Apelação Cível Nº 5000050-43.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: EDIO JESUS MUNHOZ DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação através da qual a parte-autora objetiva provimento jurisdicional que condene a parte-ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da exposição e manuseio de pesticidas no desempenho de suas atividades laborais.
Narrou que, em 02 de janeiro de 1979, foi admitido na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, vinculada ao Ministério da Saúde, para exercer a função de Agente de Saúde Pública, quando passou a ter contato direto com inseticidas de altíssima potencialidade tóxica à saúde humana. Asseverou que a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA foi instituída no ano de 1990, através de fusão da SUCAM com a FSESP, momento em que passou a integrar seu quadro, ocupando o cargo de Agente de Saúde Pública. Referiu que, em Setembro do ano de 2010, foi cedido ao Ministério da Saúde, onde permanece exercendo esta função. Destacou que sua função de Agente de Saúde Pública envolve o contato com substâncias inseticidas de alta potencialidade de extermínio dos vetores das Doenças de Chagas, Dengue, Malária, Leishmaniose Viscera l e Peste Bubônica, na maior parte compostas de substâncias carcinogênicas, que afetam o Sistema Nervoso Central – SNC, fígado, rins e pele. Ressaltou que trabalha exposto aos pesticidas sem receber treinamento adequado para sua correta manipulação e borrifação e sem fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual - EPIs, fatos que atribui à culpa da ré. Aduz que estudos realizados demonstraram que a exposição prolongada e sem proteção a inseticidas organoclorados e organofosforados está relacionada ao surgimento de várias doenças graves, tais como câncer, Parkinson, Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e depressão. Sustenta deva ser reconhecido o direito ao pagamento de indenização por danos morais causados pela exposição desprotegida aos inseticidas decorrente da omissão da Ré em fornecer os equipamentos de proteção devidos.
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença, proferida com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, rejeito as preliminares e JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo, com resolução de mérito, com base no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora a pagar as custas judiciais. Condeno-a ainda a pagar, em favor dos advogados públicos, honorários advocatícios, os quais restam fixados em 10% (5% para cada um), considerando-se o valor da causa bem como os critérios do art. 85, §2º, do CPC. A verba deverá ser atualizada segundo o Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Finalmente, observo que o pagamento de tais valores, em relação à parte autora, resta sob condição suspensiva de exigibilidade, e somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. (...)"
O autor apelou (evento 114). Preliminarmente, alega que houve cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferido seu pedido de produção de prova testemunhal e pericial. No mérito, sustenta que a comprovação de que a função de Agente de Saúde Pública, cujas atribuições envolvem o combate de vetores de endemias, mediante o uso de inseticidas organoclorados, organofosforados, piretróides e carbamatos, pode ser verificado em sua ficha funcional, documento este que instruiu a inicial. Neste mesmo sentido, o Manual de Controles de Vetores, elaborado pela FUNASA em conjunto com o Ministério da Saúde, descreve objetivamente as atividades inerentes à função de combatente de endemias, assim como a efetiva exposição desses servidores aos inseticidas de alto potencial tóxico. As Apeladas não lograram êxito em demonstrar que os combatentes de endemias, especificamente o Apelante, exercia suas atividades munido de equipamentos de segurança. Ademais, alega que pretender que o Apelante faça prova do não-fato constitutivo do seu direito, neste caso, revela-se em produção impossível de provas, ou, quando menos, excessivamente dispendiosa para a parte, considerando que todo o histórico funcional está sob os cuidados das Apeladas. Por fim, a exposição inadequada do Apelante aos inseticidas altamente tóxicos, sem o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual pelas Apeladas, demonstra o nexo causal entre a ação das Apeladas e o dano provocado ao Apelante, com potencialidade de causar doenças relacionadas aos venenos nos anos vindouros.
Com contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente - cerceamento de defesa
De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.
5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)
Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.
Mérito
Nos termos do art. 373, I e II, do CPC de 2015, recai sobre o autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, e sobre o réu, o de comprovar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.
Vale referir, quanto ao dano moral, que, via de regra, não pode ser considerado como in re ipsa, visto que não é presumido pela simples ocorrência do ilícito. O reconhecimento do dano ocorre quando trazidos aos autos dados suficientes à conformação do convencimento do magistrado acerca da existência não só da conduta ilícita, mas também do prejuízo dela decorrente. Entre eles deve, necessariamente, existir o nexo de causalidade, que nada mais é do que a situação probante da relação entre a conduta ilícita e o dano causado.
A reparação do dano moral pressupõe que a conduta lesiva seja de tal monta a provocar no lesado dor e sofrimento aptos a ocasionar modificação em seu estado emocional, suficiente para afetar sua vida pessoal e até mesmo social. O dano moral é aquele que, embora não atinja o patrimônio material da vítima, afeta-lhe o patrimônio ideal, causando-lhe dor, mágoa, tristeza.
Desse modo, é importante salientar que o dano moral, apto a ensejar a indenização respectiva, não se confunde com mero transtorno ou dissabor experimentado pelo indivíduo. Assim, as circunstâncias fáticas do caso concreto devem ser avaliadas com cuidado, a fim de verificar se são relevantes para acarretar a indenização pretendida. Em suma, não se prescinde de uma cuidadosa análise dos fatos ocorridos, pois, caso contrário, qualquer transtorno passível de ocorrer na vida em sociedade daria ensejo ao ressarcimento a título de dano moral, o que não se revela proporcional.
No caso trazido ao julgamento, quanto à configuração do dano moral, adoto as considerações do magistrado sentenciante, in verbis:
"(...)
Não há nos autos qualquer comprovação no sentido de que o autor tenha desenvolvido alguma patologia em decorrência da alegada exposição aos pesticidas durante carreira profissional.
No intuito de tentar comprovar suas alegações, o autor anexou cópias de um de parecer toxicológico relativo à exposição de Agentes de Controle de Endemias da FUNASA no Estado do Rio Grande do Sul (evento 1, OUT7); manual relacionado a estudos de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente (evento 1, OUT8), no qual há descrição dos perigos relacionados ao contato com produtos químicos e dos efeitos que podem causar à saúde humana;
Cabe ressaltar, novamente, que apesar da documentação anexada à inicial, inexiste prova de que o autor tenha contraído alguma doença em razão da exposição a pesticidas.
Ademais, por ocasião da realização da perícia judicial, visando a constatar o quadro de doença relacionado com o contato com os produtos alegados na inicial (evento 96, LAUDO1), o perito foi categórico ao afirmar em suas conclusões que:
Conforme exame pericial atual foram coletadas informações do autor que o mesmo trabalhou por vários anos como borrifador de inseticidas, realizando inúmeras viagens para aplicação do produto. Segundo ele, por essa razão desenvolveu problemas hormonais desde os 35 anos de idade. Pelo exame físico/mental atual e documentos médicos não há comprovação de tais alterações ou patologias desenvolvidas pelo contato com os produtos mencionados, estando clinicamente bem, sem quaisquer alterações/comprometimentos. grifei
Em resposta ao quesito número 4, do Juízo, o perito assim se manifestou:
Existem evidências científicas ou consenso, publicado, na literatura médica, de que a exposição às substâncias identificadas no quesito “1.a)” aumenta o risco de desenvolvimento futuro de algum(a) dano/enfermidade/sequela à saúde humana?
Algumas substancias químicas utilizadas no passado para controle de pragas podem desencadear patologias. Entretanto, no caso do autor, não há comprovação de quais produtos teve contato e não há nenhum indicio de doença decorrente desse uso. grifei
Inexistindo, portanto, prova de que o autor tenha contraído doença a partir dos fatos ventilados na inicial e, consequentemente, nexo causal com conduta imputada à parte-ré, impõe-se o julgamento de improcedência da ação."
Não há que se fazer reparos à sentença.
Além disso, acrescento ainda que uma eventual possibilidade de adquirir uma patologia futura, em decorrência de exposição pretérita aos pesticidas, não caracteriza violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde da parte autora. É necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu.
Com a interposição do recurso, forte no artigo 85, parágrafo 11, do NCPC, majoro os honorários advocatícios para 12% sobre o valor da causa, verba, entretanto, com exigibilidade suspensa (AJG).
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000503892v4 e do código CRC 2dc5b8fd.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5000050-43.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: EDIO JESUS MUNHOZ DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA. FUNASA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. improvimento.
1. Narra o autor que foi admitido na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, vinculada ao Ministério da Saúde, para exercer a função de Agente de Saúde Pública, na qual permaneceu até o ano de 1990, quando foi criada a Fundação Nacional da Saúde, passando então a integrar os quadros desta. Trabalhava no combate de insetos vetores de endemias, por meio da borrifação de pesticidas organoclorados, organofosforados e piretróides, altamente nocivos à saúde humana. Aduz que não teve treinamento adequado para manipulação e borrifação desses inseticidas altamente tóxicos, tampouco lhe foi fornecido Equipamento de Proteção Individual. Diz que diversas patologias são causadas pela exposição a pesticidas, esclarecendo, entretanto, que o dano moral não decorre de sua intoxicação efetiva, mas sim do sofrimento, temor e angústia que vem passando diante da possibilidade de que venha a desenvolver tais doenças.
2. Não há nos autos qualquer comprovação no sentido de que o autor tenha desenvolvido alguma patologia em decorrência da alegada exposição aos pesticidas durante carreira profissional. Ademais, uma eventual possibilidade de adquirir uma patologia futura não caracteriza violação do patrimônio imaterial da parte autora em grau suficiente para configurar a existência de um dano moral. Está-se diante de mera possibilidade, não de um dano concreto à saúde da parte autora. É necessária a comprovação da efetiva violação da integridade com contaminação ou intoxicação das substâncias químicas utilizadas, o que no caso, não ocorreu.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de junho de 2018.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000503893v3 e do código CRC b474cce2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/06/2018
Apelação Cível Nº 5000050-43.2016.4.04.7109/RS
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): JORGE LUIZ GASPARINI DA SILVA
APELANTE: EDIO JESUS MUNHOZ DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: LEONARDO DA COSTA
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 26/06/2018, na seqüência 1730, disponibilizada no DE de 01/06/2018.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
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