Apelação Cível Nº 5008279-70.2017.4.04.7201/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: IEDA MARIA MAIA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença de de procedência ao pedido de restabelecimento da pensão por morte cancelado pelo Ministério dos Transportes em decorrência de orientação em NT 852/15, sob o argumento de que o instituidor, pai da autora e ex-ferroviário, não era servidor federal, não fazendo juz ao pagamento do benefício previsto na Lei 1711/52. A pensão era paga há mais de 36 anos.
Honorários em 10% sobre o valor da condenação.
A União apela sustentando que a Lei nº 1.711/1952 não se aplica ao servidor, que era autárquico admitido da extinta Rede de Viação Paraná –Santa Catarina, sobretudo quanto ao pagamento de aposentadoria ou pensão. Afirma que não poderia ter sido aposentado com fundamento na Lei 3.378/58. Postula aplicação da lei 11.960/09.
O INSS apela requerendo recebimento em ambos efeitos. No mérito, aduz falta de interesse de agir por ausência de requerimento administrativo da pensão por morte, incidência da prescrição quinquenal, legalidade do cancelamento da pensão porque o instituidor da pensão que não ostentava a condição de funcionário público estatutário, mas sim de funcionário autárquico celetista, sendo inaplicável a lei 3.378/58. Também requer a incidência da lei 11960/09.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Legitimidade passiva ad causam e litisconsórcio passivo necessário com a União
A preliminar de ilegitimidade passiva deve ser rejeitada. A autarquia ré detém autonomia jurídica, administrativa e financeira. É responsável pelo pagamento das diferenças remuneratórias de seus servidores. Corolário dessa prerrogativa é a desnecessidade de litisconsórcio passivo necessário com a União.
Na mesma linha:
ADMINISTRATIVO. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA OU NÃO CONVERTIDA EM DOBRO PARA FINS DE APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Os efeitos da relação jurídica controvertida são exercidos sobre o patrimônio da entidade UFRGS, tendo em vista que compõe a administração indireta e, portanto, possui autonomia jurídica, administrativa e financeira. Pelo mesmo motivo descabe insurgir-se contra a ausência da União como sua litisconsorte, já que não se está a tratar de servidores vinculados à administração direta. (...) (TRF4, AC Nº 5052697-42.2016.404.7100, 4ª Turma, VIvian Josete Pantaleão Caminha, EM 06/10/2017)
Carência de ação
É despiciendo esgotar-de a via administrativa para o ingresso em juízo (art. 5º, XXXV, CF/88). Ademais, a parte ré mostra resistência ao reconhecimento do pedido, tanto em contestação quanto em apelação.
Prescrição
Não há falar em prescrição, eis que incide no caso o decreto 20.910/32, bem como, em se tratando de prestação de trato sucessivo, estão a salvo as parcelas vencidas há menos de 5 (cinco) anos da data do ajuizamento da demanda (súmula n. 85 do STJ).
No caso, o benefício foi cancelado em dezembro de 2015. A ação foi proposta em 04/07/17.
Mérito
Em que pese a insurgência recursal, afiguram-se irrefutáveis as considerações desenvolvidas na sentença recorrida, as quais transcrevo tomando-as como próprias, eis que despiciendo utilizar-se de tautologia para exame de situações jurídicas aqui envolvidas. Verbis:
(...)
3. Vamos aos fatos.
3.1. Como do processo administrativo juntado pela União (evento23) que o instituidor da pensão era ex-ferroviário da extinta RFFSA, vinculada ao Ministério dos Transportes. Foi admitido na extinta Rede Ferroviária Paraná - Santa Catarina em 19.11.1946; aposentado por invalidez em 01.12.1969 e faleceu em 09.07.1980. Com o falecimento do seu pai a autora teve deferido o benefício de pensão por morte com base Lei 6.782/80.
Durante o procedimento de migração da folha de pagamento do Ministério da Fazenda para o Ministério dos Transportes, a administração "detectou por meio da Ficha de Qualificação Funcional do ex-servidor autárquico, que o senhor ODORICO FELLIPE DA MAIA foi admitido na extinta Rede Ferroviária Paraná–Santa Catarina [RVPSC], em 19/11/1946, quando a citada estrada já era uma autarquia por força do Decreto- Lei n. 3.306, de 24 de maio de 1941, possuindo status de ferroviário autárquico" e, portanto "não era possível a concessão de qualquer benefício estatutário previsto na Lei nº 3.373/58". Com base em tais fatos a pensão da autora foi cancelada.
3.2. Em que pese a alegação da União de que quando da admissão do instituidor da pensão nos quadros da extinta Rede Ferroviária Paraná–Santa Catarina [RVPSC] em 19.11.1946, a referida empresa já era uma autarquia, consta do processo administrativo que o instituidor da pensão encontrava-se vinculado ao regime "Estatutário", e teve sua pensão deferida com base na Lei 1.711/52 que dispunha à época sobre o "Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União" (evento23 - procadm4 - fl. 20).
A União não trouxe aos autos qualquer documento que comprove que o instituidor da pensão encontrava-se vinculado ao regime celetista. A alegação da União pauta-se unicamente no fato de que quando de sua admissão, a Rede Ferroviária Paraná - Santa Catarina era uma autarquia e, portanto, o instituidor da pensão possuiria status de ferroviário autárquico. Nada há nos autos, no entanto, que comprove que o instituidor da pensão pudesse ser qualificado como celetista.
Ao contrário, consta da qualificação funcional do instituidor da pensão junto ao Ministério dos Transportes que este era estatutário (evento23 - procadm4 - fl. 20).
3.3. Ademais, somente a partir da publicação da Lei 6.184/74, foi dado o direito de opção ao regime da legislação trabalhista e respectivo sistema previdenciário aos servidores públicos federais e, ainda, em caso de integração nos quadros de sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações.
(...)
Portanto, os ferroviários, integrantes dos quadros da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, somente puderam optar pelo regime celetista após 1974, com a edição da Lei 6.184/1974.
(...)
O pai da autora teve deferida sua aposentadoria por invalidez em 01.12.1969, antes portanto, do advento da Lei 6.184/74 que possibilitaria a opção pelo regime celetista. Era regido, portanto, pelo regime dos servidores estatutários.
3.4. Desta forma, considerando que a qualificação funcional do instituidor da pensão junto ao Ministério dos Transportes era como estatutário, ocupante do cargo de auxiliar de maquinista, código F. 122, classe A, nível 8 (evento23 - procadm4 - fl. 20), o instituidor da pensão encontrava-se regido pelo regime estatutário, não havendo qualquer ilegalidade na pensão deferida à autora.
Portanto, deve ser restabelecida à autora a pensão por morte com o pagamento dos valores em atraso desde o indevido cancelamento em dezembro de 2015.
Com efeito, somente a partir da publicação da Lei 6.184/74 foi concedido o direito de opção ao regime da legislação trabalhista e respectivo sistema previdenciário aos servidores públicos federal e, ainda, em caso de integração nos quadros de sociedade de economia mista, empresas públicas e fundações. Sendo assim, os ferroviários que eram integrantes dos quadros da Rede Ferroviária Federal – S.A (RFFSA), somente puderam optar pelo regime celetista após 1974.
No entanto, no presente caso, conforme o ev. 23 - procadm4 – fl.20, o servidor se aposentou por invalidez em 1969, antes da referida lei, portanto. E, importa frisar, no mesmo documento também consta que o servidor era vinculado ao regime estatutário. Logo, o regime vigente à época da instituição da pensão era dos servidores estatutários.
Ademais, a controvérsia dos autos cinge-se à possibilidade ou não da Administração Pública anular ato concessório de aposentadoria eivado de nulidade.
Com efeito, do exame dos elementos constantes dos autos, verifico que a hipótese dos autos diz respeito ao exercício do poder de autotutela por parte da Administração Pública. A autotutela encontra guarida no Direito, no entanto, tal poder não é limitado. Nessa senda, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 prevê o prazo decadencial de 5 (cinco) anos decadência do direito da Administração anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que foram praticados, inaplicável em caso de fraude ou má-fé do beneficiário. Transcrevo o aludido dispositivo:
"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento."
No caso concreto, inexistindo nos autos qualquer indicativo de má-fé da parte autora, não se faz possível a anulação do ato administrativo decorrente da morte do instituidor ocorrida em 09/07/80. Ocorreu a decadência administrativa, prestigiando-se, assim, os princípios da segurança jurídica e da confiança, bem como situação já estabilizada no tempo.
Por esse motivo, transcorridos mais de 35 anos após proferido o ato administrativo favorável à autora, há que ser reconhecida a decadência do direito de tal anulação.
Em suma, por dupla fundamentação: decadência e mérito, merece ser mantida a sentença.
Correção monetária.
A questão relativa à aplicabilidade do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora (matéria objeto do Tema 810 do STF), foi novamente objeto de decisão suspensiva oriunda do Supremo Tribunal Federal.
Na data de 24/09/2018, o Ministro Luiz Fux proferiu decisão nos autos dos Emb. Decl. no Recurso Extraordinário 870.947, concedendo efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos por diversos entes federativos estaduais para suspender a aplicação do Tema 810 do STF até a apreciação pela Corte Suprema do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida.
Assim, dou provimento ao apelo, para diferir a análise da matéria para o juízo da execução.
Verificada a sucumbência recursal das apelantes, nos termos do art. 85, §11, CPC/2015, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença para 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação. O valor será dividido pro rata.
Prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento aos recursos.
Documento eletrônico assinado por ALCIDES VETTORAZZI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000830194v15 e do código CRC 5bedd99a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008279-70.2017.4.04.7201/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: IEDA MARIA MAIA (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. servidor aposentadoria. rffsa lei 3378 e 6184. ATO ADMiNISTRATIVO. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA. tr
1. Somente a partir da publicação da Lei 6.184/74 foi concedido o direito de opção ao regime da legislação trabalhista e respectivo sistema previdenciário aos servidores públicos federal e, ainda, em caso de integração nos quadros de sociedade de economia mista, empresas públicas e fundações. Sendo assim, os ferroviários que eram integrantes dos quadros da Rede Ferroviária Federal – S.A (RFFSA), somente puderam optar pelo regime celetista após 1974.
2. No presente caso, o servidor se aposentou por invalidez em 1969, antes da lei 6184. Logo, o regime vigente à época da instituição da pensão era dos servidores estatutários.
3. A hipótese dos autos diz respeito àao exercício do poder de autotutela por parte da Administração Pública. A autotutela encontra guarida no Direito, no entanto, tal poder não é limitado. Nessa senda, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 prevê o prazo decadencial de 5 (cinco) anos decadência do direito da Administração anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que foram praticados, inaplicável em caso de fraude ou má-fé do beneficiário.
4. Inexistindo indicativo de má-fé, não se faz possível a anulação do ato administrativo que em 1989 reconheceu o direito da autora à pensão por morte, instituída pelo seu genitor, ante a ocorrência da decadência administrativa, prestigiando, assim, os princípios da segurança jurídica e da confiança, bem como situação já estabilizada no tempo. Por esse motivo, transcorridos mais de 25 anos após proferido o ato administrativo favorável à autora, há que ser reconhecida a decadência do direito de tal anulação.
5. Na data de 24/09/2018, o Ministro Luiz Fux proferiu decisão nos autos dos Emb. Decl. no Recurso Extraordinário 870.947, concedendo efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos por diversos entes federativos estaduais para suspender a aplicação do Tema 810 do STF até a apreciação pela Corte Suprema do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de janeiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por ALCIDES VETTORAZZI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000830195v4 e do código CRC 0121c184.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/01/2019
Apelação Cível Nº 5008279-70.2017.4.04.7201/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: IEDA MARIA MAIA (AUTOR)
ADVOGADO: Gabriel Faria Oliveira (DPU)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 29/01/2019, na sequência 902, disponibilizada no DE de 07/01/2019.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:46:31.