APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005486-50.2015.4.04.7001/PR
RELATORA | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
APELANTE | : | SEARA ALIMENTOS LTDA |
ADVOGADO | : | LILLIANA BORTOLINI RAMOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
ADMNISTRATIVO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO DE REGRESSO. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. SAT. CULPA NEGLIGÊNCIA DO EMPREGADOR.
1. O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é claro ao vincular o direito de regresso da autarquia previdenciária à comprovação da negligência por parte do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva. Evidenciada a negligência do empregador, impõe-se o dever de ressarcir o INSS pelas despesas efetuadas com a concessão do benefício acidentário.
2. A constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 restou reconhecida por esta Corte, nos autos da Argüição de Inconstitucionalidade na AC nº 1998.04.01.023654-8.
3. O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas, àquela destinada ao seguro de acidente de trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
4. O nexo causal foi configurado diante da negligência da empresa empregadora em não oferecer equipamento de trabalho adequado, qual seja, bico para o correto manejo da mangueira, a fim de controlar a vazão da saída do produto químico (ácido), desrespeitando, assim, diversas normas atinentes à proteção da saúde do trabalhador. Também não há que se falar em culpa concorrente entre a vítima e a requerida. Embora a vítima tivesse retirado os óculos de proteção do seu rosto no momento do acidente, foi apurado que tal fato se deu devido à constante necessidade de desembaçá-los.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, negar provimento à apelação da parte ré, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de agosto de 2017.
Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9041598v9 e, se solicitado, do código CRC BC7C8A54. | |
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| Signatário (a): | Sérgio Renato Tejada Garcia |
| Data e Hora: | 10/08/2017 17:30 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005486-50.2015.4.04.7001/PR
RELATORA | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
APELANTE | : | SEARA ALIMENTOS LTDA |
ADVOGADO | : | LILLIANA BORTOLINI RAMOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS propôs ação regressiva, com base no art. 120 da Lei nº 8.213/91, contra SEARA ALIMENTOS LTDA., objetivando a condenação da ré a restituir o que foi e o que for pago a título de benefício acidentário em razão do acidente sofrido pela segurada Fernanda Bernardo Zancheta naquela empresa.
Instruído o feito, sobreveio sentença de procedência do pedido, nos seguintes termos:
"III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), julgo procedentes os pedidos formulados na petição inicial, o que faço para, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, condenar a empresa ré a ressarcir os valores pagos em decorrência do benefício de auxílio-doença por acidente de trabalho concedido em favor da segurada Fernanda Bernardo Zancheta (NB 554.285.198-0), assim como os valores que venham a ser pagos (prestações vincendas) em virtude do mesmo motivo (artigo 323 do CPC/2015).
Sobre os valores devidos incidirão juros e correção monetária, na forma da fundamentação.
Condeno a ré ao pagamento das custas, bem como de honorários advocatícios que deverão ser calculados sobre o valor da condenação (parcelas vencidas até a data desta sentença, conforme Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça) mediante a aplicação do percentual mínimo da faixa correspondente (artigo 85, parágrafo 3º, inciso I, do CPC), a ser definida em sede de liquidação, nos termos dos §3° e 5º do artigo 85, do Código de Processo Civil.
Sentença não sujeita a reexame necessário, considerando que, por estimativa, verifica-se que a condenação não alcançará o valor de mil salários mínimos, conforme inciso I do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Havendo recurso de apelação desta sentença, intime-se a parte recorrida para oferecimento de contrarrazões, observado o disposto nos artigos 1.009, § 2º e 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, inclusive no que se refere à regularidade do preparo, nos termos do artigo 1.010, § 3º, do mesmo diploma legal.
Publique-se. Registre. Intimem-se.
Oportunamente, proceda-se à baixa dos autos."
A parte ré apela, sustentando que o art. 120 da Lei 8.213/91, o qual prevê a possibilidade de ação regressiva pelo INSS, seria inconstitucional frente à norma constante do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal. Aduz que o pagamento do SAT realizado pela empresa impede a ação regressiva, sob pena de se ocorrer o bis in idem. No que toca à sua responsabilidade, alega que a culpa foi exclusiva da vítima, pois entende que o acidente ocorreu devido à negligência da empregada ao desempenhar suas funções, uma vez que não adotou os procedimentos corretos, notadamente ao não usar o EPI no momento do acidente, qual seja, os óculos de proteção. Nesse sentido, menciona as testemunhas ouvidas na presente ação. Defende ainda que a empregada/vítima foi devidamente treinada para o labor em questão, recebendo os EPIs necessários para realizar com segurança as tarefas a ela incumbidas. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da culpa concorrente da vítima.
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Da Constitucionalidade da Ação Regressiva
Não há incompatibilidade entre o artigo 120 da Lei nº. 8.213/91 e o artigo 7º da Constituição Federal, uma vez que não há menção neste artigo de que a reparação deve ser ao empregado.
O TRF da 4ª Região tem entendimento pacífico nesse sentido, conforme verifica-se no seguinte julgado:
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. NEXO DE CAUSALIDADE. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. 1. Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91. 2. Segundo o art. 131 do Código de Processo Civil, não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência e aspectos pertinentes ao tema, bem como da legislação que entender aplicável ao caso. 3. Com relação ao questionamento a respeito da constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, foi reconhecida tal constitucionalidade por este TRF, nos autos da arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 1998.04.01.023654-8. 4. Não há como afastar, no caso concreto, a negligência da ré no acidente de trabalho ocorrido, visto que é dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas conseqüências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas. 5. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o segurado não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 6. Apelações desprovidas. (TRF4, AC 5005730-46.2010.404.7100, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Nicolau Konkel Júnior, D.E. 25/07/2013)
Do SAT e da impossibilidade de compensação
Também não se pode dar suporte à alegação de que o art. 757 do CC impediria a ação regressiva do INSS em face das empresas que agem com culpa em lesões à saúde dos seus trabalhadores.
A seguridade social não é seguro privado em prol do empregador, e sim, direito social em prol do empregado.
O simples fato do empregador efetuar o recolhimento do SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
Nesse sentido:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. ACIDENTE DO TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. NEXO DE CAUSALIDADE. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. NÃO EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE EM CASO DE ACIDENTE DECORRENTE DE CULPA DA EMPREGADORA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. 1. Demonstrada a negligência da empresa quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91. 2. A constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 foi reconhecida por este TRF, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 1998.04.01.023654-8. 3. O fato de a empresa contribuir para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT não exclui sua responsabilidade em caso de acidente decorrente por sua culpa. 4. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o segurado não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 5. Apelações desprovidas. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006315-43.2011.404.7204, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/08/2013)
Da Responsabilidade Pelo Dano.
A questão em debate refere-se à ação de regresso proposta pelo INSS com fundamento no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que preceitua:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Trata-se, assim, de responsabilidade civil subjetiva, na qual, além dos pressupostos (a) da ação ou omissão do agente, (b) do dano experimentado pela vítima e (c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano, deve ficar comprovada também (d) a culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Logo, torna-se necessária, no caso dos autos, a verificação de conduta negligente da requerida no evento que ocasionou o acidente do empregado da empresa, para que se proceda à restituição pleiteada pelo INSS.
Atento que a ação regressiva está condicionada à prova inequívoca por parte do INSS do dano (consubstanciado no pagamento efetivo do benefício previdenciário), da culpa do empregador em relação às regras inerentes a saúde e segurança no trabalho.
A controvérsia, portanto, circunscreve-se em verificar se houve de fato negligência por parte da empresa ré quanto às normas de segurança do trabalho, a influenciar para a ocorrência do sinistro.
Quanto à responsabilidade da ré pelo acidente, não resta qualquer dúvida que a empresa agiu com negligência, ao inobservar as normas de proteção do trabalho, não havendo que se falar em culpa exclusiva da vítima. Ao contrário, pelos documentos amealhados nos autos, restou devidamente comprovada a culpa por parte da empresa ao não oferecer equipamentos seguros para o desempenho do labor por parte de seus colaboradores. Nesse sentido, transcrevo excerto da decisão de base:
"Primeiramente, não há controvérsia na demanda em relação aos fatos de que a segurada Fernanda Bernardo Zancheta, empregada da ré, sofreu em 25/09/2012 um acidente de trabalho que resultou na perda da visão de seu olho esquerdo, o que ensejou a concessão do benefício previdenciário de auxílio doença por acidente de trabalho (NB 554.285.198-0) em seu favor, que vem sendo pago pelo INSS.
Segundo consta dos autos, no dia do acidente a segurada estava operando uma máquina de higienização e limpeza quando houve o rompimento da mangueira de pressão e produtos químicos atingiram seu olho esquerdo, acarretando a perda da visão desse.
Cabe então apenas apurar se o acidente de trabalho ocorreu ou não por omissão da Ré em relação ao dever de observar as normas de segurança do trabalho.
A segurada Fernanda Bernardo Zancheta ingressou com ação trabalhista em face da ora ré, autuada sob nº 00582/2013-017-09-00-0 e que tramitou pelo Juízo da Vara do Trabalho de Jacarezinho-PR, pleiteando indenização por danos morais, materiais e estéticos em decorrência do acidente acima relatado.
Realizada perícia médica judicial em sobredita reclamação trabalhista, atestou o perito:
"(...)
No presente caso não há qualquer dado que informe estado anterior com algum tipo de lesão ocular sendo que as alterações identificadas guardam estreita relação como acidente de trabalho ocorrido no dia 25/09/2012. ASSIM, HÁ SUBSÍDIOS SUFICIENTES PARA SE CONCLUIR QUE A AUTORA APRESENTA SEQUELAS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO TÍPICO QUE GEROU QUEIMADURA DE CÓRNEA QUE EVOLUIU COM NECESSIDADE DE TRANSPLANTE, INCLUSIVE CAT CONFIRMA A EXISTÊNCIA DE LESÃO OCULAR.
(...)" - (evento 1, OUT17, p. 19).
Por sua vez, a sentença proferida na ação trabalhista condenou a ré ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e estéticos à segurada, consignando:
"(...)
De acordo com os autos, a demandante fazia a limpeza com uma mangueira. Ao tentar limpar os óculos com uma das mãos e segurar a mangueira com a outra, a mangueira estourou e os olhos foram atingidos por produto químico (ácido), resultando na queima de córnea e do saco conjuntival, causando cegueira no olho esquerdo.
A demandante já havia sido orientada a não tirar os óculos para a limpeza e a desligar o gerador ao interromper o serviço. Contudo, a prova dos autos indica que os óculos embaçavam com frequência e o gerador estava distante do local em que fazia a limpeza.
Normalmente a mangueira tem um bico que controla a vazão, mas nessa ocasião o equipamento estava sem o bico porque apresentava defeito e não havia sido feito o reparo.
A questão que emerge é se o equipamento utilizado estava em condições de uso e a conduta da demandante.
(...)
Desta forma, tem-se que a causa do acidente foi a utilização de mangueira sem bico com válvula que permitisse a trabalhadora fazer cessar a vazão sempre que houvesse necessidade, denotando manifesta negligência da empregadora ao manter equipamento com defeito em uso. Ao utilizar produtos químicos com efeito altamente lesivo, o empregador deve sempre ter em mente a segurança das pessoas envolvidas na execução das tarefas. A demandada alega ter a demandante agido de forma imprudente ao retirar os óculos sem fechar as válvulas que impediriam a vazão e, por conseguinte, a pressão e o 'ricochete' da mangueira. Porém, caso a mangueira não estivesse com defeito, bastaria o fechamento através da válvula do bico. A própria demandada confirma que, no caso, 'era mais fácil e rápido dobrá-la' (fl. 30) e por esse motivo, era o procedimento comum entre os empregados. O acidente pressupõe fato imprevisto e as medidas de segurança devem ser voltadas para evitar esse tipo de ocorrência. Para tanto, todos os cuidados devem ser observados para que a forma mais fácil e ágil seja sempre segura. No caso vertente, ao impor a execução de trabalho com equipamento defeituoso, a demandada agiu de forma negligente e possibilitou a ocorrência do acidente. Após o fato, foram realizadas medidas assecuratórias que estavam sendo negligenciadas.
Assim, concluo que a conduta da demandante não concorreu para a ocorrência do acidente, uma vez que era comum dobrarem a mangueira para evitar vazamentos e os óculos utilizados sempre exigiam limpeza. O ato de dobrar a mangueira somente ocorria porque a demandada fornecia a mangueira sem o bico com a válvula de fechamento.
Concluo que a demandada agiu culposamente para a ocorrência do acidente, por negligenciar a manutenção do equipamento utilizado." - (evento 1, OUT19, p. 7/8).
Como se vê, o Juízo trabalhista, com base em perícia judicial, concluiu que o acidente deu-se por culpa exclusiva da ré, por negligenciar a manutenção do equipamento, não tendo a segurada concorrido para a sua ocorrência.
Consoante salientado por aquele Juízo, a mangueira que estourou e gerou a lesão ocular na segurada estava sem o bico que controla a vazão do líquido de limpeza, devido a defeito que apresentava na ocasião.
As testemunhas inquiridas na esfera trabalhista declararam:
"(...); 3) que desde que começou a trabalhar obervou que a mangueira que a autora utilizava não tinha bico e a autora tinha que dobrar a mangueira para que o sabão não saísse enquanto esfregava; (...).; 6) que a manutenção dos equipamentos não era feita de forma correta (...)." (depoimento da testemunha Giovana Jacobis da Silva Ribeiro, arrolada pela segurada - evento 1, OUT14, p. 26)
"(...); 4) que havia vários geradores com mangueira de borracha mas a maioria das mangueiras não tinha o bico ou quando tinha este estava estragado e o sabão vazava pelos lados; 5) que era comum os funcionários da limpeza dobrarem a mangueira para evitar que o sabão ficasse vazando no local e seguravam a mangueira dobrada com a mão; 6) que a ré fornecia um óculos de acrílico transparente que não oferecia proteção dos lados, pois era vazado, o que fazia com que o sabão entrasse no olho a todo momento; 7) que o óculos também embaçava; 8) que os consertos demoravam e eram obrigados trabalharem com equipamentos estragados; 9) que os funcionários Nilton, Tiago e Mariléia também queimaram os olhos na mesma função que a autora desenvolvia antes dessa se ferir; 10) que a ré orientava os funcionários que lavassem os óculos quando estes embaçavam mas isso não adiantava porque a todo o momento embaçavam novamente já que a mangueira jorrava sabão quente; 11) que para lavar os óculos tinha que desligar o compressor; (...)." (depoimento da testemunha Raquel de Oliveira, arrolada pela segurada - evento 1, OUT14, p. 26/27)
"(...); 3) que a mangueira que a autora utilizava no dia do acidente não tinha o bico; (...); 9) que se a mangueira tivesse bico bastaria fechar pelo bico; (...); 12) que após o acidente os geradores foram substituídos; 13) que isso ocorreu logo após o acidente porque as mangueiras estavam sem bico; (...)." (depoimento da testemunha Michele Godoi da Silva, arrolada pela empresa ré - evento 1, OUT14, p. 27)
Assim, pelo que se colhe dos elementos de prova acima aludidos a causa do acidente foi a utilização de mangueira sem bico com válvula que permitisse à segurada interromper a vazão sempre necessário, sendo que a permanência em uso de equipamento com defeito pela empresa evidencia a sua negligência.
Não se olvida de que as testemunhas ouvidas na presente ação (evento 42), arroladas pela ré, afirmaram que a autora estava sem óculos de proteção no momento do acidente, bem como que a interrupção da vazão da mangueira deveria dar-se necessariamente através do desligamento do gerador, uma vez que o bico da mangueira, ainda que existente, não serviria para tal fim.
Todavia, de acordo com as declarações prestadas pelas testemunhas na esfera trabalhista, acima transcritas em parte, é possível concluir que (a) a mangueira que causou o acidente de trabalho da segurada, bem como outras existentes no mesmo local, estavam com defeito por não possuírem o bico; (b) a ausência desse bico levava aqueles que manuseavam as mangueiras a dobrá-las para interromper sua vazão; (c) caso a mangueira não estivesse com o defeito acima referido bastaria, para interromper a vazão dos líquidos, o fechamento através da válvula do bico.
Em que pese as testemunhas da ré tenham afirmado que o procedimento correto para interrupção da vazão da mangueira fosse o desligamento do gerador, fato é que, conforme asseverado pelas testemunhas ouvidas na esfera trabalhista, diante do defeito apresentado pelas mangueiras - ausência do bico -, os empregados que as manuseavam utilizavam-se da prática de dobrá-la quando pretendiam interromper a sua vazão, extamente a conduta adotada pela segurada que culminou com o seu acidente.
Além disso, as declarações das testemunhas da ré no sentido de que o bico, ainda que existente, não serviria para interromper a vazão da mangueira, bem como de que se a segurada estivesse utilizando os óculos de proteção não teria sofrido as lesões que sofreu, não encontram respaldo nas provas produzidas tanto na reclamação trabalhista quanto nos presentes autos.
Pelo contrário, segundo se colhe dos depoimentos prestados pelas testemunhas na ação trabalhista, a existência do bico seria suficiente para interromper a vazão da mangueira e, assim, evitar a prática de dobrá-la para tal fim. Outrossim, segundo declarado pela testemunha Raquel de Oliveira, "a ré fornecia um óculos de acrílico transparente que não oferecia proteção dos lados, pois era vazado, o que fazia com que o sabão entrasse no olho a todo momento" (evento 1, OUT14, p. 26).
No caso vertente, pois, dessume-se que a ré agiu de forma negligente quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, a que alude o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, ao impor a execução de trabalho com equipamento defeituoso, possibilitando a ocorrência do acidente.
Reforçam tal conclusão os fatos de, conforme declarado pelas testemunhas ouvidas na esfera trabalhista, (a) a empresa ré ter substituído os equipamentos defeituosos logo após a ocorrência do acidente de trabalho em comento, bem como (b) ao menos outros três funcionários também terem queimado os olhos na mesma função que a autora desenvolvia antes de se ferir.
Ademais, impende asseverar que ainda que a segurada tenha agido de forma imprudente na execução do serviço, sua conduta não exime a negligência da ré no cuidado com a segurança de seus funcionários. Como o serviço realizado expõe os empregados a riscos, cabia à empregadora tomar providências para evitar acidentes, o que, conforme fundamentado alhures, não fez.
Por fim, de se mencionar que não se trata aqui de impor condenação em duplicidade, haja vista que as verbas que integraram a condenação da ré na ação trabalhista em nada se relacionam com as prestações que constituem o objeto desta ação regressiva, visto que têm origem em relação de natureza previdenciária estabelecida entre o INSS e a segurada.
Assim, atendidos os requisitos legais, impõe-se o acolhimento do pedido."
(destaques acrescentados)
De fato, a perícia judicial realizada no bojo da ação trabalhista n.º 00582-2013-01-019-09-00-0 é firme em atestar o seguinte: "ASSIM, HÁ SUBSÍDIOS SUFICIENTES PARA SE CONCLUIR QUE A AUTORA APRESENTA SEQUELAS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO TÍPICO QUE GEROU QUEIMADURA DE CÓRNEA QUE EVOLUIU COM NECESSIDADE DE TRANSPLANTE, INCLUSIVE CAT CONFIRMA A EXISTÊNCIA DE LESÃO OCULAR." (evento 1 - OUT 17).
De acordo com o processo em tela, imperioso se faz concluir que houve negligência da empresa em não oferecer o material adequado para a acidentada realizar suas atividades, pois caso o bico da mangueira estivesse instalado, controlando a vazão do produto químico (ácido), ainda que a vítima estivesse sem óculos, o acidente não teria ocorrido. Desse fato, foi apurado em processo trabalhista que a empresa, após o acidente, instalou os equipamentos corretos, corrigindo o problema, in verbis:
"(...)
De acordo com os autos, a demandante fazia a limpeza com uma mangueira. Ao tentar limpar os óculos com uma das mãos e segurar a mangueira com a outra, a mangueira estourou e os olhos foram atingidos por produto químico (ácido), resultando na queima de córnea e do saco conjuntival, causando cegueira no olho esquerdo.
A demandante já havia sido orientada a não tirar os óculos para a limpeza e a desligar o gerador ao interromper o serviço. Contudo, a prova dos autos indica que os óculos embaçavam com frequência e o gerador estava distante do local em que fazia a limpeza.
Normalmente a mangueira tem um bico que controla a vazão, mas nessa ocasião o equipamento estava sem o bico porque apresentava defeito e não havia sido feito o reparo.
A questão que emerge é se o equipamento utilizado estava em condições de uso e a conduta da demandante.
(...)
Desta forma, tem-se que a causa do acidente foi a utilização de mangueira sem bico com válvula que permitisse a trabalhadora fazer cessar a vazão sempre que houvesse necessidade, denotando manifesta negligência da empregadora ao manter equipamento com defeito em uso. Ao utilizar produtos químicos com efeito altamente lesivo, o empregador deve sempre ter em mente a segurança das pessoas envolvidas na execução das tarefas. A demandada alega ter a demandante agido de forma imprudente ao retirar os óculos sem fechar as válvulas que impediriam a vazão e, por conseguinte, a pressão e o 'ricochete' da mangueira. Porém, caso a mangueira não estivesse com defeito, bastaria o fechamento através da válvula do bico. A própria demandada confirma que, no caso, 'era mais fácil e rápido dobrá-la' (fl. 30) e por esse motivo, era o procedimento comum entre os empregados. O acidente pressupõe fato imprevisto e as medidas de segurança devem ser voltadas para evitar esse tipo de ocorrência. Para tanto, todos os cuidados devem ser observados para que a forma mais fácil e ágil seja sempre segura. No caso vertente, ao impor a execução de trabalho com equipamento defeituoso, a demandada agiu de forma negligente e possibilitou a ocorrência do acidente. Após o fato, foram realizadas medidas assecuratórias que estavam sendo negligenciadas.
Assim, concluo que a conduta da demandante não concorreu para a ocorrência do acidente, uma vez que era comum dobrarem a mangueira para evitar vazamentos e os óculos utilizados sempre exigiam limpeza. O ato de dobrar a mangueira somente ocorria porque a demandada fornecia a mangueira sem o bico com a válvula de fechamento.
Concluo que a demandada agiu culposamente para a ocorrência do acidente, por negligenciar a manutenção do equipamento utilizado." - (evento 1, OUT19, p. 7/8)."
Como se vê, o Juízo trabalhista, com base em perícia judicial, concluiu que o acidente deu-se por culpa exclusiva da ré, por negligenciar a manutenção do equipamento, não tendo a segurada concorrido para a sua ocorrência.
Assim, a falta de bico da mangueira foi o que causou o acidente que veio a lesionar a face da empregada, acarretando-lhe a consequente perda da visão esquerda. Isso porque, no caso concreto, mesmo tendo em conta o fato da vítima se encontrar sem os óculos de proteção no momento do acidente, o acidente de trabalho teria se dado da mesma forma, pois foi a ausência de bico da mangueira a sua causa principal.
Também não há que se falar em culpa concorrente entre a vítima e a requerida. Os argumentos da empregadora consistentes em afirmar que a trabalhadora estava sem os óculos no momento do acidente não se sustentam diante das informações repassadas pela testemunha Raquel de Oliveira. Segundo essa testemunha, o equipamento não era o mais adequado à tarefa, na medida em que "a ré fornecia um óculos de acrílico transparente que não oferecia proteção dos lados, pois era vazado, o que fazia com que o sabão entrasse no olho a todo momento" (evento 1, OUT14, p. 26). Ou seja, mesmo utilizando os óculos, o líquido que vazou da mangueira atingiria os olhos da empregada.
Da mesma forma, há de se destacar que há relatos nos autos, tanto da vítima, quanto da testemunha Raquel de Oliveira, no sentido de que a empregada necessitava constantemente retirar os óculos de proteção, pois estes reiteradamente embaçavam durante o trabalho. Nesse contexto, é preciso trazer à baila a existência de produtos que podem ser utilizados nas lentes dos óculos para evitar que estes embacem. Tal medida diminuiria ou até eliminaria a necessidade do empregado em retirar os óculos do rosto para realizar o seu desembaçamento, fato que majoraria a segurança do ambiente de trabalho.
Nessa toada, faço coro ao entendimento do juízo trabalhista, segundo o qual considerou a culpa exclusiva da empregadora pelo acidente em questão, tendo em vista que ela não procedeu à instalação do bico na mangueira, esta a causa primeira do acidente que lesionou o olho da empregada.
Anoto que os depoimentos das testemunhas apresentadas pela empregadora afiguram-se isolados das demais provas apresentadas nos autos, especialmente o laudo pericial realizado no bojo do processo trabalhista e os relatos da vítima e da testemunha Raquel de Oliveira.
Conclusão
Conforme restou apurado com base em laudo pericial e prova testemunhal, a disponibilização de mangueira sem bico apropriado para a tarefa, que permitisse o controle da vazão da saída do produto químico, aliado aos óculos da vítima que embaçavam com facilidade, foram causas do acidente, o que evidencia a culpa da empresa. Dessa forma, a sentença a quo não merece qualquer reparo, por ter julgado conforme os dados juntados aos autos.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da ré.
É o voto.
Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/08/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005486-50.2015.4.04.7001/PR
ORIGEM: PR 50054865020154047001
RELATOR | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dra. Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | SEARA ALIMENTOS LTDA |
ADVOGADO | : | LILLIANA BORTOLINI RAMOS |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/08/2017, na seqüência 101, disponibilizada no DE de 12/07/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA RÉ.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Secretário de Turma
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