Apelação/Remessa Necessária Nº 5002277-85.2020.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (INTERESSADO)
APELADO: CLAUDETE ALEXANDRINA BARATIERI ALTMANN (IMPETRANTE)
APELADO: REITOR - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM - SANTA MARIA (IMPETRADO)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA contra sentença que concedeu ao pedido de manutenção do cômputo do tempo especial reconhecido em procedimento administrativo referente a licenças de saúde, tanto para fins de aposentadoria quanto de abono de permanência.
Eis o dispositivo:
ANTE O EXPOSTO, concedo a segurança postulada para anular o ato praticado pela Autoridade Coatora de deduzir do tempo especial líquido apurado no Processo SEI 23081.021701/2017-81, os 395 dias correspondente às licenças para tratamento de saúde gozadas pela impetrante CLAUDETE, determinando que a Autoridade Coatora se abstenha de efetuar esta mesma dedução quando do encaminhamento do futuro pedido de aposentadoria ou abono de permanência.
Sem condenação em honorários, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
A parte impetrada deverá restituir o valor das custas judiciais adiantadas pela impetrante.
A UFRGS apela sustentando que as condições de trabalho da autora não foram suficientes para preencher os requisitos para o reconhecimento de tempo de serviço especial e que o mandado de injunção impetrado pela apelada - MI nº 4.481, apenas determinou a análise do requerimento quanto ao tempo especial e, não, sua efetiva contagem. Aponta a aplicação do art. 103 da lei 8.112/90 e que, nos termos do art. 186, §2, da lei 8.112/90, entendia-se pelo indeferimento do pedido de tempo especial porque ausente lei específica para servidores estatutários. Aduz que é imprescindível que o Serviço de Perícia Oficial da Coordenadoria de Qualidade de Vida do Servidor (CQVS) da PROGEP/UFSM realize a avaliação técnica do tempo/período questionado e de seu (não) enquadramento, a partir da jornada de trabalho total, da (im)possibilidade de caracterização como exposição habitual e permanente aos agentes nocivos e/ou prejudiciais à saúde ou, ainda, de acordo com a espécie de afastamento legal obtido, e que no presente caso da autora, houve análise das atividades da impetrante e concluiu-se que a autora não faz jus à conversão de tempo especial em todos os períodos postulados, eis que não exerceu atividades expostas a condições especiais/insalubres de forma habitual e permanente em razão dos afastamentos, como demonstrado.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Em que pese a insurgência recursal, afiguram-se irrefutáveis as considerações desenvolvidas na sentença recorrida, as quais transcrevo tomando-as como próprias, eis que despiciendo utilizar-se de tautologia para exame de situações jurídicas aqui envolvidas. Verbis:
Trata-se de demanda em que a parte impetrante, servidora pública federal, postula o reconhecimento dos períodos de afastamento por motivo de tratamento de saúde própria, entre 1994 e 2019, como de efetivo exercício laboral especial. Requer, ainda, a determinação para revisão e retificação do tempo de serviço trabalhado em atividade especial para fins de aposentadoria especial.
Quanto à concessão de aposentadoria especial para os servidores públicos, o inciso III do §4º do art. 40 da Constituição Federal de 1988 estabelece que não haverá aposentadoria especial até o advento de legislação complementar que a regulamente.
Ao seu turno, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, no art. 186, §2º, assegura que nos casos de exercício de atividades consideradas nocivas à saúde, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, 'a' e 'c', observará o disposto em lei específica.
Em que pese tais previsões, ainda não foi editada lei complementar regulando a concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos. Em razão disso, foi editada a Súmula Vinculante n. 33 do Supremo Tribunal Federal, a qual prevê que "aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica".
A aposentadoria especial do Regime Geral da Previdência Social está disciplinada no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, nos seguintes termos:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
O Decreto n° 3.048/91, que regulamenta a lei previdenciária, assim dispõe em seu art. 65:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
No caso em apreço, a parte autora insurge-se contra o não cômputo como atividade exercida em condições especiais os períodos em que esteve afastado para tratamento da saúde.
Conforme entendimento já firmado nas Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, a licença saúde do servidor público, para os fins requeridos nestes autos, equipara-se ao auxílio-doença do Regime Geral, uma vez que em ambos os casos o afastamento do trabalho foi em decorrência de enfermidades que impossibilitaram o exercício do labor. Nesse sentido, o julgamento n° 5007948-31.2016.4.04.7102/RS, Quinta Turma, Relator Andrei Pitten Velloso, julgado em 30/03/2017.
Diante disso, forçoso reconhecer como especial o período em que a autora esteve afastado para tratamento de sua saúde e restou exposto, no período imediatamente anterior, a agentes nocivos/insalubres.
Assim, o pedido deve ser julgado procedente para reconhecer o direito da parte autora a contabilização do tempo de serviço em condições especiais dos períodos de afastamento para tratamento da saúde, devendo a parte ré proceder à revisão e retificação do tempo de serviço trabalhado em atividade especial, para fins de aposentadoria especial ou pagamento de abono de permanência.
Com efeito, cumpre referir que não há controvérsia sobre a aplicabilidade das regras estabelecidas no art. 57 da Lei nº 8.213/91 para a concessão do benefício de aposentadoria especial aos servidores públicos. A pretensão está amparada por decisão proferida no Mandado de Injunção nº 880, movido por diversas entidades sindicais perante o STF.
Nesse diapasão, tem-se que o STF reconheceu a mora legislativa em relação ao assunto, editando a Súmula Vinculante nº 33, nos seguintes termos:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral da Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Assim, plenamente possível o reconhecimento do direito de servidor público à concessão de aposentadoria especial, nos moldes da legislação aplicável ao RGPS, até o advento da regulamentação do art. 40, §4º, inciso III, da Constituição Federal.
A contagem de prazo diferenciado para atividades laborativas consideradas prejudiciais à saúde tem sido objeto de diversos regramentos ao longo do tempo, introduzidos e modificados pelas leis e decretos que se sucederam desde o início do período indicado na petição inicial até a presente data. Cumpre destacar que o enquadramento de determinada atividade como especial, a prova desse enquadramento e a possibilidade de contagem diferenciada são regulados pelas normas vigentes ao tempo da prestação do serviço.
No caso, a celeuma é outra, é o não computo do tempo de licença-saúde gozado pela autora.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região em decisão uniformizadora definiu que os períodos de auxílio-doença não podem ser descontados do cômputo para aposentadoria em hipótese alguma, consoante se verifica pela decisão prolatada pela 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5017896-60.2016.4.04.0000/RS com a seguinte ementa:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 8. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.
Desta forma, afastou-se a restrição estabelecida no parágrafo único do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) referente à contagem como tempo de serviço especial dos períodos de afastamento decorrentes de tratamento de saúde. Entendeu-se que a contagem também engloba os períodos de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da enfermidade com a atividade profissional do segurado.
Apesar de tal raciocínio ter sido tecido em relação ao RGPS, ele é perfeitamente reflexível e aplicável à hipótese dos autos. Isso porque aqui também há limitação infralegal feita pelo art. 22 da Orientação Normativa nº 16/2013 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por se tratar de tempo especial de servidor público federal.
Cumpre salientar que o tempo de serviço especial não considerado corresponde a períodos nos quais a Administração concedeu à servidora licenças para tratamento da própria saúde, não abrangendo afastamentos, como, por exemplo, licença para tratamento de saúde de pessoa da família, participação em programa de treinamento, pós-graduação, capacitação.
Nesta linha, o julgado desta turma analisando pedido similar:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE POR ENFERMIDADE NÃO CLASSIFICADA COMO DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. IRDR (TEMA 8). POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Na linha do que restou decidido no julgamento do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional -cujo raciocínio se coaduna perfeitamente com a hipótese ora em apreço -, os períodos de licença usufruídos pela servidora para fins de tratamento da própria saúde devem ser computados como tempo de serviço especial, independentemente de comprovação da relação de causalidade entre a doença incapacitante e o exercício do cargo público.
2. Caso em que mantida a sentença de procedência, porquanto a impetrante possui direito líquido e certo ao cômputo como tempo de serviço especial dos períodos nos quais esteve afastada em gozo de licença para tratamento da própria saúde.
(TRF4, AC 5058696-05.2018.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 30/07/2019)
Portanto, o período em que o servidor estiver afastado para tratamento de saúde deve ser contado como especial.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa necessária e à apelação.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5002277-85.2020.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (INTERESSADO)
APELADO: CLAUDETE ALEXANDRINA BARATIERI ALTMANN (IMPETRANTE)
APELADO: REITOR - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM - SANTA MARIA (IMPETRADO)
EMENTA
Administrativo. servidor público. LICENÇA PARA TRATAMENTO de SAÚDE. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. IRDR (TEMA 8).
Quando do julgamento do do IRDR 5017896-60.2016.4.04.0000, afastou-se a restrição estabelecida no parágrafo único do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) referente à contagem como tempo de serviço especial dos períodos de afastamento decorrentes de tratamento de saúde. Portanto, o período em que o servidor estiver afastado para tratamento de saúde deve ser contado como especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de abril de 2021.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002419861v4 e do código CRC 62e08c20.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 05/04/2021 A 13/04/2021
Apelação/Remessa Necessária Nº 5002277-85.2020.4.04.7102/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM (INTERESSADO)
APELADO: CLAUDETE ALEXANDRINA BARATIERI ALTMANN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: GREGOR DAVILA COELHO (OAB RS074205)
ADVOGADO: GIOVANI BORTOLINI (OAB RS058747)
ADVOGADO: LORIVAN DA SILVA BASTARRICA (OAB RS114036)
APELADO: REITOR - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM - SANTA MARIA (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2021, às 00:00, a 13/04/2021, às 14:00, na sequência 297, disponibilizada no DE de 22/03/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA E À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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