Agravo de Instrumento Nº 5057926-98.2020.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: HAMILTON MARTINS
ADVOGADO: MARIA SILESIA PEREIRA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação previdenciária, na qual foi redimensionado o valor atribuído à demanda e declinada a competência para uma das varas do Juizado Especial Previdenciário.
Pretende a parte agravante, em síntese, seja mantido o valor atribuído à causa e, consequentemente, a competência da Vara Federal para o julgamento do processo originário. Alega que o valor do dano moral integra o valor da causa, sendo tal parcela limitada pela soma das parcelas vencidas e doze vincendas do benefício previdenciário pretendido.
Liminarmente, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.
No evento 6, o agravante juntou petição, apresentando comprovante de renegociação de dívida de cartão de crédito, a qual alega que contraiu por não estar recebendo o benefício de aposentadoria a que faz jus, a fim de reafirmar como devido o valor pretendido a título de dano moral.
Intimado, o agravado não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos termos que transcrevo:
Admissibilidade
De início, registro o trânsito em julgado do REsp n.º 1696396/MT e do REsp n.º 1704520/MT, em 22/02/2019, com tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos do STJ - Tema 988, in verbis:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
À luz desta nova orientação jurisprudencial, entendo que se deve dar trânsito ao agravo para exame da questão relativa à competência para processamento e julgamento da ação originária.
Mérito do recurso
O Juízo a quo declinou da competência para o Juizado Especial Federal, por não considerar adequado o valor postulado a título de dano moral.
Não se discute ser possível a cumulação de pedidos, na forma do disposto no artigo 327, caput, do CPC/2015, uma vez atendidos os requisitos previstos nos parágrafos e incisos do artigo.
E é verdadeiro que a jurisprudência da 3ª Seção deste Tribunal consolidou-se no sentido de que o o valor atribuído à causa, quando requerida indenização por danos morais, no caso de ações previdenciárias, não deve ser desproporcional à soma dos valores vencidos e de doze parcelas vincendas, aplicando-se o que dispõe o artigo 292, VI, do CPC (TRF4 5026471-62.2013.404.0000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 13/05/2014).
Ocorre que, ao avaliar o pedido e a causa de pedir, o juízo de origem anteviu a impossibilidade do pagamento de danos morais na proporção pretendida pela parte autora, identificando, na pretensão de valores uma tentativa clara de manipulação do valor da causa, com vistas à fixação da competência perante juízo federal comum.
O que fez o juízo de origem, no exercício de sua competência, foi o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso na sua definição a partir de critério arbitrário e totalmente em dissonância com a jurisprudência desta mesma 3ª Seção, nos excepcionais casos de admissibilidade de indenização por danos morais em decorrência de negativa de concessão ou revisão de benefício ou do cancelamento de benefícios pelo INSS.
O entendimento das turmas da 3ª Seção, nos casos em que houve arbitramento de danos morais, é de que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, definida em cada caso à luz de circunstâncias específicas, orbita em torno dos R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que não chega próximo ao pretendido no caso dos autos, R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Cumpre referir que valores maiores já foram fixados, chegando-se a R$ 20.000,00, frente a circunstâncias muito específicas.
Diante disso e considerando que a parte autora não se desincumbiu de apontar especificamente os danos efetivos a embasar o valor atribuído a título de danos morais, entendeu que o valor da causa não poderia ser obtido pela mera soma de parcelas vencidas e doze vincendas.
De registrar que não houve negativa quanto ao mérito do pedido de danos morais, cumulado com os materiais. A parte autora pode prosseguir requerendo inclusive a quantia lançada como pretensão inicial, matéria a ser oportunamente analisada em sentença, mas o valor da causa deve ser recalculado, de forma a evitar a artificial fixação desse valor e a consequente escolha do juiz competente.
O Código de Processo Civil, no capítulo III, tratando da competência, dispõe no artigo 42 que as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência.
Cumpre, portanto, ao órgão judicial pronunciar-se sobre a sua competência.
O juízo a quo nada mais fez que dar aplicação, ao caso concreto, da teoria do abuso de direito. O ato abusivo tem inicialmente uma aparência de legalidade, mas seu exercício revela-se irregular a partir do momento em que se observa o desvio de finalidade que move o agente, ao fazer uso anormal de uma prerrogativa que a lei lhe assegura.
No caso, o arbitramento de valor da causa que excede todos os parâmetros que vêm sendo adotados em casos similares, sem justificação específica, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial.
Se ao Judiciário não for dado poder para atuar em casos como tais, estará legitimando ato processual praticado com desvio de finalidade, portanto abusivo.
Sobre a teoria do abuso no direito de demandar, o Desembargador Rui Stoco, fazendo distinção com a ma-fé processual, dá bem a noção dos motivos que levaram o magistrado a reconhecer que o valor da causa foi excessivo e, assim, corrigi-lo de ofício:
E, como instrumento de paz social e distribuição de justiça, visando não só a dar a cada um o que é seu, mas, ainda, dar a cada um o que deve ser seu e, também tendo como meta optata precípua solucionar as pretensões resistidas em juízo, a teoria do abuso do direito faz-se presente no procedimento, posto que se exige das partes em juízo que atuem de boa-fé, procedendo com lisura e lealdade. O descumprimento desses ditames induz a má-fé, que se subsume no conceito de abuso do direito e do ato ilícito que, por sua vez, integra o campo maior da responsabilidade civil. Portanto, o abuso do direito está para a má-fé assim como a responsabilidade civil está para o ato ilícito. Desde longa data MENDONÇA LIMA (1980, p. 59) já advertia que: A infração mais grave ao princípio da probidade processual é, sem dúvida, a que caracteriza o "abuso do direito de demandar". Tal direito não diz respeito apenas à atividade do autor ao propor a ação, mas, também, abrange a do réu em defender-se ou, na linguagem de nosso Código de Processo Civil, em responder (excepcionar, contestar ou reconvir). Lembrava, ainda, o ilustre professor aspecto importante, que merece registro, ao afirmar: Mesmo uma ação bem proposta ou uma defesa lisa podem originar, contudo, atos de improbidade em vários atos no decorrer da causa. Mas, se a origem já é pecaminosa todo o processo ficará maculado, ainda que nenhum ato mais se apresente infringente do preceito de lealdade. São, portanto, situações diferentes: o abuso do direito de demandar e os atos de má-fé no curso do processo. Esses podem existir - ainda que um só - independentemente daquela atitude inicial: mas aquela contaminará todo o processo, mesmo que, depois, venha correr sem nenhum vício em qualquer dos atos.
(...)
A má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos, não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos isso possa ocorrer. Contudo, o abuso do direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem origem ou com suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos. Essa a lição que se colhe em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Só quando se chama alguém a juízo, sem base alguma, sem fomento de direto, sem se mostrar com legítimo interesse de agir, é que surge o abuso no exercício da demanda" (TJSP - 19ª C. Civil - Ap. 241.788-2 - Rel. Des. Telles Corrêa - j. 13.03.1995). Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato com a consequente imposição de sanção pecuniária. (Stoco, Rui; Abuso do direito e ma-fé processual; p.76/77; São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 2001)
Nesse contexto, tendo em conta que o juiz não extinguiu o processo, sequer parcialmente para afastar o pedido formulado, tendo apenas identificado e afastado o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial, devendo, após a devida adequação, ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, conforme decidido na origem.
Por fim, consigno que o fato do Incidente de Assunção de Competência n.º 5050013-65.2020.4.04.0000 ter sido admitido não implica, necessariamente, na suspensão dos processos que tratam da mesma matéria. No caso concreto, em especial, porque se estaria obstando o prosseguimento de ação que está em fase inicial. Ademais, vale lembrar que todos os atos praticados, em caso de alteração futura de competência, poderão ser convalidados pelo juízo declarado competente.
Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo.
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002408760v4 e do código CRC abab4b18.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 30/3/2021, às 19:31:28
Conferência de autenticidade emitida em 07/04/2021 04:01:35.
Agravo de Instrumento Nº 5057926-98.2020.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: HAMILTON MARTINS
ADVOGADO: MARIA SILESIA PEREIRA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANOS MORAIS. VALOR DA CAUSA. CONTROLE. ABUSO DE DIREITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
1. Nos pedidos de benefício cumulados com dano moral é cabível ao juízo exercer o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso de direito na sua definição, a partir de critério arbitrário e em dissonância com a jurisprudência da 3ª Seção desta Corte.
2. Quando o juiz não extingue o processo, sequer parcialmente, para afastar o pedido formulado e a medida se resume a identificar e afastar o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial.
3. Havendo a devida adequação deve ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de março de 2021.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002408761v2 e do código CRC 60be79a5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 30/3/2021, às 19:31:28
Conferência de autenticidade emitida em 07/04/2021 04:01:35.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 23/03/2021 A 30/03/2021
Agravo de Instrumento Nº 5057926-98.2020.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
AGRAVANTE: HAMILTON MARTINS
ADVOGADO: MARIA SILESIA PEREIRA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/03/2021, às 00:00, a 30/03/2021, às 14:00, na sequência 665, disponibilizada no DE de 12/03/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/04/2021 04:01:35.