Agravo de Instrumento Nº 5061336-72.2017.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
AGRAVANTE: ISABEL CRISTINA DOS SANTOS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento em face de decisão que revogou a antecipação de tutela, nos seguintes termos (Evento 1-COMP10):
Vistos.
Considerando o resultado do estudo social, cujo laudo encontra-se às fls 162/166, não verifico situação de vulnerabilidade, sendo que das fotografias verifica-se que a casa e os móveis são incompatíveis com amiserabilidade alegada pela autora.
Ainda, realizada a perícia médica, o laudo pericial (fls. 155/159) concluiu pela inexistência de incapacidade da requerente (...)
Assim, analisando as condições de moradia e saúde da parte autora, tanto através do estudo social, como da perícia médica, não há verossimilhança nas alegações da requerente quanto a fazer jus ao benefício de amparo social, razão pela qual REVOGO a tutela antecipada.
(...)
Relata a parte autora que juntou diversos laudos que comprovam que está tomando medicamento de forma contínua, e não possui condições mínimas para o trabalho devido ao transtorno afetivo bipolar (CID 10 F 31.9), e episodio depressivo grave com sintomas psicóticos (CID 10 F32.3). Requer a reforma da decisão, para fins de determinar a manutenção da tutela antecipada (Evento 1-INIC1).
Sem contraminuta, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
A parte autora, com 46 anos de idade, ensino fundamental incompleto, requereu administrativamente o benefício assistencial, pedido este indeferido. A presente ação objetiva a concessão do benefício, sob o argumento de que a autora é incapaz para uma vida independente e para o trabalho, não tendo condições de manter-se em virtude da moléstia a que está acometida.
Não houve controvérsia sobre o preenchimento do requisito etário, restando como ponto controvertido a condição socieconômica.
Estudo social juntado aos autos em 09/05/2017 (Evento 1-LAUDO9), dá conta de que a autora já na adolescência foi diagnosticada com transtorno Afetivo Bipolar e episódios depressivos com sintomas psicóticos, fazendo uso de medicação controlada (lítio, fluoxetina e bipirideno), fazendo acompanhamento trimestral com médico psiquiatra. Não possui vivências comunitárias e tem os laços familiares fragilizados, em virtude da doença.
A autora vive da renda do benefício assistencial recebido, tem uma filha adolescente que apenas estuda, não recebendo auxílio de terceiros, a não ser a casa em que mora cedida por sua avó. O pai da sua filha não paga alimentos. Não possui bens móveis ou imóveis.
A casa em que a autora mora possui apenas uma televisão, um "tanquinho", e um rádio portátil. O local da casa é zona de prostituição, violência e tráfico.
Os gastos da autora, na época em que efeutado o laudo social perfaziam o montante de R$ 805,00, entre alimentação, água, gás e medicação, e outros.
Concluo, assim, ao menos por ora, que o núcleo familiar encontra-se em situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício assistencial pleiteado.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000455653v3 e do código CRC 5508cff7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 29/5/2018, às 16:13:39
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:01:32.
Agravo de Instrumento Nº 5061336-72.2017.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
AGRAVANTE: ISABEL CRISTINA DOS SANTOS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. VULNERABILIDADE ECONÔMICA.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
3. Preenchidos os requisitos, é de ser restabelecido o benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de maio de 2018.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000455654v3 e do código CRC 09e5c6a9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 29/5/2018, às 16:13:39
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:01:32.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/05/2018
Agravo de Instrumento Nº 5061336-72.2017.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: ISABEL CRISTINA DOS SANTOS
ADVOGADO: ANELISE TREVISAN SECRETTI
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/05/2018, na seqüência 15, disponibilizada no DE de 07/05/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:01:32.