Apelação Cível Nº 5007777-84.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (RÉU)
APELADO: SIRLENE RIBAS DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: MARCELO ROSEMBACK RIBEIRO (OAB PR029253)
ADVOGADO: RAFAEL LEONARDO BERNA SANABRIA (OAB PR029277)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária proposta por SIRLENE RIBAS DE LIMA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR, na qual requer provimento judicial que reconheça a ocorrência de desvio de função entre o cargo que ocupa de Auxiliar de Enfermagem e o cargo de Técnico em Enfermagem, com o pagamento de todas as diferenças remuneratórias daí decorrentes.
Sentenciando, o juízo a quo assim decidiu:
Diante do exposto, declaro a prescrição quanto às parcelas devidas antes de 21/02/2014; julgo procedente o pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para: a) declarar que a autora foi submetida a desvio de função no Hospital das Clinicas do Paraná, entre 06/2008 até 02/2017 (ocasião em que a autora deixou a UTI Neonatal), em razão do exercício de atividades próprias do Técnico em Enfermagem; b) condenar a UFPR ao pagamento das diferenças entre os vencimentos dos cargos de Técnico e Enfermagem e de Auxiliar de Enfermagem no referido período, com a inclusão de todos os reflexos legais (adicionais, gratificações, horas extraordinárias, férias acrescidas do terço constitucional, saúde complementar etc.), acrescidos de correção monetária e juros de mora nos termos da fundamentação; c) declarar que os afastamentos legais devem ser considerados para apuração dos valores devidos à parte autora; d) declarar que no cálculo das diferenças remuneratórias devidas à autora em virtude do desvio de função reconhecido nesta sentença devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, a servidora conquistaria gradativamente, acaso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial.
Considerando a sucumbência mínima da autora, condeno a parte ré ao pagamento de honorários de sucumbência à parte autora, os quais fixo sobre o valor da condenação, a ser apurado na fase de cumprimento de sentença (CPC, art. 85, § 2º e 4º, II), e nos percentuais mínimos previstos nas faixas de valores indicadas no § 3º do art. 85, do CPC, observando-se ainda o que disposto no § 5º de aludido artigo.
Sentença não sujeita a reexame necessário, tendo em vista o valor atribuído a causa, que serve como parâmetro para a conclusão de que a condenação não é superior ao montante previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do CPC.
Foram opostos embargos de declaração pela parte ré, os quais foram acolhidos para suprir omissão sobre o incentivo à qualificação.
Inconformada, a parte ré apelou alegando que a autora não comprovou que exerceu funções estranhas as atividades inerentes ao seu cargo institucional, sendo que, por ter executado determinadas tarefas comuns ao cargo de Técnico de Enfermagem, acreditou estar desempenhando atribuições de tal cargo. Defende que uma mesma tarefa pode compor várias funções, sem, necessariamente, comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas. Sustenta que, para fins de reconhecimento do desvio, exige-se a prova de que o trabalho exercido é fruto de esforço intelectual próprio, que não necessita supervisão constante e que detenha a responsabilidade pelo trabalho desenvolvido e autonomia para decidir frente a situações conflitantes, o que não ocorre no caso dos autos. Aponta que não pode a parte autora pleitear enquadramento ou mesmo diferenças salariais, por eventual desvio de função, em face da previsão contida no art. 37, II, da CF, uma vez que vedado o provimento de cargos públicos por outro meio que não o concurso público. Postula seja excluído do cálculo das parcelas devidas os períodos de afastamentos legais (férias, licença-saúde, licença-prêmio, etc..). Aduz não prosperar a decisão que determina a aplicação de progressão funcional caso efetivamente fosse servidora ocupante do cargo paradigma. Por fim, caso mantida a condenação, requer seja determinada a compensação dos valores recebidos pela autora a título de incentivo de qualificação, bem como a aplicação da Lei 11.960/09 para fins de correção monetária e juros de mora.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do mérito
A parte autora, ocupante do cargo de Auxiliar de Enfermagem, pretende o reconhecimento do desvio de função, em razão do exercício de atividades afetas ao cargo de Técnico em Enfermagem, com o reconhecimento das respectivas diferenças remuneratórias.
Quanto ao desvio funcional, a matéria de direito não comporta maiores discussões, pois está pacificado o entendimento de que, comprovado desvio de função, o servidor tem direito às diferenças salariais, decorrentes da diferença de vencimentos entre os cargos. Trata-se de prática irregular que deve, entretanto, ser devidamente remunerada, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. Assim o STJ: "O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. Precedentes.". (Resp 619.058/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ 23/04/2007).
Assim, embora não seja possível o reenquadramento do servidor, em face da exigência constitucional de concurso para provimento em cargo público, deve ser reconhecido o seu direito à reparação pecuniária correspondente às diferenças remuneratórias entre o cargo ocupado e aquele cujas funções são efetivamente desempenhadas.
Ademais, para que reste configurado o desvio de função, é necessário que o servidor exerça funções inerentes a outro cargo de forma permanente e habitual. O exercício eventual e esporádico de atribuições que não estão previstas para o seu cargo não enseja o pagamento de indenização.
No que tange à discussão em análise nos presentes autos, em que servidora pública federal (Auxiliar de Enfermagem) busca as diferenças decorrentes do alegado desvio de função (pelo exercício das atribuições do cargo de Técnico de Enfermagem), os requisitos para procedência da ação seriam: (a) comprovar a ocorrência do desvio de função; (b) comprovar as diferenças remuneratórias existentes em decorrência do exercício das outras atribuições que não eram típicas nem previstas para seu cargo.
No caso, oportuna e adequada a compreensão do magistrado a quo, merecendo transcrição de excerto da sentença, que bem decidiu a questão, nos seguintes termos:
Desvio de função: aspectos teóricos
No Direito Administrativo, função é o conjunto de atribuições conferidas a cada cargo público, de modo a delimitar a execução de tarefas por parte do servidor público. O desvio funcional consiste na atribuição de atividades que estão fora desse conjunto, tratando-se de prática irregular, por ferir o princípio da moralidade administrativa ao permitir um ganho indevido da administração que se aproveita de servidores com menor remuneração para o exercício de atividades que exigem um maior dispêndio financeiro.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o desvio de função não permite o reenquadramento, sob pena de afronta ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal, mas autoriza o recebimento de diferenças remuneratórias, de sorte a evitar o enriquecimento ilícito da Administração (STF, AI 339.234-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 4.2.2005).
Com efeito, o servidor desviado de suas funções não pode ser reenquadrado, uma vez que o provimento em cargo público, por expressa disposição constitucional, exige prévio concurso público. No entanto, o servidor que trabalhou em funções atípicas deve ser indenizado, pagando-lhe a diferença entre os vencimentos do cargo para o qual fora originariamente aprovado em concurso público e os do efetivamente exercido. Afinal, a Administração Pública não pode se locupletar indevidamente, obrigando o servidor a trabalhar em funções não correspondentes ao cargo em que foi provido.
O direito ao pagamento das diferenças de vencimentos nos casos em que se caracteriza o desvio de função está amparada na Súmula 378 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "Súmula 378. Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes", e em decisão exaradada em sede de recurso repetitivo, no Recurso Especial 1.091.539/AP:
RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. ARTS 6º E 472 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. Precedentes.
2. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal na hipótese de ausência de prequestionamento da questão federal suscitada nas razões do recurso especial.
3. Os artigos 458, II, e 535 do Código de Processo Civil não restam malferidos quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade.
4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado.
5. Recurso especial de Leonilda Silva de Sousa provido e recurso especial do Estado do Amapá conhecido em parte e improvido. (REsp 1091539/AP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 3ª Seção. DJe 30/03/2009). Grifei.
Conforme já decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o pagamento das diferenças remuneratórias relativas ao período em que o servidor esteve desempenhando função diversa daquela para a qual foi admitido não viola o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, porque não se está admitindo o enquadramento em novo cargo, mas evitando o locupletamento ilícito por parte da Administração Pública (AgRg no Resp n° 439.244/RS).
A análise dos precedentes que a originaram revela que embora se reconheça que o servidor não pode ser reenquadrado em cargo diverso daquele para o qual foi nomeado, o direito às diferenças de vencimentos em decorrência do desempenho de outro cargo deve ser reconhecida sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública.
A impossibilidade de reenquadramento decorre dos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade administrativos e de previsão expressa do artigo 37, II, da Constituição. Entretanto, é imperativo reconhecer-se o direito à indenização da diferença entre os vencimentos, pois o servidor, independentemente disso, exerceu em prol da Administração Pública cargo de maior complexidade, recebendo em contrapartida vencimentos inferiores. A ausência do pagamento da contraprestação correspondente implica em locupletamento do ente público relativamente ao trabalho exercido por esse servidor. Isso é vedado pelo nosso ordenamento jurídico, que reconhece o direito à indenização nos casos de enriquecimento ilícito.
Por outro lado, por se tratar de uma prática administrativa irregular, é necessário que o desvio de função seja imediatamente corrigido, impondo-se o retorno do servidor ao exercício das atribuições compatíveis com o cargo que ocupa. A Constituição federal de 1988 não permite mais a hipótese de ascensão como forma de provimento de cargo público, de tal maneira que o servidor que atua em desvio de função jamais poderá titularizar, sem novo concurso público, a função que está irregularmente exercendo.
Nesse sentido, vem decidindo o TRF/4ª Região:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO E ANALISTA JUDICIÁRIO. OFICIAL DE JUSTIÇA AD HOC DA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE HABITUALIDADE. DESVIO NÃO RECONHECIDO.1. Nos termos da súmula 378 do e. STJ, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes. 2. Todavia, para que fique caracterizado o desvio de função, é necessário que o servidor permanentemente exerça funções inerentes a outro cargo. O exercício eventual e esporádico de outras atividades, além daquelas expressamente previstas para o cargo do servidor, não gera direito à indenização. Hipótese em que não se verifica habitualidade no exercício da atividade de oficial de justiça ad hoc. (TRF4, AC 5037961-53.2015.404.7100, QUARTA TURMA, Relatora LORACI FLORES DE LIMA, juntado aos autos em 23/02/2017)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. Definitivamente afastado o reenquadramento, pois indispensável perceber em definitivo valores correspondentes a cargo no qual não houve investidura decorrente do devido concurso público. 2. Para o cálculo das diferenças decorrentes do desvio de função há que se levar em conta os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente seria enquadradao autor caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, conforme decidido pela 3ª Seção do STJ. (TRF4 5013239-37.2010.404.7000, D.E. 19/04/2011)
O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. I. - O servidor público desviado de suas funções, após a promulgação da Constituição, não pode ser reenquadrado, mas tem direito ao recebimento, como indenização, da diferença remuneratória entre os vencimentos do cargo efetivo e os daquele exercido de fato. Precedentes. II. - A análise dos reflexos decorrentes do recebimento da indenização cabe ao juízo de execução. III. - Agravo não provido.(RESP 486164/SP - 1ª. T. - Rel: Min. Ricardo Lewandowski - DJU 16.02.2007, p. 42).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO À REMUNERAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Desvio de função. Direito à percepção do valor da remuneração devida, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. 3. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 623260/MG - Rel: Min. Eros Grau - 2ª T. - Rel: Min. Eros Grau, DJ 13.04.2007, p. 115).
Servidor público: o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento; no entanto, tem o servidor direito a receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado: precedentes. 2. Recurso extraordinário: inviabilidade para o reexame dos fatos da causa, que devem ser considerados na versão do acórdão recorrido (Súmula 279): Precedentes.(AI 594942 AgR/AP - 1ª T. - Rel: Min. Sepúlveda Pertence - DJ 07.12.2006, p. 45).
Ainda, em 24.04.2008, aquele Tribunal rejeitou a existência de repercussão geral sobre a matéria no RE 578657/RN, mantendo o mesmo entendimento nas decisões subsequentes.
Desse modo, na esteira das decisões citadas, uma vez caracterizado o desvio de função, deve-se reconhecer que o servidor que nessa situação se encontre faz jus às diferenças salariais.
Cumpre analisar, então, se no presente caso, ocorreu o alegado desvio, ou seja, se autora exerceu atividades correspondentes às de um enfermeiro ou técnico de enfermagem.
Do desvio de função quanto ao cargo de Técnico de Enfermagem
Os artigos 12 e 13 da Lei nº 7.498/86, a seguir transcritos, estabelecem quais são as atividades reservadas aos Técnicos e aos Auxiliares de Enfermagem
Art. 12. O Técnico de Enfermagem exerce atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, e participação no planejamento da assistência de enfermagem, cabendo-lhe especialmente: a) participar da programação da assistência de enfermagem; b) executar ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro, observado o disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei; c) participar da orientação e supervisão do trabalho de enfermagem em grau auxiliar; d) participar da equipe de saúde.
Art. 13 - O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de Enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em processos de tratamento, cabendo-lhe especialmente: a) observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas; b) executar ações de tratamento simples; c) prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente; d) participar da equipe de saúde.
O Decreto nº 94.406/87, por sua vez, ao regulamentar a Lei nº 7.498/86, estabeleceu claras distinções entre essas duas atividades:
Art. 10 – O Técnico de Enfermagem exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe:
I – assistir ao Enfermeiro:
a) no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência de Enfermagem;
b) na prestação de cuidados diretos de Enfermagem a pacientes em estado grave;
c) na prevenção e controle das doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância epidemiológica;
d) na prevenção e controle sistemático da infecção hospitalar;
e) na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde;
f) na execução dos programas referidos nas letras “”i”” e “”o”” do item II do Art. 8º.
II – executar atividades de assistência de Enfermagem, excetuadas as privativas do Enfermeiro e as referidas no Art. 9º deste Decreto:
III – integrar a equipe de saúde.
Art. 11 – O Auxiliar de Enfermagem executa as atividades auxiliares, de nível médio atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe:
I – preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos;
II – observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação;
III – executar tratamentos especificamente prescritos, ou de rotina, além de outras atividades de Enfermagem, tais como:
ministrar medicamentos por via oral e parenteral;
realizar controle hídrico;
fazer curativos;
d) aplicar oxigenoterapia, nebulização, enteroclisma, enema e calor ou frio;
e) executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas;
f) efetuar o controle de pacientes e de comunicantes em doenças transmissíveis;
g) realizar testes e proceder à sua leitura, para subsídio de diagnóstico;
h) colher material para exames laboratoriais;
i) prestar cuidados de Enfermagem pré e pós-operatórios;
j) circular em sala de cirurgia e, se necessário, instrumentar;
l) executar atividades de desinfecção e esterilização;
IV – prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua segurança, inclusive:
a) alimentá-lo ou auxiliá-lo a alimentar-se;
b) zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e de dependência de unidades de saúde;
V – integrar a equipe de saúde;
VI – participar de atividades de educação em saúde, inclusive:
a) orientar os pacientes na pós-consulta, quanto ao cumprimento das prescrições de Enfermagem e médicas;
b) auxiliar o Enfermeiro e o Técnico de Enfermagem na execução dos programas de educação para a saúde;
VII – executar os trabalhos de rotina vinculados à alta de pacientes:
VIII – participar dos procedimentos pós-morte.
(...)
Art. 13 – As atividades relacionadas nos arts. 10 e 11 somente poderão ser exercidas sob supervisão, orientação e direção de Enfermeiro.
Verifica-se, portanto, que há uma gradação quanto à complexidade das atividades desenvolvidas pelos profissionais da área de enfermagem: os Enfermeiros ocupam a cúspide dessa pirâmide funcional, ao passo que os Técnicos de Enfermagem exercem um papel intermediário. Os Auxiliares de Enfermagem, por fim, devem cumprir tarefas menos complexas e subalternas.
No caso, a autora alega desvio de função a partir do momento em que foi lotada na UTI Neonatal do Hospital de Clínicas (junho de 2008 - Ev. 1 - OUT5). Enfatizou que nunca houve, no setor onde esteve lotada, distinção entre os trabalhos realizados/executados por AUXILIAR DE ENFERMAGEM e TÉCNICO EM ENFERMAGEM, todos desenvolvendo, rotineiramente, as mesmas atividades, escalados em atendimento integral de pacientes. Alega que, desde então, exerceu diariamente funções restritas a função de Técnico em Enfermagem, citando como exemplos: Puncionar acesso venoso; aspirar cânula oro-traqueal e de traqueotomia; massagear paciente; trocar curativos; mudar decúbito no leito; proteger proeminências ósseas; aplicar bolsa de gelo e calor úmido e seco; estimular paciente (movimentos ativos e passivos); proceder à inaloterapia; estimular a função vésico-intestinal; oferecer comadre e papagaio; aplicar clister (lavagem intestinal); introduzir cateter naso-gástrico e vesical; ajudar paciente a alimentar-se; instalar alimentação induzida; controlar balanço hídrico; remover o paciente; cuidar de corpo após morte; verificar medicamentos recebidos; identificar medicação a ser administrada (leito, nome e registro do paciente); preparar medicação prescrita; verificar via de administração; preparar paciente para medicação (jejum, desjejum); executar assepsia; acompanhar paciente na ingestão de medicamento; acompanhar tempo de administração de soro e medicação; administrar em separado medicamentos incompatíveis; instalar hemoderivados; atentar para temperatura e reações de paciente em transfusões; administrar produtos quimioterápicos; auxiliar equipe em procedimentos invasivos; auxiliar em reanimação de paciente; aprontar paciente para exame e cirurgia; efetuar tricotomia; coletar material para exames; efetuar testes e exames (cutâneo, ergométrico, eletrocardiograma); controlar administração de vacinas; averiguar paciente e pertences (drogas, álcool etc.); prevenir tentativas de suicídio e situações de risco; estimular paciente na expressão de sentimentos; proteger paciente durante crises; lavar mãos antes e após cada procedimento; usar equipamento de proteção individual (EPI); precaver-se contra efeitos adversos dos produtos; providenciar limpeza concorrente e terminal; desinfectar aparelhos e materiais; esterilizar instrumental; acondicionar perfurocortante para descarte; descartar material contaminado; tomar vacinas; seguir protocolo em caso de contaminação ou acidente; comunicar ao médico efeitos adversos dos medicamentos; etiquetar prescrição médica (leito, nome e registro do paciente); registrar administração de medicação; registrar intercorrências e procedimentos realizados; manipular equipamentos; calcular dosagem de medicamentos; utilizar recursos de informática.
A Ré, por sua vez, alegou que as atividades realizadas não extrapolam as inerentes ao cargo de Auxiliar de Enfermagem, afirmando que o Técnico em Enfermagem posto tem qualificação superior em relação ao Auxiliar de Enfermagem, pratica todos os atos inerentes às suas funções, e pratica também aqueles inseridos na esfera de competência dos Auxiliares de Enfermagem. Aduz, ainda, que o mero exercício eventual e emergencial de funções que não inerentes aos seus cargos não se mostra suficiente a gerar o direito de reenquadramento ou mesmo percepção de diferenças vencimentais.
Foi realizada audiência (evento 46), em que foram tomados os depoimentos das testemunhas indicadas pela autora.
A testemunha FERNANDA APARECIA MENDES declarou que: é auxiliar de enfermagem; trabalhou com a autora na UTI Neonatal desde 2008 e a autora saiu do setor há dois anos; havia poucos técnicos e muitos auxiliares no setor; a divisão do trabalho era feita com base em atendimento integral de cada leito, o auxiliar de enfermagem realizava o atendimento integral sem supervisão de técnico ou de enfermeiro; a sra. Sirlene puncionava veia, passava sonda, curativos, auxílio à médicos; só consegue se lembrar de 2 técnicos; o enfermeiro não distinguia técnicos de auxiliares; dentre as atividades desempenhadas pela autora, a depoente cita que ela puncionava acesso venoso, inaloterapia; não havia diferença entre as atividades desempenhadas pelos técnicos e auxiliares; a escala de trabalho era uma só para técnicos e auxiliares, sem especificar as funções; não havia subordinação ou hierarquia entre técnicos e auxiliares; o auxiliar prestava atendimento integral ao paciente, assim como fazia o técnico; todos os leitos da UTI Neonatal eram para pacientes graves; caso houvesse necessidade de algum auxílio, os auxiliares requisitavam ao enfermeiro; o desempenho das atividades de técnico era habitual; a depoente continua no setor, mas não lida mais com os pacientes, somente com material; manteve contato com a autora até fevereiro de 2018, quando ela saiu do setor; não tem conhecimento das atividades atuais da autora.
A testemunha ANDREA MARA FOGAÇA declarou que: é técnica de enfermagem; trabalhou com a autora na UTI Neonatal, já trabalhava no setor antes da chegada da autora e permaneceu nele após sua saída; a autora saiu do setor por volta de 2018; eram muitos auxiliares, mais da metade, não sabe dizer quem era auxiliar e quem era técnico; o número de enfermeiros variou de dois a nenhum ao longo do período em que trabalharam juntas; havia de 25 a 30 leitos; a divisão de tarefas era feita por escala de salas; havia 4 salas funcionando, cada dia o funcionário estava em uma sala; o atendimento era integral, com o funcionário prestando atendimento ao paciente, não importando se técnico ou auxiliar; dentre as funções da autora estavam a admissão do bebê, punção da veia, passagem de cateter umbilical; as atividades eram exercidas habitualmente; com a empresa EBSERH houve mudança gradativa; a autora trabalha no setor de endoscopia; a autora fazia punção de acesso venoso, aspiração e entubação de emergência; não conseguia diferenciar qualquer diferença entre as atividades dos técnicos e dos auxiliares;
A testemunha DANIELLE GRACZYK MORAES DAIRIKI declarou que: é técnica de enfermagem; trabalhou com a autora na UTI Neonatal, por volta de oito anos; havia em média 30 leitos; sabia que a autora era auxiliar, mas não desde o começo, soube por conversas com a autora; a divisão do trabalho era por salas e, dentro de cada sala, por pacientes; a autora realizava as tarefas de técnico de enfermagem, bem como todos do setor; dentre as atividades de técnico desempenhadas pela autora, a depoente cita puncionar, instalar hemoderivados, passagem de sonda, aspiração; a maioria era de auxiliares, que posteriormente foram saindo, restando apenas técnicos; não sabe para qual setor a autora foi, após sair da UTI Neonatal; a divisão do trabalho não era pela função, mas por paciente; a depoente saiu do setor após a autora; a forma de trabalho não foi alterada antes da mudança de lotação dos auxiliares.
Considerando os depoimentos, verifico que a prova testemunhal é firme no sentido de que houve o alegado desvio de função.
Saliento que as testemunhas indicaram que não existia divisão de tarefas entre técnicos e auxiliares, não se tratando de exercício eventual ou esporádico das funções de cada cargo. De fato, as testemunhas destacaram a absoluta identidade de funções. O cotejo dessas funções com as distintas descrições do cargo permite concluir que a parte autora exercia também atividades que seriam consideradas como de técnico, em especial punção venosa e a própria assistência integral ao paciente, sem distinção no setor entre os ocupantes de um ou de outro cargo.
Diante do exposto, está suficientemente comprovado o desvio de função que, nos termos da Súmula 378 do STJ, dá à autora o direito às diferenças salariais daí decorrentes.
Quanto à diferença de remuneração, a última reestruturação do quadro de carreira da UFPR foi implementada com o advento da Lei nº 11.091/05, cuja última alteração foi realizada pela Lei 12.772/2012 (a abranger o período em discussão neste processo, dada a prescrição), observadas as progressões funcionais provenientes de antiguidade na carreira, considerada a função de técnico.
Sobre o assunto, assim tem decidido a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FUNÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. PRESCRIÇÃO. APRECIAÇÃO DA PROVA. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Não há impossibilidade jurídica quanto ao pedido de pagamento de diferenças remuneratórias decorrentes de desvio de função (Súmula 378 do STJ). 2. Aplicável ao caso a prescrição quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32. 3. O conjunto probatório presente nos autos foi devidamente apreciado pelo juízo de origem e aponta para a ocorrência do desvio de função, merecendo manutenção a sentença prolatada inclusive quanto ao termo final fixado. 4. Reconhecido o desvio de função, devem ser pagas à autora as diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tendo ela direito aos valores correspondentes aos padrões em que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidora daquela classe, e também aos reflexos remuneratórios daí decorrentes. 5. A condenação imposta à ré de pagamento de honorários no percentual de 10% do valor da condenação não fere, no presente caso, o art. 20, § 4º, do CPC/73. 6. Sentença de parcial procedência mantida. (TRF4 5058943-25.2014.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator EDUARDO GOMES PHILIPPSEN, juntado aos autos em 14/08/2017)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO CONFIGURADO. TÉCNICO DE ENFERMAGEM. ENFERMEIRO. DIFERENÇAS SALARIAIS. IMPOSTO DE RENDA E PSS. - O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. - Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças de vencimentos decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. - Os valores devidos em decorrência do desvio de função configuram contraprestação pelos serviços prestados na condição de Técnico em Enfermagem, e à evidência, têm natureza salarial/remuneratória, subsumindo-se na hipótese de incidência do IRPF, por representar acréscimo patrimonial (art. 43, CTN), bem como da contribuição para o Plano de Seguridade do Servidor Público - PSS (art. 4º, caput, §1º, da Lei 10.887/2004). (TRF4, AC 5000791-12.2013.4.04.7102, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 24/05/2017)
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. INSS. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. ANALISTA PREVIDENCIÁRIO. DESVIO DE FUNÇÃO CONFIGURADO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Está pacificado o entendimento de que, comprovado desvio de função, o servidor tem direito às diferenças salariais, decorrentes da diferença vencimental entre os cargos. Trata-se de prática irregular que deve ser devidamente remunerada, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. 2. Para a definição das atribuições do cargo de Técnico do Seguro Social, o legislador optou por adotar fórmula aberta. Previu, assim, de forma ampla e genérica, a realização de atividades técnicas e administrativas, necessárias ao desempenho das competências institucionais próprias do INSS. Não foi traçada distinção expressa em relação às atividades próprias do cargo de Analista do Seguro Social, para o qual, aliás, adotou-se idêntica técnica legislativa no art. 6º, I, d, da Lei n.º 10.667/03. 3. Não se afigura razoável, em uma estrutura de carreiras, tornar "indistintas" as atribuições de cargos distintos, inclusive no tocante ao nível de escolaridade exigido, pois os requisitos para o provimento de cargos públicos têm pertinência lógica com a natureza e a complexidade das respectivas atribuições e refletem-se no campo remuneratório. Nessa perspectiva, a distribuição de tarefas entre Técnicos e Analistas não está sujeita à "conveniência" da Administração, devendo observar essas distinções, sob pena de o gerenciamento dos recursos humanos disponíveis assumir um viés de pessoalidade prejudicial à busca de maior eficiência na prestação do serviço público. 4. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião de julgamento de recurso especial repetitivo, firmou o posicionamento de que, além de envolver as diferenças de remuneração do cargo (vencimento básico acrescido das gratificações e vantagens próprias do cargo, com reflexo na gratificação natalina, férias e diárias), conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. 5. Em relação aos honorários advocatícios, devem ser fixados de forma justa, destinados à remuneração do advogado pelo seu trabalho, resultando disso sua natureza alimentar, pois essa é a sua razão de existir. (TRF4 5000619-08.2011.4.04.7210, TERCEIRA TURMA, Relator EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, juntado aos autos em 10/11/2016)
Cumpre frisar que, no cálculo da indenização, deverão ser levados em conta, conforme postulado na inicial, todos os consectários legais que a autora efetivamente recebeu como auxiliar de enfermagem. Como parâmetro de remuneração deverá ser adotada aquela devida para a classe padrão inicial da carreira de Técnico de Enfermagem.
Desse modo, para todos os efeitos, judicialmente deve ser deferido ao servidor a indenização desse desvio, que corresponde à diferença remuneratória entre seu cargo efetivo e aquela condição laboral que ele desempenhou efetivamente, qual seja, aquela desviada, e isso certamente incluirá o pagamento das verbas salariais correspondentes aos afastamentos legais durante o tempo que a autora permaneceu em desvio de função de forma ininterrupta e habitual.
Com efeito, o desvio de função não ocorre de forma eventual ou em intervalos curtos. Em casos como a ora examinado, a Administração confere aos servidores o conjunto de atribuições de outro cargo público. Assim, a adequada e proporcional reparação só é obtida com o pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo exercido em desvio, incluindo, portanto, férias e gratificações natalinas, e sem qualquer redução decorrente de afastamentos ou licenças. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DE LABORATÓRIO. DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO. INDENIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. - A matéria atinente aos efeitos do desvio de função de servidor público já se encontra consolidada no sentido de evitar o enriquecimento sem causa da Administração Pública. Assim, embora não seja possível o reenquadramento do servidor, em face da exigência constitucional de concurso para provimento em cargo público, deve ser reconhecido o seu direito à reparação pecuniária correspondente às diferenças remuneratórias entre o cargo ocupado e aquele cujas funções são efetivamente desempenhadas. - O desvio de função, em casos como o dos autos, não se dá de forma eventual ou em intervalos curtos. Em hipóteses como a ora examinada, a administração confere aos servidores o conjunto de atribuições de outro cargo público. Assim, a adequada e proporcional reparação só é obtida com o pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo exercido em desvio, incluindo, portanto, férias e gratificações natalinas, e sem qualquer redução decorrente de afastamentos ou licenças. - A especificação da taxa de juros e dos índices de correção monetária deve ser diferida para a fase da execução, de modo a racionalizar o andamento do processo. (TRF4, APELREEX 5015874-65.2013.404.7200, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 21/10/2015)
Portanto, os afastamentos legais, previstos no art. 102, da Lei 8112/1990, constituem para todos os efeitos como efetivo exercício, e não devem ser desconsiderados para apuração dos valores devidos à parte autora.
Dessa forma, nos termos do entendimento do STJ, já acima referido, deve ser reconhecido o direito da autora aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidora daquela classe, e não ao padrão inicial (REsp 1091539/AP (2008/0216186-9), Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Órgão Julgador S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 26/11/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 30/03/2009).
Nesse mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. DESVIO DE FUNÇÃO. TELEFONISTA E ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO. CONFIGURADO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. POSSIBILIDADE. CÁLCULO DAS DIFERENÇAS. PARÂMETROS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL Nº 810. 1. A teor da Súmula n. 378 do STJ, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". 2. O conjunto probatório demonstra a ocorrência de desvio de função, pois, inobstante a autora estivesse investida no cargo de Telefonista, os serviços por ela prestados de forma efetiva e habitual na condição de Coordenadora de Grupo de Trabalho não guardavam consonância e compatibilidade com as atribuições do cargo de origem, mas sim com as atribuições próprias, e mais complexas, do cargo de Assistente em Administração. 3. Configurado o desvio funcional quando a Administração altera e modifica as funções originais do servidor, destinando-lhe atividades de maior complexidade e que exige determinada qualificação, sem a devida contraprestação pecuniária, configurando locupletamento ilícito. 4. Para o cálculo das diferenças remuneratórias devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o servidor conquistaria gradativamente, caso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial. 5. Concluído o julgamento do RE nº 870.947, em regime de repercussão geral, definiu o STF que, em relação às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 6. No que se refere à atualização monetária, o recurso paradigma dispôs que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra. (TRF4, AC 5009421-61.2016.4.04.7002, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA. DJE 27/03/2018).
Correto, igualmente, o entendimento adotado por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, nos seguintes termos:
A insurgência da embargante contra a sentença do evento 52 toma por base a omissão em apreciar pedido deduzido na contestação de compensação dos valores recebidos pela autora à título de adicional de qualificação.
Os embargos opostos pela UFPR merecem ser acolhidos. Efetivamente a sentença não esclareceu o ponto referente à compensação dos valores recebidos a título de incentivo à qualificação. Assim, passo a analisar a questão suscitada.
O adicional de incentivo à qualificação foi instituído pela lei 11.091/2005:
Art. 11. Será instituído Incentivo à Qualificação ao servidor que possuir educação formal superior ao exigido para o cargo de que é titular, na forma de regulamento.
Art. 12. O Incentivo à Qualificação terá por base percentual calculado sobre o padrão de vencimento percebido pelo servidor, na forma do Anexo IV desta Lei, observados os seguintes parâmetros: (Redação dada pela Lei nº 11,784, de 2008)
I - a aquisição de título em área de conhecimento com relação direta ao ambiente organizacional de atuação do servidor ensejará maior percentual na fixação do Incentivo à Qualificação do que em área de conhecimento com relação indireta; e
II - a obtenção dos certificados relativos ao ensino fundamental e ao ensino médio, quando excederem a exigência de escolaridade mínima para o cargo do qual o servidor é titular, será considerada, para efeito de pagamento do Incentivo à Qualificação, como conhecimento relacionado diretamente ao ambiente organizacional.
§ 1º Os percentuais do Incentivo à Qualificação não são acumuláveis e serão incorporados aos respectivos proventos de aposentadoria e pensão.
§ 2º O Incentivo à Qualificação somente integrará os proventos de aposentadorias e as pensões quando os certificados considerados para a sua concessão tiverem sido obtidos até a data em que se deu a aposentadoria ou a instituição da pensão. (Redação dada pela Lei nº 11.233, de 2005)
§ 3º Para fins de concessão do Incentivo à Qualificação, o Poder Executivo definirá as áreas de conhecimento relacionadas direta e indiretamente ao ambiente organizacional e os critérios e processos de validação dos certificados e títulos, observadas as diretrizes previstas no § 2º do art. 24 desta Lei.
§ 4º A partir de 1º de janeiro de 2013, o Incentivo à Qualificação de que trata o caput será concedido aos servidores que possuírem certificado, diploma ou titulação que exceda a exigência de escolaridade mínima para ingresso no cargo do qual é titular, independentemente do nível de classificação em que esteja posicionado, na forma do Anexo IV. (Incluído pela Lei nº 12.772, de 2012)
A Lei n. 11.091/2005 foi regulamentada pelo Decreto n. 5.824, de 29.06.2006:
Art. 1o O Incentivo à Qualificação será concedido aos servidores ativos, aos aposentados e aos instituidores de pensão com base no que determina a Lei no 11.091, de 12 de janeiro de 2005, e no estabelecido neste Decreto.
§ 1o A implantação do Incentivo à Qualificação dar-se-á com base na relação dos servidores habilitados de que trata o art. 20 da Lei no 11.091, de 2005, considerados os títulos obtidos até 28 de fevereiro de 2005, que será homologada pelo colegiado superior da Instituição Federal de Ensino - IFE.
§ 2o Após a implantação, o servidor que atender ao critério de tempo de efetivo exercício no cargo, estabelecido no art. 12 da Lei no 11.091, de 2005, poderá requerer a concessão do Incentivo à Qualificação, por meio de formulário próprio, ao qual deverá ser anexado o certificado ou diploma de educação formal em nível superior ao exigido para ingresso no cargo de que é titular.
§ 3o A unidade de gestão de pessoas da IFE deverá certificar se o curso concluído é direta ou indiretamente relacionado com o ambiente organizacional de atuação do servidor, no prazo de trinta dias após a data de entrada do requerimento devidamente instruído.
§ 4o O Incentivo à Qualificação será devido ao servidor após a publicação do ato de concessão, com efeitos financeiros a partir da data de entrada do requerimento na IFE.
§ 5o No estrito interesse institucional, o servidor poderá ser movimentado para ambiente organizacional diferente daquele que ensejou a percepção do Incentivo à Qualificação.
§ 6o Caso o servidor considere que a movimentação possa implicar aumento do percentual de Incentivo à Qualificação, deverá requerer à unidade de gestão de pessoas, no prazo de trinta dias, a contar da data de efetivação da movimentação, a revisão da concessão inicial.
§ 7o Na ocorrência da situação prevista no § 6o, a unidade de gestão de pessoas deverá pronunciar-se no prazo de trinta dias a partir da data de entrada do requerimento do servidor, sendo que, em caso de deferimento do pedido, os efeitos financeiros dar-se-ão a partir da data do ato de movimentação.
§ 8o Em nenhuma hipótese poderá haver redução do percentual de Incentivo à Qualificação percebido pelo servidor.
§ 9o Os percentuais para a concessão do Incentivo à Qualificação são os constantes do Anexo I.
Conforme os dispositivos transcritos, para o recebimento do incentivo de qualificação, é necessário que o beneficiário possua educação formal superior à exigida pelo cargo ocupado.
A autora foi investida no cargo de auxiliar em enfermagem que exige qualificação inferior aquela exigida para o cargo de técnico em enfermagem.
A decisão ora embargada reconheceu que a autora trabalhou em desvio de função e condenou a UFPR ao pagamento das diferenças entre os vencimentos dos cargos de Técnico de Enfermagem e de Auxiliar de Enfermagem, ou seja, a autora perceberá os valores correspondentes à remuneração do cargo que exige escolaridade superior para seu desempenho. Em princípio, acaso a autora recebesse incentivo à qualificação em decorrência de qualificação de técnico de enfermagem, justificar-se-ia o abatimento das quantias recebidas a título de incentivo à qualificação para que não ocorresse enriquecimento sem causa da parte autora e injustificada violação ao princípio da isonomia. No entanto, o caso que se apresenta é diverso, pois a autora recebe desde 13/06/2011 incentivo à qualificação em função de conclusão de curso de ensino superior (ev.7.4), e não em função de titulação de técnico em enfermagem:
Assim, ainda que fosse ocupante do referido cargo de técnico em enfermagem, a servidora continuaria a fazer jus à referida parcela remuneratória. Tal fato deve ser considerado na elaboração dos cálculos a serem apresentados pela parte autora por ocasião do cumprimento da sentença.
De modo a impedir que o incentivo à qualificação incida duas vezes, devem ser levados em conta todos os consectários legais que a autora efetivamente recebeu como auxiliar de enfermagem (incluído o incentivo à qualificação), que deverão ser compensados com a indenização baseada na remuneração que a autora receberia caso integrasse a carreira de técnicos em enfermagem, incluindo o incentivo incidente sobre a remuneração dessa carreira.
Destaco que tal conclusão pode ser extraída dos seguintes trechos da sentença:
Cumpre frisar que, no cálculo da indenização, deverão ser levados em conta, conforme postulado na inicial, todos os consectários legais que a autora efetivamente recebeu como auxiliar de enfermagem. Como parâmetro de remuneração deverá ser adotada aquela devida para a classe padrão inicial da carreira de Técnico de Enfermagem.
e
No cálculo a ser apresentado pela parte autora, devem ser consideradas expressamente as progressões funcionais recebidas para apontar o vencimento básico em cada período.
Da análise da legislação de regência, percebe-se que Auxiliares e Técnicos de enfermagem exercem, por vezes, as mesmas atividades, até mesmo porque ambos integram a equipe de saúde e contam com escolaridade de nível médio.
No entanto, a mesma legislação evidencia que há diferenças relevantes entre os dois cargos, já que existem atividades que devem ser exercidas exclusivamente pelos Técnicos de Enfermagem, que realizam funções mais parecidas com as desempenhadas pelos enfermeiros. Aos Técnicos, a legislação de regência atribuiu a execução de atividade de programar a assistência de enfermagem (art. 12, I, Lei nº 7.498/86), excetuadas as privativas de enfermeiro. Já aos auxiliares, foram designadas tarefas operacionais, relacionadas à higiene e ao conforto do paciente, bem como ações de tratamento simples, excluindo o cuidado direto dos pacientes em estado grave.
Ademais, quanto às atividades atribuídas à equipe de enfermagem, optou o legislador por especificar aquelas que poderiam ser exercidas pelos Auxiliares, na medida em que elencou o rol do artigo 11 do Decreto nº 94.406/87. No entanto, deixou de adotar essa técnica de especificação das atividades para os Técnicos, aos quais coube, de forma genérica, "executar atividades de assistência de Enfermagem, excetuadas as privativas do Enfermeiro e as referidas no Art. 9º" do Decreto.
Por outro lado, ressalta-se que o Técnico participa da orientação e supervisão do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, enquanto que o Auxiliar de Enfermagem não deve orientar nem supervisionar nenhum outro profissional, apenas observando, reconhecendo e descrevendo sinais e sintomas, executando ações de tratamento simples.
Observa-se que, ainda que as tarefas dos dois cargos se assemelhem, as atividades dos Auxiliares de Enfermagem são tarefas de menor complexidade do que as dos Técnicos. Tais diferenças entre os profissionais devem ser observadas nas rotinas do ambiente hospitalar, sob pena de restar configurado o desvio de função.
In casu, o conjunto probatório carreado aos autos, demonstra a inexistência de distinção entre Técnicos e Auxiliares quanto às atividades prestadas dentro da UTI Neonatal do Hospital de Clínicas, inclusive no que se refere às de maior complexidade, as quais eram realizadas de forma habitual, em função da alta demanda de serviço e da insuficiência de funcionários no cargo de Técnico de Enfermagem, restando configurado o desvio de função.
Nesse sentido, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, as quais afirmaram que a autora exerceu permanentemente funções inerentes aos Técnicos de Enfermagem.
Registro que a eventual supervisão das atividades por enfermeiro não descaracteriza o desvio, pois a suposta supervisão não é fator suficiente para se exigir da autora a prática de atribuições que não são inerentes ao seu cargo, mas sim de cargo superior
Confira-se o entendimento pacífico desta Corte ao apreciar casos idênticos, conforme recentes julgados que restaram assim ementados:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. DESVIO DE FUNÇÃO. CARACTERIZADO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESEMPENHO HABITUAL DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS DO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. 1. A teor da Súmula n. 378 do STJ, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". 2. Para a caracterização do desvio de função, necessária a comprovação do efetivo e habitual desempenho pelo servidor público de atribuições de cargo diverso, estranhas ao seu cargo originário, não configurando irregularidade o exercício eventual e esporádico de atividades de outro cargo. 3. A legislação distingue as atribuições dos cargos de auxiliar de enfermagem, ao qual cabe a execução de ações de tratamento simples, e de técnico de enfermagem, responsável pelas ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do cargo de enfermeiro. 4. A prova dos autos demonstrou que a parte autora, embora investida no cargo de auxiliar de enfermagem, desempenhava com habitualidade atividades que integram o plexo de atribuições legalmente reservadas aos técnicos de enfermagem, restando caracterizado o desvio de função, fazendo jus às diferenças remuneratórias pretendidas. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014410-98.2016.4.04.7200, 3ª Turma , Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 08/06/2018)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. Definitivamente afastado o reenquadramento, pois indispensável perceber em definitivo valores correspondentes a cargo no qual não houve investidura decorrente do devido concurso público. 2. A legislação de regência prevê atividades semelhantes para auxiliares e técnicos de enfermagem, mas as atividades daqueles são tarefas de menor complexidade que as dos técnicos, evidenciando-se o desvio funcional quando a partir de prova documental e testemunhal restar comprovada a prática de funções típicas do cargo de técnico em enfermagem, de forma habitual, sem distinção entre os servidores auxiliares e técnicos nas equipes de trabalho do hospital. 3. O servidor público que desempenha funções alheias ao cargo para o qual foi originalmente provido, decorrente de desvio de função, faz jus ao pagamento das diferenças salariais correspondentes ao período, sob pena de locupletamento indevido por parte da Administração Pública.Mantido o entendimento do acórdão embargado no sentido de que não restou configurado o desvio de função no caso em análise, pois não se vislumbra que as tarefas desempenhadas pela parte autora eram, de modo permanente, exclusivas do cargo de técnico de enfermagem. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004913-39.2016.4.04.7110, 3ª Turma , Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/10/2017)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESEMPENHO DE ATIVIDADES PRÓPRIAS DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO. INDENIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. A legislação de regência prevê atividades semelhantes para Auxiliares e Técnicos de Enfermagem, mas as atividades daqueles são tarefas de menor complexidade que as dos Técnicos. Evidencia-se o desvio funcional quando, a partir de prova documental e testemunhal, restar comprovada a prática de funções típicas do cargo de Técnico em Enfermagem, de forma habitual, sem distinção entre os servidores Auxiliares e Técnicos nas equipes de trabalho do hospital. Reconhecido o desvio de função, o servidor tem direito ao pagamento, a título indenizatório, das diferenças remuneratórias existentes entre o cargo para o qual foi contratado e o que efetivamente exerce, enquanto se mantiver o desvio. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004999-44.2015.404.7110, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/05/2017)
Quanto ao cálculo das diferenças remuneratórias devidas, ressalto que deverão ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o autor faria jus caso integrassem a categoria funcional paradigma, e não correspondente ao padrão inicial. Neste sentido:
RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. ARTS 6º E 472 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 535DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. (...) 4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. 5. Recurso especial de Leonilda Silva de Sousa provido e recurso especial do Estado do Amapá conhecido em parte e improvido. (STJ, 3ª Seção, REsp 1091539/AP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSISMOURA, julgado em 26/11/2008, DJe 30/03/2009 - grifei)
Do mesmo modo, não prospera a pretensão de afastar a indenização nos períodos de afastamentos legais do trabalho. Na hipótese, a situação de desvio manteve-se por todo período reconhecido na sentença, de modo que deverá ser realizado o pagamento dos valores correspondentes à remuneração integral do cargo exercido em desvio, incluindo, portanto, férias e gratificações natalinas, e sem qualquer redução decorrente de afastamentos ou licenças.
Por fim, caso o incentivo à qualificação percebido decorra da conclusão do curso de Técnico em Enfermagem, deverá ser abatido eventual quantum recebido a esse título.
Atente-se que somente será abatido o adicional em discussão caso percebido em decorrência de curso de capacitação que constitua requisito para ingresso na carreira paradigma. Dessa forma, na hipótese de comprovação de que a verba seja decorrente de curso diverso de Técnico de Enfermagem, conforme comprovado pelo documento do Evento 7, OUT4, não haverá qualquer abate.
Portanto, devidamente comprovado que a autora exerceu funções que vão além das atribuições regulares de seu cargo, não merece reforma a sentença, a qual resta integralmente mantida em seus termos.
Juros de mora e correção monetária
Com relação aos juros moratórios e correção monetária de débitos não tributários incidentes sobre as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, segundo critérios previstos no art. 1º- F da Lei nº 9.497/97, com redação conferida pela Lei nº 11.960/09, o STF, apreciando o tema 810 da Repercussão Geral (RE 870.947), fixou as seguintes teses:
a) ... quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;
b) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
A partir desse julgamento, passei a determinar a incidência do IPCA-E, ao invés da TR, por ser o índice que melhor reflete a inflação acumulada no período. Ademais, a aplicação de tal índice de atualização monetária passou a contar com o respaldo da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, quando apreciou o Tema 905.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática do Ministro Luiz Fux, em razão do pedido de modulação dos efeitos do acórdão proferido no julgamento do RE nº 870.947, deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais.
Da referida decisão, datada de 24/09/2018, ressalta-se o seguinte fundamento:
Desse modo, a imediata aplicação do decisum embargado pelas Instâncias a quo, antes da apreciação por esta Suprema Corte do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida, pode realmente dar ensejo à realização de pagamentos de consideráveis valores, em tese, a maior pela Fazenda Pública, ocasionando grave prejuízo às já combalidas finanças públicas.
Contudo, em Sessão Extraordinária, em 03/10/2019, o Corte Suprema, por maioria, acabou por rejeitar todos os embargos de declaração e decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade da TR e não havendo modulação dos efeitos, fica estabelecida a aplicação do IPCA-E para o cálculo da atualização monetária.
Dos honorários advocatícios
O atual CPC inovou de forma significativa com relação aos honorários advocatícios, buscando valorizar a atuação profissional dos advogados, especialmente pela caracterização como verba de natureza alimentar (§ 14, art. 85, CPC) e do caráter remuneratório aos profissionais da advocacia.
Cabe ainda destacar que o atual diploma processual estabeleceu critérios objetivos para fixar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do § 3º, incisos I a V, do art. 85. Referidos critérios buscam valorizar a advocacia, evitando o arbitramento de honorários em percentual ou valor aviltante que, ao final, poderia acarretar verdadeiro desrespeito à profissão. Ao mesmo tempo, objetiva desestimular os recursos protelatórios pela incidência de majoração da verba em cada instância recursal.
A partir dessas considerações, tenho que os honorários advocatícios foram adequadamente fixados.
De qualquer maneira, levando em conta o improvimento do recurso, associado ao trabalho adicional realizado nesta Instância, no sentido de manter a sentença de procedência, a verba honorária deve ser majorada em favor do patrono da parte vencedora.
Assim sendo, em atenção ao disposto no art. 85, § 2º c/c §§ 3º e 11, do novo CPC, majoro a verba honorária em 2% (dois por cento) incidentes sobre o valor da condenação.
Conclusão
Mantém-se integralmente a sentença quanto ao mérito.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte ré.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001983553v4 e do código CRC b0c91fd1.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5007777-84.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (RÉU)
APELADO: SIRLENE RIBAS DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: MARCELO ROSEMBACK RIBEIRO (OAB PR029253)
ADVOGADO: RAFAEL LEONARDO BERNA SANABRIA (OAB PR029277)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESEMPENHO DE ATIVIDADES PRÓPRIAS DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO. INDENIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS.
1. A legislação de regência prevê atividades semelhantes para Auxiliares e Técnicos de Enfermagem, mas as atividades daqueles são tarefas de menor complexidade que as dos Técnicos. Evidencia-se o desvio funcional quando, a partir de prova documental e testemunhal, restar comprovada a prática de funções típicas do cargo de Técnico em Enfermagem, de forma habitual, sem distinção entre os servidores Auxiliares e Técnicos nas equipes de trabalho do hospital.
2. Reconhecido o desvio de função, o servidor tem direito ao pagamento, a título indenizatório, das diferenças remuneratórias existentes entre o cargo para o qual foi contratado e o que efetivamente exerce, enquanto se mantiver o desvio.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte ré, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001983554v3 e do código CRC 4288ce59.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5007777-84.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (RÉU)
APELADO: SIRLENE RIBAS DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: MARCELO ROSEMBACK RIBEIRO (OAB PR029253)
ADVOGADO: RAFAEL LEONARDO BERNA SANABRIA (OAB PR029277)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 807, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE RÉ.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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