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ADMINISTRATIVO. TEMPO ESPECIAL PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA, ANTES DO INGRESSO DO SERVIDOR NO SERVIÇO PÚBLICO. AVERBAÇÃO NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCI...

Data da publicação: 03/07/2020, 21:57:03

EMENTA: ADMINISTRATIVO. TEMPO ESPECIAL PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA, ANTES DO INGRESSO DO SERVIDOR NO SERVIÇO PÚBLICO. AVERBAÇÃO NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS. VEDAÇÃO EXISTENTE NO INC. I DO ART. 96 DA LEI N. 8.213/91, E NO INC. I DO ART. 4º DA LEI N. 6.226/75, CONFORME INTERPRETAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCONSTITUCIONALIDADE POR AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DO DIREITO ADQUIRIDO. 1. A Lei n. 8.213/91 assegura aos beneficiários do RGPS duas possibilidades: (a) aposentadoria especial (art. 57, caput); e (b) aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, com o cômputo de tempo fictício, decorrente da conversão do tempo especial em comum (§ 5º do art. 57). 2. Aos servidores públicos, é possível vislumbrar a existência de quatro possibilidades distintas: (a) aposentadoria especial; (b) conversão de tempo especial em comum exercido pelo servidor público no serviço público; (c) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS quando o servidor público, embora já ostentasse essa condição, era celetista; e (d) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público. 3. Embora ausente lei específica, o Supremo Tribunal Federal vem assegurando a possibilidade de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos, cabendo ao órgão a que se encontram vinculados analisar o implemento dos requisitos legais, considerando, para tanto, o disposto no art. 57 da LBPS. Sobre o tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, datada de 09-04-2014, aprovou a Proposta de Súmula Vinculante n. 45, com o seguinte teor: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.". 4. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal tem entendido como inviável o cômputo de tempo ficto prestado no serviço público, seja porque há vedação expressa no § 10 do art. 40 da Constituição Federal, seja porque o art. 40, § 4º, da Carta Magna, prevê apenas a possibilidade de concessão de aposentadoria especial. 5. No entanto, o STF vem reconhecendo o direito de o servidor público ex-celetista averbar, no RPPS, o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum prestado no RGPS, se o segurado, à época, já era servidor público. 6. Quanto à conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público, o Supremo Tribunal Federal, aparentemente, ainda não se manifestou. A questão, contudo, vem sendo apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou posição no sentido de ser inviável a contagem recíproca, no Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, de tempo de serviço ficto prestado no âmbito do RGPS, a teor do disposto no art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, e no art. 96, I, da Lei n. 8.213/91. 7. Quanto ao segurado vinculado ao RGPS, tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a do Superior Tribunal de Justiça são pacíficas, desde longa data, no sentido de que o reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador, de modo que, prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida. 8. Dentro dessa perspectiva, o mesmo fundamento utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para autorizar o cômputo do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum, qual seja, o direito adquirido (prestado o serviço sob condições nocivas quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado), é válido para o caso de conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público. 9. A incorporação do tempo especial ao patrimônio jurídico do segurado ocorre independentemente de a vinculação ao RGPS dar-se na condição de servidor público celetista ou na condição de segurado obrigatório do RGPS. Em ambos os casos o trabalhador exerceu suas atividades no Regime Geral da Previdência Social, e em ambos os casos tem direito adquirido à contagem diferenciada do tempo de serviço. 10. Se o fundamento para o STF deferir a averbação, no RPPS, do tempo especial dos servidores públicos ex-celetistas, é o de que esse direito se incorporou ao patrimônio jurídico do segurado antes da vigência da Lei 8.112/90, não pode haver distinção entre o segurado que já era "empregado público" e aquele que não era, pois, em ambos os casos, quando da prestação da atividade, eram segurados do RGPS. Entender-se que o primeiro possui direito à contagem diferenciada do tempo de serviço e o segundo não, consubstancia afronta direta ao princípio da igualdade e ao direito adquirido constitucionalmente assegurados. 11. Nessa linha de raciocínio, tanto o art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, quanto o inc. I do art. 96 da Lei n. 8.213/91, se interpretados no sentido de que constituem óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, acabam por ferir a garantia constitucional do direito adquirido e o princípio da isonomia. 12. O § 10 do art. 40 da Constituição Federal de 1988 não pode ser empecilho para a averbação do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum. Se assim fosse, a mesma disposição constitucional teria obrigatoriamente de funcionar como óbice também para a averbação do tempo ficto do servidor público ex-celetista, haja vista que este, também, terá averbado acréscimo decorrente de conversão de tempo especial em comum para futura concessão de benefício pelo RPPS. 13. Em conclusão, o art. 4º, inc. I, da Lei 6.226/75 e o art. 96, inc. I, da Lei n. 8.213/91 não podem constituir óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, sob pena de tratar de forma diferente situações jurídicas idênticas, incorrendo assim em violação aos princípios constitucionais da igualdade e do direito adquirido. 14. Em relação ao art. 4º, inc. I, da Lei 6226/75, dado que consubstancia norma pré-constitucional incompatível com a Constituição superveniente, impõe-se um juízo negativo de recepção, na linha da jurisprudência consolidada do egrégio STF. 15. Declarada a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 96, inc. I, da LBPS, e do art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75. (TRF4, ARGINC 0006040-92.2013.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, D.E. 15/06/2015)


D.E.

Publicado em 16/06/2015
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS
RELATOR
:
Des. Federal CELSO KIPPER
INTERESSADO
:
JOAO PEDRO KLIEMANN
ADVOGADO
:
Alberto Hugo Kliemann e outro
INTERESSADO
:
DESEMBARGADOR(A) FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Procuradoria-Regional da União
SUSCITANTE
:
CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. TEMPO ESPECIAL PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA, ANTES DO INGRESSO DO SERVIDOR NO SERVIÇO PÚBLICO. AVERBAÇÃO NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS. VEDAÇÃO EXISTENTE NO INC. I DO ART. 96 DA LEI N. 8.213/91, E NO INC. I DO ART. 4º DA LEI N. 6.226/75, CONFORME INTERPRETAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCONSTITUCIONALIDADE POR AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A Lei n. 8.213/91 assegura aos beneficiários do RGPS duas possibilidades: (a) aposentadoria especial (art. 57, caput); e (b) aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, com o cômputo de tempo fictício, decorrente da conversão do tempo especial em comum (§ 5º do art. 57).
2. Aos servidores públicos, é possível vislumbrar a existência de quatro possibilidades distintas: (a) aposentadoria especial; (b) conversão de tempo especial em comum exercido pelo servidor público no serviço público; (c) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS quando o servidor público, embora já ostentasse essa condição, era celetista; e (d) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público.
3. Embora ausente lei específica, o Supremo Tribunal Federal vem assegurando a possibilidade de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos, cabendo ao órgão a que se encontram vinculados analisar o implemento dos requisitos legais, considerando, para tanto, o disposto no art. 57 da LBPS. Sobre o tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, datada de 09-04-2014, aprovou a Proposta de Súmula Vinculante n. 45, com o seguinte teor: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.".
4. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal tem entendido como inviável o cômputo de tempo ficto prestado no serviço público, seja porque há vedação expressa no § 10 do art. 40 da Constituição Federal, seja porque o art. 40, § 4º, da Carta Magna, prevê apenas a possibilidade de concessão de aposentadoria especial.
5. No entanto, o STF vem reconhecendo o direito de o servidor público ex-celetista averbar, no RPPS, o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum prestado no RGPS, se o segurado, à época, já era servidor público.
6. Quanto à conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público, o Supremo Tribunal Federal, aparentemente, ainda não se manifestou. A questão, contudo, vem sendo apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou posição no sentido de ser inviável a contagem recíproca, no Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, de tempo de serviço ficto prestado no âmbito do RGPS, a teor do disposto no art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, e no art. 96, I, da Lei n. 8.213/91.
7. Quanto ao segurado vinculado ao RGPS, tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a do Superior Tribunal de Justiça são pacíficas, desde longa data, no sentido de que o reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador, de modo que, prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida.
8. Dentro dessa perspectiva, o mesmo fundamento utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para autorizar o cômputo do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum, qual seja, o direito adquirido (prestado o serviço sob condições nocivas quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado), é válido para o caso de conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público.
9. A incorporação do tempo especial ao patrimônio jurídico do segurado ocorre independentemente de a vinculação ao RGPS dar-se na condição de servidor público celetista ou na condição de segurado obrigatório do RGPS. Em ambos os casos o trabalhador exerceu suas atividades no Regime Geral da Previdência Social, e em ambos os casos tem direito adquirido à contagem diferenciada do tempo de serviço.
10. Se o fundamento para o STF deferir a averbação, no RPPS, do tempo especial dos servidores públicos ex-celetistas, é o de que esse direito se incorporou ao patrimônio jurídico do segurado antes da vigência da Lei 8.112/90, não pode haver distinção entre o segurado que já era "empregado público" e aquele que não era, pois, em ambos os casos, quando da prestação da atividade, eram segurados do RGPS. Entender-se que o primeiro possui direito à contagem diferenciada do tempo de serviço e o segundo não, consubstancia afronta direta ao princípio da igualdade e ao direito adquirido constitucionalmente assegurados.
11. Nessa linha de raciocínio, tanto o art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, quanto o inc. I do art. 96 da Lei n. 8.213/91, se interpretados no sentido de que constituem óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, acabam por ferir a garantia constitucional do direito adquirido e o princípio da isonomia.
12. O § 10 do art. 40 da Constituição Federal de 1988 não pode ser empecilho para a averbação do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum. Se assim fosse, a mesma disposição constitucional teria obrigatoriamente de funcionar como óbice também para a averbação do tempo ficto do servidor público ex-celetista, haja vista que este, também, terá averbado acréscimo decorrente de conversão de tempo especial em comum para futura concessão de benefício pelo RPPS.
13. Em conclusão, o art. 4º, inc. I, da Lei 6.226/75 e o art. 96, inc. I, da Lei n. 8.213/91 não podem constituir óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, sob pena de tratar de forma diferente situações jurídicas idênticas, incorrendo assim em violação aos princípios constitucionais da igualdade e do direito adquirido.
14. Em relação ao art. 4º, inc. I, da Lei 6226/75, dado que consubstancia norma pré-constitucional incompatível com a Constituição superveniente, impõe-se um juízo negativo de recepção, na linha da jurisprudência consolidada do egrégio STF.
15. Declarada a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 96, inc. I, da LBPS, e do art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do inciso I do artigo 96 da Lei n. 8.213/91, no tocante à sua aplicação às hipóteses de contagem diferenciada (ponderada), no Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais, do acréscimo decorrente da conversão, em comum, de tempo de serviço em atividades exercidas sob condições especiais, em período em que vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por afronta aos princípios da igualdade e do direito adquirido, insculpidos no art. 5º, caput, e inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, bem como, nas mesmas hipóteses acima mencionadas, a não recepção, pela Constituição atual, do art. 4º, inciso I, da Lei 6226/75, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de maio de 2015.
Des. Federal CELSO KIPPER
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal CELSO KIPPER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7348976v19 e, se solicitado, do código CRC 9C4FDF3C.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Celso Kipper
Data e Hora: 05/06/2015 16:46




ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS
RELATOR
:
Des. Federal CELSO KIPPER
INTERESSADO
:
JOAO PEDRO KLIEMANN
ADVOGADO
:
Alberto Hugo Kliemann e outro
INTERESSADO
:
DESEMBARGADOR(A) FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Procuradoria-Regional da União
SUSCITANTE
:
CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
RELATÓRIO
Na sessão de julgamento realizada em 23-10-2014, esta Corte Especial, por maioria, acolheu o incidente de arguição de inconstitucionalidade do inciso I do artigo 96 da Lei n. 8.213/91, e do inciso I do artigo 4º da Lei n. 6.226/75, no tocante à sua aplicação às hipóteses de contagem diferenciada (ponderada), no Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos Federais, do acréscimo decorrente da conversão, em comum, de tempo de serviço em atividades exercidas sob condições especiais, em período em que vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por afronta aos princípios da igualdade e do direito adquirido, insculpidos no art. 5º, caput, e inc. XXXVI, da Constituição Federal de 1988. Também deliberou pela suspensão do processo e a respectiva remessa dos autos ao Ministério Público Federal para parecer acerca da inconstitucionalidade, ou não, das normas arguidas.
Devidamente intimada, a União nada requereu. O Ministério Público Federal, por meio de parecer de lavra da douta Procuradora Regional da República Andrea Falcão de Moraes, manifestou-se pelo provimento do incidente de arguição de inconstitucionalidade (fls. 96-97).
Após, vieram os autos conclusos para julgamento do mérito do incidente.

VOTO
O contexto da presente arguição
JOÃO PEDRO KLIEMANN, servidor público federal lotado neste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, impetrou mandado de segurança contra o ato do Exmo. Senhor Presidente desta Corte, consubstanciado no indeferimento do pedido de averbação, no Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos Federais (RPPS), do acréscimo decorrente da conversão, em comum, do tempo de serviço especial de 15-10-1987 a 30-05-1995, prestado na EMBRATEL (Empresa Brasileira de Telecomunicações), quando o impetrante era vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Importante referir que o tempo de serviço de 15-10-1987 a 30-05-1995 foi reconhecido como especial em anterior ação previdenciária ajuizada pelo impetrante contra o INSS (processo n. 2010.71.50.023907-0, com trânsito em julgado em 01-08-2012), cuja procedência do pedido restringiu-se à expedição, pela Autarquia, de Certidão de Tempo de Contribuição com o tempo comum e com o acréscimo de 03 anos e 18 dias decorrentes da conversão, pelo fator 1,4, do tempo especial em comum. De referir, também, que o tempo comum de 15-10-1987 a 30-05-1995 já foi averbado por este Tribunal, e que o presente mandado discute apenas o indeferimento do pedido de averbação do acréscimo de 03 anos e 18 dias decorrentes da conversão do tempo especial em comum.
O Relator do mandado de segurança, Des. Federal Rômulo Pizzolatti, denegou a ordem, ao fundamento de que a Constituição Federal assegura a contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, porém jamais contagem recíproca de tempo de serviço fictício de um regime (v.g, RGPS) para outro (v.g, regime próprio de previdência dos servidores federais) que não o preveja (v.g, Lei nº 8.112, de 1990). Divergiu o Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, concedendo a segurança. Na sequência, pedi vista dos autos para melhor apreciação, e concluí por suscitar incidente de inconstitucionalidade, acolhido na sessão de julgamento da Corte Especial realizada em 23-10-2014, como mencionado no relatório.
Resta a esta Corte Especial, portanto, o exame da constitucionalidade dos dispositivos legais arguidos.
Mérito
Com o fim de evitar a repetição de fundamentos, reproduzo aqueles que expendi por ocasião da instauração do incidente de inconstitucionalidade (sessão de 23-10-2014), verbis:
"DA APOSENTADORIA ESPECIAL E DA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM NO RGPS
A possibilidade de concessão de aposentadoria com contagem de tempo especial para os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) vem assegurada no § 1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (...).
Dentro desse prisma, a Lei n. 8.213/91 assegura aos beneficiários do RGPS duas possibilidades:
a) aposentadoria especial (art. 57, caput);
b) aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, com o cômputo de tempo fictício, decorrente da conversão do tempo especial em comum (§ 5º do art. 57).
DA APOSENTADORIA ESPECIAL E DA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM NO SERVIÇO PÚBLICO
Em relação aos servidores públicos, é possível vislumbrar a existência de quatro possibilidades distintas:
a) aposentadoria especial;
b) conversão de tempo especial em comum exercido pelo servidor público no serviço público;
c) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS quando o servidor público, embora já ostentasse essa condição, era celetista;
d) conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público.
Passo a analisar, para que se tenha uma melhor visualização da questão posta no presente feito, todas as possibilidades acima.
A) Aposentadoria especial:
Para os servidores públicos (titulares de cargo efetivo) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos quais é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, o inc. III do § 4º do art. 40 da Carta Magna de 1988 veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
A Lei n. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, no § 2º do art. 186, assegura que nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, "a" e "c" [aposentadoria voluntária aos 30 e aos 35 anos de contribuição], observará o disposto em lei específica.
Não obstante a previsão constitucional e a disposição expressa na Lei n. 8.112/90, até o momento, ainda não há lei complementar disciplinando a aposentadoria especial dos servidores públicos. Em face disso, o Supremo Tribunal Federal vem concedendo inúmeros Mandados de Injunção a servidores para, reconhecendo a omissão legislativa em face da ausência de lei complementar que defina as condições para o implemento da aposentadoria especial, garantir que o órgão ao qual pertencem analise a possibilidade de concessão de aposentadoria especial à luz do disposto no art. 57 da LBPS. Nesse sentido: AgR no MI 930, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Teori Zavascki, julgado em 17-10-2013; AgR no MI 2139, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 17-10-2013; AgR no MI 4457, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 18-02-2013; e MI 795-1, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 15-04-2009, dentre outros.
Dos julgados acima referidos, transcrevo as seguintes ementas:
MANDADO DE INJUNÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APLICAÇÃO DAS NORMAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AGRAVOS DESPROVIDOS.
1. Segundo a jurisprudência do STF, a omissão legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição, deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99. Ainda, o STF tem competência para apreciar os mandados de injunção impetrados por servidores públicos municipais, estaduais e distritais. Fundamentos observados pela decisão agravada.
2. Agravos regimentais desprovidos.
(AgR no MI 930, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Teori Zavascki, julgado em 17-10-2013)
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA.
1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade.
2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial.
3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.
(MI 795-1, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 15-04-2009)
Veja-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, datada de 09-04-2014, aprovou a Proposta de Súmula Vinculante n. 45, com o seguinte teor: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.".
Portanto, ainda que ausente lei específica, o STF vem assegurando a possibilidade de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos, cabendo ao órgão a que se encontram vinculados analisar o implemento dos requisitos legais, considerando, para tanto, o disposto no art. 57 da LBPS.
B) Conversão de tempo especial em comum exercido pelo servidor público no serviço público, ou seja, após a vigência da Lei 8.112/90:
O Supremo Tribunal Federal vem entendendo ser inviável a conversão do tempo especial em comum exercido pelo servidor público no serviço público, ou seja, no período posterior à vigência da Lei n. 8.112/90, quando este já se encontrava vinculado ao RPPS. O entendimento é de que há vedação expressa na Constituição Federal de cômputo, como especial, do tempo de serviço prestado junto ao RPPS, nos termos do disposto no § 10 do art. 40 da Constituição Federal, que preconiza que a lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
Nesse sentido diversos precedentes julgados em 2013 pelo Tribunal Pleno do STF, da Relatoria do Ministro Teori Zavascki (AgR no MI 5781; AgR no MI 5450; AgR no MI 2806; AgR no MI 1596; AgR no MI 1320; AgR no MI 1517, dentre outros), onde o Ministro expressamente refere que segundo a jurisprudência firmada no STF, não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão de aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas. Apesar de permitida no RGPS, no serviço público é expressamente vedada a contagem de tempo ficto, com fundamento no art. 40, § 10, da Constituição ("A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício).
Também nessa linha AgR no MI 1.481, de que foi Relatora a Ministra Rosa Weber, julgado pelo Plenário em 23-05-2013.
Além disso, o Plenário do Supremo também vem entendendo que não há dever constitucional de legislar acerca da conversão de tempo especial em comum prestado pelo servidor público no serviço público, em face de o art. 40, § 4º, inciso III, prever apenas a possibilidade de concessão de aposentadoria especial.
Embora o entendimento no STF acerca da questão não seja pacífico (o Ministro Marco Aurélio vem ressalvando sua posição pessoal no sentido de que é possível a conversão do tempo especial em comum prestado pelo servidor público no serviço público), a posição que prevaleceu foi aquela defendida pelo Ministro Luiz Fux no MI 2.140, julgado pelo Plenário em 06-03-2013, de que foi Relator para o acórdão (o Relator, Ministro Marco Aurélio, ficou vencido), do qual extraio o seguinte excerto:
Para equacionar a controvérsia, é preciso verificar se a pretensão deduzida (i.e., reconhecimento de um direito subjetivo de contagem diferenciada de seu tempo de serviço prestado em condições insalubres) é, à luz do art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição, exigível na via do mandado de injunção.
Neste particular, exsurgem duas interpretações possíveis: na primeira, de viés mais restritivo, o art. 40 § 4º, inciso III, limitar-se-ia a reconhecer o direito à aposentadoria especial, aplicando-se, por analogia, o art. 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91; na segunda, procedendo a um elastério hermenêutico, se seria extrair do aludido preceito constitucional um suposto direito à contagem diferenciada de tempo de serviço prestado em condições nocivas.
No caso vertente, o eminente Rel. Min. Marco Aurélio, optando por exegese ampliativa, reconheceu não apenas o direito à aposentadoria especial, mas também fixou "o direito da parte impetrante à contagem diferenciada do tempo de serviço em decorrência de atividades exercidas em trabalho especial" (i.e., para além dos limites fixados pela Corte ao decidir casos análogos). Ponho-me a divergir, com as devidas vênias, das conclusões a que chegou o i. Relator.
O mandado de injunção encerra uma garantia fundamental, prevista pela Lei Fundamental de 1988, em seu art. 5º, inciso LXXI, destinada a assegurar a fruição de direitos e liberdades constitucionais e de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania a seus titulares diante da ausência de norma regulamentadora. Trata-se, a rigor, de um instrumento processual destinado a sanar in concrecto omissões legislativas, totais ou parciais, quando a inertia deliberandi obstaculizar o pleno exercício de um direito subjetivo reconhecido constitucionalmente.
Isso significa que a procedência do writ depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: (i) ausência de norma regulamentadora de uma liberdade constitucional e (ii) a efetiva inviabilização do exercício do direito por seu titular como resultado desta inação do órgão legiferante. Há, como se percebe, uma relação de causalidade entre a omissão regulamentar e a inviabilidade no exercício do direito.
In casu, a expressa literalidade do art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição de 1988 faculta aos servidores públicos o exercício, condicionando-o à prévia edição de lei complementar, mas não alude a existência de suposto direito à contagem diferenciada do tempo de serviço em virtude de o servidor ter labutado em condições especiais, conforme (sic). Dito em termos mais claros: não se extrai da disciplina constitucional um dever constitucional de legislar acerca da averbação do tempo de serviço prestado por servidores públicos em tais condições, razão por que se revela manifestamente improcedente o pedido nesta via injuncional.
Neste sentido, esta Suprema Corte já reconheceu que o art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição limita-se a consagrar o direito subjetivo à aposentadoria especial, assentando que a colmatação da mora legislativa do Presidente da República em regulamentar o retromencionado preceito constitucional exige a aplicação, por analogia, da norma contida no art. 57, da Lei nº 8.213/91 ("Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei"), devendo a Administração examinar, no caso concreto, os requerimentos de aposentadoria especial formulados por servidor público que desempenhe atividades em condições insalubres, até a sobrevinda de legislação específica sobre o tema (cito os precedentes: MI nº 721, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, Dje 30.11.2007; MI nº 758, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, Dje. 26.09.2008; MI nº 788, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJe 8.5.2009; e MI nº 795, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, Dje. 22.05.2009).
O reconhecimento da contagem diferenciada e da averbação do tempo de serviço prestado pelo impetrante em condições insalubres, pretensão distinta do reconhecimento da aposentadoria especial, não tem procedência injuncional por exorbitar da expressa disposição constitucional, consoante inúmeras manifestações da Corte (MI nº 4295, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje. 06.11.2012; MI nº 2764, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje. 02.10.2012; MI 4334, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje 17.08.2012; Emb. De Decl. No MI nº 1.280, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 28.3.2010).
Forçoso concluir, neste particular, que o alcance da decisão proferida por esta Corte, quando da integração legislativa do art. 40, § 4º, inciso III, da CRFB/88, não tutela o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física, adstringindo-se a reconhecer, no caso concreto, o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos. (Grifei)
Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados: AgR no MI 2.123, Plenário, Relator para o acórdão Ministro Dias Toffoli, julgado em 06-03-2013; AgR no MI 3.875, Plenário, Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em 20-10-2011; ED no MI 1.208, Plenário, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 06-03-2013; e ED no MI 1.957, Plenário, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 10-04-2014.
Assim, o STF tem entendido como inviável o cômputo de tempo ficto prestado no serviço público, seja porque há vedação expressa no § 10 do art. 40 da Constituição Federal, seja porque o art. 40, § 4º, da Carta Magna, prevê apenas a possibilidade de concessão de aposentadoria especial.
C) Conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS quando o servidor público, embora já ostentasse essa condição, era celetista:
Muito embora haja repercussão geral reconhecida, desde 13-08-2010, no RE n. 612.358, que trata da contagem especial de tempo de serviço, prestado sob condições insalubres, em período anterior à instituição do Regime Jurídico Único, o STF vem julgando e garantindo, desde longa data, que o direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres pelo servidor público celetista, à época em que a legislação então vigente permitia tal benesse, incorporou-se ao seu patrimônio jurídico (RE n. 258.327-8, Segunda Turma, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ de 06-02-2004), como se verifica pelos seguintes julgados: AgR no RE 724.221, Segunda Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 12-03-2013; ED no AI 728.697, Segunda Turma, Rel. Ministro Celso de Mello, julgado em 05-02-2013; e AgR no RE 463.299-3, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 25-06-2007, dentre inúmeros outros.
O STF vem entendendo, portanto, ser possível a averbação, no Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos Federais, do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum prestado no RGPS, se o segurado, à época, já era servidor público.
O argumento utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para considerar viável a averbação, no Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos Federais, do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum prestado no RGPS, se o segurado, à época, já era servidor público, é o de que, prestado o serviço sob condições nocivas quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado. Tal entendimento vem expresso em diversos julgamentos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - SERVIDOR PÚBLICO - POSSIBILIDADE DE CONTAGEM ESPECIAL DE TEMPO DE SERVIÇO - PRETENDIDA AVERBAÇÃO - ATIVIDADE INSALUBRE EXERCIDA ANTES DA CONVERSÃO DO REGIME CELETISTA EM REGIME ESTATUTÁRIO - SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 8.112/90, QUE INSTITUIU O REGIME JURÍDICO ÚNICO - DIREITO ADQUIRIDO - PRECEDENTES (...) RECURSO IMPROVIDO. (Grifei)
(ED no AI 728697, Segunda Turma, Rel. Min. Celso De Mello, DJe de 08-03-2013)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL EX-CELETISTA. CONTAGEM ESPECIAL DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES INSALUBRES EM PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. DIREITO ADQUIRIDO. AGRAVO IMPROVIDO. I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o servidor público, ex-celetista, possui direito adquirido à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres, penosas ou perigosas no período anterior à instituição do regime jurídico único. Precedentes. II - Agravo regimental improvido. (Grifei)
(AgR no RE 695749, Segunda Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 15-03-2013)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. NOVEL REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.322/2010 AO ART. 544 DO CPC. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA QUE EXERCEU ATIVIDADE INSALUBRE ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA LEI Nº 8.112/90. CONTAGEM DE TEMPO PARA APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 287 DO STF. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. O princípio da dialeticidade recursal impõe ao recorrente o ônus de evidenciar os motivos de fato e de direito suficientes à reforma da decisão objurgada, trazendo à baila novas argumentações capazes de infirmar todos os fundamentos do decisum que se pretende modificar, sob pena de vê-lo mantido por seus próprios fundamentos. 2. O agravo de instrumento é inadmissível quando a sua fundamentação não impugna especificamente a decisão agravada. Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência na sua fundamentação, ou na do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia. (súmula 287/STF). 3. Precedentes desta Corte: AI 841690 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, DJe- 01/08/2011; RE 550505 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, DJe- 24/02/2011; AI 786044 AgR, Relator: Min. Ellen Gracie, DJe- 25/06/2010. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL - EXPOSIÇÃO A AGENTES INSALUBRES ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA FUNASA RECONHECIMENTO DE OFÍCIO CONVERSÃO DO PERÍODO POSTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 8.112/90 IMPOSSIBILIDADE. 1. "A contagem e a certificação de tempo de serviço prestado sob o regime celetista é atribuição do INSS, que detém, por isso, a legitimidade exclusiva para figurar no pólo passivo da ação." (AC 1998.38.00.037819-0/MG,Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ GONZAGA BARBOSA MOREIRA, PRIMEIRA TURMA, DJ 07/03/2005). 2. O servidor público celetiário anteriormente ao advento da Lei nº 8.112/90, que exerceu atividade insalubre tem direito à contagem desse tempo como especial, porquanto à época a legislação então vigente permitia essa conversão, entretanto para o período posterior à referida Lei faz-se necessário seja regulamentado o art. 40, § 4º da Carta Magna. (RE 382352/ SC, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, DJ 06-02-2004) 3. Reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam da FUNASA, quanto ao período anterior à Lei n. 8.112/90, com a extinção do feito sem exame de mérito, com fundamento no art. 267, VI e § 3º, do CPC. 4. Apelação conhecida em parte e desprovida. (fl. 378). 5. Agravo Regimental desprovido. (Grifei)
(AgR no ARE 686697, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 13-08-2012)
Agravo regimental no agravo de instrumento. Servidor público. Atividade insalubre. Contagem especial de tempo. Período anterior à edição da Lei nº 8.112/90. Possibilidade. Precedentes. 1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência desta Corte a respeito do tema, a qual reconhece a possibilidade da contagem especial do tempo de serviço em atividade insalubre prestado antes da edição da Lei nº 8.112/90. 2. Agravo regimental não provido.
(AgR no RE 457106, Primeira Turma, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe de 27-03-2012)
DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO SERVIDOR PÚBLICO DIREITO ADQUIRIDO À CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES INSALUBRES EM PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO do REGIME JURÍDICO ÚNICO PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo firmou-se no sentido de que o servidor público federal ou estadual ex-celetista possui direito adquirido à contagem de tempo de serviço prestado sob condições insalubres ou perigosas no período anterior à instituição do Regime Jurídico Único. (AgR no RE 333.246, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 07-12-2011)
(...) anoto que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o direito à contagem do tempo de serviço público prestado por servidor celetista, antes da passagem para o regime estatutário, incorpora-se ao seu patrimônio jurídico, para todos os efeitos. (...) (Grifei)
(Ag no RE 363.064, Segunda Turma, Rel. Ministro Ayres Britto, julgado em 28-09-2010)
1. Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Servidor público estadual. Contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres, no período anterior à instituição de regime jurídico único. Regime da Previdência Social. Contagem recíproca. Direito reconhecido. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento." (Grifei)
(AgR no RE 408.338, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28-11-2008)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM CELETISTA. PRECEDENTES.
A decisão agravada não diverge da pacífica jurisprudência desta Casa de Justiça, de que "o direito à contagem do tempo de serviço público federal prestado por celetista, antes de sua transformação em estatutário, se incorpora ao seu patrimônio jurídico para todos os efeitos: comprovado o exercício de atividade considerada insalubre, perigosa ou pena, pela legislação à época aplicável, possui o servidor o direito à contagem especial deste tempo de serviço" (RE 440.648, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence). Nesse mesmo sentido, foram proferidas as seguintes decisões: RE 446.462, Relator o ministro Cezar Peluso; e RE 461.977, Relator o Ministro Celso de Mello. (...)
(AgR no RE 474.450, Primeira Turma, Rel. Ministro Carlos Britto, DJe de 29-09-2006)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES EM PERÍODO ANTERIOR À SUPERVENIÊNCIA DO ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO ESTADO. CONTAGEM RECÍPROCA. POSSIBILIDADE. 1. A contagem recíproca é um direito assegurado pela Constituição do Brasil. O acerto de contas que deve haver entre os diversos sistemas de previdência social não interfere na existência desse direito, sobretudo para fins de aposentadoria. 2. Tendo exercido suas atividades em condições insalubres à época em que submetido aos regimes celetista e previdenciário, o servidor público possui direito adquirido à contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada e para fins de aposentadoria. 3. Não seria razoável negar esse direito à recorrida pelo simples fato de ela ser servidora pública estadual e não federal. E isso mesmo porque condição de trabalho, insalubridade e periculosidade, é matéria afeta à competência da União (CB, artigo 22, I [direito do trabalho]). Recurso a que se nega provimento. (Grifei)
(RE 255827, Primeira Turma, Rel. Ministro Eros Grau, DJ de 02-12-2005)
1. Servidor público federal: contagem especial de tempo de serviço prestado enquanto celetista, antes, portanto, de sua transformação em estatutário: direito adquirido, para todos os efeitos, desde que comprovado o efetivo exercício de atividade insalubre, perigosa ou penosa. (...) (Grifei)
(Ag no RE 367.314-9, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 20-04-2004)
Também nesse sentido: AgR no ARE 724221, Segunda Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 03-04-2013.
Como se verifica, o STF vem reconhecendo, desde longa data, o direito de o servidor público ex-celetista averbar, no RPPS, o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum prestado no RGPS, se o segurado, à época, já era servidor público.
D) Conversão de tempo especial em comum prestado no RGPS, antes do ingresso do servidor no serviço público:
Esta é a situação do caso concreto. Trata-se de servidor público federal que pretende a averbação, em seus assentos funcionais, do acréscimo resultante da conversão, para comum, de tempo de serviço especial em que se encontrava vinculado ao RGPS; entretanto, na época da prestação da atividade, o impetrante não era servidor público. Não se trata, pois, de hipótese de servidor público celetista que foi transposto para Regime Próprio de Previdência. Cuida-se, em verdade, de segurado vinculado ao RGPS que, após a prestação da atividade, prestou concurso público e passou, na condição de servidor público federal, a ser regido pela Lei n. 8.112/90.
Quanto à situação específica do impetrante, o Supremo Tribunal Federal, aparentemente, ainda não se manifestou. A questão, contudo, vem sendo apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou posição no sentido de ser inviável a contagem recíproca, no Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, de tempo de serviço ficto prestado no âmbito do RGPS, a teor do disposto no art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, e no art. 96, I, da Lei n. 8.213/91. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO - TEMPO DE SERVIÇO - CONTAGEM RECÍPROCA - ATIVIDADE INSALUBRE PRESTADA NA INICIATIVA PRIVADA - CONTAGEM ESPECIAL PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. O REsp n. 534.638/PR, relatado pelo Excelentíssimo Ministro Félix Fischer, indicado como paradigma pela Autarquia Previdenciária, espelha a jurisprudência sedimentada desta Corte no sentido de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, vale dizer, a soma do tempo de serviço de atividade privada (urbana ou rural) ao serviço público, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, ante a expressa proibição legal (artigo 4º, I, da Lei n. 6.226/75 e o artigo 96, I, da Lei n. 8.213/91). Precedentes.
2. Embargos de divergência acolhidos para dar-se provimento ao recurso especial do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, reformando-se o acórdão recorrido para denegar-se a segurança.
(EREsp 524267/PB, Terceira Seção, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 24-03-2014)
Nesse sentido, ainda, os seguintes precedentes: REsp 925.359, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17-03-2009; ED no REsp 640.322, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 12-09-2005; e REsp 534.638, Quinta Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 03-02-2004. As seguintes decisões monocráticas também são na mesma linha: REsp 1151024, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 18-02-2014; REsp 1088568, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 02-05-2012; REsp 1295443, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe de 12-03-2012; Ag 1143623, Rel. Ministra Thereza de Assis Moura, DJe de 24-10-2011; e Ag 1215059, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 04-08-2011.
Acerca da questão, assim estabelece o art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, que dispõe sobre a contagem recíproca de tempo de serviço público federal e de atividade privada, para efeito de aposentadoria, e o art. 96, I, da Lei n. 8.213/91:
Art. 4º - Para os efeitos desta Lei, o tempo de serviço ou de atividade, conforme o caso, será computado de acordo com a legislação pertinente, observadas as seguintes normas:
I - não será admitida a contagem de tempo de serviço em dobro ou em outras condições especiais;
(...)
Art. 96 - O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;
(...)
Como referido acima, o STJ consolidou o entendimento de que, se o tempo especial foi prestado no RGPS quando o segurado ainda não era servidor público, porém veio a sê-lo posteriormente, não é possível o cômputo do tempo como especial, em face do óbice existente no art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, e no art. 96, I, da Lei n. 8.213/91.
Entretanto, não vislumbro como diferenciar a hipótese acima daquela situação em que o tempo especial foi prestado no RGPS pelo servidor público que deixou de ser celetista e teve o emprego público transformado em cargo público por força da Lei 8.112/90. Em ambos os casos, o tempo especial foi prestado no RGPS, e em ambos os casos o tempo ficto será averbado no Regime Próprio dos Servidores.
O mesmo fundamento utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para autorizar o cômputo do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum, qual seja, o direito adquirido (prestado o serviço sob condições nocivas quando vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado), é válido para o presente caso. Veja-se a lição de Gabba sobre direito adquirido:
É adquirido todo direito que: a) seja consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo; e que b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. (Grifei)
(Gabba, Francesco: Teoria della Retroattività delle Leggi, Roma, 1891, 3ª Edição, volume I, p. 191)
Como se verifica, quando da prestação da atividade pelo impetrante, a legislação a que estava vinculado autorizava o reconhecimento do tempo como especial e o cômputo do tempo de serviço ficto. Dessa forma, o exercício de atividade especial incorporou-se ao seu patrimônio jurídico e não mais pode ser retirado.
Acerca do direito adquirido, veja-se, também, a lição de Luis Roberto Barroso ao tratar do tema in Reforma da Previdência: Análise e Crítica da Emenda Constitucional nº 41/2003 - doutrina, pareceres e obras selecionadas (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, pp. 124-129):
Como visto, a constituição estabelece que a lei - e, para esse fim, também a emenda constitucional - não pode retroagir para prejudicar o direito adquirido. Cabe, portanto, qualificar o que seja o efeito retroativo vedado. O tema é envolto em polêmica, mas há um ponto inicial de consenso: se a lei pretender modificar eventos que já ocorreram e se consumaram ou desfazer os efeitos já produzidos de atos praticados no passado, ela estará em confronto com a Constituição e será inválida nesse particular.
A controvérsia na matéria surge a propósito de uma outra situação: a do tratamento jurídico a ser dado aos efeitos de um ato praticado sob a vigência da lei anterior, que só venham a se produzir após a edição da lei nova. Foi precisamente em torno dessa questão que se dividiu a doutrina, contrapondo dois dos principais autores que se dedicaram ao tema: o italiano Gabba e o francês Paul Roubier. Para Roubier, a lei nova aplicava-se desde logo a esses efeitos, circunstância que denominou de eficácia imediata da lei, e não retroatividade. Gabba, por sua vez, defendia tese oposta: a de que os efeitos futuros deveriam continuar a ser regidos pela lei que disciplinou sua causa, isto é, a lei velha. Esta foi a linha de entendimento que prevaleceu no direito brasileiro e que tem chancela da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
(...)
Como já se assinalou, é a posição de Gabba que, de longa data, baliza o tema no direito brasileiro, apontando como características do direito adquirido: 1) ter sido consequência de um fato idôneo para a sua produção; 2) ter-se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular. O conhecimento corrente é o de que havendo o fato necessário à aquisição de um direito ocorrido integralmente sob a vigência de uma determinada lei, mesmo que seus efeitos somente se devam produzir em um momento futuro, terão de ser respeitados na hipótese de sobrevir uma lei nova.
O direito adquirido pode ser mais bem compreendido se extremado de duas outras categorias que lhe são vizinhas, a saber: a expectativa de direito e o direito consumado. Com base na sucessão de normas no tempo e na posição jurídica a ser desfrutada pelo indivíduo em face da lei nova, é possível ordenar estes conceitos em sequência cronológica: em primeiro lugar, tem-se expectativa de direito, depois o direito adquirido e, por fim, o direito consumado.
A expectativa de direito identifica a situação em que o fato aquisitivo do direito ainda não se completou quando sobrevém uma nova norma alterando o tratamento jurídico da matéria. Neste caso, não se produz o efeito previsto na norma, pois seu fato gerador não se aperfeiçoou. Entende-se, sem maior discrepância, que a proteção constitucional não alcança esta hipótese, embora outros princípios, no desenvolvimento doutrinário mais recente (como o da boa-fé e o da confiança), venham oferecendo algum tipo de proteção também ao titular da expectativa de direito. É possível cogitar, nessa ordem de idéias, de direito a uma transição razoável.
Na sequência de eventos, direito adquirido traduz situação em que o fato aquisitivo aconteceu por inteiro, mas por qualquer razão ainda não se operaram os efeitos dele resultantes. Nesta hipótese, a Constituição assegura a regular produção de seus efeitos, tal como previsto na norma que regeu sua formação, nada obstante a existência da lei nova. Por fim, o direito adquirido consumado descreve a última das situações possíveis - quando não se vislumbra mais qualquer conflito de leis no tempo - que é aquela na qual tanto o fato aquisitivo quanto os efeitos já se produziram normalmente. Nesta hipótese, não é possível cogitar de retroação alguma.
De modo esquemático, é possível retratar a exposição desenvolvida na síntese abaixo:
a) Expectativa de direito: o fato aquisitivo teve início, mas não se completou;
b) Direito adquirido: o fato aquisitivo já se completou, mas o efeito previsto na norma ainda não se produziu;
c) Direito consumado: o fato aquisitivo já se completou e o efeito previsto na norma já se produziu integralmente.
Um exemplo singelo ilustrará os conceitos. A Emenda Constitucional nº 20/98 instituiu a idade mínima de 60 anos para a aposentadoria dos servidores públicos do sexo masculino. Anteriormente, bastava o tempo de serviço de 35 anos. Ignorando-se as sutilezas do regime de transição, para simplificar o exemplo, confira-se a aplicação dos conceitos. O servidor público de 55 anos que já tivesse se aposentado pelas regras anteriores desfrutava de um direito consumado, isto é, não poderia ser "desaposentado". O servidor público que tivesse 55 anos de idade e 35 de serviço quando da promulgação da emenda, mas ainda não tivesse se aposentado, tinha direito adquirido à aposentar-se, pois já se haviam implementado as condições de acordo com as regras anteriormente vigentes. Porém, o servidor que tivesse 45 anos de idade e 25 de serviço, e que contava se aposentar daí a 10 anos, tinha mera expectativa de direito, não desfrutando de proteção constitucional plena. (Grifei)
Com efeito, a título de exemplo, se um segurado do Regime Geral de Previdência Social passou 10 anos prestando atividade sujeita a condições nocivas, que lhe garantem a contagem do tempo como especial pela legislação a que estava vinculado, o tempo que integrou seu patrimônio jurídico não são apenas os 10 anos que passou trabalhando, mas sim 14 anos, ou seja, o tempo comum (10 anos) e o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum (04 anos). O tempo que se incorpora ao patrimônio jurídico do segurado corresponde a 14 anos, independentemente de, posteriormente, deixar de exercer atividade vinculada ao RGPS.
Ainda no tocante ao segurado vinculado ao RGPS, a jurisprudência do STF é pacífica, desde longa data, no sentido de que o reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador, de modo que, prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida (AgReg no RE n. 463.299-3, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, D.J. de 17-08-2007; AgReg no RE n. 438.316-4, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, D.J. de 30-03-2007; AgReg no RE 450.035-3, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, D.J. de 22-09-2006; AgReg no RE 456.480-7, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, D.J. de 24-02-2006; e RE n. 258.327-8, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, D.J. de 06-02-2004). Com efeito, em recente julgado, o STF deixou assentado que a contagem, como especial, de tempo de serviço rege-se pela lei vigente à época da prestação do serviço (ARE n. 665.307, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 09-05-2014).
Confira-se, a título de exemplo, outro caso em que o Plenário do STF assegurou o direito adquirido: no julgamento do Recurso Extraordinário n. 630.501, submetido ao regime da repercussão geral, o Plenário entendeu, por maioria de votos, em sessão realizada em 21-02-2013, que, em reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger o benefício mais vantajoso, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos mínimos para a aposentação, consoante se vê do Informativo n. 695 daquela Corte, assim posto:
Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício - 7
O segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido a benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a jubilação. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, proveu, em parte, recurso extraordinário para garantir a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional, com efeitos financeiros a contar do desligamento do emprego ou da data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas. Prevaleceu o voto da Min. Ellen Gracie - v. Informativo 617. Observou, inicialmente, não se estar, no caso, diante de questão de direito intertemporal, mas da preservação do direito adquirido em face de novas circunstâncias de fato, devendo-se, com base no Enunciado 359 da Súmula do STF, distinguir a aquisição do direito do seu exercício. Asseverou que, cumpridos os requisitos mínimos (tempo de serviço e carência ou tempo de contribuição e idade, conforme o regime jurídico vigente à época), o segurado adquiriria o direito ao benefício. Explicitou, no ponto, que a modificação posterior nas circunstâncias de fato não suprimiria o direito já incorporado ao patrimônio do seu titular. Dessa forma, o segurado poderia exercer o seu direito assim que preenchidos os requisitos para tanto ou fazê-lo mais adiante, normalmente por optar em prosseguir na ativa, inclusive com vistas a obter aposentadoria integral ou, ainda, para melhorar o fator previdenciário aplicável.
RE 630501/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 21.2.2013. (RE-630501)
Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício - 8
Reputou que, uma vez incorporado o direito à aposentação ao patrimônio do segurado, sua permanência na ativa não poderia prejudicá-lo. Esclareceu que, ao não exercer seu direito assim que cumpridos os requisitos mínimos para tanto, o segurado deixaria de perceber o benefício mensal desde já e ainda prosseguiria contribuindo para o sistema. Não faria sentido que, ao requerer o mesmo benefício posteriormente (aposentadoria), o valor da sua RMI fosse inferior àquele que já poderia ter obtido. Aduziu que admitir que circunstâncias posteriores pudessem ensejar renda mensal inferior à garantida no momento do cumprimento dos requisitos mínimos seria permitir que o direito adquirido não pudesse ser exercido tal como adquirido. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que consideravam o requerimento de aposentadoria ato jurídico perfeito, por não se tratar, na hipótese, de inovação legislativa. (Grifei)
RE 630501/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 21.2.2013. (RE-630501)
O acórdão do aludido Recurso Extraordinário, publicado em 26-08-2013, restou assim ementado:
APOSENTADORIA - PROVENTOS - CÁLCULO. Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito adquirido, na voz abalizada da relatora - ministra Ellen Gracie -, subscritas pela maioria.
A propósito, transcrevo excerto do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie, na Repercussão Geral no RE 630.501, acima referida:
A garantia constitucional do direito adquirido está estampada no artigo 5o, XXXVI, da Constituição Federal:
"Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada ".
O instituto do direito adquirido insere-se, normalmente, nas questões de direito intertemporal. Não temos, no nosso direito, uma garantia ampla e genérica de irretroatividade das leis, mas a garantia de que determinadas situações Jurídicas consolidadas não serão alcançadas por lei nova. Assegura-se, com isso, a ultratividade da lei revogada em determinados casos, de modo que o direito surgido sob sua vigência continue a ser reconhecido e assegurado.
Pontes de Miranda, comentando a Constituição anterior - cujo art.153, § 3 o , trazia a mesma fórmula -, já destacava que a lei nova não pode prejudicar os direitos emanados de fatos pretéritos, considerados adquiridos, "isto é, os direitos já irradiados e os que terão de irradiar-se". (Comentários à Constituição de 1967; com a Emenda n. I, de 1969. 3a ed. Tomo V. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 67).
Celso Ribeiro Bastos dá destaque a outra perspectiva, esclarecendo que, ao se assegurar o direito adquirido, o que se protege "não é o passado, mas sim o futuro". Continua: "o direito adquirido consiste na faculdade de continuar a extraírem-se efeitos de um ato contrários aos previstos pela lei atualmente em vigor, ou, se preferirmos, continuar-se a gozar dos efeitos de uma lei 'pretérita mesmo depois de ter ela sido revogada. [...] "o direito adquirido envolve muito mais uma questão de permanência da lei no tempo, projetando-se, destarte, para além da sua cessação de vigência, do que um problema de retroatividade." (Comentários à Constituição do Brasil, 2o vol. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 192).
Em matéria previdenciária, já está consolidado o entendimento de que é assegurado o direito adquirido sempre que, preenchidos os requisitos para o gozo de determinado benefício, lei posterior revogue o dito benefício, estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha critérios de cálculo menos favoráveis.
É que, nessas situações, coloca-se a questão da supressão, de um direito já incorporado ao patrimônio do segurado e constitucionalmente protegido contra lei posterior, que, no dizer do art. 5o, inciso XXXVI, da Constituição, não pode prejudicá-lo.
Também as modificações instituídas pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, e pela Lei n. 9.876, de 1999, na concessão e na forma de cálculo da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, foram tema de repercussão geral pelo STF, que entendeu que: ou o segurado se aposenta com base no direito adquirido, computando o tempo e os salários de contribuição vertidos até 16-12-1998 ou até 28-11-1999, véspera da data em que passou a viger a Lei n. 9.876/99, cujo salário de benefício será apurado nos termos da legislação vigente à época; ou soma o tempo posterior à Lei n. 9.876/99 e se sujeita às regras de concessão do benefício e de apuração do salário de benefício vigentes nessa ocasião, com incidência do fator previdenciário, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 575089, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, cujo mérito foi julgado em 10-09-2008 pelo Tribunal Pleno, como segue:
INSS. APOSENTADORIA. CONTAGEM DE TEMPO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 3º DA EC 20/98. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO POSTERIOR A 16.12.1998. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO CALCULADO EM CONFORMIDADE COM NORMAS VIGENTES ANTES DO ADVENTO DA REFERIDA EMENDA. INADMISSIBILIDADE. RE IMPROVIDO. I - Embora tenha o recorrente direito adquirido à aposentadoria, nos termos do art. 3º da EC 20/98, não pode computar tempo de serviço posterior a ela, valendo-se das regras vigentes antes de sua edição. II - Inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico, razão pela qual não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior. III - A superposição de vantagens caracteriza sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários. IV - Recurso extraordinário improvido.
O STJ também vem decidindo no sentido de que o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço prestado em condições especiais, por força das normas vigentes à época da referida atividade, incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado (REsp 1387670, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 28-05-2014); como se verifica nos seguintes precedentes: AgRg nos EDcl no REsp 1425750, segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 02-05-2014; AR n. 3320/PR, Terceira Seção. Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Terceira Seção, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003, dentre outros.
Outro exemplo: a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n. 1110565, pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008), definiu que os dependentes têm direito ao benefício previdenciário de pensão por morte se o segurado, quando do seu falecimento, já preenchia os requisitos necessários para obter qualquer das aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, o segurado falecido tinha direito adquirido ao benefício previdenciário por ocasião do óbito, gerando assim direito à pensão aos seus dependentes. Em face disso, o STJ editou a Súmula 416, que dispõe: "É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito".
Nessa linha de raciocínio, conclui-se que, tanto o art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75, quanto o inc. I do art. 96 da Lei n. 8.213/91, se interpretados no sentido de que constituem óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, acabam por ferir a garantia constitucional do direito adquirido e o princípio da isonomia.
No tocante ao princípio da isonomia ou igualdade, disposto no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, veja-se a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello in "O conteúdo jurídico do princípio da igualdade" (São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2012, p. 25-39):
20. É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas ou situações ou coisas (o que resulta, em última instância, na discriminação de pessoas) mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes. Por isso, são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fator alheio a elas; quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas.
Em outras palavras: um fator neutro em relação às situações, coisas ou pessoas diferenciadas é inidôneo para distingui-las. Então, não pode ser deferido aos magistrados ou aos advogados ou aos médicos que habitem em determinada região do país - só por isto - um tratamento mais favorável ou mais desfavorável juridicamente. Em suma, discriminação alguma pode ser feita entre eles, simplesmente em razão da área especial em que estejam sediados.
Poderão, isto sim - o que é coisa bastante diversa - existir nestes vários locais, situações ou circunstâncias, as quais sejam, elas mesmas, distintas entre si, gerando, então, por condições próprias suas, elementos diferenciais pertinentes. Em tal caso, não será a demarcação especial, mas o que nelas exista, a razão eventualmente substante para justificar discrímen entre os que se assujeitam - por sua presença contínua ali - àquelas condições e as demais pessoas que não enfrentam idênticas circunstâncias.
21. O asserto ora feito - que pode parecer senão óbvio, quando menos, despiciendo - tem sua razão de ser. Ocorre que o fator "tempo", assaz de vezes, é tomado como critério de discrímen sem fomento jurídico satisfatório, por desrespeitar a limitação ora indicada.
Esta consideração postremeira é indispensável para aplainar de lés a lés possíveis dúvidas.
O fator "tempo" não é jamais um critério diferencial, ainda que em primeiro relanço aparente possuir este caráter.
22. Quando a lei validamente colhe os indivíduos e situações a partir de tal data ou refere os que hajam exercido tal ou qual atividade ao largo de um certo lapso temporal, não está, em rigor de verdade, erigindo o "tempo", per se, como critério qualificador, como elemento diferencial.
Sucede, isto sim, que o tempo é um condicionante lógico dos seres humanos. A dizer, as coisas decorrem numa sucessão que demarcamos por força de uma referência cronológica irrefragável. Por isso, quando a lei faz referência ao tempo, aparentemente tomando-o como elemento para discriminar situações ou indivíduos abrangidos pelo período demarcado, o que na verdade está prestigiando como fator de desequiparação é a própria sucessão de fatos ou de "estados" transcorridos ou a transcorrer.
(...)
24. Igualmente, quando a lei diz: a partir de tal data, tais situações passam a ser regidas pela norma superveniente, não está, com isso, elevando o tempo à conta de razão de discrímen, porém, tomando os fatos subjacentes e dividindo-os em fatos já existentes e fatos não existentes. Os que já existem recebem um dado tratamento, os que não existem e virão a existir receberão outro tratamento. É a diferença entre existir e não existir (ter ocorrido ou não ter ocorrido) que o Direito empresta força de fator distintivo entre as situações para lhes atribuir disciplinas diversas. E, mesmo nesta hipótese, não é ilimitada a possibilidade de discriminar. Assim, os fatos já existentes foram e continuam sendo, todos eles tratados do mesmo modo, salvo se, por outro fator logicamente correlacionado com alguma distinção estabelecida, venham a ser desequiparados.
(...)
25. Em conclusão: tempo, por si só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia. Já os fatos ou situações que nele transcorreram e por ele se demarcam, estes sim, é que são e podem ser erigidos em fatores de discriminação, desde que, sobre diferirem entre si, haja correlação lógica entre o acontecimento, cronologicamente demarcado, e a disparidade de tratamento em função disto se adota.
Sintetizando: aquilo que é, em absoluto rigor lógico, necessária e irrefragavelmente igual para todos não pode ser tomado como fator de diferenciação, pena de hostilizar o princípio isonômico.
(...)
Isto posto, procede concluir: a lei não pode tomar tempo ou data como fator de discriminação entre pessoas a fim de lhes dar tratamentos díspares, sem com isto pelejar à arca partida com o princípio da igualdade. O que pode tomar como elemento discriminador é o fato, é o acontecimento, transcorrido em certo tempo por ele delimitado.
(...)
Ora, o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. (Grifei)
No caso dos autos, o impetrante trabalhou, sob condições especiais (prejudiciais a sua saúde), no período de 15-10-1987 a 30-05-1995, junto à EMBRATEL, à época sociedade de economia mista, pessoa jurídica de direito privado, sujeito ao RGPS.
Tem direito à contagem diferenciada do seu tempo de serviço, mediante a conversão de tempo especial em comum, com base no art. 57, § 5º, da Lei n. 8.213/91, o que, aliás, já lhe foi garantido por decisão judicial transitada em julgado. Tal contagem diferenciada de tempo de serviço incorporou-se ao seu patrimônio jurídico desde então, à medida mesma em que ia exercendo seu trabalho sob condições especiais. Na verdade, segundo as regras então vigentes, ele tem direito não apenas ao cômputo do tempo de serviço equivalente a 07 anos, 07 meses e 16 dias, mas também ao tempo acrescido em virtude do exercício do trabalho sob condições adversas a sua saúde (03 anos e 18 dias), totalizando 10 anos, 08 meses e 04 dias.
É esse o tempo que ele leva para o futuro. Nenhuma norma, sob qualquer fundamento, pode subtrair de seu patrimônio jurídico o referido tempo de serviço, sob pena de afronta direta ao direito adquirido.
Outro fundamento que impede a qualquer norma de subtrair o tempo de serviço especial (em razão de exercido em condições nocivas a sua saúde) é o princípio da igualdade. Isso porque a situação do impetrante é idêntica à dos servidores públicos que exerceram atividade especial quando celetistas. Ambos estavam submetidos ao mesmo regime previdenciário. Ambos têm direito adquirido ao cômputo diferenciado do tempo de serviço, o qual já integrou o seu patrimônio jurídico. Conceder-lhes tratamento díspar fere o princípio da igualdade e o direito adquirido.
Poder-se-ia argumentar que a diferença entre as duas situações é a de que, na primeira, houve a transformação do emprego público em cargo público para os servidores públicos, enquanto que, na segunda hipótese - caso dos autos -, o segurado optou pelo ingresso no Regime Próprio de Previdência ao se tornar servidor público em face de concurso, submetendo-se assim às regras existentes nesse regime. Ocorre que essa "transformação" (do emprego em cargo público) não seria um discrímen razoável para diferenciar as duas hipóteses, justamente porque no Regime Próprio de Previdência Social não é possível a contagem diferenciada do tempo de serviço.
A incorporação do tempo especial ao patrimônio jurídico do segurado ocorre independentemente de a vinculação ao RGPS dar-se na condição de servidor público celetista ou na condição de segurado obrigatório do RGPS. Em ambos os casos o trabalhador exerceu suas atividades no Regime Geral da Previdência Social, e em ambos os casos tem direito adquirido à contagem diferenciada do tempo de serviço.
Como diferenciar a situação do impetrante daquela em que o segurado trabalhou em condições especiais em um emprego público, depois transformado em cargo público, como, por exemplo, os casos de professores de universidades federais ou médicos e enfermeiros vinculados a hospitais públicos, casos em que o STF, como já visto, assegura o direito à averbação do tempo convertido?
No caso do impetrante, à época em que trabalhou sob condições especiais, estava sujeito ao RGPS; no caso dos empregados públicos citados, o regime previdenciário era absolutamente o mesmo (RGPS). O impetrante, hoje, está vinculado ao Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais (RPPS); os demais, também. Se a estes é assegurada a contagem diferenciada de tempo de serviço exercido sob condições especiais, ao primeiro (impetrante) não se pode deixar de considerar também. Não se pode dar tratamento diferenciado a situações essencialmente iguais.
Podem ser incluídas nessa análise, além das duas acima mencionadas, outras hipóteses: a terceira, em que um segurado também trabalhou na EMBRATEL (como o impetrante) em condições nocivas (como o impetrante), na mesma época em que o impetrante, e depois passa a exercer outras atividades no setor privado, não prejudiciais a sua saúde; e a quarta, em que o segurado, enfermeiro de hospital público que desempenhou, como empregado público, atividades sujeitas a condições especiais, na mesma época, sob o RGPS, e que depois também passa a desenvolver atividades na esfera privada, sem agentes agressivos a sua saúde. Também nesses casos o segurado teria, hoje, garantido o direito à conversão de seu tempo de serviço, então exercido sob condições especiais. Por que unicamente a hipótese do impetrante não estaria contemplada com a garantia desse direito?
Veja-se que não se está discutindo, aqui, direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe inexistente. Gilmar Mendes, in Curso de Direito Constitucional (São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pp. 511-515), analisando entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, referiu que se assentou, desde longa data, naquela Corte, que a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito não obstava à modificação ou à supressão de determinado instituto jurídico. Afirmou, ainda, que:
Em acórdão mais recente, proferido no RE 94.020, de 4-11-1981, deixou assente a excelsa Corte, pela voz do Ministro Moreira Alves:
"(...) em matéria de direito adquirido vigora o princípio - que este Tribunal tem assentado inúmeras vezes - de que não há direito adquirido a regime jurídico de um instituto de direito. Quer isso dizer que, se a lei nova modificar o regime jurídico de determinado instituto de direito (como é o direito de propriedade, seja ela de coisa móvel ou imóvel, ou de marca), essa modificação se aplica de imediato".
Esse entendimento foi reiterado pelo Supremo Tribunal Federal em tempos mais recentes.
Em decisão proferida no RE 226.855, o Supremo Tribunal Federal afirmou a natureza institucional do FGTS, como se lê na ementa do acórdão, igualmente da relatoria do Ministro Moreira Alves:
"Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhecidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no concernentes aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II.
- O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado.
- Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico.
(...)
- No tocante, porém, aos Planos Bresser, Collor I (quanto ao mês de maio de 1990) e Collor II, em que a decisão recorrida se fundou na existência de direito adquirido aos índices de correção que mandou observar, é de aplicar-se o princípio de que não há direito adquirido a regime jurídico. Recurso extraordinário conhecido em parte, e nela provido, (...)
(...)
Vê-se, assim que o princípio constitucional do direito adquirido não se mostra apto a proteger as posições jurídicas contra eventuais mudanças dos institutos jurídicos ou dos próprios estatutos jurídicos previamente fixados.
Questão relevante foi trazida à apreciação da Corte na ADI 3.105, na qual se discutiu a incidência da Emenda Constitucional n. 41/2003, art. 4º, caput, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensões dos servidores públicos da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. A requerente - Associação nacional dos Membros do Ministério público/CONAMP - alegava que a tributação dos inativos violava o art. 5º, XXXVI, da Constituição, uma vez que "os servidores públicos aposentados e os que reuniam condições de se aposentar até 19 de dezembro de 2003, têm assegurado o direito subjetivo, já incorporado aos seus patrimônios jurídicos, de não pagarem contribuição previdenciária, forçosa a conclusão de que o art. 4º da Emenda Constitucional n. 41, de 2003, não poderia, como fez, impor a eles a obrigação de pagar dito tributo, de modo a prejudicar aquele direito adquirido e impor a eles aos seus titulares situação jurídica mais gravosa".
O Tribunal, contudo, entendeu constitucional a incidência da contribuição social em acórdão assim ementado:
"1. Inconstitucionalidade. Seguridade Social. Servidor Público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional n. 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II, e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC n. 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad eternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdenciária. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento.
2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC n. 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.
(...)"
Também aqui considerou-se a não-configuração de direito adquirido a um dado estatuto jurídico. A não-incidência inicial da contribuição sobre os proventos dos inativos não assegurava aos aposentados imunidade em relação à tributação, e o fato de não se ter estabelecido a tributação até então não legitima, do ponto de vista do direito adquirido, a preservação indefinida desse status.
Assinale-se que o tema pode ser objeto, porém, de discussão sob uma perspectiva estrita de segurança jurídica.
É a não existência de um direito adquirido a um estatuto jurídico que explica que a lei nova, que altere o regime das relações pessoais dos cônjuges ou a administração dos bens do casal, se aplique de imediato às situações constituídas anteriormente.
É também o perfil institucional que vai determinar a aplicação da lei nova no caso de alteração das regras sobre impedimentos matrimoniais, se ainda não se verificou o casamento, ou de alteração das causas de indignidade sucessória, dos fundamentos da deserdação, das regras sobre vocação sucessória, antes da abertura da sucessão.
É verdade, todavia, que a validade formal de um testamento, dos pactos sucessórios e da capacidade para sua elaboração será aferida em face da lei do tempo de sua celebração. Da mesma forma, a validade formal dos contratos, em geral, há de ser aferida com base na lei vigente ao tempo em que foram elaborados.
No que concerne ao direito dos servidores públicos, é pacífica a orientação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que não se pode invocar direito adquirido para reivindicar a continuidade de um modelo jurídico referente ao sistema de remuneração, férias, licenças ou enquadramento ou outro qualquer benefício, exatamente por não se poder invocar direito adquirido a um dado estatuto jurídico. (Os grifos são do original)
Os seguintes julgados do STF refletem o entendimento acima (quanto à inexistência de direito adquirido a regime jurídico): AgR no MS 28433, Segunda Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 14-08-2014); AgR no AI 803861, Primeira Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 25-11-2013; AgR no ARE 744672, Primeira Turma, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe de 28-10-2013; AgR no AI 632930, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 19-02-2013; AgR no AI 654807, Segunda Turma, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJe de 06-08-2009; e ADI 3104, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 08-11-2007. Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DEFERIDO ANTES DA LEI 9.876/99. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO. CONJUGAÇÃO DE VANTAGENS DO NOVO SISTEMA COM O ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - Em matéria previdenciária, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a lei de regência é a vigente no tempo de concessão do benefício (tempus regit actum). II - Inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico, razão pela qual não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior. III - Agravo regimental improvido.
(AgR no AI 816921, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 03-03-2011)
Feitas tais considerações, verifica-se que a discussão posta nos presentes autos não se refere a direito adquirido a um determinado regime jurídico, mas sim direito adquirido ao cômputo do tempo especial prestado quando o impetrante estava vinculado a regime que o admitia. E, se o fundamento para o STF deferir a averbação, no RPPS, do tempo especial dos servidores públicos ex-celetistas, é o de que esse direito se incorporou ao patrimônio jurídico do segurado antes da vigência da Lei 8.112/90, não pode haver distinção entre o segurado que já era "empregado público" e aquele que não era, pois, em ambos os casos, quando da prestação da atividade, eram segurados do RGPS. Entender-se que o primeiro possui direito à contagem diferenciada do tempo de serviço e o segundo não, consubstancia afronta direta ao princípio da igualdade e ao direito adquirido constitucionalmente assegurados.
Finalmente, o § 10 do art. 40 da Constituição Federal de 1988 não pode ser empecilho para a averbação do acréscimo decorrente da conversão do tempo especial em comum. Se assim fosse, a mesma disposição constitucional teria obrigatoriamente de funcionar como óbice também para a averbação do tempo ficto do servidor público ex-celetista, haja vista que este, também, terá averbado acréscimo decorrente de conversão de tempo especial em comum para futura concessão de benefício pelo RPPS.
Em conclusão, o art. 4º, inc. I, da Lei 6.226/75, e o art. 96, inc. I, da Lei n. 8.213/91, não podem constituir óbice à contagem ponderada do tempo especial prestado sob a égide de legislação em que esta era prevista, sob pena de tratar de forma diferente situações jurídicas idênticas, incorrendo assim em violação aos princípios constitucionais da igualdade e do direito adquirido.
Importante salientar que este Tribunal, por suas duas Turmas que apreciam matéria afeta ao servidor público (Terceira e Quarta Turmas), vem julgando no sentido de admitir o cômputo do tempo de serviço especial prestado no RGPS para a concessão de aposentadoria no RPPS, não obstante o segurado, à época, não fosse servidor público: AC n. 0000930-85.2009.404.7200, Quarta Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, DE de 16-12-2013; MS n. 0025636-67.2010.404.0000, Quarta Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, DE de 13-03-2012; AC n. 2004.71.07.006545-5/RS, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, DE de 14-04-2011; AC n. 5003853-35.2010.404.7112, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, julgado em 21-08-2013; AC n. 0007694-08.2009.404.7000, Terceira Turma, Rel. Des. Federal. Fernando Quadros da Silva, DE de 05-04-2011; AC n. 2003.71.00.053964-2, Terceira Turma, Rel. Des. Federal. Fernando Quadros da Silva, DE de 01-06-2011; AC n. 5005811-09.2012.404.7105, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 26-03-2014; e Agravo em AC n. 0020008-11.2008.404.7100, Terceira Turma, Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DE de 17-08-2010.
Considerando, no entanto, a posição consolidada do STJ em sentido contrário, como acima visto, outra solução não há senão arguir a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 96, inc. I, da LBPS, e do art. 4º, inc. I, da Lei n. 6.226/75."
O parecer do Ministério Público Federal, da lavra da douta Procuradora Regional da República Andrea Falcão de Moraes, também foi nesse mesmo sentido:
Efetivamente, se o servidor público exerceu, no passado, atividade laborativa penosa ou insalubre, por isso mesmo sujeita a contagem favorecida sob o Regime Geral de Previdência Social, é mister que lhe seja assegurado transpor tal tempo de serviço especial, convertido em comum, para o Regime Próprio de Previdência Social, no qual veio a ingressar em momento posterior, sob pena de se tornar letra morta, em casos tais, a especial proteção que a ordem jurídica pretendeu conferir ao trabalhador que laborou sujeito a agentes nocivos.
Como bem destacou o insigne Des. Federal Aurvalle nos debates orais ocorridos em sessão, além de "o ex-trabalhador e atual servidor incorporar ao seu patrimônio jurídico esse direito adquirido, eu acho que ele incorpora também ao seu patrimônio físico, porque não será o fato de ser aprovado em um concurso que o agravo que foi feito em sua saúde durante a prestação de serviço particular irá ser restaurada" (fl. 84 e v.).
Com efeito, assim como o ingresso do trabalhador em um novo regime jurídico não retira a nocividade das atividades laborais exercidas sob o regime anterior, do mesmo modo, a mudança de sistema previdenciário não pode fulminar o direito do trabalhador à contagem diferenciada do serviço prestado sob condições prejudiciais, direito esse que se incorporou em definitivo ao seu patrimônio jurídico, pro labore facto, nas palavras do voto do douto Des. Federal Lugon, em conformidade com a legislação que estava vinculado quando da prestação do trabalho.
Em suma, o tempo de serviço que o segurado carrega consigo para o novo regime previdenciário é o tempo de serviço nos termos em que foi reconhecido pela legislação sob a qual o trabalho foi prestado. Se essa legislação contemplou a conversão do tempo especial em comum, a contagem assim feita é direito adquirido do trabalhador, que se mantém sob o novo regime previdenciário.
Em relação ao art. 4º, inc. I, da Lei 6226/75, no entanto, dado que consubstancia norma pré-constitucional incompatível com a Constituição superveniente, impõe-se um juízo negativo de recepção, na linha da jurisprudência consolidada do egrégio STF (Ag.Reg. na ADI 4.222/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJe de 02-09-2014; Ag.Reg. no RE 766.616/RS, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe de 12-12-2014; Ag.Reg. no RE 353.508-1/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, D.J. de 29-06-2007; HC 113.857/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe de 30-10-2014; Ag.Reg. no RE 278.710/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 28-05-2010; Ag.Reg. na Reclamação 17.206/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 15-08-2014).
Ante o exposto, com base nos fundamentos acima delineados, voto por declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do inciso I do artigo 96 da Lei n. 8.213/91, no tocante à sua aplicação às hipóteses de contagem diferenciada (ponderada), no Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos Federais, do acréscimo decorrente da conversão, em comum, de tempo de serviço em atividades exercidas sob condições especiais, em período em que vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por afronta aos princípios da igualdade e do direito adquirido, insculpidos no art. 5º, caput, e inc. XXXVI, da Constituição Federal de 1988, bem como, nas mesmas hipóteses acima mencionadas, a não recepção, pela Constituição atual, do art. 4º, inc. I, da Lei 6226/75.
Des. Federal CELSO KIPPER
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal CELSO KIPPER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7348975v19 e, se solicitado, do código CRC 7E81CBDD.
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Signatário (a): Celso Kipper
Data e Hora: 27/02/2015 14:40




ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS
RELATOR
:
Des. Federal CELSO KIPPER
INTERESSADO
:
JOAO PEDRO KLIEMANN
ADVOGADO
:
Alberto Hugo Kliemann e outro
INTERESSADO
:
DESEMBARGADOR(A) FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Procuradoria-Regional da União
SUSCITANTE
:
CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria trazida ao debate desta Corte Especial e formei convencimento em sentido diverso daquele proposto pelo eminente Relator a respeito do juízo de (in)constitucionalidade/recepção dos normativos invocados.

Isso porque, partindo-se do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, é sempre preferível privilegiar o trabalho do legislador ordinário em uma interpretação conforme, quando possível e não for atentatória à estrutura verbal do preceito, conservando a validade e eficácia do texto legal.

Passo a explicar.

O cerne da questão controversa, pois, diz com o correto entendimento da redação do artigo 40, § 10, da Constituição da República, incluída pela Emenda Constitucional 20/98.

Apesar de a jurisprudência tender por interpretá-lo como óbice à contagem recíproca de tempo de serviço especial com o acréscimo decorrente da conversão em comum, a adequada intenção do legislador constituinte derivado é de que a "lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício", ou seja, não poderá um regramento infraconstitucional criar uma forma de cômputo de tempo a maior não prevista no texto constitucional, seja em dobro ou por arredondamento ou qualquer outra que venha a fazer distinção daquela que é a ordinariamente disciplinada.

Desse modo, obviamente, não está incluída nessa proibição a consideração do tempo de serviço especial devidamente prestado, que gera incremento quando convertido para acréscimo a outro comum, uma vez que essa é exceção constitucional explícita à vedação de "adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria", tanto no serviço público como no regime geral, conforme as disposições do artigo 40, § 4º e 201, § 1º, desde a redação conferida pela Emenda Constitucional 20/98 até a atual, dada ou incluída pela Emenda Constitucional 47/2005, inclusive sob pena de desnaturar a própria finalidade do instituto, que é a composição dos danos a que se expõe o trabalhador sujeito a condições prejudiciais à saúde e integridade física com a redução do tempo para a aposentação especial ou a contagem ponderada para fins de benefício com tempo comum.

A saber:

Artigo 40, § 4º

Redação dada pela EC 20/98:

"Art. 40, § 4º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar." (grifei)

Redação dada/incluída pela EC 47/2005:

"Art. 40, § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física." (grifei)

Artigo 201, § 1º

Redação dada pela EC 20/98:

"Art. 201, § 1º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar." (grifei)

Redação dada pela EC 47/2005:

"Art. 201, § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar." (grifei)

A redação original do artigo 40, em seu § 1º, já excepcionava o "caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas".

A confirmar que o labor especial está fora da restrição constitucional, colaciono precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Por ocasião do julgamento da ADI 609, em 08-02-1996, portanto, antes do advento da EC 20/98, a Corte Constitucional em sessão plenária assim se pronunciou:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 101 DA LEI 8.112/90. ARREDONDAMENTO PARA EFEITO DE APOSENTADORIA. IMPOSSIBILIDADE. TEMPO FICTO SEM JUSTIFICAÇÃO.
1. Arredondamento, para um ano, do período superior a 182 (cento e oitenta e dois) dias, para efeito de aposentadoria. Incompatibilidade do dispositivo legal com a regra prevista no artigo 40, III, a, da Carta da República.
2. Se a Constituição Federal estabelece tempo mínimo para a aposentadoria, não é facultado à lei ordinária reduzi-lo.
3. Hipótese que não se assemelha aos casos existentes de tempo ficto por constituir-se em ficção contábil, não havendo motivo algum que a justifique.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." (grifei)

Importante contribuição trazida no voto da lavra do Ministro Francisco Resek para fins de definição de qual tempo ficto é de ser desconsiderado frente às disposições constitucionais:

"Parece-me que há de fato, sem embargo de estarmos a lidar aqui com ficções, uma diferença de natureza. Em todas as demais hipóteses o que temos é a consideração, pelo legislador ordinário, de que determinado tempo da vida do servidor é consumido com a realização de algo relacionado com a função pública, como o afastamento ou deslocamento da sede relacionada, ou relacionado com a sua vida estritamente pessoal, como a gravidez [artigo 102 da Lei 8.112/90]. Mas há uma razão, considerada como merecedora de proteção legal, à qual o legislador ordinário atende quanto estabelece que isso se considerará tempo de serviço.

No caso dos autos, o que temos é uma hipótese que se distingue das outras, por se tratar de um valor legal não fundado em nenhuma realidade fática que o legislador queira proteger [artigo 101, parágrafo único, da Lei 8.112/90). É apenas uma ficção contábil, mediante a qual se quis dizer que se consideram como trinta ou trinta e cinco anos de função pública aqueles dias que, totalizados, não perfazem esse quantitativo, em nome de um mero argumento de comodidade.

Não nego que refleti bastante para me fixar neste ponto de vista, majoritário em juízo liminar; mas teria dificuldade em recusar a tese de que existe uma diferença de natureza entre as duas formas de ficção. Enfim, encontro também dificuldade em dar por compatível com a Constituição, e com o tempo de serviço que ela pede para a aposentadoria, a norma que promove o arredondamento."

A tese a que se chegou naquela época veio confirmada anos depois com o julgamento da ADI 404, em 01-4-2004, já com base nas posteriores modificações introduzidas no texto constitucional pela EC 20/98:

"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA: TEMPO FICTO. LEI 1.713, DE 11.7.90, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ARTS. 3º E 4º. CF, ART. 40, § 4º E § 10.
I - A Constituição Federal estabelece tempo mínimo para a aposentadoria, não podendo norma infraconstitucional reduzi-lo mediante a fixação de tempo ficto. CF, art. 40, § 4º e § 10.
II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 609/DF, M. Corrêa p/ acórdão, DJ de 03.5.2002; RE 227.158/GO, M. Jobim p/ acórdão, Plenário, 22.11.2000.
III - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." (grifei)

Trago a lume excertos do voto do Relator, Ministro Carlos Velloso:

"Destaco do parecer do eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro:

'(...) 12. Trata-se, como se vê, de Capítulo [Capítulo VII da CF/88] abrangendo todos os Estados da Federação, logo seus dispositivos são normas cogentes que obrigam não só a União, como os Estados. Consequentemente, quando os artigos 3º e 4º [Lei Estadual 1.713/90 do RJ] estipulam férias e licença-prêmio em dobro, inclusive aos que contam menos de vinte anos de serviço ou exerçam cargos em comissão ou, ainda, permite aposentadoria com tempo reduzido ao previsto constitucionalmente, estão descumprindo os limites da Carta de 1988, pois inegavelmente o Regime Jurídico dos Servidores, estabilidade e aposentadoria estão submetidos aos princípios fixados no diploma legal.

13. De fato, as normas ora argüidas objetivam reduzir, indiretamente, o tempo de aposentadoria mediante contagem em dobro de vantagens funcionais. É a maneira singular de burlar os limites mínimos fixados, já que a hipótese não cogita das exceções constitucionais.

14. Ademais, o atual texto do art. 40 apenas explicita a vedação preexistente, assim consubstanciada em seus §§ 4º e 10, verbis:

'Art. 40. ...
§ 4º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.
...
§ 10 - A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.'

(...)'

Correto o parecer.

Quando do deferimento da suspensão cautelar da eficácia dos dispositivos legais acoimados de inconstitucionais, registrou o então eminente Relator:

"(...) Inegavelmente, as disposições impugnadas implicam encurtamento do fator tempo para efeito de aposentadoria. A Constituição Federal contém disciplina abrangente da matéria, alcançando, portanto, a administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes não só da União, como também dos Estados, além do Distrito Federal e dos Municípios. Quanto ao tempo de serviço a ser considerado na jubilação, o artigo 40 mostra-se praticamente exaustivo, apenas abrindo margem a exceções no caso de o desenvolvimento da atividade haver ocorrido sob o clima penoso, insalubre ou perigoso. (...)" (fl. 178)

As normas acoimadas de inconstitucionais, objeto da ação, reduzem, de forma indireta, o tempo fixado na Constituição para a aposentadoria, estabelecendo tempo ficto.

(...) Concorri, quando do citado julgamento - ADI 609/DF - na tomada da decisão, com voto, do qual destaco:

'Sr. Presidente, reitero o voto que proferi quando do julgamento cautelar. Entendo que o legislador ordinário não pode criar ficções, em termos de tempo de serviço do servidor público, sem qualquer justificativa. No caso, estabelece-se um tempo ficto sem qualquer embasamento fático, sem qualquer justificativa, sem qualquer razoabilidade. A lei, no ponto, seria atentatória, inclusive, ao princípio do substantive due process of law, que a Constituição consagra (CF, art. 5º, LIV). O dispositivo legal é ofensivo, tal como sustentado na inicial, ao preceito constitucional inscrito no art. 40, III, alíneas a, b, c. (...)'

(...) Do exposto, julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade (...)" (grifei)

Para reforçar a argumentação, o recente voto proferido pelo Ministro Roberto Barroso, em sessão plenária de 30-4-2015, Relator do Mandado de Injunção 4204, na íntegra (julgamento ainda pendente de conclusão em face do pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes):

"Ementa

DIREITO ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE OU À INTEGRIDADE FÍSICA. CONTAGEM DIFERENCIADA DE TEMPO ESPECIAL.
1. No regime próprio de previdência dos servidores públicos, a conversão de tempo especial em comum por um fator multiplicador decorre diretamente do direito constitucional à aposentadoria especial (CF, art. 40, § 4º) e não incide na proibição de cômputo de tempo ficto (CF, art. 40, § 10).
2. Direito previsto no regime geral (Lei nº 8.213/1991, art. 57, § 5º) que a Constituição garante no regime próprio (CF, art. 40, § 12).
3. Consequentemente, a omissão legislativa em assegurar esse direito pode ser reconhecida na via do mandado de injunção. Revisão da jurisprudência do STF.
4. Voto pela concessão parcial da ordem.

Relatório

1. Trata-se de mandado de injunção impetrado por servidora pública federal, que alega omissão na edição da lei complementar referida no art. 40, § 4º, III, da Constituição.

2. A impetrante afirma ter exercido atividades insalubres na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro de 1993 a 2001, tanto que percebia adicional de insalubridade. Requer que tal período seja 'contado e averbado pela administração pública para sua aposentadoria'.

(...) 7. É o relatório.

Voto

1. A omissão legislativa quanto à aposentadoria especial de servidores públicos que exerçam atividades sob condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/1988, art. 40, § 4º, III) é matéria já pacificada por este Tribunal. O reconhecimento de um estado de omissão inconstitucional na hipótese tem origem no julgamento do MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 30.08.2007; prossegue com o MI 758, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 01º.07.2008; e se torna de tal forma pacífico que o Plenário, ao resolver questão de ordem no MI 795, Rel. Min. Cármen Lúcia (j. 15.04.2009), confere autorização para que casos semelhantes sejam decididos de forma monocrática.

2. Seguiram-se milhares de decisões, até que, em 09.04.2014, o Plenário aprovou a Súmula Vinculante 33, com o seguinte teor:

'Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.'

3. Quando da aprovação do referido enunciado, recordei que há farta jurisprudência do Plenário no sentido da aplicação do art. 57, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/1991, que preveem aposentadoria integral em 15, 20 ou 25 anos de atividade, a depender do grau de insalubridade. Foi excluída, porém, contra o voto-vencido do Min. Marco Aurélio (MI 2.140 AgR, j. 06.03.2013), a possibilidade de averbação do tempo de serviço em condições especiais e sua conversão em tempo comum, mediante a incidência de um fator multiplicador (art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991). A jurisprudência, portanto, afasta para os servidores públicos a aplicação de parte das regras previstas para os trabalhadores em geral.

4. Suscitada a questão nos debates que deram origem à Súmula Vinculante 33, prevaleceu a compreensão de que isso se deveria apenas a uma suposta impropriedade do mandado de injunção para tal fim, sem que o STF jamais tivesse afirmado uma vedação absoluta à contagem diferenciada de tempo especial. Todavia, em diversos precedentes, verifiquei que a Corte foi além de assentar uma mera inadequação procedimental: decidiu-se pela impossibilidade de contagem diferenciada de tempo especial por servidor público, por ao menos dois fundamentos.

5. O primeiro deles é a imposibilidade de contagem de tempo ficto (art. 40, § 10, da Constituição). Essa foi a linha adotada, entre outros precedentes, no MI 2.738 AgR-segundo, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 16.05.2013, sendo possível colher do voto do relator o seguinte trecho:

'Segundo a jurisprudência firmada no STF, não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas. Apesar de ser permitida no RGPS, no serviço público é expressamente vedada a contagem de tempo ficto, com
fundamento no art. 40, § 10, da Constituição ('A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício'). Nesse sentido: MI 3875 AgR/RS, Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 09/06/2011, DJe 03/08/2011.' (destaques acrescentados"

6. O mesmo entendimento foi seguido pelo Plenário no MI 1.481 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, j. 23.05.2013. Está no voto da relatora:

'Agrego que o art. 40, § 10, da Magna Carta veda a edição de lei para a contagem de tempo ficto de contribuição.
Assim, embora admitida no Regime Geral de Previdência Social, a conversão de tempo especial em comum é prática constitucionalmente vedada no âmbito do serviço público.' (destaques acrescentados)

7. Além disso - e este é o segundo fundamento utilizado pela Corte -, o âmbito do dever constitucional de legislar seria restrito à concessão do direito à aposentadoria especial, e não à averbação e contagem diferenciada do tempo de serviço, como se a aposentadoria especial e a contagem diferenciada de tempo especial fossem coisas absolutamente distintas. Nessa linha, confira-se a seguinte ementa:

'EMBARGOS DECLARATÓRIOS. MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM DIFERENCIADA DE TEMPO DE SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO IMPROVIDO. I - A orientação do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o art. 40, § 4º, da Constituição Federal não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, porém, tão somente, a aposentadoria especial. II - Embargos de declaração, recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.' (MI 1.208 ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.03.2013 - destaques acrescentados)
8. Em decisões monocráticas tenho seguido essa linha de raciocínio, em homenagem ao Plenário, ressalvado meu entendimento pessoal. Por se tratar, todavia, de jurisprudência formada anteriormente ao meu ingresso no Tribunal, e por não se ter chegado a uma decisão definitiva sobre o tema nos debates que precederam a aprovação da Súmula Vinculante 33, volto a trazer alguns argumentos à consideração do Plenário, a fim de propor, data venia, uma mudança na jurisprudência.

9. Entendo que a vedação à contagem de tempo ficto (CF, art. 40, § 10) não proíbe o cômputo diferenciado de tempo de serviço especial, pois de tempo ficto não se trata. O art. 40, § 10, da Constituição, a meu ver, destina-se a proscrever a contagem, como tempo de contribuição, de férias não gozadas, licenças etc., em suma, de tempo não trabalhado. A necessidade de 'requisitos e critérios diferenciados' no que diz respeito ao tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física decorre da letra do art. 40, § 4º, III, da Constituição.

10. Por outro lado, ao afirmar que o âmbito do dever constitucional de legislar seria restrito à concessão do direito à aposentadoria especial - não se estendendo à averbação e contagem diferenciada do tempo de serviço -, a Corte trata a aposentadoria especial e a contagem diferenciada de tempo especial como coisas absolutamente distintas, quando, em verdade, uma decorre diretamente da outra.

11. É certo que nem todo servidor que exerce atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física terá direito à aposentadoria especial propriamente dita. Isto porque a aquisição do referido direito exige prova do trabalho com 'exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais', durante 25 anos (como regra), em caráter 'permanente, não ocasional nem intermitente', tudo demonstrado a partir de 'laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho' (arts. 57, §§ 3º e 4º, e 58, § 1º, da Lei nº 8.213/1991). Porém, é fora de dúvida que o tempo exercido nessas condições deve ser computado de forma diferenciada: é o art. 40, § 4º, III, da Constituição que o impõe. Veja-se que o dispositivo nem se refere especificamente à 'aposentadoria especial', e sim a
'requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria'.

12. A atual jurisprudência do Tribunal adota a lógica do 'tudo ou nada': ou o servidor possui tempo integral para a aposentadoria especial (e.g.: 25 anos), ou de nada valerá o trabalho exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por, e.g. , 20 anos. Isto porque o servidor, impedido de contar tal período de forma diferenciada, terá de completar o tempo de serviço necessário à aposentadoria como se tivesse sempre trabalhado em condições não prejudiciais à saúde.

13. Imagine-se, a propósito, a situação de uma servidora pública que tenha prestado 20 anos de atividade especial. A conversão de tal período pelo fator 1,2 resultaria em 24 anos de serviço, faltando 6 para a aposentadoria. Do contrário, não sendo adotado o fator multiplicador, a servidora ainda precisaria trabalhar mais 10 anos para completar os 30 anos de contribuição (CF, art. 40, § 1º, III, a), isto é, 4 anos a mais do que o necessário com a conversão.

14. A meu ver, tal interpretação é contrária ao sentido do art. 40, § 4º, da Constituição, que exige justamente a 'adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria (...) [a] os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física'. Assim, entendo aplicável o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial.

15. A própria Constituição tem disposição específica nesse sentido, que reforça tudo o que se vem de expor. Trata-se do art. 40, § 12:

Art. 40, § 12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela EC nº 20/1998)

16. O argumento não 'prova demais', porque a atual jurisprudência do STF entende que nem mesmo esse dispositivo garante aos servidores o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço especial, talvez por uma inadequada interpretação da expressão 'no que couber' (que, aliás, também está presente no texto da Súmula Vinculante 33). Em outros termos, o § 12 do art. 40 nunca foi utilizado para preencher o espaço da norma ausente, de modo a afastar o cabimento de mandado de injunção. Seja como for, caso se entenda que tal dispositivo afasta a situação de lacuna inconstitucional, ainda assim seria necessário que esta Corte afirmasse claramente a revisão de sua jurisprudência.

17. A não se entender assim, os servidores que exercem atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física não poderão proceder à contagem diferenciada do tempo especial, a não ser que completem 25 anos de atividade especial, diferentemente do que ocorre com todos os trabalhadores do regime geral de previdência. A um só tempo, seriam violados os §§ 4º, 10 e 12 do art. 40 da CF.

18. Outro argumento que reforça esta conclusão é o de que o Supremo Tribunal Federal reconhece o direito adquirido à contagem de tempo especial em caso de transposição do regime celetista para o estatutário. Veja-se a ementa do precedente, julgado sob regime de repercussão geral (RE 612.358 RG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.08.2010):

'ADMINISTRATIVO. CONTAGEM ESPECIAL DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES. PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. DIREITO ADQUIRIDO. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.' (destaques acrescentados)

19. Se o tempo prestado em condições especiais no regime geral deve ser considerado como tal no regime próprio, permitindo-se a contagem diferenciada, com maior razão o mesmo serviço, prestado pelo mesmo servidor na vigência do regime próprio, deve ter igual tratamento.

20. Confirmando o exposto, a própria Administração editou normas para disciplinar o cumprimento das ordens injuncionais proferidas por esta Corte, nas quais foi admitida a possibilidade de mera averbação e contagem diferenciada de tempo especial, com aplicação de um fator multiplicador para posterior soma ao tempo comum. Confira-se:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA MPOG/SRH Nº 10, DE 05.11.2010

Estabelece orientação aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC quanto à concessão de aposentadoria especial de que trata o art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral de Previdência Social), aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção.

Art. 1º Esta Orientação Normativa uniformiza, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da União - SIPEC, os procedimentos relacionados à concessão de aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, de que trata o Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao servidor público federal amparado por decisão em Mandado de Injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 1º Farão jus à aposentadoria especial de que trata o caput deste artigo os servidores públicos federais alcançados por decisões em Mandados de Injunção, individualmente, ou substituídos em ações coletivas, enquanto houver omissão legislativa.

§ 2º As decisões a que se referem o parágrafo anterior, exaradas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos de Mandados de Injunção, tratam da concessão de aposentadoria especial e da conversão de tempo de serviço aos servidores públicos federais com base na legislação previdenciária (...)

Art. 9º O tempo de serviço exercido em condições especiais será convertido em tempo comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.

Parágrafo único. O tempo convertido na forma do caput poderá ser utilizado para a aposentadoria prevista no art. 40 da Constituição Federal, na Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e na Emenda Constitucional nº 47, de 5 de junho de 2005, exceto nos casos da aposentadoria especial de professor de que trata o § 5º do art. 40 da Constituição Federal.

INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 53, DE 22.03.2011

Dispõe sobre os procedimentos relativos à concessão de aposentadoria especial dos servidores integrantes do Quadro de Pessoal do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, beneficiados pelos Mandados de Injunção nºs 959-7, 992-9 e 1002-1 do Supremo Tribunal Federal - STF, bem como em outras ações de mesma natureza, com idêntico pedido e provimento judicial.

Art. 1º Para a concessão de aposentadoria especial de que trata o inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, aos servidores beneficiados pelas decisões proferidas nos Mandados de Injunção nos 959-7/DF, 992-9/DF e 1002-1/DF do Supremo Tribunal Federal - STF, bem como em outras ações de mesma natureza, com idênticos pedido e provimento judiciais, deverá ser observado o disposto no art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991, bem como as condições definidas nesta Instrução Normativa.

(...) Art. 22. O tempo de serviço exercido em condições especiais será convertido em tempo comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.

§1º O tempo convertido na forma do caput poderá ser utilizado nas regras de aposentadoria previstas no art. 40 da Constituição Federal de 1988, na Emenda Constitucional nº 41, de 2003,e na Emenda Constitucional nº 47, de 2005, exceto nos casos da aposentadoria especial de professor de que trata o § 5º do art. 40 da Constituição Federal de 1988.

§2º Para conversão do tempo especial em tempo comum de período anterior à edição do regime jurídico da Lei Nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, poder-se-á utilizar os procedimentos dispostos na Orientação Interna nº 1/INSS/DRH, de 19 de janeiro de 2009, desde que mais vantajosa ao servidor.

RESOLUÇÃO CJF Nº 239, DE 05.04.2013

Dispõe sobre a regulamentação, no âmbito do Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, do cumprimento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em ações de mandado de injunção que determinem a aplicação da Lei n. 8.213/1991 na análise de pedidos de concessão de aposentadoria especial e de conversão de tempo de serviço prestado em condições especiais em tempo de serviço comum.

Art. 10. O tempo de serviço público prestado em condições especiais poderá ser convertido em tempo de serviço comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.

Art. 11. O tempo especial convertido poderá ser utilizado nas regras de aposentadoria previstas no art. 40 da Constituição Federal, na Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, e na Emenda Constitucional n. 47, de 5 de junho de 2005.

§ 1º O tempo de serviço especial convertido não poderá ser utilizado nas regras de aposentadoria do art. 6º, IV, da Emenda Constitucional n. 41/2003 e do art. 3º, II, da Emenda Constitucional n. 47/2005, para fins de cumprimento dos requisitos de 'tempo no cargo' e 'tempo na carreira'.

§ 2º Considera-se carreira, para fins do disposto no parágrafo anterior, o conjunto de cargos de provimento efetivo constituído pelas categorias funcionais de auxiliar judiciário, técnico judiciário e analista judiciário, bem como os cargos de provimento efetivo transformados na forma do art. 4º da Lei n. 9.421/1196.

12. O tempo de serviço especial convertido em tempo de serviço comum poderá ser utilizado para revisão do ato de aposentadoria e concessão de abono de permanência, quando for o caso, e segundo expresso em pedido do servidor ativo ou inativo.

Parágrafo único. Os efeitos financeiros decorrentes da revisão do ato de aposentadoria ou da concessão do abono de permanência retroagirão à data da decisão do mandado de injunção que beneficie a categoria integrada pelo interessado.

21. Como se vê, a própria Administração Pública entendia aplicável o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991 aos servidores amparados por mandados de injunção. Somente depois das decisões em sentido contrário do Supremo Tribunal Federal foi iniciado um movimento de revisão dos referidos atos normativos, de que é exemplo o Acórdão nº 3.608/2013 do TCU, culminando com a Orientação Normativa nº 05/2014 da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, que, ao alterar o art. 24 da Orientação Normativa nº 16/2013 do mesmo órgão, prevê:

'Art. 24. É vedada a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência.'

22. Por fim, não se pode vedar a contagem diferenciada de tempo especial a pretexto da possibilidade de superveniência de lei que altere os requisitos antes da aquisição do direito à aposentadoria. Isso porque a jurisprudência é pacífica no sentido de que 'o cômputo do tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente quando da sua prestação' (RE 402.576-AgR, RE 440.749-AgR, RE 463.299- AgR, RE 464.694-AgR e RE 482.187-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Assim, eventual lei superveniente não prejudica a contagem diferenciada do tempo de serviço considerado especial à época da sua prestação.

23. Considerando que a contagem diferenciada do tempo de serviço especial decorre diretamente do direito à aposentadoria previsto no art. 40, § 4º, da Constituição, e que o exercício desse direito é atualmente obstado por uma lacuna legislativa, nada impede que isso seja reconhecido em mandado de injunção. Não se trata de uma via imprópria para tal fim: ao contrário, cuida-se justamente da sede propícia para a correção de estados de omissão legislativa inconstitucional.

24. Naturalmente, a decisão a ser proferida em mandado de injunção não deverá reconhecer imediatamente o direito à contagem diferenciada de tempo especial, mas apenas suprir a lacuna normativa e determinar que a autoridade administrativa competente analise o caso, à luz dos documentos apresentados pela parte interessada.

25. Em debate realizado em Plenário, ao menos dois Ministros, pelo que entendi, sustentaram que o descabimento de mandado de injunção não infirma a possibilidade de averbação do tempo especial comprovado. Ou seja, reconheciam o direito potencial do servidor, mas não o mandado de injunção como instrumento de sua tutela.

26. Meu entendimento, como assentado, é pelo cabimento do mandado de injunção. Porém, produzirá resultado análogo a afirmação inequívoca de que, embora incabível o mandado de injunção, existe a possibilidade jurídica de averbação e contagem diferenciada de tempo especial por parte de servidores públicos, com base no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991. De fato, a existência de eventual óbice formal relativo ao mandado de injunção não pode ser invocada para inviabilizar o exercício de um direito pelas vias ordinárias.

27. Diante de todo o exposto, voto pela concessão parcial da ordem, para reconhecer a existência de omissão normativa quanto ao direito à aposentadoria especial de servidores públicos (CF, art. 40, § 4º, III) e determinar à autoridade administrativa que analise o requerimento da impetrante à luz da disciplina vigente no regime geral de previdência social, a saber, o art. 57 da Lei nº 8.213/1991, inclusive seu § 5º.

28. Caso se entenda que o mandado de injunção é incabível para tais fins, proponho que a Corte afirme inequivocamente a possibilidade jurídica de averbação e contagem diferenciada de tempo especial por parte de servidores públicos, com base no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, a ser buscada pelas vias ordinárias.

29. É como voto." (grifos originais e nossos)

A propósito da discussão pautada quando da aprovação da Súmula Vinculante 33, bem esclareceu naquela oportunidade o Ministro Teori Zavascki:

"A dificuldade de se aprovar a redação de uma súmula é encontrar uma redação que represente exatamente aquilo que foi decidido nos procedentes que lhe dão suporte. Nós não estamos aqui, na aprovação da súmula, fazendo juízo ou decidindo sobre controvérsias que não foram previamente decididas. Estamos aqui no âmbito de um juízo de caráter administrativo, pois estamos tentando condensar decisões já tomadas. Há uma série de decisões tomadas nos vários mandados de injunção a respeito desse tema.

O cerne central é justamente isso que referiu o Ministro Marco Aurélio. Ficou decidido que: enquanto não advier uma lei disciplinando o parágrafo 4º do art. 40, aplica-se a legislação do regime geral. Essa é a regra. Mas, também, se decidiu que, no âmbito do mandado de injunção, não cabe examinar direitos específicos. Tem que procurar a via administrativa. (...)

A respeito desse ponto específico da contagem de tempo de serviço também se decidiu que não se comportam, no âmbito dos mandados de injunção sobre o art. 40, parágrafo 4º, da Constituição, pretensões no sentido de dirimir controvérsias específicas sobre conversão de tempo de serviço prestado em atividades exercidas em condições nocivas, para fins de aproveitamento, como serviço comum, de outra espécie de aposentadoria.

O Ministro Ricardo Lewandowski citou vários precedentes nesse sentido. Refiro outros, começando até por um precedente do Ministro Ricardo Lewandowski em fevereiro, que afirma:

'O Plenário dessa Casa posicionou-se, definitivamente, pela inviabilidade do mandado de injunção, quando pretendida a mera contagem diferenciada e a averbação de tempo de serviço prestado em condições especiais.'

Não se diz se tem direito ou não tem direito. O que se diz é que não se comporta no âmbito do mandado de injunção.

Também, um precedente do Ministro Luiz Fux:

'O alcance da decisão proferida por esta Corte, quando na integração legislativa do parágrafo 4º do artigo 40, não tutela o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço, prestada em condições prejudiciais de saúde e a integridade física. Não tem procedência injuncional o reconhecimento da contagem diferenciada e da averbação do tempo de serviço prestado pelo impetrante, em condições insalubres, por exorbitar da expressa disposição constitucional.'

Precedente da Ministra Rosa Weber, foi citado pelo Ministro Ricardo Lewandowski:

'A conversão do tempo de serviço especiais em comuns, para fins de contagem diferenciada e averbação dos assentamentos funcionais do servidor público, não constitui pretensão passível de tutela por mandado de injunção, à míngua de dever constitucional de legislar sobre a matéria.'

Precedente do Ministro Dias Toffoli:

'A pretensão de garantia de conversão de tempo especial em tempo comum mostra-se incompatível com a presente via processual, uma vez que, no mandado de injunção, cabe ao Poder Judiciário, quando verificada a mora legislativa, viabilizar o exercício subjetivo constitucionalmente previsto, no qual não está incluído o direito vindicado.'

Precedente da Ministra Cármem Lúcia:

'Impossibilidade de assegurar a contagem e averbação de tempo de serviço, artigo 57 da Lei nº 8.213, para futuro pedido de aposentadoria especial. Inexistência do pressuposto de inviabilidade do exercício de prerrogativa constitucional. Precedentes.' (...)" (grifei)

Após o seu pronunciamento, seguiram-se outras importantes considerações dos pares:

"O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - (...) O que eu gostaria de observar - e aí peço vênia ao eminente Ministro Teori - é que eu verifico que Vossa Excelência faz menção à Lei nº 8.213/1991, ao artigo 57, genericamente, sem mencionar nenhum parágrafo específico. Eu não estou certo se Vossa Excelência, com a referência genérica, pretenderia também abranger a situação da averbação.

Eu gostaria de adiantar o meu ponto de vista, talvez não para incluir na súmula, até porque, no fundo, vou propor uma mudança de jurisprudência. Embora eu ache, apenas em plano doutrinário, que 'reiterados precedentes' é um conceito substituível por jurisprudência pacificada, portanto, se a maioria entender de uma determinada forma... (...)

Então, eu peço vênia a Vossa Excelência, porque tenho uma posição divergente no tocante à averbação. Na verdade, uma posição que acompanha a posição divergente do Ministro Marco Aurélio, já enunciada em Plenário. Então, como eu não vou ter outra oportunidade para suscitar essa questão, eu peço vênia para, muito brevemente, dizer a razão pela qual eu acho que nós deveríamos modificar este entendimento.

Então, digo eu: foi excluída, contra o voto vencido do Ministro Marco Aurélio, a possibilidade de averbação de tempo de serviço prestado em condições especiais e sua conversão em tempo comum, mediante a incidência de um fator multiplicador. E a Corte decidiu isso com base em dois fundamentos. O primeiro, que não seria possível a contagem do tempo ficto com base no artigo 40, § 10. E segundo, que o âmbito do dever constitucional de legislar seria restrito à concessão do direito à aposentadoria especial, e não à averbação e contagem diferenciada do tempo de serviço.

Eu devo dizer que, em respeito à Colegialidade, todas as minhas decisões monocráticas, nessa matéria, tenho ressalvado a minha opinião e seguido a posição do Plenário. Mas eu gostaria de aproveitar essa oportunidade, porque não tive anteriormente, e veicular a minha opinião. Eu entendo que a vedação à contagem do tempo ficto não proíbe o cômputo diferenciado de tempo de serviço prestado sob condições especiais, pois, a meu ver, de tempo ficto não se trata. O artigo 40, § 10, a meu ver, destina-se a proscrever a contagem como tempo de contribuição, e evitar que eles abusem, de férias, férias não gozadas, licenças, ou seja, contar tempo não trabalhado.

Por outro lado, ao afirmar que o âmbito do dever constitucional de legislar estaria restrito à concessão do direito à aposentadoria, e não à averbação, o Tribunal adotou, a meu ver, uma lógica do tudo ou nada. Ou o servidor possui tempo integral para a aposentadoria especial, por exemplo, vinte e cinco anos, ou de nada valerá o trabalho exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade, por exemplo, por vinte anos. Isso porque o servidor impedido de contar tal período de forma diferenciada terá de completar o tempo de serviço necessário à aposentadoria como se sempre tivesse trabalhado em condições não prejudiciais. Por exemplo: tratando-se de servidor do sexo masculino, que tenha trabalhado vinte anos em atividade especial, a conversão pelo fator 1,4 resultaria em vinte e oito anos, faltando sete para a aposentadoria. Do contrário, não podendo adotar o multiplicador, ele precisaria trabalhar mais 15 anos para completar os 35 anos de contribuição, e, portanto, 8 anos a mais. E eu considero que esta é uma consequência injusta do modo como nós temos decidido. E acho que essa interpretação é contrária ao 40, § 4º, da Constituição, que exige a adoção de critérios e requisitos diferenciados, para a concessão de aposentadoria, aos servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade. Portanto, eu entendo aplicável o artigo 57, § 5º, até porque, não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, como ressaltado da tribuna, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros o direito à averbação e contagem diferenciada do tempo de serviço especial.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Vossa Excelência me permitiria?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Pois não.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Creio que o que direi irá ao encontro do que colocado por Vossa Excelência. O § 12 do artigo 40 da Constituição Federal preceitua:

§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.

Como apontou Vossa Excelência, não há fator de discriminação socialmente aceitável para ter-se a conversão do tempo quanto aos trabalhadores em geral, e não se ter, atraída a maior perplexidade, a conversão no tocante aos servidores públicos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Exatamente. Muito grato, e acho que a referência de Vossa Excelência ao § 12 reforça, sim, o meu argumento.

Eu observei, Presidente, já vou concluir, que a Administração Pública vinha admitindo essa averbação, e eu identifiquei diversos atos normativos do Ministério do Planejamento, uma Instrução Normativa do INSS e uma Resolução do Conselho da Justiça Federal, todos eles admitindo essa averbação. E, quando o Supremo firmou o seu entendimento, aí, a Administração Pública, compreensivelmente, deixou de permitir esta averbação. De modo que a própria Administração Pública entendia possível a averbação.

Concluindo, eu estou endossando a súmula na versão proposta por Vossa Excelência, relativa apenas à questão da insalubridade. Não estou propondo a inclusão na súmula, por motivos óbvios, dessa alteração de compreensão que estou propondo, mas por não ver outra oportunidade melhor, eu estou trazendo, à consideração do Plenário, a possibilidade de revisão dessa jurisprudência, que eu entendo que não atende a nenhum mandamento constitucional, mas produz injustiças, no caso concreto, que eu acho que nós podemos e devemos rever.

Portanto, é como voto Presidente.

(...)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Ministro Gilmar Mendes, se Vossa Excelência me permite, nós, em nenhum momento, nas nossas decisões, excluímos a possibilidade de a Administração contar o tempo especial.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas nós não decidimos isso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - O que nós dissemos aqui é que isso não é objeto de mandado de injunção. Quer dizer, isso ficaria a critério da Administração de contar ou não.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ministro Lewandowski, penso que não. Penso que há manifestação no sentido de que seria tempo ficto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Pelo menos, nos precedentes que eu li do Ministro Teori Zavascki e da Ministra Rosa Weber, consta exatamente isso. Pode ser que haja algum pronunciamento.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Tanto que a Administração voltou atrás e deixou de admitir, depois que o Supremo decidiu.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Eu até diria, Ministro Barroso, que eu fiquei muito sensibilizado.

(...)

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Mas eu tabulei as decisões. Ela expressamente diz que isso seria contagem de tempo ficto, portanto, isso significaria que o Supremo está infirmando essa possibilidade. E aí eu acho que deveríamos rever.

(...)

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Mas eu acho que, independentemente de constar da Súmula, eu verifico que, contrariamente à interpretação que se tem dado, o Supremo, então, não disse que não é possível averbar. É esta a posição da maioria? (...)

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (PRESIDENTE E RELATOR) - Nós não nos debruçamos sobre esta questão a fundo.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Quando veio, o Plenário se manifestou sempre com a divergência do Ministro Marco Aurélio nesse sentido.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - De que não havia um direito subjetivo à edição de normas sobre essa temática.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Exatamente. O Ministro sempre se manteve coerente com seu entendimento.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É, nós não proibimos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Na prática, eu acho que se está negando um direito previsto na Constituição, porque se o indivíduo que trabalha 20 anos, em condições de insalubridade, não pode averbar esse tempo, ele é equiparado ao servidor comum quando ele teve um ônus que a Constituição quis proteger ou valorizar.

Então, talvez possa pensar o seguinte, e não faltarão advogados para isso: trazer essa questão outra vez ao Plenário, talvez fora do contexto de mandado de injunção, para nós podermos voltar a discuti-la, porque a situação de fato, atualmente vigente, ela é injusta em relação a esses servidores.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - A mim me parece que deveríamos nos limitar, exatamente, a esse direito substancial que se colocou quanto à aposentadoria especial. E até lá talvez até esse debate estimule o Congresso Nacional a editar uma lei, contemplando as complexidades fáticas que o caso revela.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Ou, então, esse retrocesso vai gerar outras ações que nós vamos decidir.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Porque, no fundo, eu acho que prevalece uma situação que, pelo que eu ouvi, aqui, dos Colegas, não tem o endosso claro do Supremo quanto à impossibilidade de averbação.

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (PRESIDENTE E RELATOR) - Não, não há.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Então, acho que essa matéria deverá voltar pela forma adequada para que nós possamos rediscuti-la. (...)

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente, apenas para concluir: sobre essa questão de tempo de serviço, já referi isso nas observações que fiz, há vários precedentes no sentido de que é tema que não pode ser resolvido em mandado de injunção. Parece que essa é a orientação básica, quer dizer, se confundiu, talvez, o direito...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Se for isso, tanto melhor, não é o que a Administração interpretou, porque a Administração tem negado a possibilidade de averbação. Agora, se a Administração estiver vedando a possibilidade de averbação sob o argumento de que não há lei, bom, aí, cabe mandado de injunção. (...)" (grifei)

Portanto, o Supremo Tribunal Federal, por seus Ministros, assumiu não ter decidido ainda sobre o direito à contagem diferenciada no regime próprio de tempo de serviço laborado em atividade especial, mas apenas que incabível tal discussão no âmbito do mandado de injunção conforme os precedentes, o que vem a enfraquecer a orientação formada com base na jurisprudência daquela Corte de vedação de cômputo desse tempo de trabalho majorado.

Observo que, apesar de tal debate ter-se pautado, em princípio, no labor especial prestado junto ao RPPS, aproveitável para a situação concreta na medida em que afasta o estigma criado para a definição do que é realmente tempo fictício para os fins do § 10 do artigo 40 da Constituição.

Diante da explanação feita até aqui, fica claro que o tempo ficto excluído do cômputo para aposentação, por força da disciplina do § 10 do artigo 40 da CRFB, é outro que não o excepcionado tempo de serviço especial convolado para comum, conforme previsão do anterior § 4º do mesmo dispositivo constitucional.

Aliás, a própria Emenda Constitucional 20/98 preocupou-se em observar que "o tempo considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição".

Assim, uma vez prestado o labor extraordinário, sujeito a condições prejudiciais à saúde e à integridade física do trabalhador, que resulta, para fins de apuração, em tempo de serviço comum majorado na forma da legislação (artigo 57, § 5º, da Lei 8.213/91), é possível a contagem recíproca do mesmo, com a compensação financeira entre o regime de origem e o regime instituidor, consoante disposição do artigo 201, § 9º, da CRFB (anterior redação do artigo 202, § 2º) e na forma disciplinada na Lei 9.796/99. Quero dizer, tempo de serviço especial convertido em comum é tempo de serviço prestado no regime geral a ser computado para o efeito de jubilamento no regime público, de acordo com a regra do artigo 103, inciso V, da Lei 8.112/90.

Nessa linha de ideias, a melhor interpretação a ser dada ao artigo 96, inciso I, da Lei 8.213/91, que reproduziu a redação do artigo 4º, inciso I, da Lei 6.226/75, é a de que, ao inadmitir "a contagem em dobro ou em outras condições especiais", não está o legislador ordinário vedando o cômputo do tempo ponderado relativo ao labor especial prejudicial à saúde e à integridade física do trabalhador, desde sempre excepcionado na Carta Constitucional, mas sim outras hipóteses que possam vir a ser criadas por lei, gerando tempo dito fictício, sem a correlação no texto constitucional, sem embasamento fático, justificativa ou razoabilidade, tais quais a consideração do período não gozado de licença-prêmio em dobro e o arredondamento de tempo de serviço, aliás, já rechaçadas pelo Excelso Pretório nos precedentes referidos.

Ademais, quanto à questão atuarial, há jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal no sentido de ser inexigível a observância do quanto previsto no artigo 195, § 5º, da CRFB quando o benefício é criado diretamente pela Constituição (RE 220742, 2ª Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, DJ 04-9-1998; AgR em AI 792329, 1ª Turma, Relª. Ministra Cármen Lúcia, DJe 03-9-2010). Isso implicar inferir que o aproveitamento, no regime público, do tempo de serviço prestado no RGPS, correspondente à prestação de atividades sujeitas a condições especiais, não se sujeita ao óbice da falta de custeio em relação ao período contributivo a descoberto, porque correspondente ao incremento determinado pela conversão (contagem diferenciada), equalizado com a compensação entre os regimes (artigo 4º da Lei 9.796/99).

Não é demais ressaltar que o artigo 15 da EC 20/98 estabeleceu que permanecem em vigor as disposições dos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 até que sobrevenha a edição da lei complementar de que trata o artigo 201, § 1º, da CRFB. Além disso, o próprio § 12 do artigo 40 da CRFB faz remissão ao aproveitamento do regramento relativo ao regime geral no público no que for cabível.

Nesse passo, é de ser dada, ao texto legal, a interpretação conforme, reconhecendo a possibilidade de averbação de tempo de serviço especial convertido em comum do regime geral no regime público.

Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a arguição de inconstitucionalidade do artigo 96, inciso I, da Lei 8.213/91, e o consequente juízo negativo de recepção do artigo 4º, inciso I, da Lei 6.226/75, emprestando-lhes interpretação conforme a Constituição Federal, e, adentrando no mérito da ação mandamental, aderindo à divergência inaugurada pelo Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, conceder a segurança, ainda que por diferente fundamentação, para determinar a averbação do acréscimo decorrente da conversão em comum do tempo de serviço especial do impetrante prestado no RGPS, correspondente a 03 (três) anos e 18 (dezoito) dias, junto ao RPPS.
Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Desembargador Federal


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/02/2015
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS
INCIDENTE
:
INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
RELATOR
:
Des. Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE
:
Des. Federal Tadaaqui Hirose
PROCURADOR
:
Dr. Marco Andre Seifert
INTERESSADO
:
JOAO PEDRO KLIEMANN
ADVOGADO
:
Alberto Hugo Kliemann e outro
INTERESSADO
:
DESEMBARGADOR(A) FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Procuradoria-Regional da União
SUSCITANTE
:
CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/02/2015, na seqüência 2, disponibilizada no DE de 13/02/2015, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) CORTE ESPECIAL, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
INICIADO O JULGAMENTO, O RELATOR, DES. FEDERAL CELSO KIPPER, VOTOU NO SENTIDO DE DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO INCISO I DO ARTIGO 96 DA LEI N. 8.213/91, NO TOCANTE À SUA APLICAÇÃO ÀS HIPÓTESES DE CONTAGEM DIFERENCIADA (PONDERADA), NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS, DO ACRÉSCIMO DECORRENTE DA CONVERSÃO, EM COMUM, DE TEMPO DE SERVIÇO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS, EM PERÍODO EM QUE VINCULADO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS), POR AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DO DIREITO ADQUIRIDO, INSCULPIDOS NO ART. 5º, CAPUT, E INC. XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, BEM COMO, NAS MESMAS HIPÓTESES ACIMA MENCIONADAS, A NÃO RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO ATUAL, DO ART. 4º, INC. I, DA LEI 6226/75, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELOS DES. FEDERAIS OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, ROGERIO FAVRETO, MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, LUIZ CARLOS DE CASTRO LOUGON E CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ. DIVERGIU O DES. FEDERAL RÔMULO PIZZOLATTI. PEDIU VISTA O DES. FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS. AGUARDA O DES. FEDERAL LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO.
PEDIDO DE VISTA
:
Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE(S)
:
Des. Federal CELSO KIPPER
:
Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA
:
Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI
:
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
:
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
:
Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
:
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
IMPEDIDO(S):
:
Des. Federal TADAAQUI HIROSE
Jaqueline Paiva Nunes Goron
Secretária


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/05/2015
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS
INCIDENTE
:
INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
RELATOR
:
Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PRESIDENTE
:
Des. Federal Tadaaqui Hirose
PROCURADOR
:
Dr. Marco André Seifert
INTERESSADO
:
JOAO PEDRO KLIEMANN
ADVOGADO
:
Alberto Hugo Kliemann e outro
INTERESSADO
:
DESEMBARGADOR(A) FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR
:
Procuradoria-Regional da União
SUSCITANTE
:
CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIAO
Certifico que o(a) CORTE ESPECIAL, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO DES. FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS NO SENTIDO DE REJEITAR A ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 96, INCISO I, DA LEI 8.213/91, E O CONSEQUENTE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DO ARTIGO 4º, INCISO I, DA LEI 6.226/75, EMPRESTANDO-LHES INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E, ADENTRANDO NO MÉRITO DA AÇÃO MANDAMENTAL, ADERINDO À DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DES. FEDERAL LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, PARA CONCEDER A SEGURANÇA, AINDA QUE POR DIFERENTE FUNDAMENTAÇÃO, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DES. FEDERAL LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, A CORTE ESPECIAL, POR MAIORIA, DECIDIU DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO INCISO I DO ARTIGO 96 DA LEI N. 8.213/91, NO TOCANTE À SUA APLICAÇÃO ÀS HIPÓTESES DE CONTAGEM DIFERENCIADA (PONDERADA), NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS, DO ACRÉSCIMO DECORRENTE DA CONVERSÃO, EM COMUM, DE TEMPO DE SERVIÇO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS, EM PERÍODO EM QUE VINCULADO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS), POR AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DO DIREITO ADQUIRIDO, INSCULPIDOS NO ART. 5º, CAPUT, E INC. XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, BEM COMO, NAS MESMAS HIPÓTESES ACIMA MENCIONADAS, A NÃO RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO ATUAL, DO ART. 4º, INC. I, DA LEI 6226/75, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. VENCIDOS OS DES. FEDERAIS RÔMULO PIZZOLATTI, VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS E LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal CELSO KIPPER
VOTO VISTA
:
Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE(S)
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
IMPEDIDO(S):
:
Des. Federal TADAAQUI HIROSE
AUSENTE(S)
:
Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA
:
Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
:
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
Jaqueline Paiva Nunes Goron
Secretária


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NOTAS DA SESSÃO DO DIA 26/02/2015
CORTE ESPECIAL
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0006040-92.2013.404.0000/RS (002P)
RELATOR: Des. Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO E VOTO (no Gabinete)

Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA:
Sr. Presidente:
Desde que Juiz de primeiro grau sempre tive compreensão completamente diferente do que se firmou no âmbito do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os servidores celetistas teriam direito à conversão, e justificava com um exemplo muito prático que era o de um médico que fora contratado pelo INSS, pelo INPS à época em que englobava o INAMPS, pelo regime celetista, no ano de 1995, e um outro médico que fora contratado pelo regime estatutário.
Sobreveio a Constituição, o art. 243 da Lei nº 8.112, a meu ver inconstitucional, mas não foi declarado, que faz a transformação dos empregos em cargos públicos. E surge então a discussão: os servidores celetistas, muitos deles ingressaram até sem concurso, tiveram direito a levantar o fundo de garantia, tiveram todas as vantagens do regime geral e passaram para o regime jurídico administrativo com um plus, ou seja, vão se aposentar, pela jurisprudência que se formou no âmbito do Supremo Tribunal Federal, antes daqueles médicos que entraram na mesma data, eram estatutários e se submeteram a concurso público. Mas essa tese restou vencida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que deliberou, e o Desembargador Celso, às escâncaras, demonstrou com precedentes inúmeros que existem naquela corte no sentido de que, quanto ao tempo de serviço, o direito adquirido ocorre na medida em que há a prestação de serviço e se regula pelas normativas vigentes por ocasião da prestação do serviço, de modo que, se ele prestou serviço pelo regime geral da Previdência Social, ele vai ter, mais à frente, o direito de computar aquele acréscimo decorrente da legislação previdenciária. Então essa matéria é hoje, no âmbito do Supremo, ponto pacífico.
A questão que se traz à baila não envolve especificamente esse servidor celetista, um ex-empregado celetista, que me parece é um empregado de uma estatal, uma sociedade de economia mista: Embratel. Agora, não vejo como se fazer uma ontológica entre aquele que era servidor e aquele que não é servidor, porque o que o Supremo fixou nesse precedente ou nesse entendimento, do qual eu discordo mas respeito, e o sigo, é que nós façamos a distinção em razão de ter sido servidor, ou não. De modo que, se o tempo de serviço se regula pelo regime próprio da época em que prestado o serviço, aquele que prestou o serviço sob o regime geral da Previdência Social, ele levará consigo, no seu patrimônio jurídico, aquele acréscimo decorrente do tempo especial, porque ele prestou aquele serviço. E, a partir do momento em que a Constituição garante que se possa computar para a aposentadoria no serviço público o tempo de iniciativa privada, ele deverá ser computado nos termos em que computado no regime geral da Previdência Social, sob pena de criarmos aí um discrímen mais odioso ainda, porque estaríamos dando um tratamento mais privilegiado àqueles que precedentemente eram servidores públicos e que já tinham, em razão dessa situação, mesmo sendo celetistas, prerrogativas mais do que os servidores ou os empregados privados.
Então, com essas considerações, a despeito de no mérito da questão ser vencido, mas ser superado pela jurisprudência do Supremo, alinho-me ao voto apresentado pelo Des. Federal Celso Kipper.

Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI:
Sr. Presidente:
Apenas vou me reportar ao voto que proferi em 19-12-2013 como Relator. Fiz todo um estudo da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde aquele paradigmático Recurso Extraordinário nº 82881, relatado pelo Min. Eloy da Rocha, acórdão publicado na RTJ 79, que diz: Determinado tempo de serviço se considera como público, para efeitos nela previstos, do fato inteiramente realizado nasce o direito, que se incorpora imediatamente no patrimônio do servidor.
Depois conto toda a evolução da posição da jurisprudência do Supremo sobre o assunto, mas aponto que essa jurisprudência é no sentido de que o tempo de serviço se rege pela lei vigente à época em que é prestado e se incorpora ao patrimônio do servidor público dentro do mesmo regime em que ele é prestado. Tanto que, mais adiante, em 23-10-2004, porque este julgamento está sendo bastante demorado, trouxe um julgamento recente do Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgado em regime de repercussão geral, Recurso Extraordinário nº 587371, Relator Min. Teori Zavascki, em que ele examina toda essa situação e diz o seguinte: As vantagens remuneratórias adquiridas no exercício de determinado cargo público não autorizam o seu titular, quando extinta a correspondente relação funcional, a transplantá-las par o âmbito de outro cargo pertencente à carreira e regime jurídico distintos, criando assim um direito de tertium genus, composto das vantagens de dois regimes diferentes.
Então a ideia do Supremo Tribunal Federal é sempre no sentido de que o servidor tem direito adquirido ao tempo de serviço segundo a lei da época da prestação, desde que ele mantenha aquela relação funcional, porque se eu sou Juiz no Brasil, Des. Thompson, e resolver ir para um outro país - bom, lá nem serei Juiz -, mas lá não poderei dizer que tenho no patrimônio quarenta anos de serviço; não, é outro país, é outro regime jurídico. A posição do Supremo sempre foi clara.
Agora, temos que entender a linha de evolução da jurisprudência do Supremo e a excepcionalidade de determinadas situações. Temos aquela situação de servidores... Existe uma lei de 1974 que dizia o seguinte: É proibida a contratação de servidores públicos no regime estatutário, a não ser para cargos típicos de Estado. Então, em função dessa legislação da época do regime militar, só havia a contratação de servidores em regime estatutário para aquelas atividades típicas de policiamento, juízes, fiscais, procuradores; o resto, professores, médicos, todos esses eram contratados sob o regime celetista, então faziam o concurso - universidades federais, por exemplo - e iam para o regime celetista.
Na época do Presidente Collor, foi editada a Lei nº 8.112/90, que, de forma autoritária, determinou que todos esses servidores públicos celetistas iriam, independentemente da sua vontade, para o regime estatutário, porque extinta a relação de emprego. Eles poderiam até, Des. Thompson, alegar direito adquirido, porque ninguém é obrigado a mudar de regime. E houve situações - lembro-me que meu pai era servidor público do antigo e extinto Departamento de Correios e Telégrafos, era um servidor público federal concursado, e depois se criou a empresa pública Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Então, o que fizeram? Fizeram uma pressão, um terror psicológico para que ele e outros colegas optassem pelo regime celetista. Ele acabou cedendo àquele terror todo e se deu mal nessa história. Então, na verdade, nenhum servidor celetista pode ser jogado no estatutário e nenhum servidor público estatutário pode ser jogado em outro regime.
Então, na verdade, nenhum servidor celetista pode ser jogado no estatutário e nenhum servidor público estatutário pode ser jogado em outro regime. Mas, enfim, ninguém reclamou porque a situação beneficiava aqueles servidores, que era um grande contingente de celetistas, beneficiava os servidores e provocava um rombo incrível nos cofres públicos.
Celso Antônio Bandeira de Mello, no seu Curso de Direito Administrativo, tem uma alentada nota de rodapé dizendo que o grande rombo nos cofres já começou maior do que aquele pequeno escândalo do Collor que lhe valeu o impeachment; foi justamente este, simplesmente pegou milhares de servidores de um regime e jogou para outro.
Agora, o Supremo Tribunal Federal, diante de uma situação excepcional e equivocada, e isso é demonstrado pelas críticas fundamentas de Celso Antônio Bandeira de Mello, não tinha outra postura se não dizer o seguinte: Esses servidores eram servidores, eles não optaram por outro regime, eles não se transplantaram por sua vontade, foram jogados lá, então temos de reconhecer que eles estavam no serviço público, não se transplantaram por sua vontade e agora terão os direitos como se fossem estatutários. No fim, acabaram tendo mais direitos do que se já estivessem antes no estatutário, porque não teriam, entre outros benefícios, o FGTS. Então, este julgamento específico do Supremo Tribunal Federal nessas situações não desnatura a evolução da sua jurisprudência, confirmada neste julgado do Plenário sob o regime da repercussão, agora em meados de 2014, no sentido de que o direito adquirido é sempre no mesmo - isso me parece até óbvio - regime funcional. Por exemplo, eu não tenho direito, Des. Federal Celso Kipper, à licença-prêmio. Aí peço as contas e retorno para a Justiça Estadual de Santa Catarina. Lá em Santa Catarina existe um Estatuto da Magistratura, de cinco ou seis anos atrás, que já garante auxílio-moradia e um monte de benefícios. Eles simplesmente pegaram a lei do Ministério Público Federal e outras e fizeram o seu Estatuto da Magistratura, e existe licença-prêmio e também auxílio-moradia. Uma lei complementar estadual. Aí chego lá e digo: "Olha, eu tenho tais e tais direitos que vocês não têm, direito adquirido." Eles vão dizer: " Não, não está no nosso estatuto, o senhor não tem esse direito." E figuremos outra hipótese, Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: o sujeito é Juiz Estadual em Santa Catarina, tem um catálogo de direitos que é muito superior ao nosso, inclusive licença-prêmio, chega aqui neste regime funcional por sua livre e espontânea vontade, fazendo concurso, e diz: "Olha, eu trabalhei dez anos como Juiz Estadual de Santa Catarina e tenho direito a seis meses de licença-prêmio." O que se vai dizer aqui, e me parece correto: "Não, se o senhor quer esse direito, deveria ter permanecido lá." Aliás, é o que tem ocorrido com a remoção dos Juízes em âmbito federal. Onde é que colocamos os Juízes que estão vindo de fora? Eles vão todos para o fim da fila. Tem lá um Juiz antigo, está há dez anos na magistratura, pede a remoção para cá, remoção nacional, chancelada, tudo, e nós dissemos o seguinte: "Não é correto o sujeito trazer vantagens de fora quando ele espontaneamente sai daquele regime." Agora, eu entendo o seguinte, Des. Federal Thompson, se este Juiz fosse obrigado a vir para cá por interesse da Administração, contra a sua vontade, diria que este sujeito não pode perder o seu direito, porque ele foi obrigado. Foi justamente essa situação com a qual se deparou excepcionalmente o Supremo Tribunal Federal, que foi essa transposição manu militari do pessoal servidor público celetista para o regime estatutário com a Lei nº 8.112. Agora, um julgamento excepcional, considerada aquela peculiaridade, o Supremo, parece-me, agiu de forma correta, não desnatura toda a sua jurisprudência, que é em outra linha, que mostra que o direito adquirido do servidor é sempre no âmbito da mesma relação funcional. Quando ele voluntariamente sai daquela relação, e ele geralmente sai para uma melhor, como foi o caso, ele não tem direito de pegar aqueles benefícios de lá, misturar com os benefícios daqui, e ter aquilo que o Min. Zavascki diz aqui nesse julgado recente: um tertium genus Não existe um tertium genus. Depois no meu voto, prossigo, faço exame de toda a jurisprudência do STJ, que faz essas distinções, faço o exame ainda da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, da Constituição, até da posição do Conselho da Justiça Federal. Tudo a concluir que não existe nessa situação nenhuma inconstitucionalidade, e isso já foi definido, vem sendo definido desde a década de 70, e me parece um tanto açodado. Acho que devemos sempre colocar a posição correta, mas o Direito também é bastante conservador, não podemos de uma hora para outra, é ousado demais, para dizer o mínimo, pegar uma jurisprudência de Tribunais Superiores. Toda uma evolução de 30, 40 anos, e dizer: isso não vale nada. A minha preocupação é com a justiça, mas essa justiça tem que ser efetivada nos quadros da nossa jurisprudência e do Direito.
Então, com essas considerações, me reportando às minhas observações já lançadas nesses dois votos, aquele inicial em 19-12-2013, em que coloquei toda a posição de forma analítica, toda a jurisprudência. Depois ainda esse voto que apresentei, um voto complementar em 23-10-2014, com essa última posição do Supremo, que confirma o que ele já vem dizendo há décadas, rejeito a argüição.

Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA:
Sr. Presidente:
Também sempre vi com certa perplexidade a distinção que se fazia entre a situação do servidor público que era celetista daquele que não era celetista, que tinha um tratamento diferenciado, de modo que não poderia ter reconhecimento da especialidade. Ou seja, privilegiando aquele que ingressou nos quadros do serviço público de forma legítima, mas sem a observância do rigor do concurso público em muitas situações. De todo modo essa questão é vencida, aqui se discute outra situação, que é a da conversão do tempo especial em comum antes do ingresso no serviço público, independente da condição de servidor público. Nesse sentido, parece-me, como bem pontuou o Relator, se o Supremo, ao deferir a averbação no regime próprio, dos ex-celetistas, usou o fundamento de que isso havia se incorporado ao patrimônio antes da vigência da Lei nº 8.112, não se pode negar essa possibilidade para aquele que não era empregado público. A situação é a mesma. Parece-me que é direito adquirido. Isso está a ferir o princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal.
Nesse sentido, acompanho o Relator, com as observações que foram feitas a partir do registro do Des. Victor Laus, quanto ao art. 4º, I, da Lei nº 6.226/75. Mas de todo modo, quanto ao art. 96, I, da Lei nº 8.213, parece-me que de fato é de se reconhecer a mácula perante a Constituição.

Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH:
Também acompanho o Relator.

Des. Federal ROGERIO FAVRETO:
Sem delongas, porque o voto do eminente Relator foi de uma qualidade como de sempre, nosso aniversariante de ontem, estou acompanhando integralmente o voto do Des. Kipper, com respeito a eventuais divergências.

Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE:
Com o Relator.

Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON:
Estou acompanhando integralmente o bem-lançado voto do ilustre Relator, com vênia da divergência também bem posta, mas acredito que prevaleça aqui o direito adquirido, e também vejo malferida a Constituição.

Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ:
Com o Relator, Sr. Presidente.

Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS:
Sr. Presidente:
Pela minha contagem, já temos oito votos, reconhecendo a inconstitucionalidade; portanto, até aqui já se formou a maioria absoluta, mas vou pedir vênia àqueles que já votaram e vou indicar um pedido de vista. Porque sempre que tomei conhecimento dessa controvérsia, sempre procurei superar o grande embate que se estabelece no âmbito do Supremo Tribunal Federal acerca do que consistiria o tempo ficto versus o caráter atuarial da Previdência, seja pública ou particular. Essa questão ainda está inconclusa, não avançou, e o debate, sempre que se estabeleceu, a meu juízo, foi nesse ponto, à exceção da Lei do Regime Jurídico Único, que foi superada a partir da premissa que houve uma transmutação de vínculo. Essa foi uma saída dada pelo legislador, que o Supremo Tribunal Federal acolheu, afastando pontualmente a sua antiga jurisprudência de ausência de direito adquirido a regime jurídico. Mas aqui na hipótese, bem assemelha, bem realça o Des. Kipper, que aqui não é a mesma questão. Aqui, a rigor, tem-se empregado de antigo regime geral que passa a fazer parte do serviço público, serviço público regido por regras próprias, nomeadamente o art. 40 da Constituição, que veda o aproveitamento de tempo ficto. Ou seja, o plus da conversão detrai o período a ser contributivo, que é exigido de toda e qualquer segurado brasileiro. Então, esse embate entre o critério atuarial da Previdência e o apontado direito adquirido, que, na hipótese, não conta com o placet da legislação, diferentemente do ex-celetista apropriado pela Lei do Regime Jurídico Único, parece-me inaugura sim uma situação singular que há que ser superada por uma ou por outra compreensão acerca do que, digamos assim, teria havido uma ofensa, ou não, ao princípio da igualdade. Há uma ofensa sob perspectiva de que ele foi do regime geral, se foi e se expôs a um agente nocivo, tem direito ao cômputo ponderado do tempo de atividade tal qual qualquer trabalhador em mesma situação, mas não há, ou pelo menos em tese, uma ofensa ao princípio da igualdade, se considerarmos que o tempo do empregado público contributivo à Previdência é um, e o do regime geral é outro, que se beneficia do plus da conversão. Então, parece-me que, nesse sentido, há que se estabelecer também algum debate, acredito que seja por isso que a questão ainda não evoluiu no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Existem n questionamentos acerca dessa questão, e o Supremo vem aparando as arestas, julgando uma ou outra controvérsia a fim de clarear o horizonte para chegar a essa, que me parece é a questão central, que é a do equilíbrio atuarial do orçamento da Seguridade Social, que também reflete no regime público na medida em que há um acerto de contas, haverá um acerto de contas em algum momento. Por isso, Sr. Presidente, peço vista.

Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO (PRESIDENTE):
Em se tratando de arguição de inconstitucionalidade, devo oportunamente votar. Então, aguardo a solução do pedido de vista, e o julgamento prosseguirá oportunamente.
DECISÃO:
[Sem decisão proclamada.]
Cristina Kopte
Supervisora


Documento eletrônico assinado por Cristina Kopte, Supervisora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7495659v2 e, se solicitado, do código CRC 2DF29FD4.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Cristina Kopte
Data e Hora: 20/04/2015 15:33




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