Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA EM DECORRÊNCIA DE DESNÍVEL NO PISO DE ENTRADA DE UNIVERSIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MO...

Data da publicação: 29/07/2021, 07:01:10

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA EM DECORRÊNCIA DE DESNÍVEL NO PISO DE ENTRADA DE UNIVERSIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDA. 1. Caso em que configurado o nexo causal entre o ato omissivo da ré e a lesão experimentada pela requerente. 2. Ausentes fatores obstativos do nexo de causalidade, quais sejam, caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima, é de rigor o reconhecimento da responsabilidade estatal por omissão, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição. 3. O direito aos lucros cessantes independe da prova de que a vítima exercia atividade remunerada, pois decorre da expectativa normal de que para tanto estava capacitada. 4. É possível a cumulação do benefício previdenciário com a indenização resultante do ato ilícito, por derivarem de causas distintas. 5. O dano moral efetivamente ocorreu. A situação ultrapassou os limites do mero aborrecimento, não sendo cabível a prova de eventual abalo psicológico da vítima. Mantido o valor da indenização. (TRF4, AC 5005303-30.2016.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 21/07/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005303-30.2016.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

APELANTE: CECILIA LENZI (AUTOR)

ADVOGADO: NIETSCHE MEDEIROS DE LEON (OAB RS070392)

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

CECÍLIA LENZI ajuizou ação pelo procedimento comum contra a UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC. O feito foi assim relatado na origem:

"CECÍLIA LENZI ajuizou ação em face da UNIÃO FEDERAL, na qual pede:

2.1 – a custear cirurgia reparadora do ligamento rompido, em razão do acidente em suas dependências, a ser apurada em liquidação de sentença; 2.2 – a ressarcir os lucros cessantes, em razão da incapacidade para o trabalho decorrente da lesão, desde a data do acidente 22.10.2015, até a data da convalescença, se essa for considerada invalidez temporária, para fins de reabilitação ao mercado de trabalho, ou até a data do óbito, se for constatada a invalidez permanente, no valor de R$ 6.698,00 mensais, a serem apurados em liquidação de sentença; 2.3 – a pagar pensão mensal vitalícia arbitrada, caso constatada a invalidez permanente, ou redução da capacidade permanente para o trabalho, conforme o percentual da invalidez atestada pela perícia, tendo por base o piso salarial da categoria de R$ 6.698,00 mensais, por oito horas diárias de trabalho, incluindo a gratificação natalina, em parcela única, calculada desde a data em que ocorrido o acidente, projetando-se o valor até a época em que vier a completar 78 anos de idade; 2.4 – ao pagamento de indenização por danos morais, no valor mínimo que se sugere de R$50.000,00, em decorrência da lesão e da repercussão da lesão que permanece, até os dias de hoje; 2.5 – ao pagamento de danos materiais, decorrentes do custeio com as sessões de fisioterapia, a serem apuradas em liquidação de sentença, por ainda estar em tratamento; pela compra de medicamentos do acidente e especiais pelo fato da Autora precisar tomar anticoagulante, por causa da trombose, a locação de cadeira de rodas, a comprar bota imobilizadora, estabilizador de tornozelo e muletas, conforme notas fiscais em anexo, com juros e correção monetária na forma da lei; 2.6 – dos honorários advocatícios contratuais, no valor de 30% sobre o proveito econômico, nos termos do contrato em anexo. 2.7 – ao pagamento das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios, a serem arbitrados, conforme o art. 20 do CPC.

A autora alega que: (a) A Autora, aluna regular do curso de pós-graduação da UFSC, na tarde do dia 22.10.2015, no campus, ao sair do prédio da coordenação do curso de Engenharia Química, a fim de postular vaga de trabalho, se acidentou ao cair no buraco da calçada da entrada do prédio. Buraco, contando com mais de 5 cm de profundidade, conforme comprovam as fotos em anexo. Sendo que foram inúmeros os relatos de vítimas do indigitado, até porque não havia nenhum aviso de “perigo” ou isolamento do local com faixas de sinalização. No entanto, a Autora não sofreu um tombo qualquer, obteve auxílio da equipe de segurança da Universidade, conforme documento manuscrito em anexo, e foi encaminhada para Hospital Universitário por uma viatura da UFSC. Após os exames, foi diagnosticada com entorse no tornozelo, que lhe causou a ruptura total do ligamento da fíbula. A lesão constatada, em decorrência do acidente, é irreversível, uma vez que o ligamento não se reconstrói, ou seja, não cicatriza, a cirurgia, apenas, ameniza o quadro, pois o ligamento ainda ficará frágil e sempre exposto a novas lesões. A gravidade da lesão determinou ainda o afastamento imediato da Autora de qualquer atividade, desde 22.10.2015 (data do acidente) até 05.11.2015, para realização de exames, conforme atestado em anexo. Em nova consulta, em 24.10.2015, o médico determinou a imobilização da Autora por três meses e indicação para fisioterapia, conforme se comprova em anexo. O acidente demandou a compra de medicamentos para a lesão e especiais, pelo fato da Autora precisar tomar anticoagulante para evitar trombose, conforme comprovam as notas fiscais em anexo. Além disso, foram pagas sessões de fisioterapia, conforme comprovam os recibos em anexo, estando, ainda, em tratamento. Teve de locar cadeira de rodas, comprar bota imobilizadora, estabilizador de tornozelo e muletas, conforme comprovam as notas fiscais em anexo. Não se pode imaginar os danos morais sofridos pela Autora, em decorrência da vergonha, do constrangimento, da dor, da injúria física, da emoção e das sensações dolorosas, experimentadas em decorrência da lesão, por culpa exclusiva da Ré.

Apresentada contestação pugnando pela improcedencia da ação (ev-13).

Petição do ev-23 informando que a parte autora recebeu beneficio de auxilio-doença.

Foi realizada prova testemunhal (ev-53).

Juntado Laudo pericial (ev-80), bem como complementação de laudo (ev-96).

Após as alegações finais (ev-111), os autos foram feitos conclusos para sentença."

A ação foi julgada parcialmente procedente para condenar a ré ao pagamento de indenização:

a) a titulo de danos materiais, no período de 22/10/2015 a 10/01/2016, na qual a autora estava incapacitada, no mesmo valor da RMI (Renda Mensal Inicial) paga a titulo de auxilio-doença, devidamente atualizada, com a incidência de correção monetária e juros de mora;

b) no reembolso dos valores, a titulo de danos emergentes, devidamente atualizado, das despesas médicas, de fisioterapia e de gastos no tratamento (como a locação da cadeira de rodas) que realizou no período de 22/10/2015 a 27/04/2016, período no qual encontrava-se incapacitada temporariamente, devidamente atualizado, com a incidência de correção monetária e juros de mora, a ser fixado em fase de liquidação, e

c) por danos morais, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), com a incidência de correção monetária desde a data do arbitramento, nos termos da fundamentação.

Em face da sucumbência recíproca, a ré foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, e a autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo IPCA-E, com exigibilidade suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.

Apelou a UFSC, argumentando que não basta apenas a caracterização do dano, havendo necessidade de se provar que houve culpa por parte do agente estatal no tocante as alegações imputadas. Alega que tombos e acidentes ocorrem com frequência e não se pode atribuir isso à Administração Pública, seja direta ou indireta, notadamente quando outras circunstâncias podem contribuir para o acidente. Sustenta que a autora recebeu benefício de auxílio-doença no período de 11/01/2016 a 27/04/2016, não sendo aceitável que o Juízo fixe a data inicial da incapacidade da autora em 22/10/2015, contrariando a data fixada pelo perito do INSS, que não foi contestada pela autora. Requer seja afastada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Afirma que autora vai receber os valores relativos à indenização, de modo que não há razão para ser mantido o benefício da gratuidade da justiça.

Também apelou a autora, aduzindo que são inexatas as conclusões do perito, porquanto fundadas somente no exame clínico, sem considerar os documentos médicos juntados aos autos. Afirma que os exames de ultrassom e a radiografia não são apenas exames complementares, e não relevantes para a perícia, pois comprovam que houve ruptura total do ligamento fibulo-talar anterior e sinovite das articulações tíbiotalar e fíbulo-talar do tornozelo esquerdo e que não houve cura, existindo, ao reverso, sequelas pós-traumáticas e inclusive recomendação para novo tratamento e eventualmente realização de cirurgia, caso não obtivesse êxito. Nos seus dizeres, "havendo ruptura total do ligamento a doença da Autora se tornou crônica, ou seja, não tem cura, tanto é verdade que desde o acidente sofre com dores crônicas no tornozelo esquerdo e jamais pode retornar as suas atividades habituais anteriores ao acidente". Enfatiza que o exame de ressonância magnética juntado no Evento 87 comprova a existência das sequelas. Em razão disso, sustenta ter direito de receber pensão vitalícia. Afirma ter direito aos lucros cessantes, pouco importando se "estava desempregada na data do evento danoso, posto que o acidente a deixou incapaz de voltar a laborar e, ainda, com redução laboral permanente, até os dias de hoje, devido à lesão irreversível". Alega que não pode ser efetuada compensação dos valores recebidos a título de benefício previdenciário com os lucros cessantes, tendo em vista a natureza distinta das verbas. Requer a elevação do valor da indenização por danos morais para R$ 50.000,00. Caso seja mantida a sentença, requer a condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da causa e não sobre o valor da condenação, "por ser o valor que remunera com maneira mais digna o trabalho profissional". Afirma que não pode haver distinção na fixação da base de cálculo dos honorários advocatícios arbitrados em favor dos advogados públicos e dos atribuídos aos advogados particulares.

As partes apresentaram contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Responsabilicade civil das pessoas jurídicas de direito público

O § 6º do art. 37 da Constituição, que disciplina a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, bem como das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviço público, tem o seguinte teor:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O dispositivo consagra a teoria do risco administrativo para disciplinar a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público quando causadoras de atos e resultados lesivos aos administrados. A responsabilidade é de ordem objetiva, bastando que se verifique a ação comissiva, o nexo causal e a lesão ao direito da vítima.

A responsabilidade é elidida mediante a prova de culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiros ou ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Sendo imputado à Administração uma conduta omissiva geradora de dano, a responsabilização dependerá da demonstração da culpa (responsabilidade subjetiva). A responsabilidade do Estado por condutas omissivas é regida pela teoria da falta do serviço (faute du service), segundo a qual o ente estatal só deve ser responsabilizado, em casos de omissão, quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente.

Local do acidente e condições do piso

O acidente que ocasionou a lesão na autora ocorreu no piso de entrada e saída do prédio da coordenação do curso de Engenharia Química da Universidade ré. Trata-se de um estreito caminho, com pequeno declive, no qual é possível verificar, pelas fotos juntadas no Evento 1 (FOTO11, FOTO12 e FOTO13), um nítido desnível capaz de gerar a queda de uma pessoa.

No tocante ao péssimo estado de conservação do piso, a autora conseguiu demonstrar de maneira satisfatória a veracidade dos fatos alegados na inicial.

Considerando que são milhares de estudantes, funcionários e visitantes que circulam por uma universidade diariamente, é seu dever zelar pela conservação, manutenção e fiscalização de suas vias de acesso.

A ré não logrou demonstrar ter agido com diligência, perícia ou prudência, de molde a se isentar da obrigação de indenizar. Por outro lado, os documentos juntados aos autos revelam que a autora foi vítima de queda e sofreu lesões físicas de natureza grave.

Está configurado, pois, o nexo causal entre o ato omissivo da ré e a lesão experimentada pela requerente.

À vista do exposto, e ausentes fatores obstativos do nexo de causalidade, quais sejam, caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima, é de rigor o reconhecimento da responsabilidade estatal por omissão

O julgador de primeira instância, Juiz Federal Leonardo Cacau Santos La Bradbury, apreciou adequadamente a controvérsia quanto a esse aspecto:

"Ação ou omissão. No caso em questão, entendo configurada a omissão da UFSC em cuidar do seu próprio patrimônio e mantê-lo em boas condições de uso, mantendo as calçadas de acesso aos blocos da instituição de forma a garantir a integridade dos alunos e visitantes. Nas fotos juntadas no ev-1 (FOTOS 11-12-13) demonstra haver um claro desnível e grande rachadura no piso que dá acesso à Coodenação do Curso de Engenharia Química, o que gerou a queda e a lesão da autora. Verifica-se, assim, a omissão da UFSC em manter o piso de acesso aos seus departamentos em boas condições de uso, o que somente foi realizado após o acidente envolvendo a autora, conforme foto do ev-1 (FOTO11).

Nexo causal. O nexo causal entre a omissão (falta do serviço) e a queda da autora está comprovado, sobretudo pelo que consta no Atestado Médico juntado no ev-1 ATESTMED14, que constata que a autora sofreu entorse de tornozelo em razão do acidente sofrido na UFSC, estando, assim, comprovado o nexo causal.

Excludentes de nexo de causalidade. A Suprema Corte, no julgamento do RE 841.526, suso referido, ao fixar a responsabilidade objetiva do Estado na hipótese de condutas omissivas, ressalvou a possibilidade de oposição de causas excludentes do nexo causal, mas atribuiu ao Estado a responsabilidade de fazer prova a esse respeito, conforme se infere do voto condutor do Acórdão, exarado pelo Ministro Luiz Fux:

Diante de tais considerações, é possível extrair um denominador comum a todas as situações específicas retratadas acima: há casos em que a morte do detento simplesmente não pode ser evitada pelo Estado. Nesses casos, como já se ressaltou acima, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal no seu dever de manter a incolumidade física dos presos, o que afasta a responsabilização civil do ente público. Adota-se aqui, portanto, a teoria do risco administrativo, que permite a oposição de causas excludentes do nexo causal - as quais devem ser comprovadas pela Administração -, rejeitando-se, por consequência, a incidência da teoria do risco integral, não recepcionada pela ordem constitucional brasileira, que implicaria a imposição de responsabilidade civil ao Estado por toda e qualquer morte de detento

Na mesma linha, ponderou o Ministro Edson Fachin no mesmo julgamento, em sua antecipação de voto:

Portanto, se houver uma demonstração cujo ônus probatório é do próprio Estado, é possível, como diz Sua Excelência, a exoneração ou a demonstração de uma cláusula excludente do nexo de causalidade; mas esse ônus probatório evidentemente se atribui ao poder público. Por isso, tomei a liberdade, na formulação originária, na qual o eminente Relator reconhece a responsabilidade civil do Estado, diante da morte do detento, pela não observância de um dever específico, o seu dever de manter a incolumidade, e introduzir como sugestão apenas, dizendo que essa infração não constitui em ilícito omissivo impróprio, mas sim um ilícito omissivo próprio, que é a diferenciação, dentre outros, dois grande autores do Direito Administrativo brasileiro, o professor Juarez Freita e o professor Marçal Justen Filho adotam, exatamente para demonstrar que o dever probatório é do Estado para, se der cabo dessa demonstração, expor uma excludente da sua responsabilidade, demonstrando que não houve uma infração a um dever específico da diligência estatal. (...)

Cabe à parte ré, dessarte, comprovar eventual excludente de nexo causal, na forma do art. 373, II, do CPC.

No caso em tela, sustenta a UFSC no ev-23 que haveria culpa exclusiva da vítima, tendo em vista que "o mero e simplório desnível", bem como "o fato de inexistirem outros acidentes no local" conduziriam à aplicação de tal excludente.

Entendo não configurado a alegada culpa exclusiva da vítima, tendo em vista que conforme destacado o desnível não era tão simplório conforme afirma a UFSC na medida em que seu tamanho e as rachaduras que estavam em seu envolto abrangiam quase que toda a passagem de acesso ao departamento (foto ev-1 FOTO12), razão pela qual não cabe invocar a culpa exclusiva da vítima que em nada contribuiu para a causa do resultado, mas sim a conduta omissiva da UFSC em não preservar em boas condições o seu patrimônio. Desta forma, rejeito tal excludente, bem como qualquer hipótese de excludente de nexo causal.

Desta forma, configurada a omissão da UFSC, o dano provocado à autora, bem como o nexo causal, inexistindo causas de exclusão da responsabilidade, entendo que há o dever de indenizar por parte da ré."

Conclusões do perito, sentença e inexistência do direito à pensão vitalícia

A sentença não comporta reparos, pois aplicou com critério e acerto e legislação que rege à espécie e está fundada em laudo pericial elaborado por pessoa de confiança do Juízo, equidistante do interesse das partes.

Essa prova demonstra que a autora não está permanentemente incapacitada para exercer suas atividades habituais. Os laudos periciais foram realizados por médico com especialidade na área relacionada ao problema alegado pela autora, inexistindo qualquer elemento concreto que ponha em dúvida a idoneidade das suas conclusões. Os documentos médicos juntados pelo autora, obtidos extrajudicialmente, de forma unilateral, não são suficientes para alterar essas conclusões.

O perito tem razão quando afirma que os exames complementares não podem ser interpretados isoladamente como diagnósticos, mas em conjunto com os demais elementos. E o exame clínico é considerado soberado pelos princípios básicos da Medicina.

Merecem ser prestigiadas as conclusões do perito no sentido de que houve incapacidade laboral no período de 22/10/2015 a 27/04/2016.

Não há, portanto, direito à pensão vitalícia.

Dito isso, transcrevo e adoto como razões de decidir os fundamentos do julgador de primeira instância:

"A fim de apurar a extensão do dano sofrido pela autora, o laudo pericial juntado no ev-80, assim concluiu:

QUESITOS DA RÉ

1-A queda da autora nas dependências da UFSC, no dia 22/10/2015, provocou alguma lesão física? Quais?

R. entorse do tornozelo esquerdo.

2-Em sendo positiva a resposta ao quesito anterior, a lesão sofrida pela autora ensejou incapacidade para o trabalho? Por quanto tempo durou a r. incapacidade?

R. de 22/10/2015 a janeiro de 2016.

3-Qual o estado atual de saúde da autora? Ela encontra-se apta ao desempenho de suas atividades laborais habituais?

R. sim.

4- A autora possui alguma doença ou alguma predisposição genética que possa ter contribuído para o agravamento da lesão ?

R. A autora não apresenta sequela pós traumática no momento.

5 – A (s) lesão (ões) da autora pode (m ) ser corrigida (s) ou reparada (s) por cirurgia?

R. A autora teve alta do tratamento conservador de entorse de tornozelo esquerdo em janeiro de 2016, não procurou mais tratamento especializado, não fez exames complementares, desde dessa época. No momento está curada da entorse de tornozelo.

6- A autora seguiu corretamente as prescrições médicas e realizou o tratamento corretamente no intuíto de obter a efetiva recuperação? R. SIM e teve êxito total.

7 – Na data do acidente e a autora possuía sobrepeso que possa ter contribuído para o agravamento da (s) lesões e suas consequências ?

R. no momento ela apresenta IMC 29 (sobrepeso).

QUESITOS DA AUTORA

1 – A periciada se encontra acometida de alguma doença ou lesão que a incapacite para o trabalho, em decorrência do acidente que sofreu? Em caso positivo, qual a sua natureza?

R. NÃO.

2 - Desde quando a periciada é portadora da doença ou lesão; e há quanto tempo estaria incapacitada? Sendo possível, informar a data provável da consolidação da lesão.

R. A autora apresentou período de incapacidade pretérita de 22/10/2015 a janeiro de 2016 (três meses), ao fim desse período houve restituição total da estabilidade do tornozelo (cura total) sem sequelas.

3 – Ainda hoje se manifestam as seqüelas do acidente que sofreu? Se sim, as atividades são realizadas com maior grau de dificuldade e que limitações enfrenta?

R. Atualmente (passados 1 ano e 10 meses) do acidente (torção do tornozelo esquerdo) fruto da presente querela, não restaram sequelas pós-traumáticas.

4 – Houve, ou continua havendo, progressão ou agravamento das sequelas em decorrência do acidente que sofreu? Especifique.

R. Atualmente (passados 1 ano e 10 meses) do acidente (torção do tornozelo esquerdo) fruto da presente querela, não restaram sequelas pós-traumáticas.

5 - As seqüelas podem ser eliminadas ou minimizadas, como? Ou são irreversíveis?

R. Atualmente (passados 1 ano e 10 meses) do acidente (torção do tornozelo esquerdo) fruto da presente querela, não restaram sequelas pós-traumáticas.

6 – O acidente e suas sequelas a incapacitaram temporariamente, permitindo recuperação; ou permanentemente?

R. A autora apresentou período de incapacidade pretérita de 22/10/2015 a janeiro de 2016 (três meses), ao fim desse período houve restituição total da estabilidade do tornozelo (cura total) sem sequelas.

Foi deferido por este Juizo a realização de complementação de pericia, tendo o perito juntado seu laudo complementar no ev-96, nos seguintes termos:

1 – Com base nesses novos exames e recomendações médicas em anexo, que comprovam a existência de sequelas, é imperioso saber se o laudo necessita ser retificado para atestar que ainda hoje a Autora padece de sequelas pós-traumáticas?

R. É importante salientar ao nobre procurador que esse Jurisperito é médico formado há 32 anos, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas , especialista em Ortopedia e traumatologia, Pós Graduado em Medicina Física e Reabilitação (FISIATRA), membro do Colégio Latino Americano de ortopedia e Traumatologia. Conforme criterioso exame físico pericial normal. Esse Jurisperito Ratifica sua conclusão (evento 80): “As conclusões basearam-se na história clínica (fornecida na anamnese), exame físico geral e segmentar e na verificação do contido nos 79 eventos dos autos. Atualmente (passados 1 ano e 10 meses) do acidente (torção do tornozelo esquerdo) fruto da presente querela, não restaram sequelas pós-traumáticas”.

2 – Ainda, com base nesses novos exames e recomendações médicas em anexo, que comprovam a existência de sequelas, é imperioso saber se a periciada se encontra acometido de alguma doença que o incapacite para o trabalho e/ou atividades habituais, em decorrência do acidente?

R. O exame físico é soberano em relação aos exames complementares. Inclusive no laudo de Ressonância (evento 87 EXMMED8) extrai-se: “que pode estar relacionado a impacto anterolateral, se houver correlação com dados clínicos”. Ou seja o próprio radiologista afirma que tem que haver correlação com dados clínicos, e no caso em tela o exame da autora está normal.

3 - Ainda, com base nesses novos exames e recomendações médicas em anexo, que comprovam a existência de sequelas, é necessário retificar o laudo para dizer que não houve cura total devido às sequelas e que a incapacidade persiste até os dias de hoje?

R. NÃO EXISTEM SEQUELAS QUE INCAPACITEM A AUTORA, CONFIRMADO PELO CRITERIOSO EXAME FÍSICO.

4 – Como a periciada fruiu benefício previdenciário, é possível afirmar que se encontrava incapacitado para o trabalho, ou para suas atividades habituais, quando da cessação do referido benefício? Em caso de resposta positiva, por quanto tempo?

R. Houve APENAS período de incapacidade pretérita de 22/10/2015 a 27/04/2016

Desta forma, o perito judicial atestou expressamente em seu laudo que a autora está plenamente capaz, não havendo sequelas pós-traumáticas decorrentes do evento danoso, havendo tão somente incapacidade pretérita, o qual, em seu laudo complementar, foi fixado no período de 22/10/2015 a 27/04/2016.

Desta forma, tendo em vista que a autora encontra-se plenamente capaz não há que se falar em pensão mensal vitalicia conforme requer em sua inicial."

Período de incapacidade

De acordo com o perito, a autora esteve incapacitada no período de 22/10/2015 a 27/04/2016.

A ré sustenta que, como a autora recebeu benefício de auxílio-doença no período de 11/01/2016 a 27/04/2016, não seria aceitável fixar a data inicial da incapacidade da autora em 22/10/2015, contrariando a data fixada pelo perito do INSS.

Não faz nenhum sentido imaginar que, acontecido o acidente em 22/10/2015, a incapacidade laboral tenha ocorrido somente em 11/01/2016.

A autora passou a receber o benefício previdenciário a partir de 11/01/2016 pelo simples fato de que foi nessa data que formulou o requerimento do auxílio-doença. A DIB (data de início do benefício) coincidiu com a DER (data de entrada do requerimento), conforme entendeu o INSS no caso concreto da autora. A incapacidade, evidentemente, teve início na data do acidente.

Lucros cessantes

A autora postula o pagamento de lucros cessantes correspondentes ao pagamento mensal do valor do piso salarial da categoria profissional (engenheira química) no período da incapacidade laboral.

Razão lhe assiste.

De acordo com os arts. 402 e 403 do Código Civil, ao credor é devido o valor correspondente às perdas e danos, o que efetivamente perdeu ou deixou de lucrar, desde que devidamente comprovados.

O direito aos lucros cessantes independe da prova de que a vítima exercia atividade remunerada, pois decorre da expectativa normal de que para tanto estava capacitada. Com efeito, o lucro cessante consiste na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa decorrente de sua profissão, mas também da frustração daquilo que era razoavelmente esperado. No caso, certamente a incapacidade decorrente do acidente impossibilitou a procura de emprego na sua área de especialização.

Assim, condeno a ré ao pagamento mensal do valor correspondente ao piso salarial da categoria profissional da autora, no período de 22/10/2015 a 27/04/2016.

O cálculo correto do valor referente ao piso salarial da categoria profissional, de acordo com a legislação de regência, será feito em liquidação de sentença.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de possibilidade de cumulação do benefício previdenciário com a indenização resultante do ato ilícito, por derivarem de causas distintas.

Assim, incabível o abatimento dos valores recebidos a titulo de auxilio-doença no período de 11/01/2016 a 27/04/2016.

No tocante aos danos materiais, portanto, a sentença é parcialmente reformada, restando reconhecido o seguinte:

a) a autora tem direito ao recebimento mensal do valor correspondente ao piso salarial da categoria profissional, no período de 22/10/2015 a 27/04/2016, a título de lucros cessantes, tudo a ser apurado em liquidação, e

b) a autora tem direito ao reembolso dos valores, a titulo de danos emergentes, das despesas médicas, de fisioterapia e de gastos no tratamento (como a locação da cadeira de rodas) que realizou no período de 22/10/2015 a 27/04/2016, a ser fixado em liquidação.

Os valores serão corrigidos com base no IPCA-E e acrescidos de juros de mora na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.

Tratando-se de responsabilidade extracontratual, os juros de mora incidem desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) e a correção monetária desde a data do arbitramento (Súmula 362 do STJ).

Valor da indenização por danos morais

O dano moral efetivamente ocorreu. A situação ultrapassou os limites do mero aborrecimento, não sendo cabível a prova de eventual abalo psicológico da vítima. Nesse sentido, a sentença bem aborda a questão:

"No caso sub examine, ficou constatado que a autora sofreu entorse no tornozelo lhe gerou uma incapacidade temporaria e dificuldades de caminhar, tendo que receber auxilio-doença. A pericia constatou que sua incapacidade temporária durou em torno de 6 (seis) meses, de 22/10/2015 a 27/04/2016, tendo se recuperado com êxito, sem que o acidente tenha lhe gerado sequelas.

Desta forma, entendo que o período em que recebeu auxilio-doença, aliado a necessidade de tratamento com sessões de fisioterapia e uso de cadeira de rodas, lhe geraram dor e sofrimento físicos e psicológicos que desbordam em muito do mero dissabor ou incômodo, pelo que faz jus à indenização por danos morais."

A fixação da indenização por dano moral é de ser feita de modo proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo-se, em contrapartida, no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo ato ilícito.

Diante de tais balizas, tenho que o valor de R$ 7.000,00 mostra-se razoável.

Honorários advocatícios

À causa foi atribuído o valor de R$ 100.000,00, em 15/03/2016.

A autora afirma que não pode haver distinção na fixação da base de cálculo dos honorários advocatícios arbitrados em favor dos advogados públicos e dos atribuídos aos advogados particulares.

De fato, não pode haver essa distinção. Porém, para afastar a distinção apontada, a alteração da base de cálculo deve ser feita não na forma pretendida pela autora, mas conforme determina o art. 85 do CPC.

O § 2º do citado dispositivo vincula a fixação dos honorários advocatícios, em primeiro lugar, ao valor da condenação. Não havendo condenação, adota-se o proveito econômico ou valor da causa como parâmetros de fixação dos honorários.

Assim, em face da sucumbência recíproca, a ré resta condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, e a autora condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados também em 10% sobre o valor da condenação, com exigibilidade suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.

O fato de a autora receber indenização não afasta o direito ao benefício da gratuidade da justiça.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da UFSC e dar parcial provimento à apelação da autora.



Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002391613v62 e do código CRC cae957d8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGERIO FAVRETO
Data e Hora: 21/7/2021, às 15:0:58


5005303-30.2016.4.04.7200
40002391613.V62


Conferência de autenticidade emitida em 29/07/2021 04:01:09.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005303-30.2016.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

APELANTE: CECILIA LENZI (AUTOR)

ADVOGADO: NIETSCHE MEDEIROS DE LEON (OAB RS070392)

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA EM DECORRÊNCIA DE DESNÍVEL NO PISO DE ENTRADA DE UNIVERSIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDA.

1. Caso em que configurado o nexo causal entre o ato omissivo da ré e a lesão experimentada pela requerente.

2. Ausentes fatores obstativos do nexo de causalidade, quais sejam, caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima, é de rigor o reconhecimento da responsabilidade estatal por omissão, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição.

3. O direito aos lucros cessantes independe da prova de que a vítima exercia atividade remunerada, pois decorre da expectativa normal de que para tanto estava capacitada.

4. É possível a cumulação do benefício previdenciário com a indenização resultante do ato ilícito, por derivarem de causas distintas.

5. O dano moral efetivamente ocorreu. A situação ultrapassou os limites do mero aborrecimento, não sendo cabível a prova de eventual abalo psicológico da vítima. Mantido o valor da indenização.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da UFSC e dar parcial provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de julho de 2021.



Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002391614v4 e do código CRC eb2aea8d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGERIO FAVRETO
Data e Hora: 21/7/2021, às 15:0:58


5005303-30.2016.4.04.7200
40002391614 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 29/07/2021 04:01:09.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/07/2021 A 20/07/2021

Apelação Cível Nº 5005303-30.2016.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI

APELANTE: CECILIA LENZI (AUTOR)

ADVOGADO: NIETSCHE MEDEIROS DE LEON (OAB RS070392)

APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/07/2021, às 00:00, a 20/07/2021, às 14:00, na sequência 655, disponibilizada no DE de 01/07/2021.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UFSC E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 29/07/2021 04:01:09.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora