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ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEQUELAS DA VACINA. DEVIDA INDENIZAÇÃO PELA UNIÃO POR CONTA DA CAMPANHA DE VACINAÇÃO. AFASTADA RESPONSABILIDADE DA ...

Data da publicação: 09/10/2020, 15:01:09

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEQUELAS DA VACINA. DEVIDA INDENIZAÇÃO PELA UNIÃO POR CONTA DA CAMPANHA DE VACINAÇÃO. AFASTADA RESPONSABILIDADE DA CLÍNICA E DO LABORATÓRIO. MANTIDA A SENTENÇA. RECURSOS IMPROVIDOS. (TRF4, AC 5009695-41.2015.4.04.7202, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 01/10/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009695-41.2015.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

APELANTE: RODRIGO ERNANI MESA CASA (AUTOR)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ABBOTT LABORATORIOS DO BRASIL LTDA (RÉU)

APELADO: IMUNIZAR CLINICA DE VACINAS LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Esta apelação ataca sentença proferida em ação ordinária que discutiu sobre indenização por danos morais e materiais em decorrência de evento danoso (Síndrome de Guillain Barré) que acometeu a parte autora após essa ter participado da campanha nacional de vacinação contra a gripe.

A sentença julgou parcialmente procedente a ação (evento 202), assim constando do respectivo dispositivo:

Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito:

i) julgo IMPROCEDENTES os pedidos em relação às rés ABBOTT LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA e IMUNIZAR CLÍNICA DE VACINASLTDA.

Em decorrência, condeno o autor ao pagamento dos honorários advocatícios em seu favor. Não havendo circunstâncias excepcionais que justifiquem o arbitramento dos honorários em patamar acima do mínimo legal, como tempo excessivo de tramitação processual ou excepcional exigência de trabalho por parte dos profissionais, fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação (CPC, art. 85, § 2º e 3º), para cada um dos réus. Suspendo, contudo, a exigibilidade da condenação, em face da gratuidade da justiça (evento 4).

As verbas sucumbenciais deverão ser corrigidas pelo IPCA-E, a contar da data desta sentença, e, após o trânsito em julgado, pela taxa SELIC, que inclui juros e correção (CPC, art. 85, § 16).

ii) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na petição inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito (CPC, art. 487, inciso I), para o efeito de condenar a UNIÃO a indenizar a parte autora:

a) pelo dano material sofrido, correspondente a:

a.1) danos emergentes, no valor de R$ 13.601,36 (treze mil seiscentos e um reais e trinta e seis centavos), com a incidência de juros moratórios e de correção monetária na forma da fundamentação;

a.2) lucros cessantes, no valor de R$ 48.496,20 (quarenta e oito mil quatrocentos e noventa e seis reais e vinte centavos), com a incidência de juros moratórios e de correção monetária na forma da fundamentação.

b) pelo dano moral sofrido, fixado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), com a incidência de juros moratórios e de correção monetária na forma da fundamentação.

Condeno a União ao pagamento dos honorários periciais e dos honorários advocatícios de sucumbência em favor do autor. Não havendo circunstâncias excepcionais que justifiquem o arbitramento dos honorários em patamar acima do mínimo legal, como tempo excessivo de tramitação processual ou excepcional exigência de trabalho por parte dos profissionais, fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação (CPC, art. 85, § 2º e 3º).

Sem remessa necessária (art. 496, § 3º, I, do CPC).

Apela a parte autora (evento 211 ), pedindo a reforma da sentença e o deferimento de seus pedidos. Alega que: (1) as rés Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. e Imunizar Clínica de Vacinas Ltda. são solidariamente responsáveis pelo dano causado, vez que a primeira produziu a vacina que desencadeou a Síndrome de Guillain Barré e a segunda teria aplicado a vacina da gripe no apelante; (2) o fato lesivo, o dano e o nexo causal restaram comprovados.

Apela a União (evento 213) pedindo a reforma da sentença e a improcedência da ação. Alega: (1) preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva para responder pelo dano causado, pois a vacina que teria desencadeado a Síndrome de Guillain Barré foi adquirida pela ré Imunizar Clínica de Vacinas Ltda. da ré Abbott Laboratórios do Brasil Ltda., ambas pessoas jurídicas de direito privado, sendo que a clínica foi quem realizou a aplicação da vacina por meio de contrato/convênio com a Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina; (2) que a Campanha Nacional de Vacinação não se enquadra na relação de causalidade adequada exigida para acarretar uma obrigação indenizatória; (3) que o informe técnico da Campanha Nacional de Vacinação contra influenza descreve a Síndrome de Guillain Barré como um dos possíveis riscos da vacina. Contudo, diante da inexistência de evidências robustas da correlação entre a vacinação e o desenvolvimento da síndrome, considerando que os estudos até então eram contraditórios, não seria pertinente reforçar esta possibilidade em campanha de vacinação, a qual objetiva imunizar o maior número de pessoas; (4) subsidiariamente, requer a minoração do quantum indenizatório; (5) a aplicação da Lei 11.960/09 para fins de juros e correção monetária.

Houve contrarrazões.

O parecer do Ministério Público Federal foi no sentido da reforma da sentença diante da ilegitimidade passiva da União e, em consequência, pela incompetênia da Justiça Federal.

O processo foi incluído em pauta.

É o relatório.

VOTO

Examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de parcial procedência, proferida pela juíza federal Priscilla Mielke Wickert Piva, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:

FUNDAMENTAÇÃO

a) Inépcia da inicial

O pedido constante da inicial deve ser certo e determinado, ressalvadas as exceções previstas na lei. Ademais, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé (CPC, artigos 322, caput c/c § 2º, e art. 324).

A causa de pedir - pressuposto processual necessário para o desenvolvimento válido e regular do processo (art. 295 do CPC/73) - é constituída pelos fundamentos do pedido do autor da ação - motivos que legitimam a sua pretensão. Examinando a causa de pedir, o juiz verifica se o pedido deduzido tem ou não fundamento para ser acolhido. (TRF4, AC 5022913-50.2012.404.7200, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 15/12/2016).

No caso dos autos, constata-se, com clareza, os fundamentos fáticos e jurídicos necessários à identificação do pedido e da causa de pedir. O teor da inicial permite determinar o pedido - indenização por danos materiais e morais, esta em patamar a ser fixado pelo juízo. Por outro lado, não é possível afirmar que, pela forma como foi deduzida a pretensão, tenha havido qualquer prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa; pelo contrário, as partes apresentaram contestação e diversos requerimentos que revelam que tiveram plena ciência a respeito do pedido e da respectiva causa de pedir.

Vai afastada, portanto, a arguição.

b) Intempestividade da contestação da ré Imunizar

O Código de Processo Civil de 1973, em vigor na época da citação, estabelecia em seu art. 241:

Art. 241. Começa a correr o prazo:

[...]

III - quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido;

No caso concreto, como há vários réus e a data de juntada do último aviso de recebimento ocorreu em 12/02/2016, sexta-feira (evento 12), o prazo iniciou-se no dia 15/02/2016, de modo que, diante do prazo em dobro em face dos diversos réus com diversos procuradores (CPC/73, art. 191), este findou em 15/03/2016. Assim, conclui-se pela tempestividade da contestação protocolada nesta data (15/03/2016).

c) Ilegitimidade passiva da União e da ré Imunizar

A União alega sua ilegitimidade passiva ao argumento de que o autor aderiu à companha de vacinação gratuita da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (CAASC), e, portanto, não foi atendido pelo SUS. Outrossim, a vacina não foi fornecida pela União, que não teve qualquer participação no processo de imunização do autor. A ré Imunizar, por sua vez, argumenta a sua ilegitimidade passiva aduzindo que as alegações da inicial não apontam qualquer falha na prestação do serviço por ela oferecido.

Ocorre que, no caso concreto, não há falar em ilegitimidade passiva dos réus União e Imunizar.

A União, segundo alega o autor, teria lançado a Campanha Nacional de Vacinação sem informar os riscos que ela poderia trazer. O fato de a vacina não ter sido fornecida pelo Poder Público não altera a afirmação do autor de que se vacinou em decorrência da Campanha Nacional de Vacinação, realizada pela União todos os anos.

A ré Imunizar, por sua vez, como responsável pela aplicação da vacina, também é legitimada para responder à demanda, haja vista que executou materialmente o ato de vacinação.

Ressalte-se que a legitimidade passiva das rés, contudo, não implica, por si só, responsabilidade por eventual indenização. Esta será analisada no mérito da presente ação, que não se confunde com a condição da ação - legitimidade.

Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. UNIÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. VACINAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. INEXISTÊNCIA. 1. É firme a jurisprudência desta Corte de que eventual nulidade da decisão monocrática, baseada no artigo 557 do Código de Processo Civil, fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, por via de agravo interno. 2. Apesar de ter sido incumbida aos Municípios a tarefa de aplicação das vacinas, a coordenação do programa de vacinação em nível nacional ocorreu por intermédio de planos desenvolvidos pelo Ministério da Saúde. Inclusive, ordinariamente, é o próprio Ministro de Estado da Saúde, como é cediço, que, em rede nacional de comunicação, divulga à nação a realização das campanhas públicas de vacinação. Por conseguinte, havendo eventuais problemas, omissões ou lesões decorrentes da realização da campanha, deve a União responder. 2. Agravo desprovido. (TRF4 5020896-73.2013.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 10/10/2013) (sublinhei)

De fato, não pode a União ser excluída da demanda, uma vez que, conforme pontuado em elucidativo acórdão do TRF4:

"(...), agindo como coordenadora da campanha nacional de vacinação contra a gripe H1N1, não há como afastar a União por eventual falha na compra e distribuição das vacinas, bem como, na divulgação dos riscos da vacina, respondendo por danos decorrentes de sua aplicação" (TRF4, AG 5007042-46.2012.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 23/05/2012).

Vale salientar, de outro norte, o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito', de modo que somente sendo evidente a existência de causa que obste o processamento do feito é que este deverá ser extinto sem resolução do mérito.

Rejeito, portanto, a preliminar de ilegitimidade passiva.

d) Inversão do ônus da prova

Quanto à inversão do ônus da prova, tanto a prevista no art. 6º, VIII, do CDC, quanto aquela introduzida pelo art. 373, § 1º, do novo CPC, não se operam de modo automático, dependendo de circunstâncias específicas, notadamente relacionadas à hipossuficiência ou dificuldade na produção da prova por alguma das partes, inexistentes no presente caso.

Não obstante a hipossuficiência da parte autora em relação às rés Imunizar e Abbott, trata-se de demanda cuja prova se mostra complexa para ambas as partes, não havendo de se cogitar de desequilíbrio evidente de forças.

Por outro lado, como se verá a seguir, aquelas produzidas no caso concreto - documental, pericial e testemunhal - são suficientes para o julgamento da causa, não se revelando necessária ou pertinente a inversão do ônus da prova.

e) Nulidade da prova pericial

A parte autora arguiu a nulidade da prova pericial, cujo laudo foi apresentado no evento 37, argumentando que não foi intimada sobre o dia e o horário do exame. Intimado sobre referida alegação, o perito designou nova data, da qual as partes foram intimadas, ficando suprida, portanto, a alegada nulidade.

Por outro lado, a União arguiu nulidade no que diz respeito à segunda data, a qual, contudo, restou afastada, nos termos da decisão prolatada ao evento 65.

Não obstante a União tenha informado que se reserva a utilizar a faculdade processual de discutir a questão em preliminar de contestação, o fato é que essa encontra-se definida para fins de julgamento da presente demanda.

f) Mérito

f.1) Responsabilidade Civil

O dever de indenizar do Estado está previsto no art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que assim dispõe:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O dispositivo é comentado por YUSSEF SAHID CAHALI (Responsabilidade Civil do Estado, 2ª Edição, São Paulo: Malheiros, p. 485):

Tendo a Constituição da República de 1988 (a exemplo das anteriores) adotado a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas indicadas em seu art. 37, § 6º, a que bastaria o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do ente público ou privado prestador de serviço público, mostra-se, em princípio, despicienda qualquer averiguação do dolo ou da culpa por parte de seus agentes, por desnecessária a sua prova.

Contudo, nos casos em que os danos são causados por atos omissivos dos agentes estatais, ou seja, deficiência nos serviços, a jurisprudência das cortes superiores firmou-se no sentido de que a responsabilidade do Estado é de ordem subjetiva, restando necessária a demonstração da culpa da administração (doutrina do faute du service) mediante a não prestação ou prestação irregular/deficiente do serviço público. A propósito:

DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRECARIEDADE DA RODOVIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO DNIT. AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA RODOVIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. O pedido de indenização por danos materiais e morais sofridos em virtude de acidente na BR 153, do qual resultou a morte do filho dos apelantes, não pode ser analisado sob o prisma da responsabilidade objetiva do Estado, pois não imputada a prática de uma ação por parte dos entes estatais. 2. Tendo em vista a alegada omissão da União (DNIT) em promover a devida manutenção da rodovia, o feito deve ser julgado segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível a comprovação da culpa no evento danoso. 3. Os requisitos para a comprovação da responsabilidade subjetiva são: a) a omissão do Estado; b) a comprovação da culpa do ente estatal; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre a omissão e o dano ocorrido; e) a inexistência de causas excludentes da responsabilidade. (...) (TRF4, AC 2009.71.17.000046-8, QUARTA TURMA, D.E. 12/07/2010, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER).

Nesse casos, imprescindível a demonstração do fato, do dano, do nexo causal entre eles e da culpa da Administração. Registre-se que a responsabilidade pode ser afastada se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior, ou decorrer de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

Em relação a situações como a dos autos, em que o Estado é acionado para responder por eventual dano causado por vacinas aplicadas em campanhas de vacinação, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a responsabilidade do Estado é de ordem objetiva, ou seja, necessária apenas a demonstração do dano e nexo causal.

A propósito, transcrevo decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, cujo relator, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, citando o Procurador Regional da República Flávio Augusto de Andrade Strapason, assim se posicionou (TRF4, AC 5005436-02.2012.4.04.7204, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 30/10/2014):

ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VACINAÇÃO CONTRA O VÍRUS INFLUENZA H1N1. OMISSÃO NO DEVER DE INFORMAÇÃO. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. PRESENÇA DE SEQUELAS. NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA E DANO. PREVISIBILIDADE. NECESSIDADE DE TRATAMENTO ESPECÍFICO. NÃO RECEBIMENTO JUNTO AO SUS. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. INDENIZAÇÃO. [...]

c) Do dever de indenizar

Tem por fundamento a demanda a responsabilização do Estado pelo do mau funcionamento do serviço público, consubstanciado na inobservância dos cuidados necessários em campanha nacional de vacinação contra o vírus da gripe H1N1, instituída pela União, alegando a parte autora que sua atual debilidade motora tem relação direta com as reações adversas à vacinação, as quais não foram devidamente sopesadas e divulgadas pela União no decorrer da campanha.

Alguns apontamentos se fazem necessários, preliminarmente, acerca da responsabilidade objetiva do Estado, prevista no §6º do artigo 37 da Constituição da República, e sobre a sua imputação à administração com base na prova do nexo de causalidade entre o fato e o resultado, dispensada a existência de culpa (adoção da Teoria do Risco Administrativo, segundo a qual, para a caracterização da responsabilidade, basta a prova do dano, do fato lesivo e do nexo causal entre eles, não se exigindo prova de culpa da Administração).

Como qualquer outro sujeito de direitos, o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, resultando-lhe a obrigação de recompor os agravos patrimoniais ou morais advindos de sua ação/omissão.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello entende-se por

(...) responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

O primeiro elemento para caracterizar a responsabilidade civil da administração é a constatação de que um ato (ou omissão) humano é imputável ao Estado (ou à entidade privada prestadora de serviços públicos), podendo ser o ato lícito (no qual se caracteriza a responsabilidade extracontratual do Estado) ou ilícito.

O segundo elemento intrínseco da responsabilidade civil da administração é o nexo causal, ou seja, "para configurar (a responsabilização do Estado), basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano".

Assim, o prejuízo reclamado pelo administrado deve ser decorrência direta ou indireta da atividade ou omissão do poder público, tanto atividade lícita ou normal da Administração quanto ato ilícito ou anormal de seu agente, surgindo daí a obrigação de indenizar.

Conclui-se, desta forma, que basta que o lesado demonstre, em juízo, o nexo causal entre o fato lesivo referível ao Estado, e o dano, em seu montante, que a obrigação de indenizar surgirá objetivamente, devendo o particular fazer prova tão somente da existência do dano e do nexo de causalidade.

No presente caso, conforme já demonstrado alhures, o nexo causal entre a aplicação da vacina e o evento danoso restou evidenciado - o autor recebeu a dose da vacina contra o vírus influenza na rede pública de saúde e menos de um mês depois o foi diagnosticado com a Síndrome de Guillain-Barré.

[...]

No mesmo sentido, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE CONSUMO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO DE IDOSOS CONTRA VÍRUS INFLUENZA-GRIPE. REAÇÃO VACINAL. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o particular, ora recorrido, postulou a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, materiais e pensionamento mensal decorrentes do desenvolvimento da "Síndrome de Guillain-Barré" (SGB) após tomar dose de vacina contra o vírus influenza (gripe), atendendo à incitação publicitária da "Campanha Nacional de Vacinação de Idosos". 2. Uma das mais extraordinárias conquistas da medicina moderna e da saúde pública, as vacinas representam uma bênção para todos, mas causam, em alguns, reações adversas que podem incapacitar e até levar à morte. Ao mesmo Estado a que se impõe o dever de imunizar em massa compete igualmente amparar os poucos que venham a sofrer com efeitos colaterais. 3. Com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil ou no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, é objetiva a responsabilidade civil do Estado por acidente de consumo decorrente de vacinação, descabendo falar em caso fortuito ou imprevisibilidade de reações adversas. 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1388197/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 19/04/2017)

Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, no rol não taxativo do artigo 5°, estabeleceu o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem, nos seguintes termos:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Código Civil (Lei n. 10.406/02), a seu turno, assim dispôs a respeito da responsabilidade civil por ilícitos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Feitas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.

f.2) Do caso concreto

Sustenta a parte autora que em decorrência da vacinação contra o vírus influenza H1N1, realizada em 04/04/2014 (evento 1, OUT8), foi internado no hospital da Unimed em Chapecó, 30 dias após (evento 1, PRONT12 e seguintes), diagnosticado com a Síndrome de Guillain-Barré (SGB). Alega que tal fato ocasionou danos morais e materiais, os quais devem ser indenizados pelos réus.

Analisando o conjunto probatório, não restam dúvidas de que o autor desenvolveu a SGB.

Inicialmente, cumpre referir que o Ministério da Saúde - Secretaria de Atenção à Saúde, por meio da Portaria nº 497, de 22/12/2009, estabeleceu o "Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Síndrome de Guillain-Barré", do qual se extraem diversas informações a respeito, entre as quais destaco:

[...] 2.INTRODUÇÃO

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a maior causa de paralisia flácida generalizada no mundo, com incidência anual de 1 a 4 por 100.000 habitantes, e pico entre 20 e 40 anos de idade. Não existem dados epidemiológicos específicos para o Brasil. Trata-se de uma doença de caráter autoimune que acomete primordialmente a mielina da porção proximal dos nervos periféricos de forma aguda/subaguda.

Aproximadamente 60% a 70% dos pacientes com SGB apresenta alguma doença aguda precedente (1 a 3 semanas antes), sendo a infecção por Campilobacter jejuni a mais freqüente (32%), seguida por citomegalovirus (13%), virus Epstein Barr (10%) e outras infecções virais, tais como hepatite por vírus tipo A, B e C, influenza e HIV. Outros fatores precipitantes de menor importância são cirurgia, imunização e gravidez.

A maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença através de sensação de parestesias nas extremidades distais dos membros inferiores e, em seguida, superiores. Dor neuropática lombar ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% dos casos. Fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível ao paciente, ocorrendo geralmente nesta ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço. A intensidade pode variar desde fraqueza leve, que sequer motiva a busca por atendimento médico em nível primário, até a ocorrência de tetraplegia completa com necessidade de ventilação mecânica (VM) por paralisia de musculatura respiratória acessória. Fraqueza facial ocorre na metade dos pacientes ao longo do curso da doença. Entre 5% e 15% dos pacientes desenvolvem oftalmoparesia e ptose. A função esfincteriana é, na maioria das vezes, preservada, enquanto a perda dos reflexos miotáticos pode preceder os sintomas sensitivos até mesmo em músculos pouco afetados. Instabilidade autonômica é um achado comum, causando eventualmente arritmias importantes, mas que raramente persistem após duas semanas.

A doença usualmente progride por 2 a 4 semanas. Pelo menos 50% a 75% dos pacientes atingem seu nadir na segunda semana, 80% a 92% até a terceira semana e 90% a 94% até a quarta. Insuficiência respiratória com necessidade de VM ocorre em até 30% dos pacientes nesta fase. Progressão de sinais e sintomas por mais de 8 semanas exclui o diagnóstico de SGB, sugerindo então uma polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC). Passando a fase da progressão, a doença entra num platô por vários dias ou semanas com subseqüente recuperação gradual da função motora ao longo de vários meses. Entretanto, apenas 15% dos pacientes ficarão sem nenhum déficit residual após 2 anos do início da doença e 5% a 10% permanecerão com sintomas motores ou sensitivos incapacitantes. A mortalidade nos pacientes com SGB é de aproximadamente 5% a 7%, geralmente resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritmias cardíacas e sepse hospitalar.

Os fatores de risco para um mau prognóstico funcional são idade acima dos 50 anos, diarréia precedente, início abrupto de fraqueza grave (menos de 7 dias), necessidade de ventilação mecânica e amplitude do potencial da neurocondução motora menor do que 20% do limite normal. O prognóstico motor é melhor nas crianças, pois necessitam menos de suporte ventilatório e recuperam-se com maior rapidez. Recorrência do episódio pode ocorrer em até 3% dos casos, não havendo relação com a forma de tratamento utilizada na fase aguda, conforme se acreditava.

3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)

- G61.0 Síndrome de Guillain-Barré

4. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da SGB é primariamente clínico. No entanto, exames complementares são necessários para confirmar a impressão clínica e excluir outras causas de paraparesia flácida.

4.1. DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Os pacientes com SGB devem obrigatoriamente apresentar graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar 8 semanas e com recuperação 2-4 semanas após fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados pouco freqüentes, devendo levantar suspeita de uma etiologia alternativa, de causa provavelmente infecciosa.

4.2. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

4.2.1. Análise do líquido cefalorraquidiano: elevação da proteinorraquia acompanhada por poucas células mononucleares é o achado laboratorial característico, evidente em até 80% dos pacientes após a segunda semana. Entretanto, na primeira semana, a proteinorraquia pode ser normal em até 1/3 dos pacientes. Caso o número de linfócitos no líquido cefalorraquidiano exceda 10 células/mm3, deve-se suspeitar de outras causas de polineuropatia, tais como sarcoidose, doença de Lyme ou infecção pelo vírus HIV.

4.2.2. Diagnóstico eletrofisiológico: A SGB é um processo dinâmico com taxa de progressão variável. O ideal seria examinar o paciente após a primeira semana do início dos sintomas, quando as alterações eletrofisiológicas são mais evidentes e melhor estabelecidas. É importante salientar que a ausência de achados eletrofisiológicos dentro deste período não exclui a hipótese de SGB. No entanto, a exploração eletrofisiológica faz-se necessária para a exclusão de outras doenças neuromusculares causadoras de paraparesia flácida aguda.

Neurocondução motora: os marcos eletrofisiológicos de desmielinização incluem latências distais prolongadas, lentificação de velocidades de condução, dispersão temporal, bloqueio de condução e latências da onda-F prolongadas, todos estes parâmetros geralmente simétricos e multifocais. Existem controvérsias a respeito da precocidade dos achados eletrofisiológicos. Algumas autoridades sugerem que o bloqueio de condução seja a alteração mais precoce, enquanto outros autores relatam que as latências motoras distais prolongadas e o prolongamento ou ausência da onda-F e onda-H são os achados mais precoces.

Neurocondução sensitiva: entre 40% e 60% dos pacientes demonstrará anormalidades tanto na velocidade de condução quanto na amplitude (mais freqüente) de vários potenciais de neurocondução sensitiva; tais achados podem estar ausentes durante as primeiras semanas da doença. Pode levar até 4 a 6 semanas para que alterações destes potenciais sejam facilmente detectadas. [...]

No caso concreto, entre outros elementos que conduzem à conclusão inequívoca de que o autor desenvolveu a SGB, destaca-se a prova pericial, que foi enfática no ponto (eventos 37 e 73, LAUDO1, quesitos do Juízo e da Advocacia Geral da União):

a) A parte autora desenvolveu a Síndrome de Guillain-Barré?

Resposta: Sim

(1) Qual a patologia comprovadamente apresentada pelo autor? Qual a CID respectiva? A patologia representa risco para a sua vida ou saúde? Em que medida?

Resposta: Síndrome de Guilain Barre. CID-G61-0. Sim representa risco em virtude da completa falta de movimentos motores que determina, limitando muitas vezes inclusive a capacidade respiratória.

Com efeito, os sinais, os sintomas e a evolução do quadro observados no autor - fraqueza nas pernas que rapidamente evoluiu para a total perda de movimento dos membros inferiores e falência respiratória (evento 37, LAUDO1, quesito 1 da ABOOTT), entre outros, - são característicos da SGB.

Embora a defesa alegue que determinados exames, como a eletroneuromiografia e de líquido cefalorraquidiano, fossem necessários para definir o diagnóstico, o autor justificou a impossibilidade da realização de todos eles, sobretudo pelo seu estado de saúde que não permitia o deslocamento para fora do hospital, onde ao menos a eletroneuromiografia deveria ser realizada. Tal fato foi esclarecido nos autos pelo depoimento da médica Carolina Cipriani Ponzi que acompanhou o autor durante a internação (eventos 166, VÍDEO1 e 167, VÍDEO1).

Por outro lado, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Síndrome de Guillain-Barré, estabelecido pela Portaria nº 497, de 22/12/2009, informa, que não obstante a possibilidade de diagnóstico laboratorial, este não é inequívoco para confirmar a SGB, cujo diagnóstico é primariamente clínico. Ainda no que tange ao diagnóstico laboratorial, especificamente a análise do líquido cefalorraquidiano, cumpre destacar que de acordo com o Protocolo "a elevação da proteinorraquia acompanhada por poucas células mononucleares é o achado laboratorial característico, evidente em até 80% dos pacientes após a segunda semana. Entretanto, na primeira semana, a proteinorraquia pode ser normal em até 1/3 dos pacientes". Tal informação indica que mesmo que o exame fosse realizado, não haveria certeza quanto ao diagnóstico, já que não há alterações em todos os casos.

Nesse contexto, na situação ora em análise, diante das características do quadro do autor, indicada nos autos pela prova documental e testemunhal, corroborada pela constatação da perícia, não há dúvidas sobre o diagnóstico de SGB.

Para elucidação, transcrevo quesito no qual o perito informa não ter havido dificuldade no diagnóstico da Síndrome de Guillain-Barré (evento 37, LAUDO1, p. 5):

4 - Queira também informar se, ainda que tais exames fossem realizados, seria possível estabelecer, com grau de certeza de 100%, que os sinais e sintomas apresentados pelo autor seriam, de fato, da SGB. Ou poderiam estar associados a outras síndromes neurológicas, inespecíficas ou mal esclarecidas, visto que um grande número de doenças neurológicas tem a sua confirmação diagnóstica, e/ou diagnóstico diferencial com encefalites e neurites, bastante prejudicada pela similaridade de sinais e sintomas.

Resposta : Não houve dificuldade no diagnóstico de Síndrome de guillan Barre,mas sim há dificuldade em determinar a sua causa.

Comprovada a SGB, resta verificar a existência de relação com a aplicação da vacina contra o vírus influenza H1N1.

Analisando o conjunto probatório, conclui-se que no estágio da medicina atual, com os estudos ora existentes, não há possibilidade de afirmar, sem qualquer margem de dúvida, que a SGB decorreu da vacina, tampouco é possível descartar referida possibilidade.

Conforme se extrai dos elementos constantes dos autos, não há pleno conhecimento sobre todas as possíveis causas que podem desencadear a SGB, tanto que, como bem exposto pela União em contestação, "não é por outra razão que a “Guillain Barré” é denominada de síndrome e não de doença. Síndrome, na linguagem técnica, é uma condição médica caracterizada por uma coleção de sintomas e de sinais e em relação à qual não se sabe qual agente específico da doença está envolvido" (evento 14, CONT1, p. 17).

Diante das limitações atualmente existentes e da dificuldade quanto à identificação da causa da SGB, necessário avaliar, no caso concreto, qual a sua causa mais provável e se a responsabilidade por eventual reparação dos danos decorrentes pode ser imputada à alguém.

Pelas razões antes expostas - conhecimento limitado sobre a SGB -, a prova pericial também não foi conclusiva quanto à relação entre a SGB e a vacinação. Em resposta a quesito formulado pelo Juízo, informou o perito (evento 73, LAUDO1):

b) A doença foi causada em face da utilização pelo autor da vacina contra o vírus influenza H1NI, na data de 04/04/2014?

Resposta: Não é possível afirmar nem que sim e nem que não.

Por outro lado, perguntado sobre a possível relação entre a Síndrome de Guillain-Barré com a utilização da vacina contra o vírus influenza H1N1, o perito foi contraditório nas respostas. No laudo anexado ao evento 37 respondeu (quesito c do Juízo):

c) Há alguma relação entre a doença "Síndrome de Guillain-Barré" com a utilização da vacina contra o vírus influenza H1N1?

Resposta: Sim. Há relatos de casos de síndrome de Guillain–Barre desencadeados pela vacina.

Já no laudo anexado ao evento 73 informou:

c) Há alguma relação entre a doença "Síndrome de Guillain Barré" com a utilização da vacina contra o vírus influenza H1N1?

Resposta: Não.

- A cada um milhão de doses de vacina, existe o risco do aparecimento de um caso de SGB, e apesar da plausibilidade biológica, nenhum estudo ainda pode explicar completamente o mecanismo. Não significa que a vacina foi a causa, mas sim que no grupo de vacinados a companhados houve a detecção de SGB,que pode ter sido por outras causas.

- A cada 100 mil pessoas que pegam Influenza, uma desenvolve SGB (10 vezes maior risco). Há vários estudos que comprovam essa causalidade, inclusive com mecanismo biológico explicado.

Há evidências da síndrome de Guillain-Barré em muitas pessoas que tomaram a vacina nos outros países do mundo?

Não existe esta evidência nos países que já realizaram vacinação ou estão vacinando contra a influenza pandêmica. A síndrome de Guillain Barré é um quadro neurológico que tem etiologias diversas. Alguns países tem notificado a ocorrência de casos dessa síndrome à O MS após a vacinação, entretanto, até o momento não foram relatados casos em que tenha sido estabelecida uma associação de causa e efeito entre o uso da vacina e a sua ocorrência.

[...]

Conclusão

De posse desses dados conflitantes, até o presente momento não há relação causal estabelecida entre a vacina da gripe e ocorrência da síndrome de Gillian-Barré, exceto para as vacinas administradas na década de 70. Ainda que estudos posteriores confirmem essa relação, o risco parece ser muito pequeno, e a morbimortalidade pela gripe e suas complicações em grupos de risco (gestantes, idosos, pacientes com doenças crônicas) justifica o uso abrangente desta vacina.

Não obstante a afirmação de que o risco relacionado à SGB decorrente da vacinação seja muito pequeno, afirma o perito que há estudos que confirmam a relação, o que se coaduna com outros elementos constantes dos autos, inclusive a bula da vacina, que indica essa possibilidade (evento 15, OUT7):

Reações adversas relatadas pela Farmacovigilância após comercialização: [...]

Distúrbios do Sistema Nervoso: neuralgia (dor no trajeto de algum nervo), parestesia (sensação de dormência), convulsões febris, alterações neurológicas, tais como: encefalomielites, neurites e síndrome de Guillain Barré (que podem resultar em pescoço enrijecido, dor de cabeça, alterações da consciência como sonolência, desorientação e até coma, convulsões, fraqueza muscular e até paralisia muscular).

Transcrevo outros trechos da perícia que indicam a possível relação de causalidade entre a aplicação da vacina e o desenvolvimento da Síndrome de Guillain-Barré (evento 37):

10 – Queira o Sr. Perito informar se todo e qualquer medicamento pode causar reações adversas. No caso da vacina Influenza queira ainda mencionar se dentre tais reações está a possibilidade, mesmo que diminuta, do desenvolvimento da SGB.

Resposta:sim e há relatos da vacina da influenza como causa de SGB.inclusive mencionada na bula do fabricante. [...]

15 – Queira ainda informar se na bula da vacina Influenza consta, de forma clara, objetiva e suficiente, a possibilidade de ocorrência, mesmo que em escala desprezível, de síndromes neurológicos, inclusive da SGB? Em caso afirmativo, roga-se ao perito transcrever nesta peça pericial os termos desta citação.

Resposta: Sim. [...]

16 – Queira o Sr. Perito informar, compulsando a literatura médico científica hodierna, se há relatos de casos de SGB em populações vacinadas contra o vírus Influenza?

Resposta: sim.

17 – Em caso afirmativo, queira o Sr. Perito informar qual foi a incidência documentada de SGB após a realização de programas de vacinação (vacina Influenza), informando se esta incidência pode ser considerada extremamente baixa, vis-à-vis os potenciais benefícios do referido programa preventivo-profilático.

Resposta: 1 caso para 1 milhão de vacina dos. Extremamente baixa a incidência.

[...]

(5) Pode-se afirmar que o evento pós-imunização (Síndrome de Guillan-Barré) pode não ter relação causal com a vacina contra a vírus influenza (H1N1)? Justifique.

Resposta – Também não.embora rara tal relação também existe,mas não existe nenhum método com 100% de eficácia que comprove.

A Nota Técnica n. 002/2016, elaborada pela Vigilância Sanitária para subsidiar a contestação da União, também evidencia a relação entre a vacina e a SGB (evento 14, INF4, p. 4):

15. [...] Algumas vacinas têm sido temporalmente associadas com a SGB. [...] Entre as vacinas com evidências de causalidade se encontram: vacinas Influenza [...]

As testemunhas arroladas pela União e pela ré Abbott, do mesmo modo, confirmam a possível relação da vacina com a SGB.

Heber Dias Azevedo, testemunha da ré Abbott, médico infectologista, informou que é gerente médico do laboratório Abbott, na qual trabalha há aproximadamente 3 anos. Referiu que nesse período, além do caso do autor, há mais de suspeita de desenvolvimento da SGB em decorrência da vacina contra o vírus influenza H1N1. Referiu que a bula do medicamento está dentro dos padrões da Anvisa e traz a informação sobre a possibilidade de SGB. Referiu que durante a fase de pesquisa, é possível identificar algumas reações adversas, e outras reações podem ir surgindo no decorrer do tempo, que são incorporadas à bula do medicamento. Afirmou que a vacina é segura, atende a todos os critérios de qualidade e, periodicamente - anualmente -, são feitas avaliações para identificar se a vacina atende a todos os requisitos necessários para ser colocada no mercado. A reação adversa pode ocorrer mesmo o produto estando perfeito, não há como saber ou evitar. Afirmou que não há como saber antecipadamente se uma pessoa vai desenvolver a SGB, seja em decorrência da aplicação da vacina ou de outras causas. Afirmou que o diagnóstico de Guillain-Barré é basicamente clínico e exames que podem ser feitos são o líquor e eletroneuromiografia, os quais, todavia, não dão o diagnóstico da causa. Mas o diagnóstico é basicamente clínico. Asseverou que a bula é atualizada constantemente, com informações do mundo todo, e se consta algum efeito adverso da bula é porque este foi constatado (evento 168, VÍDEO2).

Sandra Maria Deotti Carvalho, testemunha da União, médica responsável pelo monitoramento de eventos adversos no Programa Nacional de Imunização, informou que a campanha da influenza existe há 19 anos (em 2017 é a 19ª), é orientada pela Organização Mundial de Saúde, e visa evitar complicações causadas pelo vírus influenza. As campanhas têm um público alvo, que são crianças, idosos, gestantes, mas o correto seria vacinar a população toda, porém o Ministério da Saúde não consegue vacinar todos e por isso orienta entidades, como a OAB, para que vacinem seus membros. Referiu que o Ministérios da Saúde sugere a vacina, mas que não é obrigatória. Afirmou que o informe técnico da campanha nacional de vacinação contra a influenza contém advertências e informações sobre os efeitos adversos da vacina, o qual é atualizado anualmente e é disponibilizado até nos locais de vacina. Afirmou que não existe ainda uma evidência científica de comprar 100% que aquela pessoa apresentou um evento neurológico dentro da vacinação, que vários estudos estão sendo feitos em relação à SGB e que o risco da influenza é muito maior do que a possibilidade de SGB. Afirmou que no Manual de Eventos Adversos Pós Vacinação 2014, há a informação de que uma das reações adversas da vacina pode ser a SGB. Referiu que essa associação é temporal (até 6 semanas; 45 dias) e que, descartadas outras causas, existindo uma associação temporal, supõe-se/sugere-se uma provável associação com a vacina e o evento neurológico apresentado. Ressaltou, porém, que não há como afirmar 100%, pelos estudos no mundo, no momento, que a vacina seja causadora da SGB. Perguntada sobre o autor pode realizar a vacina novamente, esta informou que não deve. Informou que acredita que como a vacina do autor foi realizada no sistema privado, somente a ANVISA foi informada sobre a reação adversa e como os sistemas não são integrados, a informação não chegou ao MS. Há notificações de casos de SGB em decorrência da vacina, em face da associação temporal (evento 189).

É possível, portando, que a vacinação possa ter desencadeado a SGB, devendo-se prosseguir com a análise sobre sua ocorrência no caso concreto.

As provas constantes dos autos indicam que o autor tomou a vacina em 04/04/2014. Em 04/05/2014, 30 dias após a imunização, o autor foi internado apresentando sintomas que posteriormente foram confirmados como sendo decorrentes da SGB. Este prazo, de 30 dias, está dentro do informado pela perícia como sendo de possível associação da SGB com a aplicação da vacina (evento 37, LAUDO1, p. 12):

2. Havendo relação entre a Síndrome de Guillain Barré com a utilização da vacina contra o vírus influenza, quantos dias após a imunização, em média, costuma ocorrer a Síndrome de Guillain Barré secundaria à imunização?

Resposta: até seis semanas.

A testemunha arrolada pela União, Sandra Maria Deotti Carvalho, médica responsável pelo monitoramento de eventos adversos no Programa Nacional de Imunização, também informou que para que a SGB possa ser associada à vacina, ela deve se manifestar até 6 semanas ou 45 dias após a imunização (evento 189).

Nesse contexto, no caso concreto, a relação entre a vacinação e a SGB está presente sobretudo diante do fato de esta ter se manifestado dentro do lapso temporal de 6 semanas/45 dias, após sua aplicação.

Por outro lado, não há nos autos comprovação de outras causas comumente relacionadas ao desenvolvimento da SGB. Não há prova de que o autor teve alguma doença aguda precedente ou outras infecções tidas como causadoras da SGB.

Embora o perito tenha informado a possibilidade de que uma infecção por herpes simples pudesse ter desencadeado a síndrome (evento 37, LAUDO1), é relevante a informação trazida aos autos pela médica infectologista, Carolina Cipriani Ponzi, que acompanhou o autor no período de internação, no sentido de que referida infecção surgiu dias após a manifestação da SGB, durante o período em que o autor já estava internado, possivelmente em decorrência da queda na sua imunidade em razão da síndrome, e não o contrário (eventos 166, VÍDEO1 e 167, VÍDEO1). Ou seja, não há provas de que a infecção por herpes tenha causado a Síndrome de Guillain-Barré, sendo mais plausível a possibilidade contrária, de que em razão da queda na imunidade em face da síndrome o autor desenvolveu a herpes.

Os relatórios médicos apresentados pelo autor na inicial indicam que foram realizados diversos exames que descartaram as causas mais prováveis da SGB, o que indica sua relação com a imunização.

Extrai-se do relatório médico anexado ao evento 1, OUT52, subscrito pela médica Carolina Cipriani Ponzi, que acompanhou o autor durante o período de internação:

O paciente RODRIGO ERNANI MESA CASA foi atendido por mim ho Hospital Unimed Chapecó entre 04 de maio e 10 de julho de 2014.

Apresentava quadro de paralisia flácida ascendente com início entre vinte quatro horas antes da internação, aproximadamente quarenta dias depois de ter recebido imunização contra a influenza, com diagnóstico clínico de Síndrome de Guillain-Barré.

Mesmo tendo recebido terapia com plasmaferese entre 04 e 14 de maio, evoluiu com perda progressiva de força em membros inferiores, membros superiores e cintura escaputar, culminando com insuficiência ventilatória aguda e necessidade de ventilação mecânica em 13 de maio de 2014. Foi submetido à traqueostomia em 20 de maio de 2014.

Paciente apresentou dois episódios de infecção respiratória associada à ventilação mecânica, e também evoluiu com paralisia facial periférica à esquerda.

As sorologias para Epstein-Barr, Citomegalovírus, Hepatite A, Hepatite B, Hepatite C, HIV e HTLV I e II resultaram negativas para doença aguda. A pesquisa de Campylobacter jejunii também foi negativa, definindo-se a Síndrome de Guillain-Barré foi secundária à imunização para Influenza (nexo causal e ausência de outros fatores infecciosos desencadeantes).

Recebeu alta hospitalar no dia 10 de julho de 2014 sem capacidade de deambulação, com sonda naso-enteral para alimentação, traqueostomia e necessidade de uso de cadeira de rodas para locomoção.

[...]

O relatório médico do neurocirurgião Marcelo L. V. da Cunha é no mesmo sentido (evento 1, OUT53):

Realizei atendimento em caráter emergencial Rodrigo Ernani Mesa Casa no dia 04/05/14 após quadro de perda de movimentos em membros inferiores. Paciente sem relato de quadro diarreico ou de infecção de vias aéreas altas nos últimos 30 dias. Dado epidemiológico de realização de vacina para gripe no mesmo período supracitado.

Durante internamento hospitalar realizou-se coleta liquórica a qual se apresentou dentro dos padrões normais. Ao exame físico apresentava força motora em membros inferiores de grau III/V de forma simétrica e sem queixas álgicas ao exame inicial. Após hipótese diagnóstica de síndrome de Guillain-Barre foi submetido a tratamento com imunoglobulina e plasmaferese (06, 07, 08, 10, 12, 14/05/14). Apesar da terapia otimizada apresentou progressão do processo inflamatório com perda assimétrica de força de caráter ascendente culminando com necessidade de internamento em UTI devido a falência respiratória ocasionada pela fraqueza muscular. Coprocultura para Campilobacter negativa.

Paciente recebeu alta mais de 60 dias após sua admissão, com total dependência de terceiros para atividades do cotidiano e higiene pessoal. Ao exame neurológico de alta hospitalar apresentava força motora de membros inferiores diminuída (I/V), reflexos profundos de membros inferiores ausentes, incontinência esfincteriana, alimentação enteral, bem como traqueostoma.

Hoje, cerca de um ano após o ictus neurológico, ainda apresenta limitações de locomoção - depende de andador - ainda sem retorno de reflexos profundos de membros inferiores (2+/4+) apesar de terapia de reabilitação intensa com fisioterapia/hidroterapia.

Ao considerarmos a exclusão dos principais fatores de risco para a referida patologia e tendo como único dado relevante a realização de vacina gripal - a qual acarreta risco de ocorrência da síndrome em questão conforme consta em sua bula - é provável a relação causal entre as duas situações.

Também não há provas de que o autor tenha entrado em contato com o Zika vírus, que "só foi identificado no nosso país em abril de 2015" - evento 15, OUT9. Não há evidências, portanto, de que esta seria a causa, tampouco seria exigível a realização de exames visando descartar referida possibilidade na época dos fatos, ocorridos no primeiro semestre de 2014.

Também não há nenhuma evidência que indique que alguma predisposição genética possa desencadear a SGB, tampouco que este seria o caso do autor.

Ou seja, nenhuma das causas possivelmente relacionadas com a SGB - a exceção da vacinação -, foram encontradas no caso concreto.

A propósito, o depoimento da médica Carolina Cipriani Ponzi, testemunha arrolada pela parte autora, foi esclarecedor. Afirmou em seu depoimento que trabalha no Hospital da Unimed como médica infectologista e foi chamada para atender Rodrigo quando da internação pela suspeita, depois confirmada, de SGB. Referiu que o diagnóstico é feito inicialmente com bases clínicas (história, evolução e exame físico). Afirmou que o curso da SGB é muito característico e o quadro do autor foi muito claro. Referiu que se busca a causa porque algumas são passíveis de tratamento, mas que no caso do autor, as causas foram excluídas e o fator predisponente que ele tinha era ter sido imunizado aproximadamente 30 dias antes do quadro se instalar. Referiu que foram feitos exames que descartaram outros diagnósticos infecciosos. O autor foi perdendo progressivamente ao longo das horas os movimentos das pernas, da pelve, e quando isso foi identificado, ele foi encaminhado imediatamente para a terapia intensiva, porque havia o risco de rapidamente parar de respirar e morrer de insuficiência ventilatória. No caso dele, foi feita a intubação traqueal, solicitaram a realização de traqueostomia, porque o período de ventilação mecânica é longo. Referiu que no período de UTI o autor estava gravemente doente, restrito ao leito, 100% dependente, com ventilação mecânica de modo controlado. Asseverou que o autor estava lúcido, mas não tinha função motora nenhuma, com grau de dependência total. Afirmou ser possível que o autor desenvolveu SGB em decorrência da imunização. O exame eletroneuromiografia é um exame que poderia ter sido realizado para confirmar o diagnóstico de SGB, porém não havia possibilidade de realizar o exame dentro do hospital e ele não podia ser retirado do hospital para fazê-lo. A herpes labial manifestada pelo autor 9 dias após a internação provavelmente decorreu do quadro de estresse ocasionado pela SGB, mas não foi sua causa. Não existia lesão de pele no autor quando ele internou. Em 2014 não havia surto de vírus Zika que, se acredita, tenha entrado no Brasil na época da Copa. Relatou ter observado ansiedade, depressão, insônia, no autor. Afirmou que aparentemente há nexo causal entre a imunização e a SGB; o diagnóstico foi de exclusão. Informou que a SGB é uma reação adversa da vacina; não há um fator biológico ou predisposição para o seu desenvolvimento (eventos 166, VÍDEO1 e 167, VÍDEO1).

Nesse contexto, considerando que a única suspeita mencionada pelo perito como uma possível causa da SGB - infecção por herpes - não pode ser considerada como causa no caso concreto, por ter se manifestado somente dias após a internação, conclui-se que a única causa possível conhecida que possa ter desencadeado a SGB no autor foi a vacina.

Não se ignora que muitos eventos adversos pós-vacinação podem ocorrer coincidentemente com a vacinação, porém, no caso concreto, conforme analisando, é extremamente provável que a SGB não tenha ocorrido por casualidade, sobretudo em razão do lapso temporal entre a administração da vacina e o início do desenvolvimento da síndrome, e da inexistência de outras possíveis causas que pudessem ter desencadeado a síndrome.

Conforme revelou o conjunto probatório, a bula da vacina é constantemente atualizada, pois eventos adversos podem surgir após a sua aplicação, justificando um processo de vigilância contínua, e se a SGB ainda consta com uma das possíveis reações adversas da vacina, é porque o estágio atual dos estudos os relaciona, sendo a única hipótese conhecida no caso concreto.

Quanto à controvérsia em relação à notificação do evento adverso pós-vacinação, cumpre referir que o documento anexado ao evento 158, NOT4, indica que houve notificação do caso do autor ao órgão competente. O fato de o Ministério da Saúde não ter recebido referida notificação, provavelmente por ter sido notificada à Anvisa, cujo sistema não é interligado com o do Ministério da Saúde, conforme relatado pela testemunha da União, Sandra Maria Deotti Carvalho (evento 189), é uma falha que além não poder ser atribuída ao autor, também não pode lhe prejudicar. Por outro lado, não é possível afirmar que suposta ausência de notificação tenha prejudicado a defesa das rés, pois como não há exame que permita conferir um grau de certeza quanto à relação entre a vacina e a SGB, não há como afirmar que outras provas, além das trazidas nos autos, pudessem ter sido realizadas.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a SGB desenvolvida pelo autor decorre da vacina contra a gripe realizada.

f.3) Responsabilidade da UNIÃO

Como anteriormente analisado, a responsabilidade da União no caso concreto é objetiva, ou seja, o dever de reparação existe se for comprovado o dano e o nexo causal, não sendo necessária a prova da culta/dolo.

Nesse aspecto, cumpre referir, inicialmente, que o fato de o autor não ter tomado a vacina na rede pública não exclui a responsabilidade da União no caso concreto. Isso porque a Campanha Nacional de Vacinação contra a influenza, no ano de 2014, foi dirigida a todos os cidadãos brasileiros, embora apenas parte tenha sido beneficiada com a concessão gratuita da vacina pelo Estado. Conforme informado pela testemunha arrolada pela União, Sandra Maria Deotti Carvalho, médica responsável pelo monitoramento de eventos adversos no Programa Nacional de Imunização, as campanhas têm um público alvo, que são crianças de seis meses até cinco anos de idade, idosos acima de 60 anos, gestantes, entre outros, mas o correto seria vacinar a população toda, porém como o Ministério da Saúde não consegue atender toda a demanda, orienta entidades, como a OAB, para que vacinem seus membros (evento 189).

Nesse contexto, como promovedora da Campanha de Vacinação contra o vírus influenza, que destaca os benefícios advindos da vacinação do maior número possível de pessoas, não pode a União se furtar de, sendo o caso, responder por danos decorrentes da vacinação realizada fora do âmbito público.

No caso concreto, sustenta o autor que a União, ao promover a campanha de vacinação, deveria ter informado não só sobre os benefícios, mas também sobre os efeitos adversos que a aplicação da vacina eventualmente poderia trazer, especificamente a Síndrome de Guillain-Barré.

Analisando o conjunto probatório, observa-se que, de fato, a União deveria ser mais clara quantos aos possíveis efeitos colaterais advindos da vacina. Em contestação a União sustenta que a discussão sobre eventuais contraindicações da vacina não deve ocorrer por meio de campanhas publicitárias, pois a menção a complicações, embora remotas, acarretaria um efeito contrário, comprometendo o objetivo de alcançar o maior número de pessoas, e causando um sério problema de saúde pública, colocando em risco toda a sociedade. Ressalta, porém, que as informações completas estariam disponíveis em outros meios, como no seu portal e por meio de informativos.

Porém, observa-se que mesmo as informações constantes das páginas eletrônicas da União não são claras a respeito, especificamente, da possibilidade de SGB, a exemplo do documento anexado ao evento 1, OUT7, extraído do Portal da Saúde, no qual não há menção ao risco de desencadeamento da referida síndrome em decorrência da vacina. As reações adversas estão assim descritas:

REAÇÕES ADVERSAS - Após a aplicação da vacina, podem ocorrer, de forma rara, dor no local da injeção, eritema e induração. São manifestações consideradas benignas, cujos efeitos passam, na maioria das vezes, em 48 horas. A vacina é contraindicada para pessoas com história de reação anafilática prévia em doses anteriores ou para pessoas que tenham alergia grave relacionada a ovo de galinha e seus derivados.

Menciona a União, ainda, que distribui folhetos informativos, os quais atendem o dever de informação, porém, não há comprovação de que tais informativos estivessem colocados de forma visível nos locais de vacinação, por exemplo.

Referiu a União, outrossim, que a triagem de quem está apto a receber a vacina deve ser feita pelos profissionais da saúde, no momento da aplicação, porém também neste aspecto houve falha no dever de informação. Conforme depoimento prestado pela técnica de enfermagem, Dorotilde Bernardes - testemunha da ré Imunizar, e que trabalhou na Campanha de Vacinação contra o vírus influenza em 2014 aplicando vacinas (evento 167, VÍDEO2) - esta não tinha conhecimento de que a vacina contra a gripe podia causar um evento adverso tão grave como a SGB. Tal fato revela que sequer quem trabalha diretamente com a aplicação da vacina tem pleno conhecimento das informações sobre todas as possíveis reações adversas, e conduz à conclusão de que não se poderia exigir que o autor, que não é da era da saúde, tivesse conhecimento da possível reação adversa.

As informações sobre as possíveis reações adversas deveriam ser prestadas de forma clara e estar disponíveis em todos os meios de comunicação, ainda que de forma sucinta, e não exigir do interessado uma busca aprofundada para obtenção da informação correta.

Notória, portanto, a falha da União quanto ao dever de informar, pois os elementos constantes dos autos indicam que, neste aspecto, a atuação do Estado foi inferior ao que era dela esperado.

Por outro lado, ainda que as informações a respeito das reações adversas fossem suficientes, o Estado não se eximiria de responder por eventual dano decorrente da vacinação. Isso porque, a partir do momento em que a União incentiva a população, por meio da campanhas, a realizar a imunização para o controle de doenças, visando evitar epidemias, assume também a responsabilidade por eventuais danos decorrentes de tal ato.

Conforme se extrai de julgado do TRF da 4ª Região, "Embora a vacinação se imponha como medida de saúde pública para promover o bem da coletividade, erradicando doenças graves e que causam a mortalidade infantil, o Estado-Administração não pode se furtar a oferecer amparo àqueles que, por exceção, vieram a desenvolver efeitos colaterais da vacina ministrada. Aliás, especialmente porque a vacinação representa tão grande benefício à coletividade (não-acometimento por doenças sérias e fatais, bem como redução de despesas médias e hospitalares decorrentes da erradicação de doenças), justificando completamente a adoção desse tipo de plano de saúde pública de imunização, é que o Estado deve àqueles que, excepcionalmente, desenvolveram reações adversas graves à vacina, todo o apoio possível para atenuar-lhes o sofrimento". (TRF4 5003539-06.2012.4.04.7117, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 18/05/2017)

Não há, dúvidas, portanto, a respeito da responsabilidade da União. A propósito, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª :

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE CONSUMO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO DE IDOSOS CONTRA VÍRUS INFLUENZA-GRIPE. REAÇÃO VACINAL. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o particular, ora recorrido, postulou a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, materiais e pensionamento mensal decorrentes do desenvolvimento da "Síndrome de Guillain-Barré" (SGB) após tomar dose de vacina contra o vírus influenza (gripe), atendendo à incitação publicitária da "Campanha Nacional de Vacinação de Idosos". 2. Uma das mais extraordinárias conquistas da medicina moderna e da saúde pública, as vacinas representam uma bênção para todos, mas causam, em alguns, reações adversas que podem incapacitar e até levar à morte. Ao mesmo Estado a que se impõe o dever de imunizar em massa compete igualmente amparar os poucos que venham a sofrer com efeitos colaterais. 3. Com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil ou no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, é objetiva a responsabilidade civil do Estado por acidente de consumo decorrente de vacinação, descabendo falar em caso fortuito ou imprevisibilidade de reações adversas. 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1388197/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 19/04/2017)

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLÍTICA DE SAÚDE DE IMUNIZAÇÃO. REAÇÃO ADVERSA À VACINA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INDENIZAÇÃO. PENSIONAMENTO MENSAL VITALÍCIO. TERMO INICIAL. 1. Embora a vacinação se imponha como medida de saúde pública para promover o bem da coletividade, erradicando doenças graves e que causam a mortalidade infantil, o Estado-Administração não pode se furtar a oferecer amparo àqueles que, por exceção, vieram a desenvolver efeitos colaterais da vacina ministrada. Aliás, especialmente porque a vacinação representa tão grande benefício à coletividade (não-acometimento por doenças sérias e fatais, bem como redução de despesas médias e hospitalares decorrentes da erradicação de doenças), justificando completamente a adoção desse tipo de plano de saúde pública de imunização, é que o Estado deve àqueles que, excepcionalmente, desenvolveram reações adversas graves à vacina, todo o apoio possível para atenuar-lhes o sofrimento. 2. No caso dos autos está demonstrado o dano e o nexo causal entre ele e a ação da Administração, pois é inequívoco que a moléstia que acometeu o autor é decorrente de reação pós-vacinal, vacina esta realizada no âmbito da política nacional de imunização. Verificada a ocorrência de dano material e moral, o ofendido faz jus à reparação. 3. Valor fixado a título de danos morais em 300 (trezentos salários mínimos), e pensão mensal vitalícia devida ao autor fixada em 02 (dois) salários mínimos. 4. Pensão mensal vitalícia devida a partir da data do ajuizamento da ação. (TRF4, APELREEX 5001533-25.2013.4.04.7203, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 19/02/2016)

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VACINAÇÃO. REAÇÕES ADVERSAS. NEXO DE CAUSALIDADE. DEMONSTRADO. DANOS MORAIS. EXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. Demonstrado o nexo de causalidade entre a aplicação da vacina e o surgimento de reações adversas, que lhe provocaram, inclusive, a perda do campo visual, faz jus a parte autora à indenização por danos morais. (TRF4, AC 5008829-66.2011.4.04.7107, TERCEIRA TURMA, Relatora para Acórdão GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 20/11/2017)

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLÍTICA DE SAÚDE DE IMUNIZAÇÃO. REAÇÃO ADVERSA À VACINA. DANOS MORAIS. Embora a vacinação se imponha como medida de saúde pública para promover o bem da coletividade, erradicando doenças graves e que causam a mortalidade infantil, o Estado-Administração não pode se furtar a oferecer amparo àqueles que, por exceção, vieram a desenvolver efeitos colaterais da vacina ministrada. Aliás, especialmente porque a vacinação representa tão grande benefício à coletividade (não-acometimento por doenças sérias e fatais, bem como redução de despesas médias e hospitalares decorrentes da erradicação de doenças), justificando completamente a adoção desse tipo de plano de saúde pública de imunização, é que o Estado deve àqueles que, excepcionalmente, desenvolveram reações adversas graves à vacina, todo o apoio possível para atenuar-lhes o sofrimento. No caso dos autos está demonstrado o dano e o nexo causal entre ele e a ação da Administração, pois é inequívoco que a moléstia que acometeu o autor é decorrente de reação pós-vacinal, vacina esta realizada no âmbito da política nacional de imunização. Verificada a ocorrência de dano moral, o ofendido faz jus à reparação. (TRF4 5003539-06.2012.4.04.7117, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 18/05/2017)

ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO DE IDOSOS CONTRA O VÍRUS INFLUENZA-GRIPE. REAÇÃO VACINAL. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. PREVISIBILIDADE. DANO MORAL PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. 1.- O Estado responde objetivamente pelos danos que causar, decorrentes de condutas ilícitas ou lícitas, desde que lesionem a esfera juridicamente protegida de outrem. 2.- Embora a vacinação se imponha como medida de saúde pública para promover o bem da coletividade, erradicando doenças graves, o Estado-Administração não pode se furtar a oferecer amparo àqueles que, por exceção, vieram a desenvolver efeitos colaterais da vacina ministrada. 3.- O caso fortuito não está configurado porque quando o Ministério da Saúde planeja a vacinação em massa assume, com absoluta previsibilidade, que lesará alguns vacinados. Ao estabelecer um programa de obrigatoriedade de vacinação chama a si a responsabilidade pelos danos emergentes das previsíveis reações adversas, ainda que em ínfima parcela dos vacinados. 4.- O arbitramento do dano moral é ato complexo para o julgador que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido. 5.- Os valores a serem pagos/ressarcidos pela União correspondem àqueles referentes às despesas acrescidas à mensalidade ou cobradas pelo plano de saúde destinadas ao tratamento da doença. (TRF4, APELREEX 5037406-84.2011.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/06/2012)

Neste contexto, comprovado o dano e o nexo causal, deve a União responder pelos danos causados ao autor.

f.4) Responsabilidade das rés ABBOTT LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA e IMUNIZAR CLÍNICA DE VACINAS LTDA

No que tange à responsabilidade das rés Abbott e Imunizar, o conjunto probatório não revelou nenhuma conduta ou omissão que lhes possa ser atribuída e que gere sua responsabilidade.

Não há comprovação de que havia defeito na vacina ou de que a aplicação incorreta possa ter desencadeado a SGB. Ao que tudo indica, a vacina estava em perfeitas condições de uso (conforme comprova o certificado de análise anexado ao evento 15, OUT23).

Por outro lado a bula da vacina continha a informação de que a Síndrome de Guillain-Barré era uma das possíveis reações adversas. Tal fato, todavia, não pode ser considerado um defeito - pois era um resultado que, embora não esperado, era previsível -, nem implica em responsabilização do laboratório ou da empresa responsável pela aplicação do produto.

A propósito da responsabilidade pelas reações adversas decorrentes do uso de medicamento - o que também se aplica ao caso das vacinas - , transcrevo excerto de recente voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, no REsp 1.599.405, acolhido por unanimidade pela Terceira Turma do STJ:

[...] Sobre a responsabilidade do fornecedor pelo chamado acidente de consumo, releva anotar, de início, que o Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade) segundo a qual o fornecedor responde objetivamente (ou seja, independente da demonstração de culpa) por todos os danos causados ao consumidor pelo produto ou serviço que se revele defeituoso (ou com a pecha de defeituoso, em que o fornecedor não se desonera do ônus de comprovar que seu produto não ostenta o defeito a ele imputado), na medida em que a atividade econômica é desenvolvida, precipuamente, em seu benefício, devendo, pois, arcar com os riscos "de consumo" dela advindos.

Há que se bem delimitar, contudo, o fundamento desta responsabilidade, que, é certo, não é irrestrita, integral, na medida em que pressupõe requisitos próprios (especialmente, o defeito do produto como causador do dano experimentado pelo consumidor) e comporta eximentes.

Assinala-se que o fornecedor não responde objetivamente pelo fato do produto simplesmente porque desenvolve uma atividade perigosa ou produz um bem de periculosidade inerente, mas sim, concretamente, caso venha a infringir o dever jurídico de segurança (adentrando no campo da ilicitude), o que se dá com a fabricação e a inserção no mercado de um produto defeituoso, de modo a frustrar a legítima expectativa dos consumidores.

Este dever jurídico, cuja inobservância confere supedâneo à responsabilidade objetiva do fornecedor, está expresso no art. 8º do Código de Defesa do Consumidor, ao dispor que os produtos e serviços colocados no mercado não poderão acarretar riscos à segurança ou à saúde dos consumidores — revelando-se defeituosos, portanto —, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição.

Daí ressai que o sistema protetivo do consumidor, na esteira do dispositivo legal acima destacado, não tem por propósito obstar, de modo absoluto, a inserção no mercado de produto ou serviço que propicie riscos à segurança e à saúde dos consumidores. Uma disposição com esse propósito afigurar-se-ia de todo inócua, pois ignoraria uma realidade intrínseca a todo e qualquer produto, qual seja, a de guardar, em si, um resquício, um grau mínimo, de insegurança.

Esta realidade, a propósito, apresenta-se de modo muito contundente em relação aos medicamentos em geral (qualificados como produtos de periculosidade inerente), pois todos, sem distinção, guardam riscos à saúde dos consumidores, na medida em que causam efeitos colaterais, de maior ou menor gravidade, indiscutivelmente.

Com a autoridade de um dos autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, o Ministro Antônio Herman de V. Benjamin, na seara doutrinária, bem esclarece que "[...] o Código não estabelece um sistema de segurança absoluta para os produtos e serviços. O que se quer é uma segurança dentro dos padrões da expectativa legítima dos consumidores. E esta não é aquela do consumidor-vítima. O padrão não é estabelecido tendo por base a concepção individual do consumidor, mas, muito ao contrário, a concepção coletiva da sociedade de consumo (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor).

Por conseguinte, os riscos normais e previsíveis, em decorrência da natureza ou da fruição do produto, são absolutamente admissíveis e, por consectário lógico, não o tornam defeituoso, impondo-se ao fornecedor, em qualquer hipótese, a obrigação de conferir e explicitar as informações adequadas a seu respeito.

Coerente com tais diretrizes, o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor teceu os contornos da responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, in verbis:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

De seus termos, sobressai evidenciado que o fornecedor responderá, independentemente de laborar com culpa, pelos danos causados pelo produto ou serviço defeituoso, em manifesto descumprimento do dever geral de segurança. Para tanto, exige-se o nexo causal entre o defeito do produto e os danos experimentados pelo consumidor. É dizer, o defeito do produto deve apresentar-se, concretamente, como o causador do dano experimentado pelo consumidor.

O defeito do produto apto a ensejar a responsabilidade do fornecedor é o de concepção técnica (compreendido como o erro no projeto, pela utilização de material inadequado ou de componente orgânico ou inorgânico prejudicial à saúde ou à segurança do consumidor), de fabricação (falha na produção) ou de informação (prestação de informação insuficiente ou inadequada), que não se confunde com o produto de periculosidade inerente. Neste, o produto não guarda em si qualquer defeito, apresentando riscos normais, considerada a sua natureza ou a sua fruição, e previsíveis, de conhecimento do consumidor, pela prestação de informação suficiente e adequada quanto à sua periculosidade.

O produto de periculosidade inerente, que apresente tais propriedades, não enseja a responsabilização de seu fornecedor, ainda que, porventura, venha a causar danos aos consumidores, afinal, o sistema de responsabilidade pelo fato do produto adotado pelo Código de Defesa do Consumidor é o do risco do empreendimento, e não o do risco integral, como se fosse o fornecedor um segurador universal de seus produtos.

Com essa linha interpretativa, de especializada doutrina, extraem-se os seguintes escólios:

[...] os produtos e serviços de periculosidade adquirida são aqueles que se tornam perigosos em razão de um defeito de concepção técnica, de fabricação ou, até mesmo, de informação colocando em risco a saúde e a segurança do consumidor. Esses produtos e serviços é que constituem o objeto central do regime de responsabilidade pelo fato do produto e pelo fato do serviço estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Já os danos causados por produtos e serviços intrinsecamente perigosos estão excluídos, em princípio, do regime jurídico da responsabilidade por acidentes de consumo do CDC. Contudo, o afastamento da responsabilidade do fornecedor exige que essa periculosidade intrínseca do produto e do serviço tenha duas características: normalidade e previsibilidade. A normalidade significa que os produtos ou os serviços devem ser naturalmente perigosos. A natureza do produto e a forma normal de fruição ensejam um risco para o consumidor, que deve ser devidamente informado a respeito (art. 8º). A previsibilidade significa que o consumidor deve estar ciente da periculosidade do produto ou do serviço, tendo sido adequadamente informado acerca da forma correta de utilização e advertido dos riscos a serem suportados. O dever de informação do fornecedor está expressamente estabelecido pelo CDC (art. 9º). (Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. Editora Saraiva. 3ª Edição. 2010. São Paulo. p. 141)

[...] Há produtos e serviços que têm o chamado risco inerente [...] assim entendido o risco intrinsecamente atado à própria natureza, qualidade da coisa ou modo de funcionamento, como uma faca afiada, medicamentos com contraindicações, agrotóxicos. Não é possível realizar determinados tratamentos médicos sem altos riscos, como a cirurgia em paciente idoso e de saúde fragilizada, ainda que o serviço seja prestado com toda a técnica e segurança. Embora se mostre capaz de causar danos, a periculosidade desses produtos e serviços é normal e conhecida - previsível em decorrência de sua própria natureza -, em consonância com a expectativa legítima do consumidor. (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª Edição Revista e Ampliada. Editora Altas. São Paulo. 2012. p. 523)

[...]

(REsp 1599405/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 17/04/2017)

No caso concreto, constata-se que a SGB é risco inerente à vacina, cuja previsão estava devidamente informada aos usuários por meio da sua bula. Ao contrário do dever de informação atribuído à União, que extrapola o meramente contido em bula tendo em vista a ampla campanha de vacinação, não é possível exigir do laboratório ou da empresa que aplica a vacina dever maior de informação do que o contido em bula.

Inexistindo defeito do produto, estando a reação adversa dentro da normalidade e previsibilidade esperada, existindo uma periculosidade inerente ao produto, não há falar em descumprimento do dever de segurança.

Não há, portanto, responsabilidade a ser imputada aos réus Abbott e Imunizar.

f.5) Dano material

Dispõe o art. 402 do Código Civil:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Trata o artigo dos danos emergentes e dos lucros cessantes, respectivamente.

No caso concreto, os danos emergentes, conforme alega o autor, são aqueles relacionados às despesas com o tratamento da SGB. De acordo com a inicial, o valor total importa em R$ 13.601,36, decorrentes de despesas com cuidadores, fisioterapia, sessões de psicoterapia, entre outras. As despesas indicadas na lista constante da inicial (evento 1, INIC1, p. 23) estão todas comprovadas no evento 1, OUT85 e OUT86.

Não obstante os réus tenham impugnado parte dos valores, não há como afirmar que alguma das despesas mencionadas não tenha relação com o tratamento da SGB e com os reflexos decorrentes.

A prova documental, assim como a prova oral, comprovou a evidente necessidade de diversas sessões de fisioterapia para recuperação física do autor. As fotos e os vídeos anexados aos autos dão amostras das diversas sessões do tratamento (evento 1, FOTO54 a 79; evento 6). A eficácia do tratamento também restou evidente pelo conjunto probatório.

Quanto ao suplemento alimentar Nutren, observa-se que este foi indicado para o autor pela nutricionista do Hospital da Unimed, (evento 1, ATESTMED80, p. 9).

No que tange ao estabilizador de tornozelo, adquirido em 05/12/2014 (evento 1, COMP85), considerando que a vida do autor no primeiro ano após a SGB basicamente resumiu-se à busca da recuperação física, não se pode chegar à outra conclusão se não a de que foi adquirido em face de alguma necessiade decorrente da Síndrome.

Não há dúvidas também de que a SGB teve consequências psicológicas muito graves ao autor e sua família, não sendo necessário exigir a comprovação de que houve prescrição médica para a realização de psicoterapia. O parecer psicológico anexado ao evento 1, OUT84, demonstra a inequívoca relação da SGB com a necessidade de psicoterapia familiar visando à superação do abalo emocional decorrente das consequências da síndrome.

Também o recibo constante do evento 1, COMP85, p. 14, com a descrição "atendimento hospitalar", datado de 10/04/14, dia da alta hospitalar do autor, são presumidamente decorrentes da sua internação. É sabido, por outro lado, que o plano de saúde nem sempre cobre a totalidade das despesas, sendo razoável supor que no período de mais de 60 dias de internação o autor tenha tido alguma despesa não coberta. Vale salientar que o valor de R$ 117,86 não é desarrazoado para o longo período de internação mencionado.

Quanto à alegação de que o autor poderia ter realizado o tratamento por meio do Sistema Único de Saúde, cumpre referir que é de conhecimento notório que a assistência à saúde no Brasil, de forma geral, não funciona satisfatoriamente. No caso dos autos, informou o autor que procurou o SUS, porém em virtude do seu delicado estado de saúde, o atendimento era insuficiente, não restando outra alternativa além de utilizar o plano de saúde ou arcar com as despesas de forma particular. Corrobora referida informação os documentos anexados ao evento 32, PRONT3 a 5, que indicam que diversos procedimentos foram realizados pelo Município de Chapecó, pela Clínica Escola de Fisioterapia da Unochapecó (na qual a remuneração era paga pela Universidade, segundo relato da fisioterapeuta Franciane Barbieri Fiorio - evento 168, VÍDEO1), os quais, todavia, foram complementados com o tratamento do plano de saúde e particular.

Por outro lado, vale salientar que um simples cálculo das despesas da UNIMED indica que os valores referentes à filha do autor, Maria Tereza Câmara Mesa Casa, não foram incluídos na relação apresentada na inicial, conforme alegado pela União.

Nesse contexto, estando comprovadas as despesas relacionadas pelo autor na inicial, todas decorrentes da SGB, deve a União ressarcir ao autor os danos emergentes, no valor de R$ 13.601,36, apontados na inicial.

Os lucros cessantes, por sua vez, dizem respeito àquilo que o autor deixou de lucrar. No caso concreto, sustenta o autor que em consequência da SGB, seu rendimento mensal diminuiu, pois deixou de auferir a renda de professor universitário, passando a receber apenas o benefício previdenciário, bastante inferior. Referiu que a renda média a título mensal pago pela Unoesc era de R$ 6.900,00, enquanto o benefício previdenciário pago durante os quase 15 meses de afastamento (entre 21/05/2014 e 10/08/2015 - evento 1, CCON89) era de R$ 3.210,01 mensais, totalizando R$ 66.600,00.

Analisando os documentos juntados aos autos pela parte autora, observa-se que a média de rendimento mensal bruto, anterior ao desenvolvimento da SGB (05/2013 a 05/2014), era de aproximadamente R$ 6.900,00 (evento 1, OUT88, pp. 2-14). De junho/2014 a julho/2015 o autor não auferiu renda da Unoesc (evento 1, OUT88, pp. 15-28). A partir de agosto/2015 os vencimentos passaram a ser de pouco mais de R$ 3.000,00 (evento 1, OUT88, pp. 29-31).

Neste aspecto, importante registrar que para fins de cálculo dos lucros cessantes, é necessário efetuar o desconto do valor da contribuição previdenciária, tendo em vista que o período de gozo de auxílio-doença é computado como tempo de contribuição, independentemente de recolhimento (Lei nº 8.213, art. 55, II).

Quanto ao imposto de renda, não pode ser descontado do cálculo, pois seu montante depende da renda auferida pelo autor no exercício, e deverá ser apurado mediante ajuste a ser realizado pelo autor no momento oportuno.

Os demais descontados realizados em folha não podem ser desconsiderados, pois representam despesas do autor que, apenas por opção, foram descontadas em folha.

Assim, pode-se afirmar que o efetivo rendimento mensal do autor era o valor bruto informado em folha, descontada a contribuição previdenciária.

Por outro lado, não há provas de que o autor tivesse auferido outras rendas nesse período de 15 meses, sobretudo diante das severas limitações que sofreu durante, amplamente comprovadas nestes autos. Quanto às publicações em Diário Oficial em que o autor figuraria como advogado e ao vídeo do Youtube mencionado pela ré Abbott em contestação, que indicaria que em 2015 já estaria em plena atividade (evento 15, CONT1, p. 36), cumpre referir que as informações constantes do evento 15, OUT27, por si só, não comprovam que o autor efetivamente exerceu outra atividade no período de 15 meses em que este em gozo de auxílio-doença, e o mencionado vídeo foi postado em 12/11/2015 1, posteriormente ao período em que o autor pleiteia lucros cessantes.

Nesse contexto, deve-se considerar que o efetivo rendimento mensal do autor antes do auxílio-doença era o valor bruto informado em folha, descontada a contribuição previdenciária, e que durante o período de gozo do benefício previdenciário somente recebeu referido valor.

Realizada a conta desta forma, conclui-se que a média de rendimento no período de 05/2013 a 05/2014, foi de R$ 6.443,09 2, o que gera uma diferença mensal de R$ 3.233,08 em relação ao benefício previdenciário, que foi de R$ 3.210,01. A diferença de R$ 3.233,08 multiplicada por 15 meses, perfaz R$ 48.496,20, valor que fixo como devido a título de lucros cessantes e que deverá ser acrescido de juros e correção monetária.

f.5.1) Correção monetária e juros moratórios

No caso de responsabilidade extracontratual, a correção monetária dos valores devidos a título de dano material incide da data do efetivo prejuízo (AgInt no AREsp 846.923/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 16/08/2016). Para os lucros cessantes, a correção monetária deve incidir, mês a mês, e para os danos emergentes deve ser considerada a data dos recebidos apresentados.

Tendo em vista a decisão proferida pelo STF no julgamento das ADIn's 4357 e 4425, que declararam a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, afastando a possibilidade de aplicação da TR como índice de correção monetária, deve ser aplicado o IPCA-E.

No que tange aos juros moratórios, tratando-se de ato ilícito, extracontratual, incidem a contar do evento danoso (STJ, Súmula 54; REsp 1.114.398/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/02/2012, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos prevista no art. 543-C do CPC). O índice aplicável é aquele previsto na Lei nº 12.703/12 (caderneta de poupança). Considerando que a internação do autor ocorreu em 04/05/2014, momento a partir do qual o autor passou a sofrer os prejuízos narrados, é esta a data inicial dos juros moratórios.

f.6) Dano moral

O dano moral exige comprovação quanto à sua efetiva ocorrência, excetuando-se apenas as hipóteses nas quais a jurisprudência o tem considerado como presumido (in re ipsa), justamente o caso em análise. A propósito:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE CONSUMO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO DE IDOSOS CONTRA VÍRUS INFLUENZA-GRIPE. REAÇÃO VACINAL. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. DANO MORAL PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o particular, ora recorrido, postulou a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, materiais e pensionamento mensal decorrentes do desenvolvimento da "Síndrome de Guillain-Barré" (SGB) após tomar dose de vacina contra o vírus influenza (gripe), atendendo à incitação publicitária da "Campanha Nacional de Vacinação de Idosos". 2. Uma das mais extraordinárias conquistas da medicina moderna e da saúde pública, as vacinas representam uma bênção para todos, mas causam, em alguns, reações adversas que podem incapacitar e até levar à morte. Ao mesmo Estado a que se impõe o dever de imunizar em massa compete igualmente amparar os poucos que venham a sofrer com efeitos colaterais. 3. Com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil ou no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, é objetiva a responsabilidade civil do Estado por acidente de consumo decorrente de vacinação, descabendo falar em caso fortuito ou imprevisibilidade de reações adversas. 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1388197/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 19/04/2017)

ADMINISTRATIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO DE IDOSOS CONTRA O VÍRUS INFLUENZA-GRIPE. REAÇÃO VACINAL. DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. PREVISIBILIDADE. DANO MORAL PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. 1.- O Estado responde objetivamente pelos danos que causar, decorrentes de condutas ilícitas ou lícitas, desde que lesionem a esfera juridicamente protegida de outrem. 2.- Embora a vacinação se imponha como medida de saúde pública para promover o bem da coletividade, erradicando doenças graves, o Estado-Administração não pode se furtar a oferecer amparo àqueles que, por exceção, vieram a desenvolver efeitos colaterais da vacina ministrada. 3.- O caso fortuito não está configurado porque quando o Ministério da Saúde planeja a vacinação em massa assume, com absoluta previsibilidade, que lesará alguns vacinados. Ao estabelecer um programa de obrigatoriedade de vacinação chama a si a responsabilidade pelos danos emergentes das previsíveis reações adversas, ainda que em ínfima parcela dos vacinados. 4.- O arbitramento do dano moral é ato complexo para o julgador que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido. 5.- Os valores a serem pagos/ressarcidos pela União correspondem àqueles referentes às despesas acrescidas à mensalidade ou cobradas pelo plano de saúde destinadas ao tratamento da doença. (TRF4, APELREEX 5037406-84.2011.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/06/2012)

Ainda que assim não fosse, está patente no caso concreto a dor e o sofrido vivenciados pelo autor.

O autor era saudável e realizava todos os atos da vida cotidiana com total independência, até que, trinta dias após a vacinação contra a gripe no ano de 2014, desenvolveu a Síndrome de Guillain-Barré, ficando internado por mais de 60 dias, sem conseguir fazer qualquer movimento com o corpo, situação que perdurou por um longo período mesmo após a alta hospitalar.

Durante parte deste tempo foi privado, total ou parcialmente, da presença da sua família, sobretudo da sua filha de um ano e meio. Não podia abraçar os familiares tampouco ajudar em tarefas básicas da casa ou da filha, sequer conseguia realizar atividades diárias básicas sozinho, como comer e escovar os dentes.

A prova testemunhal foi esclarecedora nesse sentido.

Sidiane Basso, fisioterapeuta, testemunha da parte autora, auxiliou o autor na realização de fisioterapia em razão das complicações decorrentes da SGB e informou que ele veio debilitado também psicologicamente, estava deprimido (evento 170, VÍDEO1).

Tânia Catarina Hundermarck, testemunha da parte autora, foi cuidadora do autor Rodrigo no hospital, quando saiu da UTI e foi para o quarto, durante um mês, e em casa, durante um ano. Informou que o autor sentia muita dor, exigia muito cuidado e delicadeza. Referiu que o emocional do autor Rodrigo ficou muito abalado. Precisava da ajuda de pelo menos uma pessoa para tomar banho, fazer a higienização, trocar fralda. Referiu que Rodrigo não tinha contato com a filha no hospital no início e depois o contato foi pequeno (evento 170, VÍDEO2).

Franciane Barbieri Fiorio, testemunha da parte autora, fisioterapeuta, clínica de fisioterapia da Unochapecó, informou que Rodrigo era totalmente dependente, sentia muita dor, tinha muita dificuldade respiratória. Não realizava nenhum movimento voluntário, apenas de cabeça/pescoço. Mencionou que no decorrer das sessões, durante aproximadamente 3 meses, passou a ter alguns movimentos. Depois de algum tempo ele ficou em pé, mas foi uma evolução bem lenta. Durante as sessões ele começou a andar - não sozinho, mas com ajuda de extensores e dos fisioterapeutas (evento 168, VÍDEO1).

Jairo Calza, testemunha da parte autora, é técnico de enfermagem e cuidador, e cuidou do autor em casa por aproximadamente 2 meses, durante à noite, das 20h às 7h da manhã. Referiu que o autor somente mexia as mãos, era necessário fazer tudo, dar banho, escovar os dentes. Referiu que Rodrigo estava muito magro, não tinha forças para nada, não tinha motivação, estava abatido, bem debilitado. Relatou que o autor não dormia bem, pois sentia muita dor, era necessário movimentá-lo constantemente. Para a testemunha foi uma experiência profissional "bem pesada". Rodrigo o chamava por meio de sons. A filha do autor queria muita a atenção do pai, mas ele não tinha como responder, não tinha força, sequer podia falar. O emocional estava muito abalado. A situação era muito delicada para todos (evento 169, VÍDEO1).

Assentada a existência do dano moral, resta fixar o valor da respectiva indenização.

A esse respeito, o artigo 944 do Código Civil dispõe nos seguintes termos:

Art. 944 - A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único - Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

A partir desse preceito legal e não havendo parâmetros pré-definidos para o montante da indenização, sua fixação deve ser pautada pela equidade (DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferência e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 13, p. 348).

O montante da indenização deve observar, no caso concreto, o caráter punitivo e ressarcitório da reparação, de modo a desestimular o ofensor à repetição da prática lesiva e a dar uma compensação proporcional ao dano sofrido. Por outro lado, o montante deve ser fixado de forma a evitar um enriquecimento sem causa para a vítima (STJ, REsp n. 291.625-SP, DJ de 04/08/2003, voto do Ministro Castro Filho).

Os danos morais devem assim ser arbitrados levando-se em consideração o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do fato, bem como a condição sócio-econômica do ofendido e do ofensor, orientando-se a fixação da indenização pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quanto às condições pessoais do autor, este é professor universitário e advogado, cuja renda aproximada era de R$ 6.000,00 mensais antes da SGB. Por outro lado, as circunstâncias foram graves: a angústia de não poder realizar atividades básicas, sequer movimentar o próprio corpo; ficar totalmente dependente para todas as atividades; ficar privado do contato físico com sua filha de um ano e meio; mais de três anos após a SGB ainda apresentar dificuldades motoras, fraqueza muscular, tremores (conforme relatado pela perícia - evento 160), são alguns dos diversos motivos que poderiam ser citados. Deve-se considerar ainda, não obstante a gravidade do quadro do autor, que sua recuperação é quase plena, restando ainda pequenos resquícios da SGB, como os tremores mencionados.

Assim, levando-se em conta as particularidades do caso, sem impor uma condenação excessiva ou desproporcional à UNIÃO, fixo, a título de compensação por danos morais, o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sendo este valor suficiente para compensar o sofrimento imposto ao autor.

f.6.1) Correção monetária e juros moratórios

Tratando-se de danos morais, a correção incide a partir da data do arbitramento, ou seja, a partir da prolação desta sentença (STJ, Súmula 362).

Tendo em vista a decisão proferida pelo STF no julgamento das ADIn's 4357 e 4425, que declararam a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, afastando a possibilidade de aplicação da TR como índice de correção monetária, deve ser aplicado o IPCA-E.

No que tange aos juros moratórios, tratando-se de ato ilícito, extracontratual, incidem a contar do evento danoso (STJ, Súmula 54; REsp 1.114.398/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/02/2012, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos prevista no art. 543-C do CPC). O índice aplicável é aquele previsto na Lei nº 12.703/12 (caderneta de poupança). Considerando que a internação do autor ocorreu em 04/05/2014, momento a partir do qual o autor passou a sofrer os prejuízos narrados, é esta a data inicial dos juros moratórios.

Centra-se a controvérsia sobre a responsabilidade civil da União, bem como da Imunizar Clínica de Vacinas Ltda. e da Abbott Laboratórios do Brasil Ltda., pelo fato do autor ter contraído a Síndrome de Guillain Barré logo após ter participado da campanha de vacinação da gripe H1N1, no ano de 2014.

As provas dos autos revelaram a relação de causalidade entre a aplicação da vacina e o desenvolvimento da Síndrome de Guillain-Barré, como se pode constatar na perícia judicial (evento 37). Ainda, a bula da vacina indica essa possibilidade (evento 15, OUT7).

A União não realizou ampla divulgação das reações adversas da vacina porque assim poderia garantir vacinação em massa. Desta forma, assumiu o risco das consequencias advindas da vacinação e deve responder pelos danos causados ao autor.

A clínica de vacinação e o laboratório apenas aplicaram a vacina divulgada pelo governo federal na campanha, de forma que não respondem pelos danos gerados com a aplicação da mesma.

O valor da indenização por danos morais atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (R$ 80.000,00), não se mostrando exorbitante diante de todo o sofrimento vivido pela parte autora, de forma que deve ser mantido.

Sobre os índices de correção monetária e juros, a sentença os fixou corretamente, nos termos já decididos por essa 4ª Turma.

Portanto, o que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença.

Honorários advocatícios relativos à sucumbência recursal

Segundo entendimento consolidado no STJ, a imposição de honorários advocatícios adicionais em decorrência da sucumbência recursal é um mecanismo instituído no CPC-2015 para desestimular a interposição de recursos infundados pela parte vencida, por isso aplicável apenas contra o recorrente, nunca contra o recorrido.

A majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, conforme preconizado pelo STJ, depende da presença dos seguintes requisitos: (a) que o recurso seja regulado pelo CPC de 2015; (b) que o recurso tenha sido desprovido ou não conhecido; (c) que a parte recorrente tenha sido condenada em honorários no primeiro grau, de forma a poder a verba honorária ser majorada pelo Tribunal.

Atendidos esses requisitos, a majoração dos honorários é cabível, independentemente da apresentação de contrarrazões pela parte recorrida.

Nesse sentido são os seguintes julgados do STJ, referidos a título exemplificativo: AgInt no REsp 1745134/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/11/2018, DJe 22/11/2018; REsp 1765741/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018; AgInt no AREsp 1322709/ES, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018; (AgInt no REsp 1627786/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 08/11/2018, DJe 14/11/2018; EDcl no AgInt no AREsp 1157151/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 06/11/2018, DJe 14/11/2018; AgInt nos EREsp 1362130/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 13/12/2017, DJe 16/02/2018; AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017).

No caso dos autos, estando presentes os requisitos exigidos pela jurisprudência, impõe-se a fixação dos honorários da sucumbência recursal, majorando-se o percentual estabelecido na sentença em 1 ponto percentual, a incidir sobre a base de cálculo nela fixada, conforme previsto no § 11 do art. 85 do CPC-2015.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos.



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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009695-41.2015.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

APELANTE: RODRIGO ERNANI MESA CASA (AUTOR)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ABBOTT LABORATORIOS DO BRASIL LTDA (RÉU)

APELADO: IMUNIZAR CLINICA DE VACINAS LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. responsabilidade civil. sequelas da vacina. devida indenização pela união por conta da campanha de vacinação. afastada responsabilidade da clínica e do laboratório. mantida a sentença. recursos improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de setembro de 2020.



Documento eletrônico assinado por CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002051670v3 e do código CRC fabb430e.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 22/09/2020 A 30/09/2020

Apelação Cível Nº 5009695-41.2015.4.04.7202/SC

RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

APELANTE: RODRIGO ERNANI MESA CASA (AUTOR)

ADVOGADO: PATRÍCIA ROCHA CÂMARA (OAB SC018305)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: ABBOTT LABORATORIOS DO BRASIL LTDA (RÉU)

ADVOGADO: Roberto Trigueiro Fontes (OAB RS061510)

APELADO: IMUNIZAR CLINICA DE VACINAS LTDA (RÉU)

ADVOGADO: Guilherme Lau Bandeira de Mello (OAB RS084478)

ADVOGADO: GUILHERME MOMM DAL PONT (OAB SC032399)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/09/2020, às 00:00, a 30/09/2020, às 16:00, na sequência 619, disponibilizada no DE de 11/09/2020.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



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