Agravo de Instrumento Nº 5038501-90.2017.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
AGRAVANTE: GILBERTO AUGUSTO MAURICI
ADVOGADO: Fernando Damian Batschauer
AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, no âmbito de execução de título extrajudicial, indeferiu o pedido do executado ora Agravante de liberação total, e não apenas de 70%, dos valores bloqueados via BACENJUD na conta bancária em que recebe seu benefício previdenciário. A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos (evento 39, DESPADEC1):
"Trata-se de petição (evento 36) em que GILBERTO MAURICI pretende ordem judicial que libere valores bloqueados pelo BACENJUD (evento 37).
O aludido devedor afirmou que a incidência da penhora na conta VIACREDI n.º 886.647.3deu-se sobre proventos advindos de aposentadoria por tempo de contribuição.
É o relato. Decido.
O detalhamento de ordem judicial de bloqueio de valores no evento 37, demonstra que em relação ao executado foram bloqueadas as cifras de R$ 2.169.61 e R$ 346,30. Em análise ao pedido formulado bem como ao extrato anexado (Evento 36), denota-se que, em que pese a existência de outros créditos decorrentes de depósito e de cheques, realmente houve crédito de benefício previdenciário no dia 04/07/2017.
O pedido de liberação dos valores bloqueados via BACENJUD deve ser deferido parcialmente.
Nada obstante a cifra bloqueada seja oriunda de benefício recebido pelo executado, tal circunstância, por si só, não enseja a liberação total dos valores, porquanto o art. 833, IV do nCPC deve ser interpretado de forma sistemática com os outros dispositivos do mesmo diploma normativo e, em especial, em consonância com o texto da Constituição da República.
Digo isso porque, historicamente, o sistema jurídico pátrio - e os tribunais pátrios - têm conferido proteção excessiva ao devedor, deixando de tutelar o credor e autor da execução, situação que, evidentemente, deve ser avaliada de acordo com a atual ordem jurídica consagradora do neoprocessualismo (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Protagonismo Judiciário. São Paulo: RT, 2009).
Neste contexto, é importante mencionar que a atuais reformas sobrevieram com o fim de atribuir maior efetividade ao processo judicial, seja cognitivo ou executório.
No plano constitucional, além do princípio da universalidade de jurisdição - inafastabilidade - (art. 5º XXXV), a Emenda 45 (DEZ/2004) também trouxe o princípio da tempestiva entrega da prestação jurisdicional, garantindo, aos litigantes, em ações de cognição e em ações de execução, o direito à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º LXXVIII).
No plano processual infraconstitucional, o nCPC buscou conferir efetividade ao processo, com a instituição da execução ex intervalo, fase de cumprimento de sentença, etc.
Também é imperioso mencionar que os arts. 833, e 805 do nCPC devem ser compatibilizados com o art. 797 do mesmo diploma, que consagra a utilidade da execução, que deve ser processada no interesse do exequente.
Tal digressão é necessária para demonstrar que o Judiciário não pode tutelar de forma incondicionada o interesse do devedor, deixando infrutífera a satisfação do credor, em afronta ao princípio da maior coincidência possível (GIUSEPPE CHIOVENDA), pois o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que seria obtido com o cumprimento espontâneo da norma violada.
Desta forma, é necessário buscar um justo equilíbrio entre o interesse do credor e a situação do devedor, observado, ainda, o interesse social maior, que é manter a integridade da ordem jurídica e a segurança nas relações sociais.
O núcleo da questão é saber: é juridicamente razoável admitir que o devedor mantenha investimentos ou reservas financeirasprotegidas pelo Estado em detrimento do seu credor? A resposta mais adequada parece ser negativa, pois (a) o Estado possui o dever fundamental de prestar jurisdição com efetividade, eficiência e eficácia (art. 5º XXXV e art. 37 da CF); (b) não é lógico e fere a proporcionalidade (art. 5º LIV da CF) admitir que o credor seja prejudicado - diante da ausência do pagamento do seu crédito e o devedor consiga - com a proteção estatal - manter investimentos ou aplicações financeiras, ainda que em conta-poupança; (c) a boa fé objetiva determina que as obrigações sejam cumpridas com o fim de solucionar os conflitos.
Por fim, o art. 5º XXXV da Constituição também contempla a efetividade, traduzida no dever estatal de prestar a melhor jurisdição, sob pena de configurar afronta à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), que constitui cláusula implícita ao princípio da proporcionalidade - art. 5º LIV da Constituição (GUASTINI, Riccardo. Interpretación, Estado y Constitución, Lima: ARA Editores, 2010, p. 214).
- Conclusão.
O sistema jurídico também estabeleceu que qualquer assalariado possui o direito de dispor de 30% dos seus vencimentos em operações de consignação ou desconto em folha, fixando tal limite como margem consignável, nos termos dos art. 45 da Lei 8.112/90 e art. 8º do Decreto 6.386/08, bem como art. 115 VI da Lei 8.213/91.
Ora, se o devedor possui a faculdade de dispor de 30% da sua remuneração, presume-se que o remanescente, de 70%, é suficiente para sua sobrevivência e para a preservação da sua dignidade - também protegida constitucionalmente (art. 1º), razão pela qual é possível admitir-se a penhora até o limite de 30% do salário/vencimento ou da conta poupança.
Neste contexto, observadas as considerações acima apresentadas, defiro em parte o pedido do evento 36, e determino o desbloqueio em favor do executado GILBERTO MAURICI (CPF nº 416.556.809-00) para liberar 70% do valor bloqueado na conta da VIACREDI , conta 886.647.3, que totaliza R$ 1.518,73, mantendo-se a penhora de 30% da cifra total, que representa R$ 650,88.
No mais, intime-se o executado LUCAS ALEXANDRE DEBATIN MAURICI acerca da penhora realizada.
Preclusa a presente decisão, determino a transferência dos valores que permancem bloqueados à conta vinculada ao feito, nos termos do art. 854, §5º do nCPC.
Tudo cumprido, intime-se à CEF a fim de que se manifeste, no prazo de 15 dias, acerca do prosseguimento do feito.
Intimem-se.
CLENIO JAIR SCHULZE,
Juiz Federal"
Inconformada, a parte Agravante alega, em síntese, que por expressa disposição legal, os proventos de aposentadoria são impenhoráveis. Pede a antecipação de tutela e o provimento definitivo do agravo.
O recurso foi recebido e deferido o efeito suspensivo.
É o relatório.
VOTO
Por ocasião da inicial, assim me manifestei:
"(...)
É o breve relato. Decido.
A parte Agravante teve inicialmente bloqueados R$ 1.518,73, sendo mantida pela decisão agravada o bloqueio de 30% dessa quantia (R$ 650,88).
Acerca de bens impenhoráveis, prevê o Código de Processo Civil:
"Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
(...)
§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §8º, e no art. 529, §3º.
(...)."
Assim, há presunção decorrente de disposição legal expressa no sentido de que a reserva de montante de até 50 salários mínimos em conta bancária se destina ao provimento da subsistência pessoal e familiar, detendo caráter alimentar e sendo, por isso, impenhorável.
Além disso, e independentemente da natureza alimentar ou não dos valores, a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança mas, também, as mantidas em conta-corrente, guardadas em papel-moeda ou em fundo de investimentos, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Nesse sentido já decidiu a Segunda Seção do STJ no julgamento do REsp. n.º 1.230.060/PR, aos 13/08/2014, DJe 29/08/2014. Mais recentemente, no mesmo sentido: REsp. n.º 1.675.902/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, 29/06/2017; REsp. n.º 1.650.495/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 16/06/2017; RMS 52238/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, T3, DJe de 08/02/2017; AgRg no REsp. 156.614-5/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, T2, DJe de 18/12/2015.
Não é outro o posicionamento que vem sendo adotado por esta Corte: AG 5037908-61.2017.404.0000, Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, Quarta Turma, juntado aos autos em 11/10/2017; AG 5022060-68.2016.404.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 27/10/2016; AG 5008185-94.2017.404.0000, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Jorge Antônio Maurique, juntado aos autos em 12/05/2017.
Por fim, penso que deva ser empregada com temperamento a tese de que montante recebido a título de salário/provento e não utilizado antes do recebimento de nova remuneração perde automaticamente o caráter alimentar. É que não se pode deixar de levar em conta a circunstância de muitas pessoas, inclusive em virtude da própria natureza da atividade profissional exercida, auferirem rendimentos de valor e periodicidade incertos, tornando necessária a formação de uma reserva que lhe permita sobreviver a instabilidades por período talvez maior do que o vigente até a próxima remuneração.
Não bastasse, a necessidade de manutenção de uma reserva destinada à fazer frente às necessidades básicas pessoais e da família se mostra ainda mais compreensível diante do contexto sócio-econômico pelo qual vem atravessando o país.
A propósito:
"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CABIMENTO. EXCEPCIONALIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECADÊNCIA. ATO JUDICIAL. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DO INTERESSADO. VALOR EM CONTA CORRENTE. LIMITE. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. POUPANÇA. DIGNIDADE. SUSTENTO. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
(...)
4. Exceto se comprovada a ocorrência de abuso, má-fé ou fraude e ainda que os valores constantes em conta corrente percam a natureza salarial após o recebimento do salário ou vencimento seguinte, a quantia poupada pelo devedor, no patamar de até 40 (quarenta) salários mínimos, é impenhorável.
5. Referidos valores podem estar depositados em cadernetas de poupança, contas-correntes, fundos de investimento ou até em espécie, mantendo, em qualquer desses casos, a característica da impenhorabilidade.
6. Recurso ordinário parcialmente provido. Ordem concedida em parte.
(RMS 52.238/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 08/02/2017)
Feitas essas considerações, tenho que, na hipótese dos autos, não há qualquer indício de abuso, má-fé ou fraude da parte do Agravante. Sendo incontroverso o fato de que a conta na qual efetuado o bloqueio é destinada ao recebimento dos proventos de aposentadoria, e tendo sido bloqueados valores inferiores a 50 salários-mínimos, resta evidenciada a ilegalidade da medida.
Além disso, importa registrar o fato da dívida exequenda não ser de natureza alimentar e, portanto, não se enquadrar na hipótese excepcional prevista pelo §2º do art. 833 do CPC.
Assim, em se tratando de montante de natureza alimentar inferior a 50 salários mínimos, a impenhorabilidade é garantia que decorre da lei, não restando evidenciado, até o momento, motivo que justificasse o seu afastamento no caso concreto.
Ante o exposto, defiro o efeito suspensivo para determinar a liberação dos valores bloqueados em favor da parte Agravante.
Vista à parte Agravada para se manifestar.
Intimem-se."
Não vejo razão agora para modificar tal entendimento.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5038501-90.2017.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
AGRAVANTE: GILBERTO AUGUSTO MAURICI
ADVOGADO: Fernando Damian Batschauer
AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO.
Não há qualquer indício de abuso, má-fé ou fraude da parte do Agravante. Sendo incontroverso o fato de que a conta na qual efetuado o bloqueio é destinada ao recebimento dos proventos de aposentadoria, e tendo sido bloqueados valores inferiores a 50 salários-mínimos, resta evidenciada a ilegalidade da medida.
Além disso, importa registrar o fato da dívida exequenda não ser de natureza alimentar e, portanto, não se enquadrar na hipótese excepcional prevista pelo §2º do art. 833 do CPC.
Assim, em se tratando de montante de natureza alimentar inferior a 50 salários mínimos, a impenhorabilidade é garantia que decorre da lei, não restando evidenciado, até o momento, motivo que justificasse o seu afastamento no caso concreto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de março de 2018.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/03/2018
Agravo de Instrumento Nº 5038501-90.2017.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
AGRAVANTE: GILBERTO AUGUSTO MAURICI
ADVOGADO: Fernando Damian Batschauer
AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/03/2018, na seqüência 542, disponibilizada no DE de 23/02/2018.
Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS
Secretário
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