Apelação Cível Nº 5051253-42.2014.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: FELIPE RODRIGUES BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) (AUTOR)
APELANTE: FERNANDA DE ALMEIDA RODRIGUES (AUTOR)
APELANTE: ESTEVAO PACHECO BORGES (AUTOR)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença com o seguinte dispositivo:
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais arbitro em 8% do valor atribuído à causa, atualizado pelo IPCA-E a contar da data do ajuizamento da ação (artigo 85, § 3º, inciso II e § 4º, inciso III, do NCPC). Suspendo a exigibilidade das verbas sucumbenciais em face do benefício da gratuidade da justiça concedido à parte autora.
Publique-se e registre-se. Intime-se o Ministério Público.
Havendo recurso tempestivo, intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Juntados os recursos e as respectivas respostas, apresentadas no prazo legal, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transitada em julgado esta sentença, e nada sendo requerido, dê-se baixa nos autos.
Em suas razões de apelação, a parte autora alegou, preliminarmente, violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista o indeferimento da prova testemunhal. No mérito, aduziu que tanto o parecer do Ministério Público como a sentença se basearam exclusivamente na alegada doença da varicela adquirida por Fernanda, deixando de lado os demais fatos ocorridos, como o próprio retardamento do parto, assim como a possibilidade de hipoxemia ou trauma. Postulou o provimento do recurso para anular a sentença e determinar o prosseguimento da instrução, ou para julgar procedente a a ação.
Com contrarrazões, vieram os autos.
O MPF emitiu parecer pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
I - Da preliminar de cerceamento de defesa
A parte autora alegou cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal.
Consoante o disposto nos arts. 370 e 371 do CPC, o magistrado deve permitir a produção de provas que se mostram necessárias à solução do litigío, indeferindo as diligências inúteis ou protelatórias, e, oportunamente, atribuir-lhes o valor adequado (princípio do livre convencimento), observado o contraditório.
Existindo substrato probatório suficiente para a formação de seu convencimento, não há se falar em cerceamento do direito de defesa, principalmente no caso concreto, em que a produção de prova testemunhal dificilmente contribuiria para a elucidação dos fatos, até porque o litígio diz respeito fundamentalmente a questões técnicas.
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. MOLÉSTIA E INCAPACIDADE LABORATIVA NÃO CONFIGURADA. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. 1. O Tribunal Regional, com base na análise acurada das provas dos autos, consignou a desnecessidade de realização de nova perícia porquanto a prova técnica produzida é suficiente para demonstrar a inexistência de moléstia e de incapacidade laborativa (fls. 253-254, e-STJ). 2. Se o magistrado entendeu não haver necessidade de nova perícia, uma vez que o laudo pericial não continha qualquer irregularidade técnica, não há que se falar em cerceamento de defesa na impugnação do pedido de nova perícia. 3. O STJ possui orientação firme no sentido de que a revisão do entendimento das instâncias ordinárias, fundado na análise das circunstâncias fáticas e probatórias dos autos, quanto à necessidade de realização de prova pericial, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 4. A análise do dissídio jurisprudencial fica prejudicada, em razão da aplicação da Súmula 7 do STJ, porquanto não é possível encontrar similitude fática entre o acórdão combatido e os arestos paradigmas, uma vez que as conclusões díspares ocorreram, não em razão de entendimentos diversos mas de fatos, provas e circunstâncias específicas do caso concreto. 5. Agravo Interno não provido. (STJ, 2ª Turma, AgInt no AREsp 864.606/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 18/08/2016, DJe 12/09/2016 - grifei)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF. 5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (STJ, 1ª Turma AgRg no AREsp 342.927/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016 - grifei)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPRA E VENDA MERCANTIL. DUPLICATAS. INEXIGIBILIDADE. REQUERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME PERICIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. 1. A matéria constitucional deve ser apreciada na suprema instância, pois não é viável sua análise nesta via recursal, haja vista que tal providência implicaria usurpação da competência atribuída ao eg. Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102). 2. O eg. Tribunal de origem, apreciando as provas constantes dos autos, entendeu inexistir falhas ou vícios na perícia realizada, consignando a desnecessidade de realização de novo exame. Asseverou ter sido a perícia conclusiva no sentido de que o material entregue apresentava imperfeições e não correspondia ao adquirido pela agravada. 3. A modificação de tais entendimentos lançados no v. acórdão recorrido, quanto à pertinência de realização de nova diligência, como ora perseguida, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno desprovido. (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 660.879/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 16/06/2016, DJe 03/08/2016 - grifei)
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. QUESTIONAMENTOS ACERCA DA PERÍCIA MÉDICA. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. NÃO-CARACTERIZAÇAÕ. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATIVIDADE MÉDICO-HOSPITALAR. TRATAMENTO ADEQUADO. NÃO COMPROVAÇÃO DE FALHAS NAS CONDUTAS ADOTADAS. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. - Descabido revolver em apelação questões relativas à prova pericial se a repeito já houve manifestação judicial, tendo restado estabelecida preclusão. - Não tendo a parte postulado de forma fundamentada e atempadamente a produção de prova testemunhal, não se cogita de cerceamento de defesa, até porque o litígio diz respeito fundamentalmente a questões técnicas. - A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra, os pressupostos dar responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. - Em se tratando de comportamento omissivo, a situação merece enfoque diferenciado. Decorrendo o dano diretamente de conduta omissiva atribuída a agente público, pode-se falar em responsabilidade objetiva. Decorrendo o dano, todavia, de ato de terceiro ou mesmo de evento natural, a responsabilidade do Estado de regra, assume natureza subjetiva, a depender de comprovação de culpa, ao menos anônima, atribuível ao aparelho estatal. De fato, nessas condições, se o Estado não agiu, e o dano não emerge diretamente deste não agir, de rigor não foi, em princípio, seja natural, seja normativamente, o causador do dano. - Em relação ao dano gerado em situação de atendimento médico-hospitalar em estabelecimento público, a responsabilidade civil estatal é objetiva. Assim, importa perquirir se os profissionais de saúde destacados para a prestação do serviço deram causa ao dano e se este não adveio de condições próprias do paciente, até porque a obrigação é de meio e não de resultado. Nesse cenário, o Estado terá o dever de indenizar, e responderá objetivamente, se presentes o dano e o nexo causal, sem culpa da vítima, ou inexistindo força maior ou caso fortuito; do contrário, não responderá se evidenciada a regularidade do atendimento médico hospitalar, advindo, ademais, o dano, de fato de terceiro evitável, culpa da vítima, caso fortuito ou força maior. - Hipótese em que, de acordo com a prova técnica produzida nos autos, os procedimentos realizados no marido da autora estavam dentre os indicados para o tratamento ao caso. Nesse contexto, forçoso concluir que inexistente demontração de que as eventuais complicações verificadas durante o longo período que recebeu tratamento decorreram de falhas que possam ser atribuídas ao serviço prestado pelas demandadas, sendo atribuíveis, em princípio, à inevitável evolução do grave quadro de saúde apresentado pelo paciente. - Apelação desprovida. (TRF4, AC 5061810-93.2011.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 06/12/2019)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. MULTA CONTRATUAL. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENSIONAMENTO. 1. Verificado que os documentos acostados aos autos são suficientes para a solução da lide, resulta dispensável a produção de prova testemunhal para a exame da matéria ora discutida, não havendo falar em cerceamento de defesa. 2. Afastada a hipótese de ocorrência de vícios construtivos. 3. A compensação pelo atraso se faz por meio de ressarcimento do dano moral, de modo que criar a oneração de uma multa sem previsão contratual pode resultar em dupla penalização da mesma conduta. 4. À luz do disposto no artigo 944 do Código Civil, o valor fixado pelo juízo a quo, R$ 2.0000 (dois mil reais) não está adequado a título de indenização por danos morais, devendo ser majorado para R$5.000,00 (cinco mil reais). 5. Arbitrados honorários por apreciação equitativa em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ante o baixo valor da condenação (10% sobre R$ 5.000,00), devendo a parte autora arcar integralmente com a verba honorária, em metade para cada ré, diante da sucumbência mínima das demandas. (TRF4, AC 5045821-71.2016.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 19/09/2019)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAL. PRODUÇÃO DE PROVAS CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA REVERTIDO NA VIA JUDICIAL. RESSARCIMENTO DE HONORÁRIOS CONTRATUAIS E DESPESAS COM ELABORAÇÃO DE CÁLCULOS. DEVER DE INDENIZAR CONDUTA ILÍCITA OU OMISSIVA DO PODER PÚBLICO NÃO CONFIGURADA. A produção de provas visa à formação do convencimento do juiz, a quem cabe, nos termos do artigo 130 do CPC/1973 (vigente à época), "de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias." Existindo nos autos elementos probatórios suficientes para a solução do litígio e, sendo os fatos alegados passíveis de comprovação por meio de documentos (que, via de regra, revelam-se mais consistente do que a prova testemunhal, principalmente quando se referem a situações fáticas ocorridas há certo tempo) que se encontram em poder da parte, não se afigura ilegal o indeferimento da dilação probatória pretendida (art. 330, inciso I, do CPC/73). O ordenamento jurídico atribui ao vencido o ônus de arcar com as despesas processuais, inclusive os honorários advocatícios de sucumbência, nas hipóteses legalmente admitidas, sem prever o pagamento de outras verbas por motivo diverso. Com efeito, os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação - cujo valor é pactuado entre o profissional e o cliente de forma livre - não são, por si só, indenizáveis, sob pena de se atribuir ilicitude geradora do dever de indenizar a qualquer pretensão questionada judicialmente. Precedentes. Não há como acolher a pretensão da parte ao ressarcimento de despesas com a elaboração de cálculos, porquanto não foram individualizadas e inexistem elementos comprobatórios da contratação de serviços especializados. O indeferimento de benefício previdenciário na esfera administrativa não configura, por si só, ilícito que enseje a reparação de dano moral, porquanto fundado em interpretação divergente da lei e das especificidades do caso concreto, e não em erro grosseiro, má fé ou decisão imotivada. Para a caracterização do dever de indenizar, é exigível a comprovação de injusta violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração, o que não incorreu na espécie (em que houve mero dissabor decorrente de negativa posteriormente revertida na via judicial). (TRF4, AC 5006205-48.2014.4.04.7007, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 01/11/2016)
Rejeito a preliminar.
II - Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:
1. RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito ordinário proposta por FERNANDA DE ALMEIDA RODRIGUES, ESTEVÃO PACHECO BORGES e FELIPE RODRIGUES BORGES contra o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE e o HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE, buscando a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais sofridos em razão da má prestação de serviços hospitalares com o prolongamento desnecessário do parto da autora e do qual resultou sequelas irreversíveis ao menor Felipe.
De acordo com o narrado na inicial, a autora realizou exames de rotina junto ao Hospital de Clínicas; no dia 16/06/2006, entrou em trabalho de parto às 7h; dirigiu-se ao hospital em torno das 12h; foi mandada para casa e retornou ao hospital às 17h; durante o parto foi necessária a "reanimação, aspiração e ventilação por máscara do feto, em face de o neonato ter aspirado mecônio"; " Felipe recuperou o esforço respiratório efetivo, porém permaneceu com cianose de extremidades e tônus diminuído, tendo sido encaminhado para observação"; em 21/06/2006, a autora e seu filho tiveram alta sem nenhuma orientação quanto às prováveis consequências do prolongamento excessivo do parto com privação de oxigênio do recém-nascido e a ingestão de mecônio.
Nos dois primeiros anos, os autores não perceberam que o parto havia deixado sequelas no menor Felipe; constatando que a criança poderia possuir algum retardo procuraram o Hospital de Clínicas mas nunca obtiveram diagnóstico claro; no decorrer desse tratamento, os autores se separaram, Fernanda sofreu com depressão e necessitou largar o emprego; além disso, as despesas do casal aumentaram significativamente em virtude das necessidades especiais do filho; atualmente, Felipe apresenta retardo do desenvolvimento neuropsicomotor.
Os autores defenderam a responsabilidade civil objetiva do Município e do Hospital de Clínicas cujo corpo médico atuou negligentemente durante o parto da autora acarretando as sequelas apresentadas pelo menor Felipe. Sustentaram também a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Foi concedido aos autores o benefício da assistência judiciária gratuita (Evento 12, Mandadodesp26).
O Hospital de Clínicas contestou a ação (Evento 12, Cont29). Preliminarmente, alegou a incompetência absoluta da Justiça Estadual. Defendeu a prescrição da pretensão indenizatória e a inexistência de nexo causal entre a conduta do hospital e as sequelas apresentadas pelo menor Felipe. Pleiteou ainda isenção do pagamento de custas bem como a concessão da assistência judiciária gratuita.
O Município de Porto Alegre contestou a ação (Evento 12, Cont45). Preliminarmente, alegou carência de ação em face da inexistência de ilícito praticado pelo Município. No mérito, defendeu a inexistência de nexo causal entre os fatos narrados na inicial e o alegado dano bem como impugnou o valor postulado.
A parte autora replicou (Evento 12, Pet50).
O juízo estadual declinou da competência para o julgamento do feito determinando a remessa dos autos à Justiça Federal (Evento 12, Out51).
Foi acolhida a competência (Evento 14).
No Evento 28, foi determinada a realização de perícia médica na especialidade ginecologia e obstetrícia e indeferida a produção de prova oral.
O laudo pericial foi juntado ao Evento 78.
O representante do Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação em parecer juntado ao Evento 95.
Em decisão proferida no Evento 97, foi determinada a realização de perícia médica na especialidade neuropediatria.
O laudo pericial foi juntado ao Evento 148.
As partes se manifestaram nos Eventos 152, 157 e 159.
A representante do Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação em parecer juntado ao Evento 165.
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Assistência judiciária gratuita do HCPA ou isenção de pagamento de custas
O HCPA não faz jus ao benefício da gratuidade de justiça.
O art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição, e a lei de desenvolvimento, Lei nº 1.060/50, são voltados primordialmente a pessoas físicas. Não obstante, o STF, admite, por analogia, a aplicação do benefício a pessoas jurídicas que comprovem insuficiência de recursos ou necessidade (Rcl-ED-AgR 1905/SP, relator Min. Marco Aurélio, j. 15/08/2002). O STJ tem trilhado o mesmo caminho em relação a pessoas jurídicas sem fins lucrativos e dedicadas a atividades beneficentes, filantrópicas, pias, ou morais, bem como às microempresas familiares ou artesanais, sendo indispensável a comprovação da situação de necessidade, em qualquer hipótese (RESP 690.482/RS, rel. Min. Teori Zavascki, j. 7/3/2005; RESP 744.115/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16/5/2006; ERESP 388045/RS, Corte Especial, rel. Min. Gilson Dipp, DJU 22/9/2003).
Com efeito, do fato de a pessoa jurídica ter ou não fins lucrativos não decorre necessariamente a conclusão de que esteja necessitada ou não possua recursos para pagar as despesas processuais sem prejuízo das atividades para as quais foi criada. No caso dos autos, o réu nada comprova, limitando-se a alegar que presta serviços de natureza assistencial.
Por outro lado, não viga o pedido de isenção de recolhimento de custas para o hospital. A Lei nº 9.289/96 ("Dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus e dá outras providências") enumera expressamente, no art. 4º, os casos de isenção do pagamento de custas devidas na Justiça Federal, e dentre as pessoas jurídicas que gozam da isenção não estão arroladas as empresas públicas e, portanto, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (nesse sentido, jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, AGRESP 262254, Terceira Turma, DJ 01/07/2004, p. 188, RSTJ 182/247, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; RESP 433550, Terceira Turma, DJ 22/09/2003, p. 316, Rel. Min. Castro Filho; RESP 410600, Quarta Turma, DJ 02/12/2002, p. 317, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região em diversos julgados rejeitou a pretensão de gratuidade do HCPA; exemplificativamente:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO COMUM. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. Não faz jus à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita a pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, que não demonstrar, de forma inequívoca, não possuir recursos para arcar com os encargos processuais. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre não está sujeito à isenção de custas processuais no âmbito da Justiça Federal. (TRF4, AG 5036241-40.2017.404.0000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 18/10/2017)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. HOSPITAL DE CLÍNICAS. JUSTIÇA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE. AJG. PESSOA JURÍDICA. As empresas públicas, como é o caso do HCPA, consoante dispõe o art. 4º da Lei nº 9.289/96, não estão isentas do pagamento de custas na justiça federal. No Art. 4º da Lei nº 9.289/96, que enumera os casos de isenção do pagamento de custas devidas na Justiça Federal, não estão arroladas as empresas públicas e, portanto, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Jurisprudência do STJ e desta Corte. Dada a natureza de empresa pública do HCPA, cuja propriedade é da União, não resta plausível mereça seja aquinhoada com AJG por suposta hipossuficiência financeira, eis que não se duvida da capacidade financeira de sua proprietária (União). (TRF4, AG 5021175-54.2016.404.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 06/10/2016)
Indefiro o benefício da gratuidade de justiça ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Carência de ação
A preliminar confunde-se com o mérito da ação.
Prescrição
Alega o Hospital de Clínicas que a pretensão indenizatória dos autores encontra-se prescrita considerando que o parto do menor Felipe foi realizado em 17/06/2006, razão pela qual o direito de ação prescreveu em junho de 2011 pela incidência do prazo quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/32.
Na hipótese dos autos a prescrição aplicável é a quinquenal, em detrimento da prescrição trienal prevista no Código Civil (STJ, AgRg no AREsp 33187/SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0102622-3 Relator(a) Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 28/02/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 05/03/2012).
No caso, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a data em que se tornaram conhecidos os efeitos do suposto evento danoso, o que não ocorreu na data do parto do menino no Hospital de Clínicas.
A pretensão dos autores, pela natureza dos danos alegadamente sofridos, surgiu no momento em que os demandantes tiveram condições de saber as possíveis consequências das lesões e exercer oportunamente sua pretensão contra a instituição hospitalar. Nesse sentido: TRF4, Apelação cível 2000.72.06.001803-9/SC, Rel. Carlos Eduardo Lenz, Terceira Turma, DJU 2.2.2005, e Apelação cível 9504136443/RS, rel. Paulo Afonso Brum Vaz, Quarta Turma, DJU 28.7.99.
A extensão e a consolidação das lesões sofridas pelo menor Felipe, no mínimo, tornaram-se conhecidas após 2008, quando consultas foram feitas para a detecção de eventual retardo decorrente do parto, cf. demonstra exemplificativamente o documento juntado ao Evento 12, Out13.
Esta ação foi proposta em julho de 2012, perante a Justiça Estadual (Evento 12, Inic1), antes de transcorridos cinco anos da constatação do quadro de saúde do menino.
Logo, deve ser rejeitada a alegação do réu.
Responsabilidade civil por danos morais e materiais
A responsabilidade civil é obrigação de reparar danos, causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem. O fundamento do dever imputado àquele que provoca danos a terceiro é a regra geral de conduta de não lesar ninguém. Tal regra tutela o interesse de cada um na preservação de sua esfera jurídica (nesse sentido, Fernando Noronha, "Direito das obrigações", vol. 1, Saraiva, 2003, p. 431).
Dispõe o artigo 37, § 6º, da Constituição, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O HCPA é pessoa jurídica de direito público, e nessa qualidade estaria sujeito à responsabilidade civil objetiva, a teor do que dispõe o § 6º do artigo 37 da Constituição. Contudo, em se tratando de sequelas provenientes de tratamento realizado em hospital do Estado, a responsabilidade estatal se dá por omissão, e justamente por isso é do tipo subjetiva, e não objetiva. Os autores alegam falha no serviço hospitalar. Se da internação advém resultado inesperado, o Estado será responsabilizado civilmente apenas se for comprovado que o serviço médico-hospitalar não funcionou ou funcionou tardia ou ineficientemente (nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, Revista dos Tribunais, 15ª ed., 2003, p. 871-872; Carlos Mário da Silva Velloso, Responsabilidade civil do Estado in Temas de Direito Público, Livraria Del Rey Editora, 1ª ed., 1997, p. 497).
Acrescente-se que a obrigação contraída entre a paciente e o hospital tem as características de obrigação de resultado, que consiste em assegurar ao paciente a sua incolumidade durante o período de internação. Desse modo, a responsabilidade civil da pessoa jurídica por danos causados é subjetiva, e não objetiva, na medida em que o hospital demandado tem a chance de comprovar a inexistência de falha no fornecimento dos serviços contratados.
De outro lado, não existiu relação de consumo entre o Hospital de Clínicas e a parte autora, e portanto, não são aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor. O Hospital de Clínicas não foi remunerado por taxa ou preço público tampouco os serviços prestados foram custeados diretamente pela usuária ou por familiares. Nesse sentido, confira-se:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA. 1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar. 2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Nos feitos em que se examina a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano não é obrigatória. Caberá ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à celeridade ou à economia processuais. Precedentes. 4. Considerando que o Tribunal a quo limitou-se a indeferir a denunciação da lide com base no art. 88, do CDC, devem os autos retornar à origem para que seja avaliado, de acordo com as circunstâncias fáticas da demanda, se a intervenção de terceiros prejudicará ou não a regular tramitação do processo. 5. Recurso especial provido em parte. (STJ, REsp 1187456/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 01/12/2010)
Quanto ao tratamento dispensado às vésperas do parto e durante o parto, a prova pericial é de fundamental importância para que se possa avaliar os fatos e suas consequências jurídicas.
Da perícia realizada na especialidade ginecologia e obstetrícia, cujo laudo foi juntado ao Evento 78, constam as seguintes informações:
Quanto ao Pré-Natal: o acompanhamento pré-natal foi satisfatório, sendo que a periciada realizou exames complementares e fez acompanhamento do crescimento e bem-estar fetal. Não encontramos patologia que indicassem realização de parto operatório antes do trabalho de parto.
Quanto as avaliações realizadas na emergência obstétrica: as condutas tomadas encontram amparo na literatura especializada. A indicação de internação para assistência ao parto encontra amparo na literatura especializada.
Quanto a assistência ao trabalho de parto: foi adequadamente realizada, sendo utilizado Partograma que permitem a análise precisa da evolução do trabalho de parto. O diagnóstico de Desproporção Céfalopélvica/Parada de progressão do trabalho de parto, indicando a cesariana, somente ocorreu após as 23 horas, pois antes desta hora, o trabalho de parto estava dentro do esperado. A cesariana foi realizada conforme técnica prevista pela literatura especializada. Não há elementos que permitam caracterização de anóxia fetal intraparto.
Quanto ao primeiro atendimento ao recém nascido: também foi adequado o atendimento ao recém-nascido, sendo realizado por médico especializado e que usou de todos os materiais e medicamentos previstos pelos maiores centros de perinatologia nacionais e internacionais. Pelo prontuário anexado do recém-nascido, até o último registro não existe um diagnóstico definitivo, sem excluir a ocorrência de Doença genética, doença infecciosa, encefalopatia hipóxica/anóxica.
(...)
6) Informe o Sr. Perito se ouve reanimação do recém-nascido?
R: O recém nascido foi adequadamente atendido não necessitou de reanimação. O procedimento foi de aspiração da via aérea.
7) FELIPE esteve, durante o trabalho de parto, em sofrimento fetal?
R: O recém nascido não apresentou sinais intra-útero de sofrimento fetal.
8) Por qual motivo o recém-nascido foi reanimado?
R: Conforme respondido acima, não foi realizado procedimento de reanimação, mas sim aspiração das vias aéreas.
9) A parada cardiorrespiratóri sofrida pelo recém-nascido pode deixar seqüela(s)?
R: Não houve parada cardiorrespiratória.
(...)
2. A alegação de que houve "atraso no parto" é sustentada em alguma evidência de erro de datação da gestação ou em alguma evidência de sofrimento fetal durante o trabalho de parto? Se sim, apontar qual.
R: Não, comprovadamente pelo Partograma não houve sofrimento fetal ou “atraso no parto”.
3. O monitoramento da assistência ao parto através do partograma mostra que a dilatação manteve-se em quatro centímetros durante trabalho de parto ativo por duas horas consecutivas, caracterizando desproporção céfalo-pélvica (DCP). Teria havido atraso na indicação da cesariana por DCP?
R: Não houve atraso na indicação. A maioria do quadro de Desproporção Céfalopélvica se faz através de parada de progressão do parto conforme o partograma.
4. Houve evidência de sofrimento fetal na monitorização fetal (MAP) que indicasse antecipação do parto por cesariana de urgência?
R: Não há documentos que mostrem sofrimento fetal, o Partograma mostra bem-estar fetal durante toda assistência ao trabalho de parto.
5. A assistência ao recém nascido em sala de parto ocorreu de acordo com o conhecimento médico da época?
R: Sim, assistência ao recém nascido prestada foi adequada e não sofreu alterações até os dias de hoje.
(...)
Da perícia realizada na especialidade neuropediatria, cujo laudo foi juntado ao Evento 148, constam as seguintes informações:
O paciente é portador de evidente retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. Entretanto, por tal condição possuir inúmeras etiologias, é impossível estabelecer sua causa. Essas podem varias desde infecções intra-uterinas até hipoxemia cerebral.
(...)
11) A médica do Hospital, ao descrever FELIPE como um paciente com RDNPM decorrente de intercorrências perinatais (nasceu com GIG com hipoxia), não estaria admitindo nexo de causalidade entre seu retardo e os eventos do parto?
RESPOSTA : Impossível afirmar, visto que retardo de desenvolvimento neuropsicomotor pode ter inúmeras causas.
(...)
1) É correto afirmar que durante o trabalho de parto da autora ou no exame do recém-nascido não houve evento ou sinal clínico que possa ter dado causa a paralisia cerebral de origem intraparto, segundo os critérios definidos pela Cerebral Task Force Consensus Statment (MacLennan, 1999) revisada em 2007 por Hankins & Speer?
RESPOSTA : Segundo o laudo apresentado que contém o exame clínico do recém nascido, não foram detectadas anormalidades que pudessem sugerir paralisia cerebral.
(...)
1) O dano decorrido ao menor é decorrente das condutas/procedimentos adotados pela equipe médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, durante todo o período de atendimento prestado à parte autora quando da realização de seu parto nos dias 16 e 17/06/2006?
RESPOSTA : Impossível determinar visto que o retardo do desenvolvimento neuropsicomotor pode ter inúmeras causas. Entre elas, infecciosas, hipoxêmicas e traumáticas.
(...)
Desse modo, tem-se que os procedimentos a que foram submetidos a autora e seu filho foram realizados dentro do preconizado pela boa técnica médica.
Portanto, assiste razão ao representante do Ministério Público quando disse que "(...) o laudo médico pericial deixou claro que os procedimentos adotados durante o parto foram corretos e que a moléstia que acomete o autor Felipe não decorreu do atendimento que lhe foi prestado e à sua mãe por ocasião do parto, provavelmente sendo decorrente do vírus da varicela contraído pela mãe do autor Felipe durante a gestação (cf. parecer juntado ao Evento 95).
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais arbitro em 8% do valor atribuído à causa, atualizado pelo IPCA-E a contar da data do ajuizamento da ação (artigo 85, § 3º, inciso II e § 4º, inciso III, do NCPC). Suspendo a exigibilidade das verbas sucumbenciais em face do benefício da gratuidade da justiça concedido à parte autora.
Publique-se e registre-se. Intime-se o Ministério Público.
Havendo recurso tempestivo, intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Juntados os recursos e as respectivas respostas, apresentadas no prazo legal, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transitada em julgado esta sentença, e nada sendo requerido, dê-se baixa nos autos.
A tais fundamentos, a apelante não opôs argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador, motivo pelo qual a sentença merece ser mantida.
Com efeito, o magistrado singular está próximo das partes, realizou ampla dilação probatória, analisou detidamente os elementos probantes e a controvérsia inserta nos autos, tendo, de forma correta e motivada, concluído pela improcedência do pedido.
Merecem destaque os seguintes pontos da sentença, especialmente quanto aos laudos periciais, tendo sido o primeiro realizado por médico da especialidade ginecologia e obstetrícia (evento 78, LAUDO1):
CONCLUSÃO
A partir dos dados acima citados podemos concluir que:
Quanto ao Pré-Natal: o acompanhamento pré-natal foi satisfatório, sendo que a periciada realizou exames complementares e fez acompanhamento do crescimento e bem-estar fetal. Não encontramos patologia que indicassem realização de parto operatório antes do trabalho de parto.
Quanto as avaliações realizadas na emergência obstétrica: as condutas tomadas encontram amparo na literatura especializada. A indicação de internação para assistência ao parto encontra amparo na literatura especializada.
Quanto a assistência ao trabalho de parto: foi adequadamente realizada, sendo utilizado Partograma que permitem a análise precisa da evolução do trabalho de parto. O diagnóstico de Desproporção Céfalopélvica/Parada de progressão do trabalho de parto, indicando a cesariana, somente ocorreu após as 23 horas, pois antes desta hora, o trabalho de parto estava dentro do esperado. A cesariana foi realizada conforme técnica prevista pela literatura especializada. Não há elementos que permitam caracterização de anóxia fetal intraparto.
Quanto ao primeiro atendimento ao recém nascido: também foi adequado o atendimento ao recém-nascido, sendo realizado por médico especializado e que usou de todos os materiais e medicamentos previstos pelos maiores centros de perinatologia nacionais e internacionais. Pelo prontuário anexado do recém-nascido, até o último registro não existe um diagnóstico definitivo, sem excluir a ocorrência de Doença genética, doença infecciosa, encefalopatia hipóxica/anóxica.
QUESITOS
(...)
6) Informe o Sr. Perito se ouve reanimação do recém-nascido? R: O recém nascido foi adequadamente atendido não necessitou de reanimação. O procedimento foi de aspiração da via aérea.
7) FELIPE esteve, durante o trabalho de parto, em sofrimento fetal? R: O recém nascido não apresentou sinais intra-útero de sofrimento fetal.
8) Por qual motivo o recém-nascido foi reanimado? R: Conforme respondido acima, não foi realizado procedimento de reanimação, mas sim aspiração das vias aéreas.
9) A parada cardiorrespiratóri sofrida pelo recém-nascido pode deixar seqüela(s)? R: Não houve parada cardiorrespiratória.
(...)
93) É correto afirmar que a autora sofreu infecção por varicela, fato que ocorreu no início da sua gestação? R: Há registro.
O segundo laudo foi realizado por médico da especialidade de Neurocirurgia -Neurologia (evento 148, LAUDO1):
Conclusão: O paciente é portador de evidente retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. Entretanto, por tal condição possuir inúmeras etiologias, é impossível estabelecer sua causa. Essas podem varias desde infecções intra-uterinas até hipoxemia cerebral.
(...)
1) É correto afirmar que durante o trabalho de parto da autora ou no exame do recém-nascido não houve evento ou sinal clínico que possa ter dado causa a paralisia cerebral de origem intraparto, segundo os critérios definidos pela Cerebral Task Force Consensus Statment (MacLennan, 1999) revisada em 2007 por Hankins & Speer?
RESPOSTA: Segundo o laudo apresentado que contém o exame clínico do recém nascido, não foram detectadas anormalidades que pudessem sugerir paralisia cerebral.
(...)
5) É correto afirmar que danos ao recém-nascido tais como retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, dismorfias (má conformação de parte do corpo) e lesão auditivas são eventos que têm nexo causal com a infecção pelo vírus da varicela que a autora FERNANDA comprovadamente adquiriu durante o pré-natal (no primeiro trimestre de gestação)?
RESPOSTA:A infecção intra-uterina pelo vírus da varicela pode acarretar retardo do desenvolvimento neuropsimotor. Afirmar em que trimestre gestacional isso é mais provável está fora de minha alçada, por tratar-se de questão obstétrica.
(...)
1) O dano decorrido ao menor é decorrente das condutas/procedimentos adotados pela equipe médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, durante todo o período de atendimento prestado à parte autora quando da realização de seu parto nos dias 16 e 17/06/2006?
RESPOSTA: Impossível determinar visto que o retardo do desenvolvimento neuropsicomotor pode ter inúmeras causas. Entre elas, infecciosas, hipoxêmicas e traumáticas.
(...)
3) Seja especificada qual a enfermidade de que o autor menor é portador; qual a origem dessa enfermidade; e qual a extensão da incapacidade do menor decorrente dessa enfermidade.
RESPOSTA : Retardo do desenvolvimento neuropsicomotor (CID 10 -F710 - Retardo mental moderado - menção de ausência de ou de comprometimento mínimo do comportamento). Impossível determinar nesse momento, pois o periciado ainda encontra-se em fase de desenvolvimento.
Em seu parecer, o representante do MPF corrobora o entendimento da sentença:
(...)
Sendo assim, os laudos médicos periciais elaborados demonstram que os procedimentos adotados durante o parto foram corretos, não sendo possível atribuir a moléstia que acomete o autor FELIPE ao atendimento que lhe foi prestado e à sua mãe por ocasião do parto.
Não havendo nos autos provas suficientes que demonstrem o nexo de causalidade entre o retardo no desenvolvimento neuropsicomotor que acomete o menor FELIPE e os atos dos Réus, não há o que se indenizar.
Sou, portanto, pelo DESPROVIMENTO do Recurso de Apelação interposto por ESTEVÃO PACHECO BORGES, FERNANDA DE ALMEIDA RODRIGUES e FELIPE RODRIGUES BORGES, mantendo-se incólume a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos.
Assim, deve ser mantida a sentença de improcedência.
Restando desacolhido o recurso de apelação, majoro em 1% (um por cento) os honorários advocatícios fixados na sentença, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, em obediência ao § 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a AJG.
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001690802v15 e do código CRC e3bb1cfd.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5051253-42.2014.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: FELIPE RODRIGUES BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) (AUTOR)
APELANTE: FERNANDA DE ALMEIDA RODRIGUES (AUTOR)
APELANTE: ESTEVAO PACHECO BORGES (AUTOR)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS (RÉU)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE civil. pessoa jurídica de direito publico. falha no serviço médico hospitalar não comprovada. NEXO DE CAUSALIDADE AUSENTE.
A responsabilidade civil da pessoa jurídica por danos causados é subjetiva, e não objetiva, na medida em que o hospital demandado tem a chance de comprovar a inexistência de falha no fornecimento dos serviços contratados.
Não comprovado o nexo de causalidade entre a atuação do Hospital de Clínicas e a moléstia que acomete o autor, é improcedente o pedido de responsabilização do ente público por danos materiais e morais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de maio de 2020.
Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001690803v4 e do código CRC 65865fd9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/04/2020 A 06/05/2020
Apelação Cível Nº 5051253-42.2014.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: ESTEVAO PACHECO BORGES (AUTOR)
ADVOGADO: MARCIO FELIX JOBIM (OAB RS058452)
APELANTE: FELIPE RODRIGUES BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, I CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: MARCIO FELIX JOBIM (OAB RS058452)
APELANTE: FERNANDA DE ALMEIDA RODRIGUES (AUTOR)
ADVOGADO: MARCIO FELIX JOBIM (OAB RS058452)
APELADO: HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/04/2020, às 00:00, a 06/05/2020, às 14:00, na sequência 907, disponibilizada no DE de 15/04/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:39:37.