Apelação Cível Nº 5003122-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: ALINE BRUXEL BENTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
DOUGLAS JUNIOR BRUXEL, PATRICIA BRUXEL e ALINE BRUXEL BENTO ajuizaram ação pelo procedimento comum, em 04/06/2019, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando indenização por danos morais que teriam sofrido em decorrência do suicídio da mãe, Senhora Marli Glier Bruxel. Segundo os autores, a mãe sofria de quadro grave de depressão com várias tentativas de suicídio, que culminaram com a morte desta no dia 26/01/2017, aos 47 anos, por enforcamento. Defenderam que o quadro depressivo da mãe se agravou em face dos vários cancelamentos de benefício previdenciário, bem como do indeferimento do pedido formulado no final de 2016, sendo assim responsabilidade do INSS a morte da genitora.
A sentença do evento 34 tem o seguinte dispositivo:
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguido o processo com resolução do mérito (artigo 487, I, CPC), conforme fundamentação acima.
Condeno ainda os autores ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador do autor, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido pelo IPCA-E a contar do ajuizamento da lide. Suspendo, no entanto, a condenação em face do benefício de assistência judiciária gratuita deferido nos autos.
Sem custas.
Apelam os autores, requerendo o julgamento de procedência da ação, condenando o INSS a pagar o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de danos morais, ou valor que se entenda por justo para indenizar o dano moral sofrido, bem como honorários advocatícios, os quais deverão ser fixados entre 10 e 20% sobre o valor da condenação.
Após as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
No que se refere à pretensão indenizatória, a responsabilidade do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
"Art. 37.
(...)
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.".
A Carta de 1988, pois, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte, pode-se dizer que, de regra os pressupostos dar responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano.
No que tange ao dano moral, a lição de Yussef Said Cahali (in "Dano Moral", Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., p.20/21) conceitua tratar-se de "tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral."
O caso dos autos comporta situação na qual a mãe dos demandantes viu indeferido na esfera administrativa, pelo INSS, benefício por incapacidade, ato administrativo que se baseou em perícias médicas atestando a capacidade laboral.
Tendo sido regular o ato administrativo da autarquia, pois o cancelamento do benefício previdenciário foi amparado em perícia médica e seguiu os procedimentos legais atinentes ao exercício do poder-dever que é inerente à sua atuação, não se cogita de nexo entre ato danoso atribuído ao ente estatal e os alegados danos morais.
Transcrevo, por apropriados, fundamentos da sentença da lavra do Juiz Federal Narciso Leandro Xavier Baez, que analisou com profundidade as provas dos autos:
(...) os autores afirmam que a mãe cometeu suicídio em face do indeferimento do benefício previdenciário que teria lhe trazido graves problemas financeiros, agravado seu quadro depressivo e culminado com a sua morte.
Sustentaram que a mãe não tinha condições de trabalhar e garantir seu próprio sustento.
Não pode ser acolhido o pedido formulado nos autos, porquanto não há provas nos autos de que existe nexo causal entre o suicídio e o indeferimento do benefício previdenciário.
Como se depreende dos documentos acostados aos autos, a genitora desde o ano de 2013, vem buscando junto ao INSS o benefício de auxílio doença, com deferimentos e pedidos judiciais (20/02/2013 até 06/04/2015, e de 12/05/2015 até 31/10/2016).
A de cujus, logo, permaneceu de fevereiro de 2013 até outubro de 2016 recebendo benefício previdenciário, segundo afirmado pelos próprios autores na inicial.
Diga-se, o suicídio ocorreu apenas em janeiro de 2017, poucos meses após deixar de receber o benefício, mesmo que recebido judicialmente.
Refira-se que menos de dez dias antes de se suicidar a autora sacou o valor de R$ 18.131,81 (evento 1 - PROCJUDIC5, fl. 184), a título de parcelas atrasadas nos autos n. 5001820-83.2016.404.7202, o que, se realmente fosse verídica a alegação de que a morte ocorreu em face do desgosto pela falta de condições financeiras de subsistência, supondo-se que o recebimento de um valor significativo seria motivo de alegria e alívio à autora.
Segundo referido pelos autores a mãe teve mais de dez tentativas de suicídio, inclusive com tentativa de incendiar o próprio corpo em 10/05/2014, como referido pelos autores.
Verifica-se assim que o quadro depressivo da autora é muito anterior ao indeferimento do benefício.
A autora tinha três filhos adultos, que, presume-se, já trabalhavam e tinham rendimentos próprios, e deveriam auxiliar a mãe, especialmente com vigilância constante se esta tinha mais de dez tentativas de suicídio, não sendo, assim, sozinha, como referiram os autores na inicial, a não ser que assim tenha sido deixada.
Os próprios autores referem que poderia ter havido um agravamento do quadro de saúde da autora pelo indeferimento, não sendo possível colocá-lo como causa única da morte, mesmo que eventualmente tivesse colaborado, o que não está comprovado nos autos.
Assim, inexistindo provas do nexo causal de que o suicídio e logo do dano moral tenham sido causados em face do indeferimento do benefício de auxílio doença.
Por fim, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 1%, forte no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade em função da AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5003122-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: ALINE BRUXEL BENTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INSS. DANO MORAL. INDEFERIMENTO OU CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSTERIOR CONCESSÃO JUDICIAL. SUICÍDIO COMETIDO PELA mãe DOS AUTORES. REGULARIDADE DA CONDUTA DA AUTARQUIA. IMPROCEDÊNCIA.
- A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
- Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano.
- Sendo regular o ato administrativo da autarquia que indefere pedido de concessão ou de prorrogação de auxílio-doença com observância de todos os requisitos legais para a sua prática, inclusive manifestação de profissional habilitado, e não havendo prova de abusos, não há direito a reparação por pretensos danos morais, a despeito de posterior análise judicial favorável ao segurado.
- Dano moral pressupõe padecimento indevido, não se caracterizando em situações como a dos autos, na qual não se pode atribuir ao INSS, ao negar o benefício, a causa do evento suicídio cometido pela genitora dos autores.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de setembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 23/09/2020
Apelação Cível Nº 5003122-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: ALINE BRUXEL BENTO (AUTOR)
ADVOGADO: EDNA DE WERK CERICATO (OAB SC022306)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 23/09/2020, na sequência 117, disponibilizada no DE de 11/09/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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