsabilidade é solidária entre as três esferas de governo, oque permite a propositura da ação contra um, alguns ou todos os responsáveis solidários, conforme opção do interessado. Não háa configuração de litisconsórcio necessário. 2. Quanto ao pedido de disponibilização de leito em UTI, diante do óbito da paciente,o pedido deve ser julgado extinto,sem análise do mérito, eis que se trata de direito intransmissível. 3. Persiste o pedido para"viabilizar os recursos necessários para o atendimento e a proteção integral da criança", o qual transmite-se aos sucessores. 4. Esta Turma tem admitido o direito ao ressarcimento de despesas médicas realizadas na rede particular, desde que comprovada a negativa de atendimento na rede pública ou no caso de fato excepcional, apto a justificar o imediato internamento do paciente, em face da deficiência do serviço público de saúde e carência de recursos financeiros do paciente e familiares. 5. O falecimento da infante poucos dias após a internação, bem como o atestado de óbito, anexado aos autos,constituem prova suficiente da gravidade do caso, eis que atestam que o falecimento da paciente decorreu dos fatos narrados, os quais justificavam a internação em leito de UTI, ainda que privado, por medida de excepcional e extrema urgência, dispensando-se, assim, o término dos trâmites administrativos para obtenção do leito. 6. A repartição de custos é medida a ser solvida administrativamente entre os entes políticos envolvidos, sem necessidade de provimento judicial a respeito. 7.Apelações e remessa oficial parcial menteprovidas. (TRF4, APELREEX5000723-34.2010.404.7210, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 06/09/2013, grifo meu).

No caso concreto, o que se afirma na peça inicial é a existência de omissão administrativa em proporcionar ao autor um tratamento médico especializado urgente, o que se caracterizaria também como ato ilícito imputável a administração para fins de procedência dos danos materiais e morais aqui postulados.

Depreende-se do narrado nos autos que em 2014 o Sr. Luiz (ex-marido da autora Rosângela) foi diagnosticado com um câncer agressivo na região bucal, dando início ao tratamento através do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen. Diante da evolução do quadro, foi requerida em 02/07/2014 a realização de cirurgia sequencial, pelviglossomandibulectomia, linfadenectomia cervical e retalho miocutâneo, sendo essa autorizada em 17/07/2014. Diante de informação de que a cirurgia demoraria 3 a 4 meses para ser liberada pelo SUS, optaram as autoras por agendar o procedimento com o médico Gustavo Nunes Bento no Hospital Marieta em sistema particular, a qual foi realizada no dia 06/08/2014.

Até esse ponto, os fatos não encontram impugnação dos réus, tendo-se por ocorridos da maneira narrada. No entanto, todos os réus são peremptórios em afirmar que não houve negativa na prestação do atendimento, no que lhes assiste razão.

Como bem apontado pelas próprias autoras, a prestação do serviço em momento nenhum lhes foi negada. Segundo trecho da inicial à fl. 12, inclusive, é citado que:

Como já exposto, não houve qualquer negativa por escrito por parte do SUS, apenas a menção pelo médico de que a cirurgia demoraria de 3 (três) a 4 (quatro) meses para ser realizada, sem sequer mencionar o motivo da demora, eis que optando pela cirurgia de forma particular poderia ser realizada na data já previamente agendada.

Na mesma linha, a autora afirma desconhecer "o motivo pelo qual a cirurgia particular poderia ser realizada naquela data enquanto a cirurgia pelo SUS, embora devidamente autorizada e agendada, só poderia ser realizada depois de 3 (três) ou 4 (quatro) meses" (fl. 03).

Dessas alegações depreendem-se duas questões: a) a parte autora tenta equiparar o tempo de espera a uma negativa de atendimento e b) afirma desconhecer o motivo da demora.

Quanto ao desconhecimento sobre o motivo do tempo de espera para realização de uma cirurgia junto ao SUS, entendo que falta verossimilhança à alegação da parte autora, pois é de conhecimento de qualquer pessoa nesse país que o atendimento público de saúde pressupõe que se aguarde em filas criadas com o intuito de democratizar esse atendimento e honrar a ordem de chegada dos pedidos.

Sobre esse ponto, o hospital réu se manifesta à fl. 3 de sua contestação:

Atendendo e explicitando a alegação das Requerentes de “não entenderem” a respeito das vagas existentes com brevidade ou não para cirurgias, ocorre que existe uma ordem cirurgia feita pelo SUS a qual é estabelecida unicamente pela Secretária de Saúde do Município de Itajaí, e esta é estabelecida de forma isonômica e impessoal, de modo a atender à necessidade de todos que dependem desse sistema.

Os hospitais privados, como é o caso do Requerido, realizam um grande número de cirurgias todas agenda das unicamente, tanto particular, por convênio como pelo SUS, só que no caso de cirurgias feitas pelo sistema público, há filas de espera para a realização de procedimentos cirúrgicos e pré-cirúrgicos eletivos (agendados) custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) gerenciadas, agendadas, controladas e liberadas pela Secretaria Municipal da Saúde, órgão responsável e gestor do SUS, devendo a fila ser respeitada e aguardada.

Deve ser refutada de imediato a alegação de que a necessidade de se aguardar um prazo específico para realização de uma cirurgia de alta complexidade seria equivalente a uma negativa. Aparentemente, o Estado não se furtou ao cumprimento de seus deveres nesse caso, tanto é que o Sr. Luiz teve seu pedido analisado e acolhido de forma relativamente célere, já que, segundo relatos da exordial, efetuou o pedido em 02/07/2014 e obteve o deferimento no dia 17/07/2014.

O fato de o paciente ter que aguardar em uma fila para ser atendido perante o SUS não é situação que, por si só, autoriza reparação civil. O propósito constitucional de prestação de saúde pública encontra limites na realidade material do Estado, que possui uma complexa estrutura na qual o aguardo de certo prazo para atendimento pode ser considerado admissível.

O que poderia ocorrer como fato caracterizador de um ilícito seria uma demora injustificada e irrazoável no atendimento, a qual poderia ser reconhecida mediante aplicação do princípio da proporcionalidade (utilidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Nesse caso, contudo, entendo que o prazo estipulado para atendimento não se caracterizou como ilegal, pois dentro do limite da razoabilidade para uma cirurgia de alta complexidade.

Fato sensível de ser abordado, mas necessário para análise do problema posto, é que o autor faleceu em fevereiro de 2015, mesmo tendo realizado a cirurgia de maneira particular em agosto de 2014. É forçoso concluir, assim, que esse doloroso fato da vida, aparentemente, teria ocorrido de qualquer modo, não obstante todos os esforços pessoais das autoras, aliados ao aparato Estatal. O que não se pode admitir é a imputação ao Estado do ônus irrestrito e peremptório de indenizar as pessoas pelos infortúnios da vida, mesmo não tendo concorrido direta ou indiretamente para o desfecho fatal.

Compreendo também que as providências emergenciais adotadas pelas autoras (realização de rifas, arrecadações ou empréstimos) não necessariamente caracterizam dano moral passível de reparação estatal. Trata-se de postura dramática e representativa do desespero familiar, o que compreensível e de certo modo esperado. Porém, insisto, o Estado não pode ser responsabilizado pelo infortúnio da saúde de todos, como se a dor decorrente da doença ou o óbito pudesse sempre ser reparada por indenizações custeadas pelo conjunto de contribuintes. Ao Estado deve ser imputada a responsabilidade quando houver, de sua parte, intervenção decisiva para a ocorrência do resultado danoso. No caso em exame, não se demonstrou em momento algum que o Estado tenha negado o atendimento solicitado ou que a espera na fila de atendimento (suprida pela iniciativa particular, embora o prazo de espera não fosse demasiado) tenha causado o falecimento do autor. As tentativas voluntárias e louváveis das autoras em antecipar o tratamento, nesse norte, devem ser tidas como providências naturais e esperadas, não podendo ser indenizadas por inexistir ato ilícito do Estado nesse caso."

Com efeito, ao Estado deve ser imputada a responsabilidade quando houver, de sua parte, intervenção decisiva para a ocorrência do resultado danoso. No caso em exame, não se demonstrou em momento algum que o Estado tenha negado o atendimento solicitado.

Ressai dos autos que o Estado não se furtou ao cumprimento de seus deveres nesse caso, tanto é que o Sr. Luiz teve seu pedido analisado e acolhido de forma relativamente célere, já que, segundo relatos da exordial, efetuou o pedido em 02/07/2014 e obteve o deferimento no dia 17/07/2014. Por outro lado, convém anotar que não ingressou com qualquer pedido de liminar no Poder Judiciário.

O fato de o paciente ter que aguardar em uma fila para ser atendido perante o SUS não é situação que, por si só, autoriza reparação civil. O propósito constitucional de prestação de saúde pública encontra limites na realidade material do Estado, que possui uma complexa estrutura na qual o aguardo de certo prazo para atendimento pode ser considerado admissível.

Ademais, como bem ressaltado, é lamentável, mas fato inconteste que o paciente veio a falecer em fevereiro de 2015, mesmo tendo realizado a cirurgia de maneira particular em agosto de 2014, sendo forçoso concluir, assim, que esse doloroso fato da vida, aparentemente, teria ocorrido de qualquer modo, não obstante todos os esforços pessoais das autoras, aliados ao aparato Estatal. Mesmo que não houvesse a alegada demora estatal, e houvesse sido realizada cirurgia pelo estado, ao tempo em que foi realizada a cirurgia particular, depreende-se que o infeliz resultado não teria sido impedido.

Não sendo configurado ato estatal apto à responsabilização, não há falar em ressarcimento por danos materiais e morais.

Por tudo quanto exposto, deve ser mantida a sentença.

Honorários

Ainda, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015.

Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000558784v16 e do código CRC 715bc58c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 1/8/2018, às 14:55:16


5013655-84.2015.4.04.7208
40000558784.V16


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:34:52.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5013655-84.2015.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: JULIANA REGINA HAENDCHEN DE MELLO (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CLAUDIA MAFRA

ADVOGADO: SURAMA CRISTINE PEREIRA

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: HOSPITAL E MATERNIDADE MARIETA KONDER BORNHAUSEN (RÉU)

ADVOGADO: DÉBORA TEIXEIRA DOS REIS

APELADO: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU)

APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ALEGADA negativa DO ESTADO EM PRESTAR ATENDIMENTO CIRÚRGICO A PACIENTE COM CÂNCER. DANOS MORAIS E MATERIAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

1. No caso concreto, o que se afirma na peça inicial é a existência de omissão administrativa em proporcionar ao autor um tratamento médico especializado urgente, o que se caracterizaria também como ato ilícito imputável a administração para fins de procedência dos danos materiais e morais. Depreende-se do narrado nos autos que, em 2014, o paciente foi diagnosticado com um câncer agressivo na região bucal, dando início ao tratamento através do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen. Diante da evolução do quadro, foi requerida em 02/07/2014 a realização de cirurgia sequencial, pelviglossomandibulectomia, linfadenectomia cervical e retalho miocutâneo, sendo essa autorizada em 17/07/2014. Diante de informação de que a cirurgia demoraria 3 a 4 meses para ser liberada pelo SUS, optaram as autoras por agendar o procedimento com no Hospital Marieta em sistema particular, a qual foi realizada no dia 06/08/2014. Posteriormente à realização da cirurgia na rede particular, o paciente veio a óbito.

2. Com efeito, ao Estado deve ser imputada a responsabilidade quando houver, de sua parte, intervenção decisiva para a ocorrência do resultado danoso, uma vez que a adoção da teoria da responsabilização objetiva do estado pelo risco administrativo (artigo 37, parágrafo 6º, da CF) não prescinde da configuração de um ato imputável ao ente público.

3. 4. Fato sensível de ser abordado, mas necessário para análise do problema posto, é que o autor faleceu em fevereiro de 2015, mesmo tendo realizado a cirurgia de maneira particular em agosto de 2014.

4. No caso em exame, não se demonstrou em momento algum que o Estado tenha negado o atendimento solicitado. O fato de o paciente ter que aguardar em uma fila para ser atendido perante o SUS não é situação que, por si só, autoriza reparação civil. O propósito constitucional de prestação de saúde pública encontra limites na realidade material do Estado, que possui uma complexa estrutura na qual o aguardo de certo prazo para atendimento pode ser considerado admissível.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 31 de julho de 2018.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000558785v5 e do código CRC 9e3e14b3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 1/8/2018, às 14:55:16


5013655-84.2015.4.04.7208
40000558785 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:34:52.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/07/2018

Apelação Cível Nº 5013655-84.2015.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

APELANTE: JULIANA REGINA HAENDCHEN DE MELLO (AUTOR)

ADVOGADO: ANA CLAUDIA MAFRA

ADVOGADO: SURAMA CRISTINE PEREIRA

APELADO: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU)

APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: HOSPITAL E MATERNIDADE MARIETA KONDER BORNHAUSEN (RÉU)

ADVOGADO: DÉBORA TEIXEIRA DOS REIS

Certifico que este processo foi incluído no 2º Aditamento do dia 31/07/2018, na seqüência 979, disponibilizada no DE de 13/07/2018.

Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:34:52.

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