Apelação Cível Nº 5011072-65.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: LUCIANA ROSA SANGALLI (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença que denegou a segurança em que a parte impetrante postulava a concessão para liberação das parcelas do seguro desemprego referente ao Requerimento n. 9431094226, formulado em 30/07/2020), o qual foi negado sob o argumento de ter “Menos de 15 meses trabalhados nos últimos 24 meses”.
Irresignada apelou a impetrante. Em suas razões ponderou que o seguro-desemprego é um benefício garantido constitucionalmente, constando no rol dos Direitos Sociais; que necessária uma ponderação do art. 26, § 1º, da Lei Complementar nº 150/2015 (Resolução 754/2015), pela discriminação conferida aos trabalhadores domésticos, quando se estipulou prazo de carência superior, aos demais trabalhadores, exigidos destes apenas 12 meses de comprovação; que a discriminação afeta o valor e o número de parcelas do benefício referido, limitando-se a apenas três (03), e ao valor do salário mínimo nacional; postula ao final a soma do período de três meses trabalhados como empregado de pessoa jurídica, com os treze meses laborados em vínculo doméstico, pretendendo a reforma da sentença.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na inicial, o Juiz Federal Substituto Joel Luis Borsuk, manifestou-se nos seguintes termos:
(...)
O Programa de Seguro Desemprego tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo, nos termos do art. 2º, inciso I, da Lei n. 7.998/90.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 72/2013, o parágrafo único do art. 7º da Carta Magna de 88 passou a contar com a seguinte redação:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.
Portanto, infere-se que, anteriormente à EC 72/2013, o seguro-desemprego dos empregados domésticos não possuía natureza constitucional, sendo toda a matéria regulada pela legislação ordinária.
Assim, antes do advento da referida Emenda, era possível estabelecer distinção entre o seguro-desemprego dos domésticos (com fundamento legal) e o dos demais trabalhadores (com fundamento legal e constitucional - art. 7º, II, da CF/88).
No entanto, com a promulgação da EC 72/2013, o benefício em questão passou a ter idêntica matriz para todos, qual seja, base constitucional.
Nesse contexto, foi editada a Lei Complementar nº 150/2015, a qual passou a prever o direito ao seguro desemprego aos empregados domésticos nos seguintes termos:
Art. 26. O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará jus ao benefício do seguro-desemprego, na forma da Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de 1 (um) salário-mínimo, por período máximo de 3 (três) meses, de forma contínua ou alternada.
§ 1o O benefício de que trata o caput será concedido ao empregado nos termos do regulamento do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat).
§ 2o O benefício do seguro-desemprego será cancelado, sem prejuízo das demais sanções cíveis e penais cabíveis:
I - pela recusa, por parte do trabalhador desempregado, de outro emprego condizente com sua qualificação registrada ou declarada e com sua remuneração anterior;
II - por comprovação de falsidade na prestação das informações necessárias à habilitação;
III - por comprovação de fraude visando à percepção indevida do benefício do seguro-desemprego; ou
IV - por morte do segurado.
[...]
Art. 28. Para se habilitar ao benefício do seguro-desemprego, o trabalhador doméstico deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego:
I - Carteira de Trabalho e Previdência Social, na qual deverão constar a anotação do contrato de trabalho doméstico e a data de dispensa, de modo a comprovar o vínculo empregatício, como empregado doméstico, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;
II - termo de rescisão do contrato de trabalho;
III - declaração de que não está em gozo de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; e
IV - declaração de que não possui renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
Art. 29. O seguro-desemprego deverá ser requerido de 7 (sete) a 90 (noventa) dias contados da data de dispensa.
Art. 30. Novo seguro-desemprego só poderá ser requerido após o cumprimento de novo período aquisitivo, cuja duração será definida pelo Codefat.
Atendendo ao comando legal estatuído no art. 26, § 1º, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT editou a Resolução nº 754 de 26/08/2015, disciplinando a forma de comprovação dos requisitos legais para concessão do seguro desemprego:
O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT, no uso das atribuições que lhe confere o inciso V, do artigo 19, da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990 e conforme o disposto no art. 26, § 1º da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015,
Resolve:
Art. 1º Estabelecer os critérios relativos ao processamento de requerimentos e habilitação no Programa do Seguro Desemprego na forma do que dispõe o art. 26, § 1º, da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015 e a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no que couber.
Art. 2º O Programa do Seguro Desemprego tem por finalidade:
I - prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta;
II - auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional na forma da Lei.
Art. 3º Terá direito a perceber o Seguro-Desemprego o empregado doméstico dispensado sem justa causa ou de forma indireta, que comprove:
I - ter sido empregado doméstico, por pelo menos quinze meses nos últimos vinte e quatro meses que antecedem à data da dispensa que deu origem ao requerimento do Seguro-Desemprego;
II - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada da previdência social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte;
III - não possuir renda própria de qualquer natureza, suficiente à sua manutenção e de sua família. (grifou-se)
§ 1º Os requisitos de que trata este artigo serão verificados a partir das informações registradas no CNIS e, se insuficientes, por meio das anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, por meio de contracheques ou documento que contenha decisão judicial que detalhe a data de admissão, demissão, remuneração, empregador e função exercida pelo empregado.
§ 2º Considera-se um mês de atividade, para efeito do inciso I, deste artigo, a fração igual ou superior a 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 4º, § 3º da Lei nº 7.998/1990.
Nos termos da legislação acima transcrita, terá direito ao seguro-desemprego o empregado doméstico dispensado sem justa causa que comprovar ter trabalhado nessa condição por pelo menos 15 meses nos últimos 24 meses; não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada da previdência social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; e não possuir renda própria suficiente à sua manutenção e de sua família.
Analisando a documentação carreada aos autos, verifico que a parte autora laborou sob vínculo empregatício como empregada doméstica por 13 meses nos 24 meses anteriores à data da dispensa que deu origem ao requerimento (02/07/2019 a 20/07/2020), conforme se comprova pela Carteira de Trabalho juntada no evento 1, CTPS6.
Por conseguinte, tem-se que a demandante não cumpriu com o requisito previsto no inciso I do art. 28 da Lei Complementar nº 150/2015.
Saliento que, da interpretação literal dos dispositivos que regulam o beneplácito, o tempo de serviço doméstico prestado deve ser computado somente para fins do seguro-desemprego devido especificamente ao empregado doméstico, em razão da existência de regras próprias regendo este benefício. Por tais razões, não há assento legal para acrescer aos 13 meses trabalhados como empregada doméstica os períodos antecedentes na condição de empregado de pessoa jurídica com fins lucrativos. Tampouco, há que se falar no preenchimento do requisito previsto no art. 3º, I, da Lei nº 7.998/90 (ter recebido salário de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada relativos a, pelo menos, 12 meses nos últimos 18 meses imediatamente anteriores à data de dispensa), até mesmo porque o empregador doméstico não é pessoa física equiparada à pessoa jurídica (empresa).
Nesse sentido, colaciono ementa de julgado do TRF4:
DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGURO DESEMPREGO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PERCEPÇÃO DE SALÁRIOS PELO MENOS 12 MESES NOS ÚLTIMOS 18 MESES IMEDIATAMENTE ANTERIORES À DATA DA DISPENSA. TRABALHO DOMÉSTICO. APROVEITAMENTO NO SEGURO DESEMPREGO DA LEI 7.998/90. IMPOSSIBILIDADE. Da interpretação sistemática dos dispositivos normativos relativos à matéria impõe-se a conclusão de que o tempo como empregado doméstico deve ser computado somente para fins do seguro-desemprego previsto na lei específica que rege tais trabalhadores, cujas normas criaram sistema próprio de proteção ao obreiro. Nem a Lei Complementar 150/2015 nem a normativa do CODEFAT estabeleceram o direito do trabalhador aproveitar o tempo de labor doméstico no seguro-desemprego da Lei 7.998/1990, entendendo-se haver silêncio eloquente do legislador no tema. Os períodos de tempo de trabalho doméstico não podem ser computados para fins de seguro-desemprego neste feito. Como o tempo de trabalho que restou é insuficiente, inferior a doze meses, a autora não tem o direito que reclama. (TRF4, AC 5077403-84.2019.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 04/07/2020)
Não há falar, outrossim, em critério discriminatório, tendo em vista que o empregador doméstico não é pessoa física equiparada à pessoa jurídica, considerando a terminologia da Lei 7.998/1990.
Desse modo, tenho por correta a decisão administrativa que indeferiu o benefício do seguro-desemprego à parte autora.
Portanto, a denegação da segurança é a medida apropriada para o caso.
(...)
O que foi trazido pela apelante não é suficiente para alterar o que foi decidido, pois as razões recursais não trouxeram elementos suficientes para modificar a sentença, motivo pelo qual impõe-se a sua manutenção.
Sem honorários, conforme o art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Destaco ser descabida a fixação de honorários recursais, no âmbito do Mandado de Segurança, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC/15, na medida em que tal dispositivo não incide nas hipóteses em que o pagamento da verba, na ação originária, não é devido por ausência de previsão legal, de acordo com os precedentes do STJ (AgInt no REsp 1507973/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 24/05/2016) e pelo STF (ARE 948578 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 03-08-2016 PUBLIC 04-08-2016).
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, na forma da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002326270v4 e do código CRC c662b79e.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5011072-65.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE: LUCIANA ROSA SANGALLI (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SEGURO DESEMPREGO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PERCEPÇÃO DE SALÁRIOS PELO MENOS 15 MESES NOS ÚLTIMOS 24 MESES IMEDIATAMENTE ANTERIORES À DATA DA DISPENSA. TRABALHO DOMÉSTICO. não cumprimento do requisito do inciso i do art. 28 da lc nº 150/2015.
- Da interpretação sistemática dos dispositivos normativos relativos à matéria impõe-se a conclusão de que o tempo como empregado doméstico deve ser computado somente para fins do seguro-desemprego previsto na lei específica que rege tais trabalhadores, cujas normas criaram sistema próprio de proteção ao obreiro.
- Nem a Lei Complementar 150/2015 nem a normativa do CODEFAT estabeleceram o direito do trabalhador doméstico aproveitar os períodos antecedentes na condição de empregado de pessoa jurídica com fins lucrativos.
- O período de tempo de trabalho na condição de empregado de pessoa jurídica não pode ser computado para fins de seguro-desemprego neste feito, e como o tempo de trabalho que restou é insuficiente, inferior a quinze meses, a autora não tem o direito que reclama.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2021.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002326271v4 e do código CRC 6bd7dc02.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 24/02/2021
Apelação Cível Nº 5011072-65.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: LUCIANA ROSA SANGALLI (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JOSE LUIS HARTMANN FILHO (OAB RS102264)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 24/02/2021, na sequência 207, disponibilizada no DE de 10/02/2021.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Juiz Federal MARCOS JOSEGREI DA SILVA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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