Agravo de Instrumento Nº 5047510-37.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: ADRIANA MARIA POLA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação previdenciária, na qual foi declarada a incompetência para processamento dos pedidos de danos morais e exclusão de juros e multa, com a cisão do processo para que prossiga naquele juízo somente no que pertine aos pedidos de matéria previdenciária, bem como, suprimindo o montante fixado para o pedido de compensação por danos morais (R$ 16.963,59), retificou de ofício o valor da causa para R$ 50.036,41, declinou da competência para o Juizado Especial (
).Pretende a parte agravante, em síntese, que seja mantida a competência da Vara Federal, tendo em vista que é lícita a cumulação de pedidos. Defende a manutenção do valor atribuído à causa (R$67.000,00, sendo R$13.200,00 parcelas vincendas, R$36.836,41, parcelas vencidas e R$16.963,56, danos morais), sustentando que a quantia a título de indenização por danos morais não é desproporcional ao dano material postulado.
Liminarmente, foi deferida em parte a antecipação da tutela recursal, apenas para permitir a cumulação dos pedidos, mantendo, porém, a competência no âmbito do JEF.
Intimado, o agravado não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos termos que transcrevo:
Admissibilidade
De início, registro o trânsito em julgado do REsp n.º 1696396/MT e do REsp n.º 1704520/MT, em 22/02/2019, com tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos do STJ - Tema 988, in verbis:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
À luz desta nova orientação jurisprudencial, entendo que se deve dar trânsito ao agravo para exame da questão relativa à competência para processamento e julgamento da ação originária.
Mérito do recurso
É possível a cumulação de pedidos, na forma do disposto no artigo 327, caput, do CPC/2015, uma vez atendidos os requisitos previstos nos parágrafos e incisos do artigo.
A competência previdenciária se estabelece com base na natureza do pedido principal, devendo ser relativa à relação jurídica previdenciária de benefício, como no presente caso, que versa sobre a concessão de uma aposentadoria. Nesse sentido, esta Corte tem entendido por afastar a competência previdenciária tão somente nos casos em que não há qualquer discussão sobre o direito ou não ao benefício:
DIREITO PROCESSAL CIVIL. COMPETÊNCIA. PEDIDO DE DANOS MORAIS POR ATRASO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA, NEM MESMO INDIRETA. 1. O critério definidor da competência leva em consideração a causa de pedir e o pedido. 2. A ação na qual se postula exclusivamente indenização por atraso da administração na concessão de benefício previdenciário, sem que se discuta o direito ou não ao benefício, tem cunho eminentemente administrativo, o que atrai a competência o Juízo Cível correspondente. 3. Conflito solvido para declarar a competência do juízo suscitado. (TRF4 5019528-82.2020.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 30/06/2020)
Assim sendo, quando há pedidos sucessivos, que surgem como decorrência da relação jurídico-previdenciária, como no presente caso (pedido de indenização por dano moral e de exclusão de juros e multa da indenização de período rural), tais pedidos serão, também, de competência do juízo previdenciário.
Dessa forma, deve ser reconhecida a possibilidade de cumulação do pedido de dano moral previdenciário e de exclusão de juros e multa do cálculo da indenização do período rural, com os demais pedidos e a competência do Juízo de origem para apreciação de todos os pedidos deduzidos na inicial.
Por outro lado, por fundamento diverso do Juízo de origem, resta mantida a competência do Juizado Especial Federal para o julgamento da demanda.
O Juízo a quo declinou da competência para o Juizado Especial Federal, afastando, do valor da causa, o valor total postulado a título de danos morais, qual seja R$16.963,56.
O entendimento das turmas da 3ª Seção, nos casos em que houve arbitramento de danos morais, é de que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, definida em cada caso à luz de circunstâncias específicas, orbita em torno dos R$ 10.000,00 (dez mil reais). Cumpre referir que valores maiores já foram fixados, chegando-se a R$ 20.000,00, frente a circunstâncias muito específicas.
Diante disso e considerando que a parte autora não se desincumbiu de apontar especificamente os danos efetivos a embasar o valor atribuído a título de danos morais, esse deve ser limitado ao valor de R$10.000,00.
De registrar que não há negativa quanto ao mérito do pedido de danos morais, cumulado com os materiais. A parte autora pode prosseguir requerendo inclusive a quantia lançada como pretensão inicial, matéria a ser oportunamente analisada em sentença, mas o valor da causa deve ser recalculado, de forma a evitar a artificial fixação desse valor.
O Código de Processo Civil, no capítulo III, tratando da competência, dispõe no artigo 42 que as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência.
Cumpre, portanto, ao órgão judicial pronunciar-se sobre a sua competência.
Trata-se de dar aplicação, ao caso concreto, da teoria do abuso de direito. O ato abusivo tem inicialmente uma aparência de legalidade, mas seu exercício revela-se irregular a partir do momento em que se observa o desvio de finalidade que move o agente, ao fazer uso anormal de uma prerrogativa que a lei lhe assegura.
No caso, o arbitramento de valor da causa que excede todos os parâmetros que vêm sendo adotados em casos similares, sem justificação específica, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial.
Se ao Judiciário não for dado poder para atuar em casos como tais, estará legitimando ato processual praticado com desvio de finalidade, portanto abusivo.
Sobre a teoria do abuso no direito de demandar, o Desembargador Rui Stoco, fazendo distinção com a ma-fé processual, dá bem a noção dos motivos que levaram o magistrado a reconhecer que o valor da causa foi excessivo e, assim, corrigi-lo de ofício:
E, como instrumento de paz social e distribuição de justiça, visando não só a dar a cada um o que é seu, mas, ainda, dar a cada um o que deve ser seu e, também tendo como meta optata precípua solucionar as pretensões resistidas em juízo, a teoria do abuso do direito faz-se presente no procedimento, posto que se exige das partes em juízo que atuem de boa-fé, procedendo com lisura e lealdade. O descumprimento desses ditames induz a má-fé, que se subsume no conceito de abuso do direito e do ato ilícito que, por sua vez, integra o campo maior da responsabilidade civil. Portanto, o abuso do direito está para a má-fé assim como a responsabilidade civil está para o ato ilícito. Desde longa data MENDONÇA LIMA (1980, p. 59) já advertia que: A infração mais grave ao princípio da probidade processual é, sem dúvida, a que caracteriza o "abuso do direito de demandar". Tal direito não diz respeito apenas à atividade do autor ao propor a ação, mas, também, abrange a do réu em defender-se ou, na linguagem de nosso Código de Processo Civil, em responder (excepcionar, contestar ou reconvir). Lembrava, ainda, o ilustre professor aspecto importante, que merece registro, ao afirmar: Mesmo uma ação bem proposta ou uma defesa lisa podem originar, contudo, atos de improbidade em vários atos no decorrer da causa. Mas, se a origem já é pecaminosa todo o processo ficará maculado, ainda que nenhum ato mais se apresente infringente do preceito de lealdade. São, portanto, situações diferentes: o abuso do direito de demandar e os atos de má-fé no curso do processo. Esses podem existir - ainda que um só - independentemente daquela atitude inicial: mas aquela contaminará todo o processo, mesmo que, depois, venha correr sem nenhum vício em qualquer dos atos.
(...)
A má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos, não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos isso possa ocorrer. Contudo, o abuso do direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem origem ou com suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos. Essa a lição que se colhe em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Só quando se chama alguém a juízo, sem base alguma, sem fomento de direto, sem se mostrar com legítimo interesse de agir, é que surge o abuso no exercício da demanda" (TJSP - 19ª C. Civil - Ap. 241.788-2 - Rel. Des. Telles Corrêa - j. 13.03.1995). Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato com a consequente imposição de sanção pecuniária. (Stoco, Rui; Abuso do direito e ma-fé processual; p.76/77; São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 2001)
Nesse contexto, tendo em conta que não há extinção do processo, sequer parcialmente para afastar o pedido formulado, tendo havido apenas identificação e afastamento do excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial, devendo, após a devida adequação, ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
No caso, portanto, limitado o valor dos danos morais a R$10.000,00, o valor da causa resulta em R$60.036,41, sendo o processo de competência do Juizado Especial Federal.
Ante o exposto, defiro em parte a antecipação da tutela recursal, apenas para permitir a cumulação dos pedidos, mantendo, porém, a competência no âmbito do JEF.
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003046572v2 e do código CRC f561faa8.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5047510-37.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: ADRIANA MARIA POLA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANOS MORAIS. cumulação. possibilidade. VALOR DA CAUSA. CONTROLE. ABUSO DE DIREITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
1. Quando há pedidos sucessivos, que surgem como decorrência da relação jurídico-previdenciária, como no presente caso (pedido de indenização por dano moral e de exclusão de juros e multa da indenização de período rural), tais pedidos serão, também, de competência do juízo previdenciário.
2. Nos pedidos de benefício cumulados com dano moral é cabível ao juízo exercer o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso de direito na sua definição, a partir de critério arbitrário e em dissonância com a jurisprudência da 3ª Seção desta Corte.
2. Quando o juiz não extingue o processo, sequer parcialmente, para afastar o pedido formulado e a medida se resume a identificar e afastar o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial.
3. Havendo a devida adequação deve ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003046573v5 e do código CRC 1e19d8c1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 09/03/2022
Agravo de Instrumento Nº 5047510-37.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
AGRAVANTE: ADRIANA MARIA POLA
ADVOGADO: GUILHERME AUGUSTO WILBORN (OAB RS103260)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 09/03/2022, na sequência 735, disponibilizada no DE de 24/02/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 20/03/2022 04:01:15.