Agravo de Instrumento Nº 5027826-63.2020.4.04.0000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
AGRAVANTE: SAMUEL VICTOR DA SILVA FORTES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO: ANY KAROLINE DE MOURA (OAB PR092180)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação ordinária, indeferiu a antecipação de tutela para que fosse concedido o benefício assistencial à parte autora, menor com 2 anos de idade (ev. 1, doc. 4).
A parte agravante relata que foi diagnosticada com Artrogripose congênita múltipla (CID 10 Q 74.3), Transtornos específicos misto do desenvolvimento (CID 10 F83) e hipóxia na ocasião do parto, patologias que lhe impõem diversas limitações, obstruindo sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, tendo em vista que move apenas a cabeça, estando a mãe afastada de atividades remuneradas pois o Agravante é totalmente dependente e requer cuidados em período integral. Afirma que o benefício foi indeferido pelo INSS, sob o fundamento arbitrário de que a família não se encaixava na renda, não foi feito qualquer investigação social.
Aduz que nesse momento, nem o genitor, nem a genitora do menor estão trabalhando, tendo seus contratos de trabalho rescindidos devido a grande demandas de faltas justificadas pelos cuidados com o filho, ora Agravante, que depende dos pais para todas as atividades da vida. Requer seja deferido efeito ativo.
O pedido de efeito suspensivo foi deferido.
Não foram apresentadas contrarrazões.
O MPF ofereceu parecer (ev.13).
É o relatório.
Peço dia.
VOTO
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão assim previstos no art. 300 do CPC/2015:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Portanto, são os requisitos que sempre devem estar presentes para a concessão da tutela de urgência: a) a probabilidade do direito pleiteado, isto é, uma plausibilidade lógica que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, do que decorre um provável reconhecimento do direito, obviamente baseada em uma cognição sumária; e b) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo caso não concedida, ou seja, quando houver uma situação de urgência em que se não se justifique aguardar o desenvolvimento natural do processo sob pena de ineficácia ou inutilidade do provimento final.
No caso, o Juiz indeferiu o pedido de antecipação da tutela sob os seguintes fundamentos:
(...)
(...)
No caso a autora - nascida em 19/12/2017 - formulou pedido administrativo de benefício assistencial em 02/08/2018 - indeferido por ter sido constatada renda per capita superior a 1/4 do salário-mínimo.
Por oportuno, transcrevo trecho do parecer do Ministério Público nos autos:
Vê-se que a apesar da gravidade do caso e da evidente incapacidade do autor para a vida independente, que o benefício foi indeferido em 12/2018 por que na época a renda per capita da família era superior a 1/4 do salário mínimo e pela falta de inscrição ou atualização dos dados do cadastro único (ev. 1, doc. 20).
O autor ajuiza a presente ação em 02/2020, alegando que a família sempre viveu em situação de miserabilidade. Destaca no recurso, ainda, ter havido alteração da situação familiar, pois atualmente ambos os genitores estão desempregados, restando comprovado o requisito da miserabilidade.
Situação de Risco Social
A redação atual do § 3º do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana - especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável -, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp nº 1112557/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20.11.2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Em julgados ocorridos após o recurso especial representativo de controvérsia e o recurso extraordinário com repercussão geral acima citados, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal mantiveram o entendimento de que a renda mensal percebida não é o único critério a ser considerado para a aferição da condição de miserabilidade, explicitando que devem ser analisadas as diversas informações sobre o contexto socioeconômico constantes de laudos, documentos e demais provas: AgRg no AREsp nº 538948/SP, STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 27.3.2015; Rcl. nº 4154, STF, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 21.11.2013.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas que podem ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX nº 0001612-04-2017.404.9999, 6ª T., Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. de 9.6.2017).
Em suma, tem-se firme entendimento jurisprudencial de que o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, traduz uma presunção absoluta de miserabilidade quando a renda familiar per capita for inferior a ¼ de salário mínimo (miserabilidade presumida), devendo ser comprovada por outros fatores (qualquer meio de prova admitido em direito) nos demais casos, isto é, quando a renda familiar per capita superar aquele piso.
Prosseguindo, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.
Na hipótese em análise, do que se vê, em exame de cognição sumária, é que a renda da família na época do requerimento era realmente superior ao limite para concessão do benefício, o que não é contestado. Entretanto, alegam que não foi avaliada a real situação familiar decorrente das dificuldades impostas pela deficiência do autor.
No caso, ainda não foi estudo social nos autos, entretanto, a CTPS do genitor do autor indica que está desempregado desde 19/09/2018 (doc. 13).
Foi juntado também estudo social realizado pela APAE em 07/2018 que assim descreveu (doc. 16):
Como se vê-se, aponta-se que são necessários cuidados extras em decorrência da deficiência do autor, que acarretarem gastos, tais como alimentação especial, fraldas descartáveis, exames, órteses, próteses e acompanhamento de especialistas, entre outros, aptos a configuração da situação extrema nessa quadra.
Nesse contexto, entendo cabível a concessão do benefício ao autor até que seja realizado o estudo social na origem, quando poderá ser reavaliada a medida.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001995518v2 e do código CRC 0850a863.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 18/9/2020, às 20:46:14
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Agravo de Instrumento Nº 5027826-63.2020.4.04.0000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
AGRAVANTE: SAMUEL VICTOR DA SILVA FORTES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO: ANY KAROLINE DE MOURA (OAB PR092180)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO assistencial. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PROBABILIDADE DO DIREITO DEMONSTRADA.
1. A concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC, condiciona-se à existência de probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
2. Demonstrada a probabilidade do direito alegado, cabível a concessão do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001995519v3 e do código CRC 17881db4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 18/9/2020, às 20:46:14
Conferência de autenticidade emitida em 26/09/2020 04:02:06.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 04/09/2020 A 15/09/2020
Agravo de Instrumento Nº 5027826-63.2020.4.04.0000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
AGRAVANTE: SAMUEL VICTOR DA SILVA FORTES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO: ANY KAROLINE DE MOURA (OAB PR092180)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/09/2020, às 00:00, a 15/09/2020, às 16:00, na sequência 1679, disponibilizada no DE de 26/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Conferência de autenticidade emitida em 26/09/2020 04:02:06.