Agravo de Instrumento Nº 5042599-16.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: CARLOS DE JESUS TARONE FARIAS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Carlos de Jesus Tarone Farias interpôs o presente agravo contra decisão que indeferiu tutela de urgência em ação ajuizada para concessão de auxílio-doença, pelas seguintes razões (evento 8, OUT4, pág. 64):
[...]
INDEFIRO o pleito de antecipação dos efeitos da tutela, para concessão do auxílio-doença até o final do processo, porquanto a perícia foi realizada em 09/04/2019 e o prazo da incapacidade foi fixado em 8 (oito) meses após a sua realização. Logo, não há perícia médica que ateste a incapacidade do requerente no presente momento e até o final do processo.
Intime-se.
Cumpra-se o despacho de fl. 89.
[...]
Sustentou o agravante que a perícia referida pela decisão agravada não é suficiente para o indeferimento do benefício, porque até o momento o perito não se manifestou sobre a petição apresentada posteriormente à juntada do laudo. Alegou, também, que foi constatado, pelo próprio perito, a existência de muitas limitações aos movimentos e dores, o que impede a realização da atividade de agricultor. Disse, por fim, que está presente o risco de dano grave, porque está sendo obrigado a manter-se trabalhando mesmo sendo atividade extremamente dolorosa.
Intimado, o agravante juntou documentos.
O pedido de antecipação de tutela recursal foi deferido.
Foram apresentadas contrarrazões.
VOTO
Requisitos para a concessão de tutela de urgência
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
O processo originário, nº 00006056820188210158, foi ajuizado em 13/03/2018 e já foi realizada perícia judicial, por meio de exame médico realizado em 01/04/2019, com as seguintes conclusões (evento 8, OUT3, págs. 20/36):
[...]
Foram avaliados todos os documentos médicos e exames constatados nos autos, bem como aqueles apresentados pelo periciado no momento da perícia.
4. EXAME FÍSICO
Os resultados colhidos, de índole geral e que não mostraram manifestações patológicas e/ou não interessam diretamente ao desate da controvérsia, foram omitidos para evitar o alongamento desnecessário deste trabalho. Assim sendo, reportar-nos-emos, especificamente, aos elementos fornecidos pelo exame da região afetada.
Periciado em bom estado geral, lúcido, orientado e contactuante, mucosas normocoradas, anictérica.
Não deambula usando somente a ponta dos pés.
Não deambula usando somente os calcanhares,
Grande dificuldade para subir e descer da maca.
Apresenta moderada a grave dificuldade para realizar qualquer atividade que demande movimentação rápida ou forçada.
Coluna Cervical
Inspeção: Sem alterações.
Palpação: Sem alterações.
Amplitude articular mantida.
Teste de tração (Spurling): Sem alterações.
Teste de distração: Apresenta dor.
Coluna Lombossacral
Inspeção: Sem alterações.
Palpação: Sem alterações.
Apresenta face de dor.
Teste da elevação da perna esticada: Não realiza o teste devido a extrema dor. Apresenta face de dor.
Teste de Hoover: Não realiza o teste devido a extrema dor. Apresenta face de dor.
Ombro esquerdo:
Ausência de atrofias.
Ausência de perdas anatômicas.
Perda leve de força em membro superior esquerdo.
Limitação aos movimentos amplos.
Dificuldade para realizar movimentos com ombro esquerdo.
Testes irritativos para musculatura de manguito rotador de ombro direito:
Teste de Speed: dor e limitação de movimentos.
Teste de Neer: dor e limitação de movimentos.
Teste de Jobe: dor e limitação de movimentos.
Teste de Impacto de Hawkins: dor e limitação de movimentos.
Teste do Subescapular de Gerber: dor e limitação de movimentos.
5. CONCLUSÃO
Pelo anteriormente arrazoado, levando-se em conta a história clínica, exame físico geral e segmentar, e a verificação do contido nos autos, esse jurisperito conclui que o caso em análise apresenta incapacidade laborativa Total e temporária no momento da perícia. Deve ficar afastado de suas atividades laborativas por um período de 08 meses a contar desta perícia para realizar adequado tratamento multidisciplinar para suas enfermidades e posteriormente ser reavaliado.
(...)
7.2 - Existem exames complementares que comprovem tal enfermidade? Favor descrevê-los inclusive com data de realização.
R: TC de coluna lombar 22/03/2019: Discopatia degenerativa de T12-L5, um pouco mais significativa em L3-L4 e L4-L5, onde se observa estenose nos forâmens neurais, associados a leve artrose interapofisária do segmento lombar inferior.
USG ombro esquerdo 13/08/2014: Manifestações de tendinose do supra espinhal.
7.3 -Informe o Sr. Perito se os exames em que se embasou para a realização da perícia são suficientes e atuais para uma correta análise do estado de saúde da parte autora.
R: Sim.
7.4 - A doença (ou sequela) produz apenas limitações para o trabalho que a parte autora habitualmente exercia ou produz incapacidade total para esse trabalho?
R: Incapacidade Total e Temporária.
7.5 - Se positiva a resposta dada ao quesito anterior, desde que data existe a limitação ou incapacidade total? Justifique:
R: Impossibilidade por falta de elementos comprobatórios.
7.6 - Caso os dados objetivos constatados no exame clínico comprovem incapacidade para o trabalho que o periciando habitualmente exercia, esta incapacidade é temporária ou definitiva?
R: Temporária. (...)
8 - Estando incapaz atualmente o autora terá condições de retorno futuro à mesma atividade? Caso negativo poderá ser reabilitado para atividade diversa da original? Fundamente.
R: Realizando o tratamento multiprofissional indicado para o caso em tela a maior probabilidade é que sim. Prejudicado.
9 -Está o autor inválido? Justifique;
R: Não, doença passível de tratamento. (...)
11 - Caso seja comprovada a incapacidade temporária da parte autora, em que data provavelmente estará capacitada para retornar às suas atividades laborais (data previsível de cessação da incapacidade)? Justifique.
R:Periciado necessita realizar tratamento adequado e manter repouso por 08 meses.
[...]
O agravante solicitou esclarecimentos ao perito (evento 1, OUT3. págs. 39/40):
[...]
Assim, pergunte-se, como quesito complementar:
Segue, em anexo, Ultrassom do Ombro Esquerdo (datado de 13/08/2014) e atestado médico concluindo pela incapacidade laborativa (datado de 29/04/2015). Pergunta-se:
A) Com base na documentação acostada há algo que desabone ou que contradiga a conclusão da Dra Ilia Latingua Suarez acerca do início da incapacidade laborativa para o exercício da rurícola braçal, em 29/04/2015? Se há algo que desabone essa conclusão, explique:
B) É possível concluir, com base na documentação em anexo, que a provável data do início da incapacidade laborativa da parte autora para o seu trabalho habitual (agricultura familiar e braçal) é o relatado pela médica supracitada, a saber, em 29/04/2015?
[...]
Dos documentos constantes dos autos, verifica-se que o perito, embora tenha constatado moléstia causadora de incapacidade total e temporária para o exercício da atividade habitual de agricultor, não teve como especificar a data de início da doença, apenas referindo queixa do segurado há 15 anos em relação a dores.
O agravante, por sua vez, postulou esclarecimento do perito sobre exame datado de 2014, em relação ao qual não há notícia de manifestação do perito até o presente momento.
Na data da perícia, assim, havia incapacidade, que se estendeu, no mínimo, pelo período fixado pelo perito.
Como não houve nova avaliação do estado de saúde do segurado, os elementos dos autos não permitem concluir que tenha cessado a incapacidade, motivo pelo qual está evidenciada a probabilidade do direito alegado.
O perigo de dano está caracterizado pela impossibilidade de o beneficiário promover o próprio sustento, no qual o retardo na concessão do benefício constitui uma violação irreparável, pois o bem jurídico ofendido é infungível, sendo, para a tutela antecipada, consequência lógica da pura e simples demora na concessão do benefício.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5042599-16.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: CARLOS DE JESUS TARONE FARIAS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. previdenciário. aUxílio-doença. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS. PERIGO DE DANO E VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO.
1. Os requisitos para a concessão da tutela de urgência são a probabilidade do direito pleiteado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo caso não concedida.
2. A apresentação de documentos médicos, atestando a incapacidade do autor para o trabalho, evidencia a probabilidade do direito alegado.
3. A natureza alimentar do benefício e a ausência de renda suficiente para assegurar a sobrevivência do autor assinalam o perigo de dano.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de abril de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002443877v6 e do código CRC b54f6528.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/04/2021 A 20/04/2021
Agravo de Instrumento Nº 5042599-16.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JUAREZ MERCANTE
AGRAVANTE: CARLOS DE JESUS TARONE FARIAS
ADVOGADO: BRUNO DORNELLES DOS SANTOS (OAB RS072853)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/04/2021, às 00:00, a 20/04/2021, às 14:00, na sequência 453, disponibilizada no DE de 30/03/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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