Agravo de Instrumento Nº 5001123-03.2017.4.04.0000/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
AGRAVANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
AGRAVADO | : | HOLANDA KAPP DE CASTRO |
ADVOGADO | : | HENRIQUE FERNANDO PAGLIA |
EMENTA
AGRAVO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. RESTABELECIMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
Considerando a existência de documentos nos autos originários que permitem concluir que o período indigitado pelo INSS como ficto por suposta fraude não é indispensável para carência legalmente exigida para o segurado especial (bóia-fria), e o fato de a demandante possuir 74 anos de idade, contando com o benefício de valor mínimo para sua subsistência, é de manter-se a decisão que deferiu a antecipação provisória antecipatória para o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de abril de 2017.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8916466v4 e, se solicitado, do código CRC B5B48BC. | |
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Agravo de Instrumento Nº 5001123-03.2017.4.04.0000/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
AGRAVANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
AGRAVADO | : | HOLANDA KAPP DE CASTRO |
ADVOGADO | : | HENRIQUE FERNANDO PAGLIA |
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão que deferiu a tutela provisória antecipatória determinando que o INSS restabeleça a aposentadoria por idade rural em favor da autora.
Alega o agravante que autora, regularmente notificada sobre irregularidades quanto ao período de 1989 a 1998, trabalhado para o Sr. Same Saab, na Fazenda Cachoeira, como diarista bóia-fria, não teria apresentado comprovação do labor rural, levando a crer que o seu benefício foi concedido mediante fraude, pelo que deve ser mantida a suspensão do pagamento.
Indeferido o efeito suspensivo, não foi apresentada contraminuta.
É o relatório.
VOTO
Não existe dúvida de que depois de deferido um benefício ou reconhecido um direito o INSS pode, em princípio, rever a situação quando restar configurada ilicitude. Essa possibilidade há muito é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, e restou consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (art. 43 da Lei 9.784/99 e art. 103-A, da Lei 8.213/91, introduzido pela MP 138/03).
Existem, todavia, limites para a revisão, por parte do INSS, dos atos que impliquem reconhecimento de direito em favor do segurado.
Primeiramente deve ser registrado que o cancelamento de qualquer ato desta natureza pressupõe a instauração de procedimento específico, com notificação do interessado, oportunizando-se ainda que ele produza provas e exerça plenamente seu direito de defesa. Inviável, assim, o cancelamento sumário, pois deve ser observado o que dispõe o artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.
Há de se registrar ainda que a Administração não pode desfazer ato de concessão de benefício ou reconhecimento de direito com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado.
Com efeito, não havendo prova cabal de ilegalidade, não é dado à Administração simplesmente reavaliar a situação, voltando atrás quanto à sua manifestação, porquanto caracterizada em tal situação a denominada 'coisa julgada administrativa' ou preclusão das vias de impugnação interna.
A esse respeito, ensina Hely Lopes Meirelles:
'(...) a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário.
(...)
Realmente, o que ocorre nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão administrativa, para a estabilidade das decisões entre as partes. Por isso, não atinge nem afeta situações ou direitos de terceiros, mas permanece imodificável entre a Administração e o administrado destinatário da decisão interna do Poder Público. Essa imodificabilidade não é efeito da coisa julgada administrativa, mas é conseqüência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos administrativos) dos atos decisórios da própria Administração. Exauridos os meios de impugnação administrativa, torna-se irretratável, administrativa mente, a última decisão (...).'
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros. 1999, p. 612)
A 'coisa julgada administrativa', é verdade, não se equipara à coisa julgada propriamente dita, pois despida de definitividade. De qualquer sorte, constitui óbice, a princípio, ao desfazimento do ato por parte da autoridade administrativa ao argumento de mera reavaliação de situação já apreciada anteriormente.
Ademais, também o tempo tem influência significativa na possibilidade de atuação do INSS em casos que tais.
Cabe notar que a partir da revogação da Lei 6.309/75 ocorreu um vácuo legal, que somente foi suprido com o advento da Lei 9.784, de 29/01/99 (publicada no DOU de 01/02/99), a qual dispôs em seus artigos 53 e 54:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A despeito, deve ser consignada, contextualmente, a importância do princípio da segurança jurídica, pois uma das funções precípuas do Direito é a pacificação social, para a análise da ação da administração no sentido de desfazer ato de concessão de benefício previdenciário.
E nesse particular o Supremo Tribunal Federal já assentou a existência de limites para a ação da Administração no sentido de desfazer atos administrativos, independentemente de previsão legal, como se depreende dos seguintes precedentes:
1. Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação, no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do principio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado, e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processos administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV).
(MS 24.268-0, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, DOU 17-9-2004)
Deveras, o princípio da segurança jurídica entendido como proteção à confiança, está hoje reconhecido na legislação e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como princípio de valor constitucional, imanente ao princípio do Estado de Direito, e que serve de limite à invalidação, pela Administração Pública dos seus atos administrativos eivados de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. Com princípio de natureza constitucional, aplica-se à União Federal, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades que integram as respectivas Administrações Indiretas.
Assim, considerando o que foi exposto, é de se concluir que em toda situação na qual se analisa ato de cancelamento de benefício previdenciário, (em especial para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei 6.309/75 e o advento da Lei 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do benefício, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio da segurança jurídica.
Há, ademais, uma circunstância a ser ponderada: no que toca à atribuição dos ônus probatórios é sabido que nas ações judiciais nos quais se pretende a concessão de benefício previdenciário ou o reconhecimento de tempo de serviço, cabe ao segurado provar que faz jus ao bem da vida perseguido. As ações de restabelecimento, todavia, têm como particularidade o fato de que ao segurado já foi deferido administrativamente o que postulava. Vale dizer, o INSS, após examinar a documentação apresentada, entendeu que o segurado tinha direito ao que postulou, por ter preenchido os requisitos necessários. Assim, o ato concessório se reveste de presunção de legitimidade, ou seja, presume-se que os requisitos legais para a obtenção do benefício tenham sido preenchidos.
Diante de tal quadro, caso não comprovada alguma ilegalidade no ato concessório, o cancelamento é indevido. É ao INSS, pois, que toca provar ter sido o benefício indevidamente concedido e, por conseqüência, corretamente cancelado. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. FRAUDE E MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA. NOVA VALORAÇÃO DA PROVA. RECONHECIMENTO DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL.
1. Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário, compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório de aposentadoria, pois tal ato se reveste de presunção de legitimidade.
2. O cancelamento de benefício previdenciário fundado tão-somente em nova valoração da prova e/ou mudança de critério interpretativo da norma, salvo comprovada fraude e má-fé, atenta contra o princípio da segurança das relações jurídicas e contra a coisa julgada administrativa .
3. Apelação do INSS e remessa oficial improvidas.
(AC: 200072070021618. 6ª Turma TRF 4. Rel. Des. Fed. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle)
Ora, se a autarquia previdenciária entende ter havido ilegalidade, é seu dever demonstrá-la quantum satis, não podendo simplesmente desconsiderar unilateralmente ato que implicou reconhecimento de direito ao segurado. Isso deve ser realçado nos casos em que alegada ocorrência de irregularidade ou fraude, que não se presume.
In casu, cumpre referir que a autora recebe aposentadoria por idade rural desde 16/11/1998 (NB 41/111.587.860-0); em 30/01/2009, a autora foi notificada pelo INSS de que estava sendo apurada irregularidade na concessão do seu benefício; sendo o benefício suspenso em 31/01/16. Portanto, há ainda questões relevantes a serem solvidas no âmbito da ação originário, forte em cognição exauriente.
O MM. Juízo a quo, de forma perfunctória, mas consistente, confutou os tópicos que o INSS invocou para cessar o benefício, in verbis:
'(....)
No caso dos autos a cognição sobre o pedido e os fundamentos da demanda precisa ser sumária porque não há tempo para fazê-lo de forma mais aprofundada, em razão da urgência.
Os requisitos da tutela de urgência estão previstos no artigo 300 do NCPC, sendo eles: probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Compulsando os autos entendo que os fundamentos apresentados pela parte autora são relevantes e amparados em prova idônea, permitindo-se chegar a uma alta probabilidade de veracidade dos fatos narrados, eis que dos documentos que acompanham a inicial, é possível verificar que há mais de 16 (dezesseis) anos vinha percebendo sua aposentadoria regularmente, bem como, que o réu, sem respeitar o devido processo legal, de forma arbitrária, suspendeu seu benefício previdenciário.
Já no que tange ao perigo de dano, este também resta devidamente demonstrado, pois a parte autora necessita dessa quantia para manutenção de sua sobrevivência e a demora certamente poderá lhe acarretar sérios prejuízos, pelo que, o deferimento da tutela provisória de urgência é a medida que se impõe.
Dispenso a parte autora da prestação de caução real ao fidejussória idônea (art. 300, §1º, do NCPC), uma vez que se trata de parte beneficiada com a assistência judiciária gratuita.
Por fim, em atenção ao § 3º do artigo 300 do NCPC que fixa o requisito negativo, verifico que os efeitos da medida de urgência não são irreversíveis, sendo possível restituir as partes ao status quo ante caso proferida uma sentença de improcedência do pedido da parte.
Ante o exposto, DEFIRO a tutela provisória de urgência para determinar que o
réu, reestabeleça o benefício previdenciário da autora, no prazo de 05 (cinco) dias.
Em caso de descumprimento da ordem, imponho multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da adoção de outras medidas para efetivação da tutela ou para se obter o resultado prático da medida.
(....)'
Há que ser considerado, por fim, que a demandante tem atualmente 74 anos de idade (18/10/1942), contando com o benefício de valor mínimo para sua subsistência, conspirando a seu favor, ademais, a existência de documentos nos autos originários que permitem concluir que o período indigitado pelo INSS como ficto por suposta fraude não é indispensável para carência legalmente exigida para o segurado especial (bóia-fria).
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
Agravo de Instrumento Nº 5001123-03.2017.4.04.0000/PR
ORIGEM: PR 00014328020168160096
INCIDENTE | : | AGRAVO |
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
AGRAVANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
AGRAVADO | : | HOLANDA KAPP DE CASTRO |
ADVOGADO | : | HENRIQUE FERNANDO PAGLIA |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 1184, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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