Agravo de Instrumento Nº 5024451-20.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: ANILDO DE LIMA SEVERO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação previdenciária (
), na qual o magistrado reconheceu a incompetência do Juízo para processar e julgar o feito, nos seguintes termos:Nas ações que visam à concessão de benefício previdenciário, o valor da causa deve corresponder à soma das parcelas vencidas e vincendas, sendo estas até o limite de uma prestação anual (artigo 292 do CPC). Em se tratando de revisão, o valor da causa deve corresponder apenas à diferença entre o pretendido e os valores já percebidos, descontados mês a mês.
As parcelas vencidas, por sua vez, sofrem apenas o acréscimo de correção monetária, sem a incidência de juros - que só são devidos a contar da citação -, e têm como termo inicial a DER e como termo final o mês imediatamente anterior à data do ajuizamento.
Portanto, observados os parâmetros acima delimitados, nos termos do artigo 292, § 3º, do Código de Processo Civil, retifico de ofício o valor da causa para R$ 28.636,23, nos termos do cálculo elaborado pela Contadoria desta Vara Judicial (evento nº 09).
Proceda a Secretaria à retificação do valor da causa no cadastro processual.
Assim, resultando o valor da causa abaixo de 60 salários mínimos e não versando a causa sobre nenhuma das matérias elencadas no parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 10.259/01, reconheço a absoluta incompetência deste Juízo para o processamento da demanda.
Alega o agravante, em síntese, que a data de início do benefício (DIB) deve ser fixada na data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício, independentemente do momento da comprovação dos fatos constitutivos ou da formalização do pedido no INSS.
Pretende que os efeitos financeiros de seu benefício sejam calculados com base na data em que poderia ter se aposentado, e, consequentemente, a execução das parcelas vencidas do benefício ao qual tinha direito desde a implementação dos seus requisitos, bem como a manutenção do valor da causa, com o prosseguimento do feito perante o procedimento comum.
Liminarmente, foi indeferida a antecipação da tutela (
).Intimado, o agravado não apresentou contrarrazões.
O agravante, por sua vez, interpôs agravo interno repisando os argumentos da inicial do recurso (
).É o relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos termos que transcrevo:
O Juízo a quo declinou da competência para o Juizado Especial Federal, por não considerar adequado o valor da causa.
Ocorre que, ao avaliar o pedido e a causa de pedir, o juízo de origem anteviu a impossibilidade do pagamento de parcelas anteriormente à DER, identificando, na pretensão de valores uma tentativa clara de manipulação do valor da causa, com vistas à fixação da competência perante juízo federal comum.
O que fez o juízo de origem, no exercício de sua competência, foi o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso na sua definição a partir de critério arbitrário - inclusão de parcelas indevidas no valor da causa.
Importante dizer, a parte autora pode prosseguir requerendo parcelas antes da DER, mas o valor da causa deve ser recalculado, de forma a evitar a escolha do juiz competente.
O Código de Processo Civil, no capítulo III, tratando da competência, dispõe no artigo 42 que as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência.
Cumpre, portanto, ao órgão judicial pronunciar-se sobre a sua competência.
O juízo a quo nada mais fez que dar aplicação, ao caso concreto, da teoria do abuso de direito. O ato abusivo tem inicialmente uma aparência de legalidade, mas seu exercício revela-se irregular a partir do momento em que se observa o desvio de finalidade que move o agente, ao fazer uso anormal de uma prerrogativa que a lei lhe assegura.
No caso, a inclusão de parcelas anteriores ao próprio pedido de aposentadoria, sem justificação específica, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial.
Se ao Judiciário não for dado poder para atuar em casos como tais, estará legitimando ato processual praticado com desvio de finalidade, portanto abusivo.
Sobre a teoria do abuso no direito de demandar, o Desembargador Rui Stoco, fazendo distinção com a ma-fé processual, dá bem a noção dos motivos que levaram o magistrado a reconhecer que o valor da causa foi excessivo e, assim, corrigi-lo de ofício:
E, como instrumento de paz social e distribuição de justiça, visando não só a dar a cada um o que é seu, mas, ainda, dar a cada um o que deve ser seu e, também tendo como meta optata precípua solucionar as pretensões resistidas em juízo, a teoria do abuso do direito faz-se presente no procedimento, posto que se exige das partes em juízo que atuem de boa-fé, procedendo com lisura e lealdade. O descumprimento desses ditames induz a má-fé, que se subsume no conceito de abuso do direito e do ato ilícito que, por sua vez, integra o campo maior da responsabilidade civil. Portanto, o abuso do direito está para a má-fé assim como a responsabilidade civil está para o ato ilícito. Desde longa data MENDONÇA LIMA (1980, p. 59) já advertia que: A infração mais grave ao princípio da probidade processual é, sem dúvida, a que caracteriza o "abuso do direito de demandar". Tal direito não diz respeito apenas à atividade do autor ao propor a ação, mas, também, abrange a do réu em defender-se ou, na linguagem de nosso Código de Processo Civil, em responder (excepcionar, contestar ou reconvir). Lembrava, ainda, o ilustre professor aspecto importante, que merece registro, ao afirmar: Mesmo uma ação bem proposta ou uma defesa lisa podem originar, contudo, atos de improbidade em vários atos no decorrer da causa. Mas, se a origem já é pecaminosa todo o processo ficará maculado, ainda que nenhum ato mais se apresente infringente do preceito de lealdade. São, portanto, situações diferentes: o abuso do direito de demandar e os atos de má-fé no curso do processo. Esses podem existir - ainda que um só - independentemente daquela atitude inicial: mas aquela contaminará todo o processo, mesmo que, depois, venha correr sem nenhum vício em qualquer dos atos.
(...)
A má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos, não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos isso possa ocorrer. Contudo, o abuso do direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem origem ou com suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos. Essa a lição que se colhe em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Só quando se chama alguém a juízo, sem base alguma, sem fomento de direto, sem se mostrar com legítimo interesse de agir, é que surge o abuso no exercício da demanda" (TJSP - 19ª C. Civil - Ap. 241.788-2 - Rel. Des. Telles Corrêa - j. 13.03.1995). Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato com a consequente imposição de sanção pecuniária. (Stoco, Rui; Abuso do direito e ma-fé processual; p.76/77; São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 2001)
Nesse contexto, tendo em conta que o juiz não extinguiu o processo, sequer parcialmente para afastar o pedido formulado, tendo apenas identificado e afastado o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial, devendo, após a devida adequação, ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, conforme decidido na origem.
Ante o exposto, indefiro a antecipação da tutela recursal.
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002937970v3 e do código CRC 809e7baa.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5024451-20.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: ANILDO DE LIMA SEVERO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
previdenciário. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROLE do VALOR DA CAUSA. ABUSO DE DIREITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
1. Quando o juiz não extingue o processo, sequer parcialmente, para afastar o pedido formulado e a medida se resume a identificar e afastar o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial.
2. Havendo a devida adequação deve ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de dezembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002937971v5 e do código CRC 4844313c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 07/12/2021
Agravo de Instrumento Nº 5024451-20.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
AGRAVANTE: ANILDO DE LIMA SEVERO
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/12/2021, na sequência 467, disponibilizada no DE de 22/11/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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