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AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. TRF4. 5031041-13.2021.4.04.0000...

Data da publicação: 21/10/2021, 07:02:53

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. 1. Presentes os requisitos da relevância dos fundamentos jurídicos e do risco da demora, considerando os elementos probatórios disponíveis pertinentes a esta fase processual, é de antecipar-se os efeitos da tutela para restabelecer benefício assistencial. 2. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5031041-13.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Agravo de Instrumento Nº 5031041-13.2021.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AGRAVANTE: PAULO CASSIANO COMIN (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))

AGRAVANTE: MARIA JANICE DOS SANTOS COMIN (Pais)

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar recursal, interposto por PAULO CASSIANO COMIN, contra decisão que, no Procedimento Comum n. 50005628120214047131 indeferiu o pedido de antecipação de tutela, visando ao restabelecimento de benefício assistencial.

Eis o teor da decisão recorrida (evento 13):

Trata-se de ação em que a parte autora objetiva o restabelecimento do benefício de amparo assistencial à pessoa portadora de deficiência n.º 87/517.544.601-7 (suspenso em 01/03/2021) e a desconstituição do débito que lhe está sendo cobrado na importância de R$ 58.173,96 (cálculo realizado em 22/02/2021). Para tanto, alega preencher os requisitos à manutenção do benefício de prestação continuada, consistindo erro administrativo o seu cancelamento, e a percepção de boa-fé da benesse no período de 01/06/2016 a 31/01/2021. Em tutela provisória de urgência, postula o imediato restabelecimento do benefício e a declaração de inexigibilidade da dívida que lhe está sendo cobrada. Junta documentos (E1).

É o breve relato. Decido.

Recebo a petição inicial.

Da tutela provisória de urgência

Em sede de tutela de urgência, pretende a parte autora o imediato restabelecimento do benefício de amparo assistencial à pessoa portadora de deficiência n.º 87/517.544.601-7 e a suspensão da cobrança da importância de R$ 58.173,96.

Da cobrança de valores

O artigo 300 do Código de Processo Civil preceitua que a tutela de urgência poderá ser deferida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e desde que haja o perigo de dano, ou, ainda, risco ao resultado útil do processo.

Especificamente quanto ao tema em debate, é preciso referir que, conforme previsão da Súmula de n. 473 do Supremo Tribunal Federal, "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

De regra, portanto, os valores indevidamente pagos devem retornar ao sistema da seguridade social, sobretudo em observância ao princípio do interesse público.

Ocorre que a jurisprudência, ao prestigiar fatores como a boa-fé no recebimento e a irrepetibilidade de verba de caráter alimentar, deixa a hipótese de repetição para os casos em que os benefícios previdenciários são obtidos mediante fraude, dolo ou má-fé. Cito, a respeito, os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Precedentes: Rcl. 6.944, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 13/08/10 e AI n. 808.263-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 16.09.2011. 2. O princípio da reserva de plenário não restou violado, conforme a tese defendida no presente recurso, isso porque a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, ou seja, a controvérsia foi resolvida com fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem à norma infraconstitucional que disciplina a espécie. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “PREVIDENCIÁRIO. RENDA MENSAL VITALÍCIA. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADA DA DE CUJUS NÃO COMPROVADA. PENSÃO POR MORTE INDEVIDA. CARÁTER PERSONALÍSSIMO DO BENEFÍCIO. 1. O benefício de renda mensal vitalícia tem caráter personalíssimo, intransferível e que não enseja benefício de pensão, por tratar-se de benefício de natureza assistencial e não natureza previdenciária. 2. Hipótese em que o autor não comprovou que a falecida esposa fazia jus ao benefício de aposentadoria por invalidez quando do deferimento do benefício de renda mensal vitalícia, circunstância que não possibilita a concessão de pensão por morte a seus dependentes previdenciários. 3. Devido ao caráter alimentar do benefício de pensão por morte, não há como cogitar-se da devolução das prestações auferidas pela parte autora por força da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.” 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, ARE 658950 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012). Grifei.

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO ADMINISTRATIVA. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. PENSÃO POR MORTE. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. 5. Confirmada a sentença no mérito, majora-se a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% sobre o valor da causa atualizado, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (TRF4, AC 5021834-49.2015.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 23/04/2018). Grifei.

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Condições para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão são idênticas às estabelecidas para a pensão por morte, regendo-se pela lei vigente à época do recolhimento do segurado à prisão. 2. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. (TRF4, AC 5019675-40.2014.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 17/10/2017). Grifei.

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL DE JURISPRUDÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. INCIDENTE PROVIDO. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA. REEXAME DE PROVA. NÃO CONHECIMENTO. 1. Reafirmação do entendimento desta Turma Regional de Uniformização no sentido de que são irrepetíveis os valores recebidos, ainda que irregularmente, pelo segurado de boa-fé, devendo o INSS devolver as verbas que porventura tenha já descontado do benefício (IUJEF 50016817620124047007 e 50412681520154047100). 2. Incidente provido quanto ao ponto. 3. Devolução à turma de origem para readequação. 4. Quanto ao dano moral não houve divergência comprovada, além de ser necessário o reexame de prova. Incidente não conhecido. (TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, IUJEF 5030820-80.2015.4.04.7100, Relator LEONARDO CASTANHO MENDES, juntado aos autos em 07/06/2017). Grifei.

Inexistindo, portanto, dúvida sobre o caráter alimentar do benefício assistencial, a celeuma, neste momento, está em resolver sobre a repetibilidade ou não dos valores a partir do estado subjetivo de boa ou de má-fé do beneficiário.

No caso, em análise preliminar, entrevejo evidências aptas a gerar a probabilidade do direito decorrente da ausência de indícios de má-fé no comportamento da parte autora para a percepção do benefício que lhe é cobrado.

Destaco, nessa ambiência, ter aportado ao feito cópia do relatório de análise da fase de defesa (E1, PROCADM12, fl. 73), do qual é possível extrair que a irregularidade constatada no âmbito administrativo consistiu na suposta manutenção indevida do benefício de amparo à pessoa portadora de deficiência, tendo em vista que "em consulta ao CNIS e PLENUS verificamos que a mãe possui recolhimentos como Contribuinte Individual desde 01/08/2016 e a irmã ANA VERÔNICA COMIN possui vínculo desde 02/07/2019 com remuneração anterior ao Coronavírus (03/2020) no valor de R$ 1.405,80. Portanto, a renda é SUPERIOR a ¼ do salário-mínimo".

Pelo que se verifica, a irregularidade na manutenção do benefício de prestação continuada não teve origem na atuação da parte autora, mas na alteração da renda do núcleo familiar posteriormente ao requerimento administrativo. Com efeito, pelo que se observa do extrato previdenciário (E6), o autor teve seu benefício assistencial concedido em 08/08/2006 (DIB), sendo que sua mãe só veio a apresentar renda em 01/08/2016 (E1, PROCADM12, fl. 63), ou seja, passados dez anos da concessão inicial do benefício controvertido. Veja-se, ainda, que a renda percebida pela genitora foi de apenas um salário-mínimo.

Outrossim, quanto à renda auferida pela irmã, as informações atualizadas no CADÚNICO dão conta de que esta não mais integra o grupo familiar do autor (E1, PROCADM12, fls. 59/61).

Assim, em um primeiro momento, não se vislumbra elemento que caracterize a má-fé na percepção do benefício, mesmo porque não se constatou a prestação de informações falsas em procedimento de revisão do benefício. Deste modo, à luz do caráter alimentar do benefício, é devida a suspensão da cobrança de R$ 58.173,96 (cálculo realizado em 22/02/2021).

Portanto, defiro a tutela de urgência para determinar ao INSS que se abstenha de adotar qualquer medida de cobrança dos valores pagos à parte autora em virtude do benefício n.º 87/517.544.601-7 (suspenso em 01/03/2021), inclusive a promoção de descontos em benefício porventura vigente, ainda que de titularidade de sua genitora, e a inscrição da parte em dívida ativa.

Do restabelecimento do benefício assistencial

Quanto ao restabelecimento do benefício, afirma a autora que "a única renda familiar do grupo advém da atividade da mãe Maria Janice, que é diarista, realizando trabalhos esporádicos como faxineira, sem dispor de qualquer renda fixa mensal, recebendo valor bem inferior ao salário mínimo, o qual se mostra insuficiente para a manutenção do sustento do Autor e do pagamento das despesas mensais básicas com alimentação, água, luz, gás, medicamentos, vestuários e demais necessidades especiais que o mesmo demanda" (E1, INIC1).

As alegações da parte autora, no entanto, demandam a produção de prova, não havendo nos autos, neste momento, elemento apto a afastar a presunção de validade do ato administrativo que apurou indícios de superação do critério da miserabilidade durante a fruição do benefício assistencial.

Assim, indefiro a tutela de urgência em relação ao pleito de restabelecimento do benefício assistencial, sem prejuízo de sua eventual reapreciação após a instrução.

Intimem-se as partes para ciência acerca da presente decisão.

Prosseguimento do feito

Defiro a gratuidade da justiça. Anote-se o benefício.

Cite-se o INSS para responder, indicando as provas a serem produzidas, ou apresentar proposta de conciliação, tudo no prazo de 30 (trinta) dias. Após, vista à parte autora para réplica.

Sem prejuízo, determino a realização de perícia socioeconômica. Para tanto, deverá a Secretaria diligenciar na nomeação de perito (assistente social) e consequente designação de data para avaliação socioeconômica a ser realizada na residência da parte autora.

Com a vinda do laudo socioeconômico, dê-se as partes para se manifestarem no prazo de 15 (quinze) dias. Na oportunidade, fica o INSS intimado para, querendo, apresentar proposta de acordo.

Por vim, venham conclusos para sentença.

Requer a parte recorrente, inclusive como liminar recursal, a reforma da decisão recorrida, a fim de que seja deferido o pedido de restabelecimento de benefício assistencial.

Deferida liminarmente a pretensão recursal, restou silente o INSS.

É o relatório.

VOTO

Quando da decisão inaugural do agravo de instrumento, assim me manifestei:

Nos termos do artigo 1.019, I, do CPC/2015, recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do artigo 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias, poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.

Sobre a tutela de urgência, dispõe o Código de Processo Civil que:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

O reconhecimento do direito à percepção de benefício de prestação continuada, em sede liminar, deve observar a relevância dos fundamentos jurídicos e o risco da demora, considerando os elementos probatórios disponíveis pertinentes a esta fase processual.

DESTINATÁRIOS DO BENEFÍCIO

São destinatários do benefício pessoas: a) com deficiência ou idosas (a partir de 65 anos de idade) e b) em situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo).

Para a política pública, são pessoas com deficiência “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, art. 1; Lei n. 8.427/1993, art. 20), condição que não se confunde com vida vegetativa ou incapacidade locomotora, nem incapacidade para as atividades básicas cotidianas, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho, nem incapacidade comunicativa, nem pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).

A seu turno, são pessoas idosas aquelas com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, nem por sua família, independente de condição incapacitante, bastando a situação de vulnerabilidade socioeconômica.

RISCO SOCIAL E REQUISITO ECONÔMICO

O risco social deve ser avaliado em concreto, servindo, para tanto, de modo absoluto, como fato presuntivo a percepção de renda familiar igual ou inferior a um quarto de salário-mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009). Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal (Recl nº 4374 e RExt nº 567985), declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), dada a imprestabilidade deste critério como único balizador do risco social, diretriz essa pacífica neste tribunal (v.g. AC 5001745-37.2018.4.04.7214, AC 5014437-21.2019.4.04.9999, AC 5020718-90.2019.4.04.9999, AC 5018881-97.2019.4.04.9999, AC 5025288-22.2019.4.04.9999, AC 5001203-69.2019.4.04.9999, AC 5005447-10.2017.4.04.7122).

CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR

No cálculo da renda familiar computam-se os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, pelos os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742, com a redação dada pela Lei n.º 12.435).

No aferição da renda familiar por pessoa, devem ser excluídos montantes referentes a benefício assistencial devido a idoso ou a pessoa com deficiência, bem como benefícios previdenciários por estes percebidos, observado o valor de um salário-mínimo (STF, Recurso Extraordinário 580.963/PR; STJ, REsp 1355052/SP); tais beneficiários, em decorrência da exclusão de sua renda, também não serão considerados na composição familiar, para efeito do cálculo da renda (TRF4 5007322-46.2019.4.04.9999).

Neste cômputo, os cuidados necessários, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012).

Por fim, a eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, política pública de transferência direta destinada a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07 de outubro de 2014).

No caso concreto, o ato administrativo que determinou a suspensão do pagamento do BPC ao autor tem como fundamento a superação do requisito de necessidade decorrente do risco social experimentado pelo núcleo familiar, formado pelo requerente, pessoa com deficiência, e sua mãe, diarista com renda mensal de um salário mínimo.

Conforme consta do processo administrativo, a suspensão ancorou-se nos seguintes fundamentos (evento 01, PROCADM12, página 73):

(...)

3. Em relação ao Cadastro Único, requisito para manutenção do benefício objeto desta apuração, conforme disposto nos artigos 12 e 13 do Decreto n.º 6.214/2007, observa-se que o(a) interessado(a) possui o CadÚnico atualizado em 14/04/2020 e o mesmo é composto pelo(a) beneficiário(a), mãe MARIA JANICE DOS SANTOS COMIN e irmã ANA VERÔNICA COMIN. Informação de renda apenas para beneficiária(o) de R$ 937,00 - benefício. Sem informação de renda para mãe e irmã;

4. No entanto, em consulta ao CNIS e PLENUS verificamos que a mãe possui recolhimentos como Contribuinte Individual desde 01/08/2016 e a irmã ANA VERÔNICA COMIN possui vínculo desde 02/07/2019 com remuneração anterior ao Coronavírus (03/2020) no valor de R$ 1.405,80. Portanto, a renda é SUPERIOR a ¼ do salário-mínimo;

5. Em face ao exposto, emitimos Ofício de Defesa a(o) interessado(a), conforme artigo 47, §1º, do Decreto n.º 6.214/2007. Apresentou defesa, na qual informa que a irmã deixou de fazer parte do grupo desde que se inseriu no mercado de trabalho. Argumenta que o grupo familiar é composto pelo beneficiário e mãe e a única fonte de renda advém deste Benefício Assistencial. Apresentou Cadastro Único constando o grupo familiar informado na defesa;

4- Em consultas ao CNIS e PLENUS, verificamos que o Cadastro Único foi atualizado em 06/10/2020 e consta que o grupo familiar é composto pelo beneficiário e mãe. No entanto, a mãe continua efetuando recolhimentos como Contribuinte Individual (de 08/2016 a 01/2021), LC 123 - código 1163, portanto com enquadramento como segurado obrigatório do RGPS na categoria de contribuinte individual e o valor mínimo mensal da sua atividade é de 1 salário mínimo, conforme inciso III e o §3° do art. 214 do Decreto 3.048/99. Desta forma, renda per capita é superior a ¼ do salário-mínimo. Na defesa não apresentou documentos que comprovem despesas feitas em razão de sua deficiência, incapacidade ou idade avançada e nem demonstrou, documentalmente, que requereu e teve a prestação negada por órgão da rede pública, conforme Ação Civil Pública nº 5044874-22.2013.4.04.7100-RS;

5- Diante do exposto, renda total da família é de R$ 1.100,00 (excluindo este benefício que não tem a renda computada para a própria análise) e, portanto, renda per capita atual é SUPERIOR a ¼ do salário-mínimo. Portanto, a defesa foi considerada insuficiente e a manutenção do benefício está irregular. Haverá cobrança do período de recebimento indevido que atualizado nesta data, observada a prescrição quinquenal e concomitância com rendimento da mãe, totalizam R$ 58.173,96 ( sessenta e oito mil cento e setenta e três reais e noventa e seis centavos);

6- Em face ao exposto, o benefício será suspenso e emitido ofício de recurso.

Disso se extrai que, no momento da decisão administrativa, o agrupamento familiar constituía-se de duas pessoas (o requerente e sua mãe), tendo a Administração considerado como renda familiar o equivalente ao valor mínimo mensal considerado como base de cálculo para a categoria de contribuinte individual, sendo a genitora do requerente trabalhadora diarista.

Não há dúvida, dado o conjunto de documentos médicos acostados aos autos, quanto à condição de grave debilidade de saúde que experimenta o autor (ev 1 -exmmed9 e ev1 - exmed10), como também da aquisição de medicamento de expressivo custo que faz uso conforme prescrição médica (há comprovação de aquisição em farmácia privada, ev 1 – procadm12, fl. 56), quadro que configura situação de risco social.

Diante desse quadro, considerando a presença de risco de dano irreparável ou de muito difícil reparação, decorrente da vulnerabilidade social constatada, aliada à circunstância de a decisão administrativa ter se valido de presunção quanto a renda pela genitora, cuja boa-fé transpareceu à avaliação judicial em primeiro grau, tenho como presentes os requisitos para o deferimento da liminar recursal.

Ante o exposto, defiro liminarmente a pretensão recursal, para o fim de determinar o restabelecimento do benefício assistencial nº 87/517.544.601-7.

Não havendo, por ora, nenhum fato ou fundamento novo a justificar a alteração desse entendimento, mantenho a decisão em seus exatos termos.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002798478v2 e do código CRC 887c2f96.Informações adicionais da assinatura:
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Agravo de Instrumento Nº 5031041-13.2021.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

AGRAVANTE: PAULO CASSIANO COMIN (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))

AGRAVANTE: MARIA JANICE DOS SANTOS COMIN (Pais)

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

agravo de instrumento. antecipação de tutela. benefício assistencial. requisitos.

1. Presentes os requisitos da relevância dos fundamentos jurídicos e do risco da demora, considerando os elementos probatórios disponíveis pertinentes a esta fase processual, é de antecipar-se os efeitos da tutela para restabelecer benefício assistencial.

2. Agravo de instrumento provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de outubro de 2021.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002798479v3 e do código CRC 393980a2.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 14/10/2021, às 17:14:36


5031041-13.2021.4.04.0000
40002798479 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 21/10/2021 04:02:52.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/10/2021 A 14/10/2021

Agravo de Instrumento Nº 5031041-13.2021.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER

AGRAVANTE: PAULO CASSIANO COMIN (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))

ADVOGADO: DOUGLAS DALL CORTIVO DOS SANTOS (OAB RS066427)

AGRAVANTE: MARIA JANICE DOS SANTOS COMIN (Pais)

ADVOGADO: DOUGLAS DALL CORTIVO DOS SANTOS (OAB RS066427)

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/10/2021, às 00:00, a 14/10/2021, às 16:00, na sequência 69, disponibilizada no DE de 27/09/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 21/10/2021 04:02:52.

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