APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026100-70.2015.4.04.7100/RS
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA MARTINI DEGRAZIA |
ADVOGADO | : | LUCIDIO LUIZ CONZATTI |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO. REVISÃO. REGISTRO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. FORMA DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/1999.
1. A inexistência de decadência para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício é restrita ao Tribunal de Contas da União, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos.
2. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para "(...) anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários (...)", nos termos do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por dar parcial provimento à apelação e à remessa necessária tida por interposta, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de abril de 2017.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8914443v9 e, se solicitado, do código CRC B78D864F. | |
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| Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
| Data e Hora: | 27/04/2017 23:02 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026100-70.2015.4.04.7100/RS
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA MARTINI DEGRAZIA |
ADVOGADO | : | LUCIDIO LUIZ CONZATTI |
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em ação ordinária, com pedido de tutela provisória de urgência, que discutiu sobre pedido de provimento jurisdicional de desconstituição do ato administrativo que determinou a revisão de sua pensão (processo nº 50610.000653/2005-00) e o reconhecimento do direito à paridade de seus proventos com os vencimentos dos servidores ativos.
A parte autora alegou ser pensionista de servidor aposentado do Ministério dos Transportes falecido em 22/04/2005. Mencionou que o órgão concessor procedeu à revisão de seu benefício, reduzindo o valor da renda mensal, para adequá-lo ao disposto na Emenda Constitucional nº 41/2003 e na Lei nº 10.887/2004. Argumentou que a Administração decaiu do direito de revisar a pensão na forma da Lei nº 9.784/1999. Sustentou que o instituidor do benefício se aposentou em 02/08/1983 e que, para fins de avaliação do direito adquirido à paridade, é tal data que deve ser considerada, em detrimento da data da concessão da pensão. Postulou a concessão de tutela antecipada para que fosse determinado à ré o restabelecimento do valor do benefício atentando à paridade.
A sentença julgou procedente o pedido (Evento 15), assim constando do dispositivo:
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, extinguindo o processo com a resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC para determinar à ré que mantenha a apuração da pensão tal como foi deferida, com os mesmos fundamentos legais do ato de concessão, e condená-la a pagar à parte-autora as parcelas suprimidas em razão da revisão do benefício realizada a partir de março de 2015, corrigidas monetariamente de acordo com a variação do IPCA-E, desde a data em que cada prestação deveria ter sido adimplida, e acrescidas de juros de mora de 6% ao ano incidentes a partir da citação.
Defiro a tutela provisória de urgência para determinar à ré que restabeleça de imediato o pagamento da pensão nos moldes em que vinha sendo feito anteriormente à revisão.
Defiro a prioridade na tramitação do feito.
Partes isentas de custas (art. 4º, I e II, da Lei nº 9.289/96). Em razão da sua sucumbência, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios cujo percentual sobre a condenação será definido em liquidação, com base no art. 85, §3º e §4º, II, do CPC, devendo ser aplicado o percentual mínimo fixado no § 3º.
Havendo interposição de recurso, caberá à Secretaria intimar a parte-contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sentença não sujeita à remessa necessária, na forma do art. 496, § 3º, I, do CPC, considerando o valor nominal projetado das diferenças mensais discutidas (R$ 9.684,45) e o período de sua apuração (a contar de março de 2015), o que implica condenação inferior a mil salários mínimos."
Apela a União (Evento 22), alegando que o instituidor do benefício percebido pela postulante veio a falecer na data de 22/04/2005, sendo a legislação aplicável à concessão da pensão aquela vigente à época do óbito, no caso, o novo regime previdenciário instituído pela Emenda Constitucional nº 41/2003 e instrumentalizado pela Medida Provisória nº 167/2004, posteriormente convertida na Lei nº 10.887/2004, que afastou o antigo regime de concessão pela regra da paridade dos proventos da pensão com a remuneração do servidor. Defende a legalidade da revisão do benefício de pensão da autora e que, somente após o julgamento pelo Tribunal de Contas da União do ato de concessão da pensão da autora, é que passaria a fluir o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999. Mantida a sentença, postula a aplicação do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997 com a redação determinada pela Lei nº 11.960/2009.
Houve contrarrazões.
O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
A discussão posta nestes autos diz respeito à análise de pedido de provimento jurisdicional de desconstituição do ato administrativo que determinou a revisão de sua pensão (processo nº 50610.000653/2005-00) e o reconhecimento do direito à paridade de seus proventos com os vencimentos dos servidores ativos.
Remessa necessária
Cabe conhecer da remessa necessária, pois, nos termos do artigo 496, inciso I, do novo Código de Processo Civil, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal. Com essas considerações, dou por interposta a remessa necessária.
Mérito
Acerca da questão posta sob análise nos autos, mantenho e adoto como razão de decidir a sentença da juíza federal Graziela Cristine Bündchen, que julgou procedente o pedido nos seguintes termos, grifei:
"Da decadência
Observa-se, na hipótese, que a parte-autora teve concedida, em 11/08/2005 (evento 11 OFIC2 p.3), na condição de viúva, a pensão instituída por Fernando Bruno de Carvalho Degrazia, ex-servidor do Ministério dos Transportes, aposentado desde 02/08/83 e cujo óbito ocorreu em 22/04/05. Não houve o registro da pensão pelo TCU e a parte-ré, em julho de 2014 (evento 1 PROCADM4), notificou a parte-autora acerca da revisão do benefício para recalculá-lo na forma da EC nº 41/03 e da Lei nº 10.887/04, que eliminaram a paridade remuneratória, ocasionando a redução da renda mensal. A revisão questionada, saliente-se, não decorreu de atuação do TCU no exercício do controle externo da legalidade do ato de concessão do benefício, mas de procedimento instaurado pelo próprio órgão concessor (Divisão de Concessão e Revisão de Pensões do Ministério dos Transportes - evento 1 PROCADM4 p. 3).
Nesse contexto, impõe-se a análise da decadência do direito da Administração de anular/revisar o ato administrativo de concessão da pensão.
A Administração está autorizada a revisar os atos administrativos quando verificada alguma irregularidade, nos termos das Súmulas 346 e 473 do STF:
Súmula 346 - A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Todavia, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 prevê o prazo decadencial de cinco anos para a referida revisão, nos seguintes termos:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
Na hipótese, observa-se que o Ministério dos Transportes implantou a pensão em agosto de 2005 e instaurou processo administrativo para a revisão do valor do benefício, alterando o seu fundamento legal, apenas em julho de 2014, conforme demonstram os documentos acostados aos autos (evento 1 PROCADM4 e evento 11 OFIC2), quando decorridos mais de 8 anos do deferimento da prestação.
Nesse contexto, não obstante o posicionamento pessoal em sentido contrário, verifica-se que o STF firmou o entendimento no sentido de que a decadência prevista no art. 54 da Lei n.º 9.784/99 não se consumaria no período compreendido entre a concessão do benefício (aposentadoria, pensão ou reforma) e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União - no exercício da competência constitucional de controle externo (art. 71, III, da CF) -, por se tratar de ato complexo que só se aperfeiçoaria com o respectivo registro na Corte de Contas.
Todavia, cumpre referir que o TCU não possui prazo ilimitado para examinar a legalidade da concessão de benefícios, sob pena de violação dos princípios da eficiência da Administração Pública e da segurança jurídica. Ademais, a ausência de prévia manifestação da referida Corte sobre o ato concessório não afasta a fluência do prazo decadencial para os demais órgãos da Administração Pública procederem à sua revisão.
No caso em tela, ressalte-se, a revisão não decorreu de atuação do TCU no exercício do controle externo da legalidade do ato que deferiu a pensão, mas de procedimento instaurado pela própria Administração, o que, na esteira da jurisprudência da 4ª Turma do TRF da 4ª Região, autoriza o cômputo do prazo decadencial de 5 anos para a revisão a contar do ato concessório. Nesse sentido, excerto do voto abaixo transcrito (TRF4, AC 5007064-43.2014.404.7208, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 12/08/2016), cujos fundamentos adoto como razões de decidir:
"(...) Ocorre que, a administração simplesmente procedeu à redução dos proventos de pensão, após decorridos mais de 8 (oito) anos de sua concessão, em flagrante inobservância e desrespeito ao que dispõem os princípios da segurança jurídica, decadência e desnecessidade de reposição ao erário das verbas percebidas de boa-fé.
Em face dessas circunstâncias, e considerando que a revisão da pensão da autora não decorreu de atuação do Tribunal de Contas da União no exercício de controle externo de legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, mas, sim, de revisão do ato de concessão de vantagens pela Administração, impõe-se a observância do prazo decadencial previsto na Lei, a contar da data de publicação da Portaria que a deferiu (01/11/2005).
Ilustra esse posicionamento a manifestação desta Turma no julgamento da apelação/reexame necessário n.º 5002262-69.2013.404.7100/RS:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA. PRAZO DECADENCIAL. LEI Nº 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para 'anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários', nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato. A inexistência de decadência para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício é restrita ao Tribunal de Contas da União, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos. À luz do princípio da segurança jurídica, a Administração não pode proceder a uma abrupta redução dos proventos de aposentadoria do servidor, sem prévia informação ou justificativa, nem tampouco determinar a cobrança de valores a título de reposição ao erário, quando, por erro, foram recebidos de boa-fé, dado o caráter irrepetível. (TRF4, 4ª Turma, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 5002262-69.2013.404.7100, Rel. Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/04/2015 - grifei)
Do voto condutor, transcrevo a seguinte passagem:
(...)
Ainda que se argumente com a inexistência de decadência para o exercício do controle da legalidade do ato de concessão do benefício pelo TCU, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos, os órgãos da Administração, diversamente, no exercício do poder/dever de autotutela, estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para 'anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários', conforme previsto no art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato. Portanto, a aposentadoria concedida há mais de cinco anos não pode mais ser anulada pela Administração, tendo decaído a possibilidade de revisão (salvo, naturalmente, a hipótese de comprovada má-fé do beneficiário).
Reafirmo, por oportuno, que, conquanto as subsequentes alterações dos proventos de aposentadoria/pensão devam ser submetidas à apreciação do Tribunal de Contas da União, a ausência de prévia manifestação da referida Corte sobre o ato concessório não afasta a fluência do prazo decadencial para os demais órgãos da Administração Pública procederem a sua revisão.
Ilustram tal entendimento:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. DECADÊNCIA. SUPRESSÃO. DEVOLUÇÃO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. - As parcelas remuneratórias em discussão vêm sendo pagas há mais de cinco anos, o que impede a supressão de tal pagamento pela Administração, ante a ocorrência de decadência, na forma do artigo 54 da Lei n.º 9.784/99. - Os valores recebidos de boa fé pelo servidor não são passíveis de devolução. Precedentes. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5066644-37.2014.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 30/09/2015)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA PELO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. REGISTRO PELO TCU. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. INAPLICABILIDADE. RESTITUIÇÃO VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCABIMENTO. BOA-FÉ . Diante do princípio da segurança jurídica, há um limite ao direito da Administração em proceder a revisão de ato administrativo, sobretudo em se tratando de verba alimentar recebida de boa-fé pelo destinatário. Inteligência do artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Não se desconhece o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não se aplica o art. 54 da Lei nº 9.784/99 aos processos em que o TCU exerce competência constitucional de controle externo, na medida em que a concessão de aposentadoria é ato jurídico complexo que se aperfeiçoa com a manifestação de mais de um órgão e com o registro no TCU. Entretanto, a situação examinada nestes autos apresenta a peculiaridade de que não se trata de simples impugnação da concessão da aposentadoria pelo Tribunal de Contas da União, e sim pretensão da própria Administração revisar seu próprio ato mais de cinco anos após o recebimento dos proventos da mesma forma. . Ainda que se queira, no caso concreto, contar a decadência a partir do registro da aposentadoria pelo TCU, a Administração caducou do direito à revisão porque notificou o servidor mais de cinco anos após o aperfeiçoamento do ato de jubilamento. Hipótese em que não se verifica ilegalidade no recebimento da rubrica opção FC 55%. . Incabível a repetição ao Erário dos valores pagos indevidamente pela Administração quando o servidor age com boa-fé. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5067728-73.2014.404.7100, 4ª TURMA, Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 07/08/2015)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE benefício de aposentadoria. DECADÊNCIA. Embora a concessão de aposentadoria consubstancie ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se com a apreciação da legalidade pelo TCU, não é razoável que o servidor aguarde tal providência indefinidamente, devendo-se preservar a estabilidade das relações jurídicas firmadas e o direito adquirido e incorporado ao patrimônio material e moral do particular. Impõe-se, portanto, que a verificação da legalidade do mesmo aconteça em lapso temporal razoável, sob pena dedecadência. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5065223-12.2014.404.7100, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/06/2015)
Outrossim, mantido o pagamento da pensão na sua totalidade, em razão do reconhecimento da decadência, é indevida a realização de descontos nos proventos do autor a título de reposição ao erário. Ademais, ainda que fosse reconhecida a possibilidade de supressão das vantagens ora controvertidas, a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de ser inviável a exigência de devolução de valores pagos a maior, por alteração de interpretação ou equívoco da Administração, quando recebidos de boa-fé pelo servidor/pensionista:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ERRO COMETIDO PELA ADMINISTRAÇÃO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. BOA-FÉ. É cediço na jurisprudência o entendimento no sentido de que é inexigível a devolução de verbas remuneratórias recebidas de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei ou, ainda, erro operacional cometido pela Administração. (TRF4, 4ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL nº 5013683-02.2012.404.7000, Rel. Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/04/2015)
Destarte, dá-se provimento à apelação da parte autora para declarar a decadência do direito da Administração de revisar o ato administrativo que determinou a concessão de pensão, nos termos do art. 54, da Lei n. 9.784/99, devendo-lhe serem pagas as parcelas atrasadas desde a revisão do benefício."
Nessa esteira, em que pese a apuração da pensão por morte deferida à autora não esteja adequada à Lei vigente na data do óbito do instituidor - fato gerador do benefício que disciplina seus parâmetros -, considerando que a EC nº 41/2003 extinguiu a paridade de proventos e vencimentos entre ativos e inativos do serviço público, não restou configurada fraude ou má-fé por parte da demandante, incidindo o prazo decadencial instituído pela Lei nº 9.784/99. Assim, verifica-se que restou extrapolado o prazo de 5 anos para a revisão do valor da pensão, tendo se operado a decadência, o que impõe a manutenção da forma de cálculo do benefício da requerente. Desse modo, deve ser mantido o pagamento da pensão nos moldes em que vinha sendo feito antes da revisão questionada.
As parcelas devidas e não adimplidas em razão da revisão (que reduziu a renda mensal de R$ 22.516,94 para R$ 12.832,49 a contar de março de 2015 - evento 11 OFIC2 p.25 -) devem ser acrescidas de correção monetária de acordo com a variação do IPCA-E, desde a data em que cada uma deveria ser paga à demandante, e juros de mora de 6% ao ano, incidentes a contar da citação. É inaplicável a TR, conforme decisão proferida pelo STF na ADI nº 4.357.
Quanto à tutela provisória de urgência, inicialmente, cumpre referir que a medida postulada não é satisfativa, porquanto viável o restabelecimento do estado anterior caso não acolhida, ao final, a tese da parte-autora. Ademais, não se verifica o enquadramento nas hipóteses legais de vedação à tutela liminar contra o Poder Público previstas nas Leis n.º 8.437/1992 e 12.016/2009, razão pela qual se impõe a análise dos requisitos previstos no art. 300 do CPC para sua concessão, consubstanciados na existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Na hipótese, há mais que probabilidade do direito, há juízo de certeza estabelecido em face da análise da prova carreada aos autos e do confronto dos fatos controvertidos, das teses discutidas e das questões jurídicas sustentadas pelos litigantes. Da mesma forma, resta configurado o perigo de dano, ante a natureza alimentar da prestação suprimida, impondo-se o deferimento da tutela provisória de urgência para restabelecer o valor do benefício revisto.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, extinguindo o processo com a resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC para determinar à ré que mantenha a apuração da pensão tal como foi deferida, com os mesmos fundamentos legais do ato de concessão, e condená-la a pagar à parte-autora as parcelas suprimidas em razão da revisão do benefício realizada a partir de março de 2015, corrigidas monetariamente de acordo com a variação do IPCA-E, desde a data em que cada prestação deveria ter sido adimplida, e acrescidas de juros de mora de 6% ao ano incidentes a partir da citação.
Defiro a tutela provisória de urgência para determinar à ré que restabeleça de imediato o pagamento da pensão nos moldes em que vinha sendo feito anteriormente à revisão.
Defiro a prioridade na tramitação do feito.
Partes isentas de custas (art. 4º, I e II, da Lei nº 9.289/96). Em razão da sua sucumbência, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios cujo percentual sobre a condenação será definido em liquidação, com base no art. 85, §3º e §4º, II, do CPC, devendo ser aplicado o percentual mínimo fixado no § 3º.
Havendo interposição de recurso, caberá à Secretaria intimar a parte-contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sentença não sujeita à remessa necessária, na forma do art. 496, § 3º, I, do CPC, considerando o valor nominal projetado das diferenças mensais discutidas (R$ 9.684,45) e o período de sua apuração (a contar de março de 2015), o que implica condenação inferior a mil salários mínimos."
Salvo em relação à correção monetária e aos juros de mora, a manutenção da sentença de procedência é medida que se impõe. Sobre o assunto, trago à consideração precedente desta Turma em que fui relator e que assim restou ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. REGISTRO PELO TCU. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 2º DA LEI Nº 8.911/1994. RESTITUIÇÃO VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCABIMENTO. BOA-FÉ. 1. A inexistência de decadência para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício é restrita ao Tribunal de Contas da União, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos. 2. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para 'anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários', nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato. 3. Reconhecido o direito do autor à manutenção da vantagem prevista no artigo 2º da Lei nº 8.911/1994. 3. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de ser inviável a exigência de devolução de valores pagos a maior, por alteração de interpretação ou equívoco da Administração, quando recebidos de boa-fé pelo servidor/pensionista. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5069621-02.2014.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/12/2016)
Correção monetária e juros de mora
No tópico, merecem parcial provimento a apelação e a remessa necessária tida por interposta.
Com relação à correção monetária e aos juros, apesar de haver uma série de entendimentos consolidados na jurisprudência, e que são inafastáveis, há ainda intensa controvérsia nos Tribunais quanto à aplicação da regra do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, que previu a aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança aos débitos judiciais.
Com efeito, o entendimento até então pacífico na jurisprudência pela aplicação da regra da Lei 11.960/2009 restou abalado com a decisão do STF no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que declarou a inconstitucionalidade, por arrastamento, da expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" contida no art. 5º da lei. Essa decisão, que criou aparente lacuna normativa relativamente à atualização de débitos judiciais, foi seguida de decisão do STJ que, em sede de recurso especial repetitivo, preconizou a aplicação, no período em foco, dos critérios de remuneração e juros aplicáveis à caderneta de poupança apenas a título de juros moratórios, concomitantemente à aplicação da variação do IPCA como índice de atualização monetária (REsp 1.270.439/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26/06/2013, DJe 02/08/2013).
Ainda que os acórdãos proferidos no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inclusive quanto à modulação de seus efeitos, decidida na sessão de 25 de março de 2015) tenham sido largamente utilizados como fundamento para inúmeras decisões judiciais versando sobre atualização e juros de débitos judiciais no período anterior à sua inscrição em precatório (inclusive do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial repetitivo), sobreveio nova decisão do STF no julgamento da Repercussão Geral no RE 870.947, em 14 de abril de 2015, no sentido de que aquelas decisões se referiam, em verdade, apenas ao período posterior à expedição do requisitório, e não ao período anterior, no qual a controvérsia sobre a constitucionalidade da atualização pela variação da TR permanecia em aberto. Dessa forma, o "Plenário virtual" do STF reconheceu a repercussão geral da controvérsia sobre "a validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial - TR), conforme determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09", de forma que essa questão deverá ser objeto de apreciação futura do Pleno do STF.
Diante deste quadro de incerteza quanto ao tópico e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória da lide, entendo ser o caso de relegar para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de atualização monetária e juros a serem aplicados no período posterior à entrada em vigor da Lei 11.960/2009 (período a partir de julho de 2009, inclusive), quando provavelmente a questão já terá sido dirimida pelos tribunais superiores, entendimento ao qual a decisão muito provavelmente teria de se adequar ao final e ao cabo, tendo em vista a sistemática dos recursos extraordinários e especiais repetitivos prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC. Evita-se, assim, que o processo fique paralisado, ou que seja submetido a sucessivos recursos e juízos de retratação, com comprometimento do princípio da celeridade processual, apenas para resolver questão acessória, quando a questão principal ainda não foi inteiramente solvida.
Nessa perspectiva, quanto aos juros e à correção monetária, restam fixados os seguintes balizamentos:
(a) dado tratar-se de entendimento pacificado, fica desde já estabelecido que os juros moratórios e a correção monetária relativos a cada período são regulados pela lei então em vigor, conforme o princípio tempus regit actum; consequentemente, sobrevindo nova lei que altere os respectivos critérios, a nova disciplina legal tem aplicação imediata, inclusive aos processos já em curso. Ressalto, contudo, que essa aplicação não tem efeito retroativo, ou seja, não alcança o período de tempo anterior à lei nova, que permanece regido pela lei então vigente, nos termos do que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.205.946/SP (02/02/2012);
(b) da mesma forma, por não comportar mais controvérsias, até junho de 2009, inclusive, a correção monetária e os juros devem ser calculados conforme os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal e modificado pela Resolução 267/2013 do mesmo órgão, respeitada a natureza do débito;
(c) quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei 11.960/2009 (julho de 2009), conforme antes afirmado, a decisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da execução do julgado, à luz do entendimento pacificado que porventura já tenha já emanado dos tribunais superiores, sem prejuízo, obviamente, da aplicação de eventual legislação superveniente que trate da matéria, sem efeitos retroativos.
Honorários advocatícios
Acerca do assunto, não cabe manifestação deste Tribunal em sede de remessa necessária, considerando-se que a fixação dos honorários advocatícios foi postergada para a fase de liquidação de sentença nos seguintes termos: "Em razão da sua sucumbência, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios cujo percentual sobre a condenação será definido em liquidação, com base no art. 85, §3º e §4º, II, do CPC, devendo ser aplicado o percentual mínimo fixado no § 3º."
Conclusão
Na questão de fundo, não verificando motivos que justifiquem a alteração do posicionamento adotado, mantenho a sentença que foi proferida no sentido de julgar procedente o pedido para determinar à ré que mantenha a apuração da pensão tal como foi deferida, com os mesmos fundamentos legais do ato de concessão, e condená-la a pagar à parte autora as parcelas suprimidas em razão da revisão do benefício realizada a partir de março de 2015, corrigidas monetariamente, desde a data em que cada prestação deveria ter sido adimplida, e acrescidas de juros de mora, bem com para confirmar a tutela provisória de urgência para determinar à ré que restabeleça de imediato o pagamento da pensão nos moldes em que vinha sendo feito anteriormente à revisão em discussão.
Parcialmente providas a apelação e a remessa necessária tida por interposta para fixar a correção monetária e os juros de mora em conformidade com o entendimento da Turma acerca do assunto.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa necessária tida por interposta.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026100-70.2015.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50261007020154047100
RELATOR | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO |
APELADO | : | MARIA MARTINI DEGRAZIA |
ADVOGADO | : | LUCIDIO LUIZ CONZATTI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/04/2017, na seqüência 408, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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